Imprimir acórdão
Processo nº 2/97 Conselheiro Messias Bento
Acordam na 2ª secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. A. e mulher, B., no recurso interposto na acção ordinária que contra eles foi proposta, na comarca do Funchal, por C. e mulher, D., reclamam do despacho do Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça
(de 23 de Setembro de 1996) - mantido pelo acórdão da conferência, de 14 de Novembro de 1996 -, que não admitiu o recurso, que interpuseram para o Tribunal Constitucional, do acórdão do mesmo Supremo, de 4 de Julho de 1996.
Os reclamados disseram que 'a rejeição (do recurso) deverá ser mantida'.
O Procurador-Geral Adjunto em exercício neste Tribunal emitiu parecer, dizendo que 'nenhuma censura pode merecer a decisão que rejeitou, por legalmente inadmissível, o recurso de constitucionalidade interposto pelos ora reclamantes'.
2. Corridos os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentos:
3. O recurso rejeitado pelo despacho reclamado foi interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, visando a apreciação da constitucionalidade do artigo 1º do Decreto Regional nº 13/77/M, de 18 de Outubro, interpretado no sentido de que dele 'emerge a privação do direito de propriedade do colono sobre as suas benfeitorias e do direito de as vender ou arrendar'.
A reclamação só é, por isso, de deferir, se os reclamantes tiverem suscitado a inconstitucionalidade daquele artigo 1º na interpretação indicada, e se o acórdão recorrido tiver aplicado tal norma com esse sentido. Só então, na verdade, se mostram preenchidos os pressupostos necessários ao conhecimento do recurso interposto.
4. Adianta-se já que isso não sucedeu.
Desde logo, pode dizer-se que, em direitas contas, nas alegações para o Supremo Tribunal de Justiça, os ora reclamantes não questionaram, ratione constitutionis, o mencionado artigo 1º do Decreto Regional nº 13/77/M, de 18 de Outubro.
Sobre este artigo 1º o que, na verdade, eles disseram foi que o mesmo 'não pode privar nem o senhorio nem o colono dos direitos de propriedade respectivamente sobre a terra e sobre as benfeitorias e o de as transmitirem e muito menos só relativamente ao último por serem direitos igual e constitucionalmente garantidos' (cf. conclusão 1ª). E ainda: 'ao decidir, nos termos em que o fez, o douto acórdão terá violado os artigos 13º e 62º da Constituição da República Portuguesa [...] e 1º [...] daquele DR 13/77/M' (cf. conclusão 12ª). Ou seja: os reclamantes imputaram a violação dos artigos 13º e
62º da Constituição ao próprio acórdão, e não ao mencionado artigo 1º, que consideraram ter sido também violado por tal aresto.
Mas, mesmo que devesse ter-se por suscitada a inconstitucionalidade do referido artigo 1º na interpretação que os reclamantes indicaram como inconstitucional (ou seja: na interpretação de que, desse artigo
1º, 'emerge a privação do direito de propriedade do colono sobre as suas benfeitorias e do direito de as vender ou arrendar'), continuava a não poder conhecer-se do recurso - e, por isso, a dever indeferir-se a presente reclamação.
É que o acórdão recorrido não aplicou o mencionado artigo 1º na interpretação indicada.
Na verdade, esse aresto, ao dizer que 'o que os autores não podem reivindicar são as benfeitorias visto que os proprietários delas são os colonos e não os autores', e ao decidir, em consequência disso, 'absolver os réus do pedido de reivindicação em relação à propriedade das benfeitorias feitas no prédio até 1977', o que, precisamente, fez foi afirmar que os colonos são os proprietários das benfeitorias.
Sucede, no entanto, que, referentemente às despesas feitas, a partir de 1982, pelos réus, no prédio cujo chão pertence aos autores, o acórdão recorrido não lhes reconheceu o direito de serem por elas indemnizados. Mas isso, porque entendeu que tais despesas não assumem a natureza de benfeitorias.
Escreveu-se aí, com efeito, que 'as despesas que os réus fizeram no prédio, a partir de 1982 [...], ou seja, já depois de decretada a extinção da colonia e por quem não era colono', não são benfeitorias, pois, para que pudessem como tal 'ser classificadas [...], no sentido do artigo 216º do Código Civil, seria necessário que os réus se mostrassem ligados ao chão por uma relação ou vínculo jurídico. Ora, não resulta de modo algum tal relação ou vínculo jurídico a ligar os réus ao chão'.
O mencionado artigo 1º não foi, pois, sequer, convocado para o efeito de se decidir que estas despesas não constituem benfeitorias. E, por isso, ele não foi aplicado com o sentido que os reclamantes pretendem ver apreciado, sub specie constitutionis, e que é o de que 'emerge [dele] a privação do direito de propriedade do colono sobre as suas benfeitorias e do direito de as vender ou arrendar'.
III. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, indefere-se a presente reclamação e condenam-se os reclamantes nas custas, para o que se fixa a taxa de justiça em oito unidades de conta.
Lisboa, 9 de Abril de 1997 Messias Bento Guilherme da Fonseca Fernando Alves Correia Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa