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Processo n.º 947/04
2.º Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – O Banco A., identificado com os sinais dos autos, recorre para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b),
da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), pretendendo ver
apreciada a inconstitucionalidade do critério normativo decorrente dos artigos
89.º, 102.º, n.º 1, 169.º, n.º 2, 189.º do Código de Procedimento e Processo
Tributário (CPPT) e dos artigos 95.º e 96.º da Lei Geral Tributária, quando
interpretados no sentido de que a compensação de créditos fiscais, realizada por
iniciativa da Administração Tributária, pode ser efectuada desde o momento em
que a dívida se torne exigível, apesar de ainda não se encontrar precludido o
prazo para o exercício do direito de impugnação, do contribuinte não ter sido
citado para a execução fiscal e de não ter sido notificado para prestação de
garantia, por violação do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
2 – Vem o presente recurso interposto do Acórdão do Tribunal Central
Administrativo do Norte, de 9 de Setembro de 2004, onde se decidiu:
“(...) no que concerne ao prazo para defesa da legalidade da liquidação ele em
nada contende com o direito à execução por parte da AF, direito este que nasce
logo que finde o termo do prazo do pagamento voluntário da dívida concedido ao
contribuinte.
Estipula efectivamente o artigo 78.º do CPPT, ao preceituar sobre a modalidade
da cobrança, no seguimento aliás do que já dizia o artigo 102.º do CPT, que a
cobrança das dívidas fiscais pode ocorrer ou por pagamento voluntário ou através
da cobrança coerciva sendo que o pagamento voluntário é “aquele que deve ser
feito nos prazos fixados nas leis tributárias” - cfr. Artigo 84.º do CPPT e
107.º do anterior CPT.
Deriva do exposto que o incumprimento das obrigações tributárias ocorre findo
que seja o prazo do pagamento voluntário já que a partir daí o devedor se
encontra em mora sendo este incumprimento que legitima a cobrança coerciva, bem
como, por ser uma mera modalidade dessa cobrança a compensação das dívidas de
tributos por iniciativa da AF nos termos do previsto no artigo 89.º do CPPT.
De facto enquanto decorre o prazo para o pagamento voluntário das dívidas
fiscais não é lícito à AF agredir o património do devedor.
Por isso temos então de pronunciarmo-nos sobre o momento em que para a AF
surge o direito de exigir coercivamente o pagamento da dívida.
Como se disse já a legitimidade para a AF nasce com o momento em que ocorre o
incumprimento e porque o incumprimento se verifica nas obrigações tributárias
findo que seja o prazo legal fixado nas leis tributárias para o pagamento
voluntário a AF encontra-se legitimada para proceder à cobrança coerciva da
dívida, designadamente através da execução fiscal desde que o incumprimento
ocorra.
Significa o exposto que a partir daí surge para a AF o poder/dever de exigir a
satisfação da dívida tributária do sujeito passivo o que pode fazer-se através
da cobrança coerciva ou através da modalidade da compensação da dívida mecanismo
e instituto previsto no artigo 89.º do CPPT.
A compensação é como se sabe e resulta da lei um modo de extinguir as
obrigações pecuniárias ou referentes a coisas fungíveis entre pessoas que são
simultaneamente credoras e devedoras e na essência consiste em dar por paga a
divida de cada um em quantidade igual à do seu crédito que igualmente se dá por
cobrado noutro tanto.
Como diz o artigo 847.º do CC “quando duas pessoas sejam reciprocamente credor
e devedor qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio da compensação
com a obrigação do seu credor desde que verificados os requisitos consignados
nas alíneas a) e b) do citado artigo.
Porque se trata de créditos do Estado esta compensação só é permitida nos
termos legalmente definidos como é o caso do artigo 89.º do CPPT o que bem se
compreende atenta a natureza indisponível de tais créditos.
Trata-se de uma figura ou instituição jurídica que “visa evitar uma
desnecessária duplicação de pagamentos e também cumprir a função de garantia
baseada em critério de justiça e equidade já que através dela se evita que um
devedor pague a sua dívida e corra o risco de não cobrar o crédito por
insolvência do outro devedor”.
E isto sem que a AF esteja obrigada a esperar pelo tempo dos prazos que a lei
concede ao executado ou contribuinte para a defesa da legalidade dessa mesma
dívida – cfr. José M Lete del Rio, in Derecho de Obligaciones, pp. 227.
(...)
Se bem atentarmos nos requisitos que condicionam a sua possibilidade
destaca-se desde logo o facto da necessidade de os créditos em presença terem
por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.
Efectivamente desde que o executado tenha sido notificado da liquidação a que
diz respeito a dívida em causa a mesma passa a ser exigível tendo a certidão a
que alude a alínea a) do artigo 162 do CPPT desde que contenha os requisitos do
artigo 163.º do mesmo diploma legal a força de título executivo com a mesma
força de sentença transitada em julgado.
E sendo instaurada a execução fiscal a sua suspensão só pode ter lugar em caso
de reclamação graciosa impugnação judicial ou recurso judicial que tenha por
objecto a legalidade da dívida mas desde que tenha sido constituída garantia ou
deferida a sua dispensa ou a penhora que garanta o pagamento da mesma – cfr. o
artigo 169.º do CPPT.
Resulta do exposto que o facto de a lei permitir a impugnação da liquidação
donde decorre a dívida não pressupõe ou impõe que a dívida só possa ser exigível
a partir do termo do prazo da impugnação, reclamação ou recurso pois como se
disse o poder/dever de a cobrar coercivamente ou de proceder à execução nasce
para a AF com o incumprimento.
E não se diga que com isto se frustra o direito de acesso à justiça ou por
qualquer forma se diminuem os direitos de defesa do devedor.
O facto de a lei permitir a cobrança coerciva findo que seja o prazo do
pagamento voluntário prende-se como é óbvio com a própria natureza da dívida em
causa, o seu carácter público e com a celeridade da sua cobrança face ás
necessidades colectivas que se visam cobrir.
Todavia com[o] já se referiu essa celeridade em nada contende com os meios de
defesa legalmente atribuídos ao devedor nem com eventuais prejuízos daí
resultantes já que se o acto de liquidação donde dimana a dívida em cobrança for
anulado por ilegalidade tal situação faz desde logo ressarcir o contribuinte não
só com a restituição do que pagou indevidamente como no pagamento de juros
indemnizatórios nos termos do artigo 61.º do CPPT.
Decorre do exposto que a sentença não padece de erro de julgamento no que
concerne à data dada como provada no que respeita à apresentação da impugnação
judicial como igualmente não enferma de insuficiência de factualidade
designadamente da falta da fixação das datas do termo do prazo para a impugnação
ou da data da notificação da compensação por tais factos serem irrelevantes para
a boa decisão da causa que é saber se a compensação foi bem ou mal exercida.
O facto de ter sido efectuada antes do termo do prazo para a dedução de
impugnação pelas razões anteriormente expostas e no que concerne à data da
notificação da compensação por a mesma se tornar efectiva mediante mera
declaração da AF sendo que os efeitos da mesma por força do artigo 854.º do CC
retroagem considerando-se os créditos extintos desde o momento em que se
tornaram compensáveis.
Efectivamente, tendo o recorrente sido notificado da liquidação do IRC bem
como do prazo para o pagamento voluntário e seu termo, não tendo procedido ao
pagamento ocasionou uma situação de inexecução constituindo-se em mora e
consequentemente com tal inexecução preencheu os pressupostos legais para a AF
no exercício dos seu poder/dever de poder accionar a cobrança coerciva nos
termos do artigo 817.º do CC e artigo 89.º do CPT.
Face ao exposto e sem necessidade de mais considerações e porque no essencial
se concorda com os fundamentos da decisão recorrida com a ressalva quanto ao
facto de a compensação em nosso entender só ocorrer na fase da cobrança coerciva
quando por iniciativa da AF acordam os juízes do TCA em negar provimento ao
recurso».
3 - Não se conformando com tal decisão, o Recorrente interpôs, nos
termos supra mencionados, recurso para o Tribunal Constitucional, apresentando,
após o devido despacho, as suas alegações, aí concluindo que:
“1.ª A questão cuja constitucionalidade se submete à sindicância desse
Venerando Tribunal Constitucional é a interpretação e aplicação que, no caso sub
judice, o Tribunal Central Administrativo do Norte faz do art. 89.º do CPPT
isolada e conjuntamente com os regimes vertidos, respectivamente, nos arts.
102.º, n.º 1, do CPPT e 95.º e 96.º da LGT, bem como dos arts. 189.º e 169.º,
n.ºs 1, 2 e 3, do CPPT;
2.ª Com efeito, entende o Tribunal a quo que qualquer compensação de dívidas
fiscais com créditos dos contribuintes de igual natureza por iniciativa da
Administração Tributária, poderá ser efectuada nos termos do artigo 89.º do CPPT
sem que, tal como sucede no caso vertente, se tenha verificado o termo do prazo
legalmente previsto para a dedução de impugnação judicial contra a liquidação
adicional que originou a dívida a compensar, sem que tenha ocorrido citação no
respectivo processo de execução, sem que tenha sido notificada da fixação do
montante da garantia a prestar em cumprimento do requerido, sem que, igualmente,
tenha sido notificada para prestação de garantia nos termos do art. 169.º, n.º
2, do CPPT, sem que tenha sido, ainda, respeitado o efeito suspensivo provisório
do processo de execução;
3.ª Efectivamente, para o Tribunal a quo, para que a aludida compensação seja
efectuada basta que a dívida fiscal entre em relaxe e não se encontre, a essa
data, pendente impugnação judicial, reclamação ou recurso e prestada garantia;
4.ª Ora, tal entendimento encerra uma dúplice violação do art. 20.º da
Constituição da República Portuguesa;
5.ª Uma primeira, enquanto norma que consagra o direito de acesso aos
tribunais, ocorre com a interpretação e aplicação que o Tribunal a quo faz do
artigo 89.º do CPPT, quer isoladamente, quer conjugadamente com os arts. 102.º,
n.º 1 do mesmo Código e arts. 95.º e 96.º da LGT, ao decidir que a limitação do
prazo para recurso à via da impugnação judicial decorrente da necessidade de se
evitar a prática do acto lesivo que é a compensação, não contende com os meios
de defesa do contribuinte;
6.ª Ao invés, aquela interpretação e aplicação da lei viola efectivamente o
direito de acesso aos tribunais expressamente consagrado no artigo 20.º, n.º 1,
da Constituição da República Portuguesa, uma vez que decorre deste mesmo
preceito a insusceptibilidade de qualquer limitação dos prazos de acção ou de
recurso a períodos de tempo não conformes com o direito a proteger;
7.ª Trata-se, aliás, de situação sobre a qual esse Venerando Tribunal
Constitucional já se pronunciou em igual sentido no acórdão n.º 87-148-1, de 6
de Maio de 1987, proferido no processo n.º 86-0140.
8.ª Uma segunda violação do citado art. 20.º, agora enquanto expressão
normativa constitucional do princípio da protecção jurídica, ocorre com a
interpretação e aplicação que o Tribunal a quo faz igualmente do artigo 89.º do
CPPT isolada e conjuntamente com o regime vertido dos arts. 189.º e 169.º, n.ºs
1, 2 e 3, do referido Código;
9.ª Com efeito, é absolutamente atentatório do referido preceito
constitucional a interpretação e aplicação dos citados normativos no sentido de
que à compensação sub judice não pode obstar o facto de, em momento prévio
àquela, não ter ocorrido citação do recorrente no respectivo processo de
execução, não se ter verificado qualquer notificação da fixação do montante da
garantia nos termos do requerido pelo executado, de não se ter verificado
qualquer notificação para prestação de garantia nos termos do art. 169.º, n.º 2,
do CPPT, nem ainda, que tenha sido desrespeitado o efeito suspensivo provisório
do processo de execução;
10.ª efectivamente, tais dispositivos legais mais não são do que normas
basilares do procedimento e do processo tributários ditadas pelo elementar
princípio da protecção jurídica de que o direito ao acesso à justiça previsto no
art. 20.º da Constituição da República Portuguesa é a expressão constitucional;
11.ª Logo a violação daqueles implica, em consequência, a violação deste;
12.ª Termos em que, deve o acórdão recorrido ser revogado por manifesta
interpretação e aplicação, do arti. 89.º do CPPT, quer isoladamente, quer
conjugadamente com os regimes vertidos, respectivamente, dos arts. 102.º, n.º 1,
do CPPT e arts. 95.º da LGT, bem como dos arts. 189.º e 169.º, n.ºs 1, 2 e 3 do
referido Código, em frontal violação do artigo 20.º da Constituição da República
Portuguesa e, consequentemente, com um sentido absolutamente inconstitucional.»
4 – Contra-alegando, a Representante da Fazenda Pública, veio
sustentar que:
«(...) manifesta adesão à tese do douto acórdão recorrido no sentido de que a
celeridade da cobrança da dívida em causa se justifica face às necessidades
colectivas que tais dívidas visam cobrir e que “essa celeridade em nada contende
com os meios de defesa legalmente atribuídos ao devedor nem com eventuais
prejuízos daí resultantes já que se o acto de liquidação donde dimana a dívida
em cobrança for anulado por ilegalidade tal situação faz desde logo ressarcir o
contribuinte não só com a restituição do que pagou indevidamente como no
pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 61.º do CPPT”.
- Com efeito, a regra da compensação de dívidas de tributos por iniciativa da
administração tributária, do artigo 89.º do CPPT em nada contende com as normas
que regulam a compensação como meio do devedor se livrar da sua obrigação por
meio de compensação com a obrigação do seu credor, contidas nos artigos 847.º e
seguintes do Código Civil.
- Designadamente, coaduna-se com o n.º 1 do artigo 848.º do CC que dispõe: “a
compensação torna-se efectiva mediante declaração de uma das partes á outra”.
- E não ocorre qualquer das causas de exclusão da compensação definidas pelo
artigo 853.º do C. Civil.
- Deste modo, o não ter ocorrido, no caso, em momento prévio à execução,
citação do recorrente no respectivo processo de execução e não se ter verificado
qualquer notificação da fixação de garantia nos termos do requerido pelo
executado em nada contende com os princípios gerais que regulam a compensação
dos créditos.
- Pelo que, como bem considera o douto Acórdão recorrido, a compensação de
dívidas, prevista no artigo 89.º do CPPT, em nada coarcta ao declaratário da
compensação o direito de acesso aos tribunais.
Termos em que, deve ser considerado que o questionado entendimento do artigo
89.º do CPPT não viola o princípio do acesso à Justiça, consagrado no artigo
20.º da CRP, negando-se provimento ao presente recurso.»
Corridos os vistos legais, cumpre agora ajuizar.
B – Fundamentação
5 – Antes de se considerar o problema de constitucionalidade aqui
emergente, importa proceder a uma clara e precisa identificação delimitadora do
objecto do recurso, porquanto o Recorrente acaba por incluir na formulação da
questão de constitucionalidade determinadas normas que não foram aplicadas como
ratio decidendi da decisão sindicanda e que são convocadas como exemplos de
critérios legais tidos por violados pelo acórdão recorrido.
O Recorrente, sustenta que “a interpretação e aplicação que o
Tribunal a quo faz, no caso sub judice, do art. 89.º do CPPT, quer isoladamente,
quer conjugadamente com os regimes vertidos, respectivamente, dos arts. 102.º,
n.º 1, do CPPT e arts. 95.º e 96.º da LGT, bem como dos arts. 189.º e 169.º,
n.ºs 1, 2 e 3 do referido Código, constituem uma clara violação do art. 20.º da
Constituição da República Portuguesa, quer enquanto norma que acolhe e protege o
direito de acesso aos tribunais, quer enquanto norma que dá expressa consagração
ao princípio da protecção jurídica”.
Ora, perscrutando o Acórdão recorrido – e não deixando de atender ao
alegado pelo Recorrente – vislumbra-se que a ratio decidendi do juízo decisório
em crise apenas tange directamente com a interpretação dada ao artigo 89.º do
Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Na verdade, as restantes normas invocadas pelo recorrente – maxime, os artigos
95.º e 96.º da Lei Geral Tributária (LGT) que estabelecem, respectivamente, o
“direito de impugnação ou recurso” e o regime da “renúncia ao direito de
impugnação ou recurso”; o artigo 102.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de
Processo Tributário (CPPT), que fixa o prazo para a apresentação de impugnação
judicial; e o artigo 169.º que regula os termos em que poderá haver lugar à
suspensão da execução (mediante, designadamente, a prestação de garantia) – não
constituem a base fundamentante da decisão recorrida, mas sim normas que, na
perspectiva do Recorrente – a acolher-se a interpretação dada ao artigo 89.º do
CPPT –, seriam consequencialmente violadas ou afectadas por aquela ratio
decidendi, daí concluindo o Recorrente que “tais dispositivos legais mais não
são do que normas basilares do procedimento e do processo tributários ditadas
pelo elementar princípio da protecção jurídica de que o direito ao acesso à
justiça previsto no art. 20.º da Constituição da República Portuguesa é a
expressão constitucional; (...) Logo a violação daqueles implica, em
consequência, a violação deste”.
Tal facto está bem patente ao nível da invocação dos artigos 95.º e
96.º da LGT e do artigo 102.º, n.º 1, do CPPT, cuja referência apenas se
compreende na medida em que a interpretação dada ao artigo 89.º, n.º 1, do CPPT,
envolve, para o Recorrente, uma preterição do direito de impugnação. E o mesmo
poderá dizer-se do artigo 169.º do CPPT, uma vez que a suspensão da execução,
mediante prestação de garantia, apenas ocorre após a impugnação judicial da
liquidação que vise discutir a legalidade da dívida exequenda, pelo que, tal
norma apenas releva para o caso dos autos na medida em que, em face da
interpretação dada ao artigo 89.º, n.º 1, do CPPT, tal efeito possa ficar
precludido.
Resta, ainda, a referência ao artigo 189.º, também do CPPT, que disciplina os
efeitos e a função das citações no processo de execução fiscal, e que é
convocada em termos de a sua preterição poder contender com as garantias de
defesa do contribuinte.
Contudo, como emerge claramente dos autos, o Tribunal deu como provado que “a
executada foi citada por ofício de 24 de Setembro de 2003”, pelo que a norma não
foi aplicada in casu com a dimensão normativa que o Recorrente lhe assinala.
Assim, atendendo ao juízo decisório recorrido, há que clarificar que a presente
questão de constitucionalidade incide precisamente sobre o critério normativo
que se extraiu do artigo 89.º, n.º 1, do CPPT quando interpretado no sentido de
que a compensação de créditos fiscais, realizada por iniciativa da Administração
Tributária, pode ser efectuada desde o momento em que a dívida se torne
exigível, apesar de ainda não se encontrar esgotado o prazo para o exercício do
direito de impugnação e de esta – ainda – não ter sido deduzida; o que,
atendendo ao discurso do Recorrente, envolverá saber se a “execução se
encontrará provisoriamente suspensa até ao terminus do prazo de impugnação, não
sendo lícito à Administração tributária proceder até esse momento à compensação
dos créditos fiscais”.
Delimitada, nesses termos, a questão de constitucionalidade, importa
atentar no que, de per se, se dispõe no artigo 89.º do Código de Procedimento e
de Processo Tributário, sob a epígrafe “Compensação de dívidas de tributos por
iniciativa da administração tributária”:
“1. Os créditos do executado resultantes de reembolso, revisão oficiosa,
reclamação graciosa ou impugnação judicial de qualquer acto tributário são
obrigatoriamente aplicados na compensação das suas dívidas à mesma administração
tributária, salvo se pender reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso
judicial ou oposição à execução da dívida exequenda ou esta esteja a ser paga em
prestações, devendo a dívida exequenda mostrar-se garantida nos termos deste
Código.
[...]”.
Por sua vez, o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa
dispõe, sob a epígrafe “Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva”, que:
“1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para
defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a
justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
[...]”.
Vejamos, pois, se o artigo 89.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo
Tributário, quando interpretado no sentido de que a compensação de créditos
fiscais, realizada por iniciativa da Administração Tributária, pode ser
efectuada desde o momento em que a dívida se torne exigível, apesar de ainda não
se encontrar precludido o prazo para o exercício do direito de impugnação e de
esta – ainda – não ter sido deduzida, viola, ou não, o parâmetro emergente do
artigo 20.º da nossa Constituição.
6 – Como tem sido concretizado pela jurisprudência deste Tribunal, o
sentido tutelar emergente do parâmetro constitucional concretamente em causa
impõe que se tenha por vedada “a criação de obstáculos que dificultem ou
prejudiquem sem fundamento e de forma desproporcionada o direito de acesso dos
particulares aos tribunais em geral” (cf. Acórdão n.º 1144/96, in Acórdãos do
Tribunal Constitucional, 35º vol., pág. 349), daí decorrendo, justamente, a
proscrição, constitucionalmente determinada, de qualquer regra que 'possa
diminuir intoleravelmente as garantias processuais do Recorrente, ou implicar um
cerceamento das suas possibilidades de defesa que se tenha de considerar
desproporcionado ou intolerável (...)' (cf. Acórdão n.º 266/2000, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt).
Assim sendo, in casu, importará apurar se o decisório critério normativo – ao
permitir que a compensação de créditos fiscais, realizada por iniciativa da
Administração Tributária, possa ser efectuada desde o momento em que a dívida se
torne exigível, apesar de ainda não se encontrar esgotado o prazo para o
exercício do direito de impugnação e de esta ainda não ter sido deduzida –
implica um qualquer cerceamento das possibilidades de defesa da Recorrente que
deva considerar-se, irrazoável, desproporcionado ou intolerável.
6.1 – Como é consabido, o processo de execução fiscal destina-se a obter a
cobrança coerciva de determinadas dívidas ao Estado e a outras pessoas
colectivas de direito público, aí se encontrando a cobrança das dívidas fiscais
(cf. artigo 148.º do CPPT).
Este processo tem na sua base um título executivo que “comprova a obrigação cujo
cumprimento se pretende e é, simultaneamente, constitutivo do direito da
entidade exequente” (cf. Administração Geral Tributária, Manual de procedimento
e processo tributário, Lisboa, 2002, p. 109), podendo consistir, inter alia, na
certidão extraída do título de cobrança relativa ao imposto (cf. artigo 162.º do
CPPT) que é “emitida” pelos serviços competentes da Administração tributária
sempre que decorrido o prazo para o pagamento voluntário da dívida este não
tenha sido realizado (cf. artigos 84.º e 88.º do CPPT), daí resultando,
compreensivelmente, que o processo de execução fiscal, apenas possa ser
instaurado “findo o prazo de pagamento voluntário estabelecido nas leis
tributárias”, não obstando, para tal, que ainda não tenha decorrido o prazo de
impugnação judicial do acto tributário que está na sua origem.
É certo que, uma vez impugnada judicialmente a legalidade da dívida exequenda –
com os fundamentos constantes do artigo 99.º do CPPT e no prazo estabelecido no
artigo 102.º do mesmo diploma –, a execução ficará suspensa até à decisão do
pleito desde que seja prestada garantia (cf. o artigo 169.º, e, quanto ao efeito
suspensivo da impugnação, o artigo 103.º, n.º 4, ambos do CPPT), mas tal não
impede que se dê origem à execução fiscal e que esta siga os seus trâmites até à
verificação dos pressupostos que determinam a sua suspensão.
6.2 – Findo o prazo para o pagamento voluntário do imposto em falta, a dívida
passará, assim, a ser exigível pela Administração tributária, o que se
prefigura, a par com as exigências de certeza e liquidez da mesma, conditiones
sine qua non para a abertura da execução fiscal em face da existência de um
título executivo que determine os fins e os limites da “acção executiva”.
Na verdade, apesar de o CPPT não reproduzir os termos do artigo 234.º do Código
de Processo Tributário, que afirmava expressamente “As dívidas sujeitas a
execução fiscal serão certas, líquidas e exigíveis”, também na actual vigência
do CPPT não poderá deixar de ser assim, só se podendo dar por verificados tais
requisitos – mais apropriadamente, o da exigibilidade – após expirado o prazo de
que o contribuinte beneficia para efectuar livremente o pagamento da dívida.
Este é, aliás, um requisito que, para efeitos do procedimento de cobrança
coerciva, se efectiva – e estabiliza – no momento em que se extrai a certidão da
dívida e se instaura o respectivo processo de execução, não sendo a sua
“sobrevivência” afectada pelo facto de ainda não ter decorrido o prazo, de 90
dias, para a impugnação judicial da liquidação que está na origem de tal dívida.
E não se diga que, perante uma dívida certa, líquida e exigível, a instauração
da execução fiscal ou a prática de actos tendentes à realização da cobrança
coerciva da dívida se mostram precludidos ou frustrados por ainda não ter
decorrido o prazo de impugnação judicial do acto de liquidação, sob pena de
violação das garantias de defesa do contribuinte.
Atente-se, a esse respeito, no que, ainda na vigência do regime do Código de
Processo Tributário, mas com argumentação transponível para os autos, se
decidiu no Acórdão deste Tribunal n.º 332/01, publicado no Diário da República
II Série, de 12 de Outubro de 2001, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 50º
vol., pp. 783:
«(...)Ora, apesar de a administração fiscal poder instaurar a execução antes de
decorrido o prazo da impugnação judicial da liquidação do imposto, o
contribuinte pode na mesma impugnar judicialmente a legalidade do respectivo
acto de liquidação perante os tribunais tributários; e, se o fizer e prestar
caução idónea ('garantia bancária, caução, seguro caução ou qualquer outro meio
susceptível de assegurar os créditos do exequente'), a execução será suspensa.
Mais ainda: mesmo não prestando caução idónea, uma vez efectuada a penhora, a
execução não prosseguirá os termos ulteriores, pois sempre será suspensa:
sê-lo-á, se os bens penhorados garantirem 'o valor da quantia exequenda e do
acrescido' (cf. artigo 255º, n.º 1, do Código de Processo Tributário); e
sê-lo-á, também, mesmo que os bens penhorados sejam insuficientes (cf. ALFREDO
JOSÉ DE SOUSA e JOSÉ DA SILVA PAIXÃO, in Código de Processo Tributário.
Comentado e anotado, Coimbra, 1991, página 479, nota 5). Além disso, o executado
pode deduzir oposição à execução fiscal, que 'é ainda, de algum modo, um meio de
impugnação da liquidação tributária' [cf. JOSÉ CASALTA NABAIS (Direito Fiscal,
Coimbra, 2000, página 302); e, nessa execução, se a lei não assegurar um 'meio
judicial de impugnação ou recurso' contra o acto de liquidação do imposto, pode
inclusive invocar a própria ilegalidade da liquidação da dívida fiscal dada à
execução.
Vale isto por dizer que os direitos do contribuinte ficam devidamente
acautelados, não obstante a execução fiscal poder ser instaurada antes de
expirado o prazo previsto na lei para a impugnação judicial do acto de
liquidação do imposto dado à execução, e não obstante também, verificado o
condicionalismo apontado, a execução ser suspensa, mas não extinta.
Os actos de liquidação dos impostos praticados pela administração fiscal,
como actos administrativos que são ('os actos tributários praticados por
autoridade fiscal competente em razão da matéria são definitivos quanto à
fixação dos direitos dos contribuintes, sem prejuízo da sua eventual revisão ou
impugnação nos termos da lei': artigo 18º do Código de Processo Tributário),
podem, pois, ser objecto de impugnação contenciosa perante os tribunais
tributários. E, se o contribuinte os impugnar (ou seja, se impugnar
judicialmente a liquidação do imposto), com fundamento na ilegalidade da dívida,
e prestar garantia idónea ou, uma vez efectuada a penhora, se esta garantir 'a
totalidade da quantia exequenda e do acrescido', ele (contribuinte) verá – como
se disse – a execução fiscal suspensa (cf. artigo 255º conjugado com o artigo
282º do citado Código).
Acresce que as normas sub iudicio tão-pouco impedem que, na própria
execução fiscal, o executado deduza oposição, para se defender da tentativa de
cobrança de 'um imposto que não existe (de todo ou à data dos factos)' ou 'que
não existe na esfera do executado por falta de legitimidade', ou, até, para em
certos casos provar que esse imposto 'é ilegal em virtude da ilegalidade da sua
liquidação' [cf. JOSÉ CASALTA NABAIS (ob. cit., página 302)], embora, neste
último caso seja necessário que 'a lei não assegure um meio judicial de
impugnação ou recurso contra este acto' [cf. o artigo 286º, n.º 1, alínea g), do
Código de Processo Tributário, que este Tribunal, no acórdão n.º 1171/96
(Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 35º, página 423 e seguintes),
julgou não violar o direito ao recurso contencioso], pois, se a lei assegurar
'meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto tributário', a discussão
sobre a sua ilegalidade deve fazer-se no processo de impugnação, e não no de
execução fiscal: é que, como escreve JOSÉ CASALTA NABAIS (ob. cit., página 262),
neste processo, 'não é, em princípio, admitida a discussão da ilegalidade do
acto tributário, que deve ser discutida no processo de impugnação' [Cf. também
ALFREDO JOSÉ DE SOUSA e JOSÉ DA SILVA PAIXÃO (Código de Procedimento e de
Processo Tributário. Comentado e anotado, Coimbra, 2000, página 487)]. E bem se
compreende que assim seja, pois, com isso – sublinha JOSÉ CASALTA NABAIS (ob.
cit., página 302) –, a lei pretende 'evitar que a impugnação dos actos
tributários se desloque para a execução fiscal e assim seja torneado o prazo de
impugnação judicial de tais actos'.
Ora, a oposição à execução – já atrás se sublinhou – 'é ainda, de algum
modo, um meio de impugnação da liquidação tributária', um processo declarativo
enxertado na execução fiscal, que tem justamente por objecto 'a discussão da
existência do crédito de imposto exigido pelo Fisco', como também diz JOSÉ
CASALTA NABAIS (ob. cit., página 302).
(...) Em conclusão:
Não obstante o facto de a execução fiscal poder ser instaurada antes de
decorrido o prazo de que o contribuinte dispõe para impugnar judicialmente a
liquidação do imposto que não pagou voluntariamente; e não obstante também a
circunstância de essa execução não ser declarada extinta, 'uma vez provada
documentalmente a impugnação judicial do acto dado à execução', e 'requerido o
seu efeito suspensivo'; as normas sub iudicio (é dizer, as normas constantes dos
artigos 110º, n.º 1, e 272º do Código de Processo Tributário, que tal permitem)
não violam o direito ao recurso contencioso, nem qualquer outra garantia dos
contribuintes. (...)».
6.3 – Assim sendo, importa agora considerar apenas se, perante a existência de
uma dívida que seja certa, líquida e exigível, no decurso de um processo de
execução fiscal – e prevendo a lei que a cobrança coerciva das dívidas fiscais
se possa fazer mediante “compensação (...) por iniciativa da administração
tributária”, desde que não esteja pendente “reclamação graciosa, impugnação
judicial, recurso judicial ou oposição à execução da dívida exequenda ou esta
esteja a ser paga em prestações, devendo a dívida exequenda mostrar-se
garantida” (cf. artigo 89.º, n.º 1, do CPPT) –, o facto de a compensação ter
ocorrido antes de se encontrar precludido o prazo para impugnação judicial, não
tendo esta sido efectivamente deduzida, atentará contra o disposto no artigo
20.º da Constituição.
Como se infere do artigo 89.º do CPPT, atendendo à sua imanente teleologia
fundamentante, o regime supra citado visa obstar à cobrança coerciva das dívidas
fiscais quando se encontra pendente um meio de reacção/oposição à actividade
administrativa, devendo aguardar-se o desfecho resultante da “contestação”
encetada pelo contribuinte e que ditará a legalidade da liquidação em crise.
Assim sendo, poderá sustentar-se, como faz o Recorrente, que essa ratio se
manifesta igualmente na hipótese em que, por ainda não ter decorrido o prazo de
impugnação, a legalidade da dívida ainda não se “consolidou”, pese embora a
dimensão textual do preceito autonomize claramente como requisito de tal
compensação o facto de não pender, no momento em que a compensação opere,
“reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à dívida
exequenda (...)”.
Porém, como se compreende, uma coisa é mobilizar uma argumentação metodológica
que permita a determinação do mais correcto sentido jurídico-normativo a
assinalar ao preceito, outra, distinta, é afirmar que um outro sentido normativo
terá de considerar-se inconstitucional.
No juízo do Recorrente, essa inconstitucionalidade adviria do facto de em
“acordo com o entendimento vertido no douto acórdão do Tribunal Central
Administrativo Norte, ser(á) o contribuinte que, para evitar a lesão do seu
património decorrente da prática do acto de compensação por iniciativa da
administração fiscal, terá de se antecipar à realização deste deduzindo, em
momento prévio, a competente impugnação judicial contra o acto de liquidação que
julga ser ilegal (...)”.
Por isso, no seu juízo, “é por demais evidente que tal entendimento (...) é
absolutamente atentatório do direito de impugnação (...) e, em consequência,
violador do disposto no art. 20.º, n.º 1, da Constituição da República
Portuguesa (...). [§] Com efeito, pela mesma razão que o legislador
constitucional proíbe ao legislador ordinário, através do comando vertido
naquele artigo 20.º, n.º 1, (...), mais concretamente, através do direito de
acesso aos tribunais, a fixação de prazos de caducidade do direito de acção ou
recurso exíguos, encontra-se também absolutamente vedada qualquer interpretação
de normativo legal, tal como a que o tribunal a quo faz do artigo 89.º do CPPT,
que, de alguma forma, legitime uma limitação ao prazo legal de exercício do
direito de acção ou de recurso”.
Será assim?
6.4 – Para se responder cabalmente a tal questão há que começar por ter em conta
que uma coisa são os pressupostos de que depende o exercício do direito de
impugnação judicial dos actos tributários – aí se incluindo o respectivo prazo
para o exercício do direito – e os efeitos que lhe estão assinalados, outra
coisa, diferente, são os requisitos de compensação de créditos fiscais,
importando, neste domínio, saber se, atento o direito de acesso aos tribunais,
existirá um “direito à não compensação” até ao termo do prazo para a impugnação
judicial ou, por outras palavras, se aquela deve ter-se, sub species
constitutionis, por vedada até à preclusão deste prazo.
Não subsistem quaisquer dúvidas de que, num plano formal, não se verifica
qualquer “encurtamento” ou esgotamento do prazo de exercício do direito de
impugnação judicial que se haja de ter como consequência da compensação de
créditos efectuada por iniciativa da administração fiscal.
O contribuinte continua a ter possibilidade de recorrer a esse meio de tutela
jurisdicional para discutir a legalidade da liquidação sofrida e, por essa via,
obter a anulação do acto tributário com as consequências que legalmente daí
advêm – designadamente, com a restituição do indevidamente compensado, acrescido
do pagamento dos legais juros indemnizatórios.
Essas dúvidas, como se compreende, apenas poderão encontrar a sua razão de ser
quando o problema seja perspectivado numa lógica material-substantiva.
Contudo, mesmo neste plano, a argumentação do Recorrente também não procede.
Desde logo, como já se salientou, não está, de todo, posto em causa que o
contribuinte possa, como veio efectivamente a fazer, deduzir impugnação judicial
contra o acto que determinou a liquidação adicional – e, reflexamente, motivou a
sobredita compensação –, mantendo, nesse processo, todas as garantias de defesa
contra a legalidade desse acto tributário.
Ao nível dos pressupostos do direito de impugnação judicial não se verifica
qualquer preterição das garantias de defesa do contribuinte.
É certo, porém, que uma vez deduzida a impugnação judicial, e já operada a
compensação, aquela não terá a virtualidade de sustar a realização desta, daí
decorrendo que o momento da dedução da impugnação judicial tenha, ex lege,
influência na possibilidade da Administração tributária proceder à compensação
dos créditos fiscais.
Nessa medida, não se ignora que, in casu, a cobrança coerciva, operada por
compensação, ocorre num momento em que o contribuinte ainda pode discutir a
legalidade da dívida exequenda e, assim, obter uma decisão judicial que pode
afectar o quid ou o quantum sujeito (ou não) a cobrança coerciva, vendo aquele o
seu património afectado ao pagamento de uma dívida que, apesar de se ter por
certa, líquida e exigível, pode ainda sofrer as vicissitudes inerentes a uma
eventual ilegalidade da liquidação a apurar em sede de impugnação judicial.
Contudo, como se compreende, tal resultado apenas seria constitucionalmente
ilegítimo se, à luz dos pertinentes parâmetros jusfundamentais, fosse
intolerável, perante a existência de uma dívida fiscal certa, líquida e
exigível, a realização de diligências tendentes à efectivação da cobrança
coerciva dessa mesma dívida, apesar de deduzida – recte, de poder ser ainda
deduzida – impugnação judicial, o que, decerto, ocorreria se o contribuinte
visse, por esse motivo, frustrada a possibilidade discutir a legalidade da
dívida ou não se admitisse que a decisão judicial relativa à legalidade da
liquidação pudesse repercutir-se sobre a cobrança da dívida, não sendo, por
maioria de razão, constitucionalmente imposto pelo artigo 20.º da norma normarum
que, fora de tais situações, se tenha de possibilitar ao contribuinte a
apresentação de garantia idónea a suspender a execução, conquanto lhe seja
possibilitada uma reacção aos actos praticados no decurso da execução fiscal
afectados pela decisão judicial que se pronuncie pela ilegalidade do acto que
funda a dívida exequenda.
Ora, perspectivando o sistema judicial de reacção aos actos da administração
fiscal, designadamente no que concerne à impugnação dos actos de liquidação e à
oposição à execução fiscal, em paralelo com o direito de acesso aos tribunais
constitucionalmente tutelado, vislumbra-se, claramente, que tais diligências não
afectam a possibilidade de o contribuinte obter uma decisão judicial sobre a
controvérsia que mantém com o fisco, não sendo, como se viu, incompatível com a
exigibilidade da dívida o decurso do prazo de impugnação judicial.
Nessa linha, importa ainda mencionar duas notas ilustradoras de tal
entendimento: uma relativa ao argumento do Recorrente segundo o qual a
compensação efectuada determinaria uma “lesão do seu património (...) por
iniciativa da Administração Tributária”; outra para concretizar em que medida
não pode sustentar-se que o direito de impugnação é preterido na medida em que,
para evitar a compensação, o Recorrente “é compelido (...) a antecipar o
exercício do seu direito de impugnação”.
Quanto à primeira questão, é consabido que a compensação de créditos envolve uma
reciprocidade de credores e devedores. In casu, não há dúvida de que o
património do contribuinte – aqui ilustrado pelo crédito que aquele dispunha
sobre a Administração tributária – é afectado pelo acto determinante da
compensação, mas, em todo o caso, também há que reconhecer que sobre aquele
impende uma dívida fiscal, reconhecida num título executivo bastante para a sua
cobrança, que, sendo, por isso, exigível, determina, por si, a possibilidade de
esta se repercutir sobre o património do devedor – como, de resto, mutatis
mutandis, sucede com a própria prestação de garantia da dívida exequenda
(prevendo-se, correspectivamente, a possibilidade de “indemnização em caso de
garantia indevida”: cf. artigo 171.º do CPPT) ou com a possibilidade de penhora
dos bens do devedor.
Aliás, não se vê qualquer razão para diferenciar, neste ponto
específico, o regime da compensação dos créditos fiscais com o regime
civilístico onde o instituto opera mediante simples “declaração de uma das
partes à outra” (artigo 848.º, n.º 1, do Código Civil), sendo que, por maioria
de razão, a natureza da dívida em questão e a sua vinculação à satisfação
imediata dos interesses públicos, sempre autorizaria um regime menos restritivo
daquele que vigorasse no estrito plano juscivilístico – atente-se, quanto à
configuração do poder administrativo que se alcança com tal argumentação, no que
se disse no Acórdão n.º 181/98 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 39º
vol., p. 225):
«Num sistema administrativo de tipo francês, ou de administração
executiva, é reconhecida a primazia do interesse público sobre os interesses
privados, o que leva a que a administração disponha de poderes de autoridade
para impor aos particulares as soluções de interesse público que à sua
realização forem indispensáveis (cf. Freitas do Amaral, Curso de Direito
Administrativo, vol. II, 2ª edição, 1994, pp. 124 e 125). [§] Mesmo entendendo
que o particular se encontra perante a Administração como um sujeito jurídico
autónomo e em situação de igualdade, não pode deixar de se reconhecer que a
Administração, no exercício da actividade pública, dispõe de um poder jurídico
de afectar unilateralmente a esfera jurídica dos cidadãos (cf. Vasco Pereira da
Silva, Em Busca do Acto Administrativo Perdido, 1996, pp. 186, 187 e 542). [§]
Assim, mesmo num modelo de Administração prestadora do Estado social, superado o
modelo administrativo do Estado liberal, há que reconhecer que o estatuto da
Administração na relação jurídica pública se diferencia do estatuto do
particular, em consequência dos interesses que aquela prossegue, também eles com
dignidade constitucional. [§] (...) o desnivelamento nas relações entre a
Administração (investida de poderes de autoridade, ou, se se preferir, no
exercício de um poder jurídico unilateral) e os particulares é justificado pelos
interesses colectivos que o exercício da actividade administrativa visa
prosseguir. Por outro lado, tal entendimento não considera, igualmente, que a
suspensão de eficácia dos actos administrativos é um mecanismo processual
acessório que consubstancia a concretização de uma garantia dos particulares
perante a Administração, na medida em que mitiga o poder unilateral desta (cf.
Vieira de Andrade, Direito Administrativo e Fiscal, 1994/95, p. 112 e ss.)».
Por outro lado, quanto ao segundo problema, há que realçar que a argumentação
deduzida pelo contribuinte apenas poderia compreender-se, no que tange
específica e unicamente com o exercício do direito de impugnação, se a
compensação importasse a preclusão da possibilidade de contestar a legalidade da
dívida executada ou que o pagamento do crédito tributário se configurasse como
conditio sine qua non da impugnação judicial. Só que isso não sucede.
Na verdade, do sindicando critério normativo resulta apenas a impossibilidade de
aproveitar, com a impugnação judicial, da suspensão da execução fiscal – e,
paralelamente, da impossibilidade da Administração levar a cabo, nos termos do
artigo 89.º do CPPT, a compensação da dívida exequenda –, mas esse efeito,
ressalvado o exercício do direito de impugnação, acrescido, aqui, da
possibilidade de recurso aos tribunais para sindicar, como se faz nos presentes
autos, a legalidade da compensação não atenta contra o disposto no artigo 20.º
da Constituição da República, afirmando-se como uma decorrência da exigibilidade
da dívida exequenda.
Aliás, este problema acaba por implicar com a questão de saber se a própria
execução poderá extinguir-se, mediante cobrança coerciva, num momento anterior
ao do terminus do prazo do direito de impugnação (deixando, nesse momento, de
fazer sentido colocar-se o problema da suspensão de uma execução já extinta...),
mas apesar desse facto se assumir como consequência de se julgar exigível o
cumprimento da obrigação, assegurado que esteja ao contribuinte o recurso aos
tribunais para sindicância dos actos que a esse propósito são praticados, da
Constituição, maxime ao nível do direito de acesso aos tribunais, não emerge
qualquer princípio que, para além de permitir ao particular a reacção judicial
aos actos da administração (aí se incluindo a sindicância dos actos praticados
pela autoridade administrativa no decurso do processo de execução fiscal),
houvesse, semel pro semper, de determinar a suspensão da execução fiscal antes
de ser deduzida impugnação judicial da liquidação originadora da dívida sujeita
a cobrança coerciva, nem, tão-pouco, que seja apodíctico, para efeitos de
assegurar, nesse processo, as garantias de defesa do impugnante que tenha de
haver a prestação de garantia da dívida (cf., quanto a este último aspecto, o
que se considerou no Acórdão n.º 574/96, publicado no Diário da República II
Série, de 18 de Julho de 1996, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 33º vol.,
pp. 785 e ss.), não se ignorando que, como deflui da argumentação invocada pelo
Recorrente, o problema de constitucionalidade concretamente em causa está
inequivocamente relacionado com o facto de que, com a actuação da administração
fiscal, sai prejudicada a mobilização dos instrumentos de tutela garantística
que permitem suspender cautelarmente a execução fiscal até à resolução final da
questão relativa à legalidade da dívida exequenda e impugnanda, extraindo esta
dimensão tutelar do artigo 20.º da Constituição da República.
Na verdade, mesmo no domínio administrativo-fiscal, onde a Lei Fundamental
estabelece um recorte garantístico preciso, o sentido tutelar iluminado pelo
direito de acesso aos tribunais não implica, para todos os casos, a necessidade
do estabelecimento de procedimentos de natureza preventivo-cautelar
relativamente a qualquer actuação administrativa.
Assim tem sido entendido, de resto, pela jurisprudência deste Tribunal, lavrada
a propósito do procedimento de suspensão da eficácia dos actos administrativos.
Como resulta do Acórdão n.º 345/99, publicado nos Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 44º vol. pp. 197 e ss., no qual se escreveu:
«A norma questionada [a norma do artigo 76º, n.º 1, alínea a), da LPTA], quando
faz depender o decretamento da suspensão de eficácia do facto de o acto
impugnado ser adequado a causar prejuízos de difícil reparação, não restringe o
direito ao recurso contencioso. Limita-se, antes, a regulamentar o exercício de
um tal direito em termos que, já se viu, são razoáveis e proporcionados - e
nessa medida necessários - à prossecução do interesse público visado com a
prática do acto impugnado (cfr. artigo 266º da Constituição) e à 'necessária
eficácia' da Administração (artigo 267º, n.º 2, da Constituição), sem descurar
os legítimos interesses do requerente, pois que o protege contra o risco de
prejuízos de difícil reparação.
E também não há inconstitucionalidade por violação da garantia de tutela
jurisdicional efectiva mediante a adopção de medidas cautelares adequadas,
consagrada a partir de 1997 no n.º 4 do artigo 268º, seja porque os limites
resultantes dos interesses constitucionalmente protegidos que já se referiram
são visados à partida pela exigência constitucional de adequação daquelas
medidas cautelares, ou seja porque se deduzem sistematicamente da protecção
constitucional ao interesse público prosseguido pela Administração e à
necessária eficácia desta.».
E, em Plenário, o Tribunal Constitucional, pelo seu Acórdão 412/00, publicado no
Diário da República II Série, de 21 de Novembro de 2000, e nos Acórdãos do
Tribunal Constitucional, 48º vol., pp. 165, entendeu julgar não inconstitucional
a norma da antiga LPTA que exigia como requisitos para a suspensão da eficácia
do acto administrativo a verificação de que “a execução do acto cause
provavelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os
interesses que este defenda ou venha a defender no recurso”.
Ora, mutatis mutandis, mesmo considerando o facto da compensação operar num
momento em que ainda decorre o prazo para deduzir impugnação fiscal – e
atendendo a que a possibilidade de se obter a suspensão da execução mediante
prestação de garantia, nos termos do artigo 169.º do CPPT, pressupõe um meio de
defesa impugnatório, só se efectivando após a mobilização concreta e efectiva de
tal instrumento de defesa – e que, por isso, a execução pode ser extinta, por
cobrança coerciva – mediante compensação – ainda antes do sujeito passivo ter
oportunidade para obter a sua suspensão mediante a prestação de garantia e de
assim obstar ao pagamento imediato da dívida fiscal (na medida em que a dívida
se encontra coercivamente paga num momento em que ainda era possível discutir a
legalidade do acto que a originou), sempre se terá de concluir que o artigo 20.º
da Constituição, ressalvada que esteja a possibilidade de discutir a legalidade
da dívida e de obter uma reparação dos prejuízos causados pela actuação
administrativa, não impede que aquele pagamento se efectue, ainda que,
consequentemente, o contribuinte não tenha possibilidade de ver a execução
suspensa a título cautelar até à decisão do tribunal sobre a liquidação em
causa, uma vez que, nessas circunstâncias, sempre continuará a ser possível ao
contribuinte impugnar, no prazo legal, a respectiva liquidação, além de que,
apurado que fique, em função do que aí se decidir, o “pagamento indevido do
imposto”, ele sempre terá direito a ser ressarcido dos prejuízos sofridos
mediante o pagamento de juros indemnizatórios ex vi o disposto no artigo 61.º do
CPPT, não ficando assim precludidas, com a compensação realizada, pela
administração fiscal, as garantias de defesa do Recorrente, tanto mais que, como
deflui das considerações previamente tecidas, a compensação não importa uma
perda definitiva do valor do crédito.
6.5 - Finalmente, dir-se-á que, mesmo ponderando que o contribuinte tenha de
antecipar a dedução da impugnação judicial sindicante da legalidade do acto de
liquidação que titula formalmente a dívida compensante, dentro da economia do
preceito sub specie constitutionis, a fim de poder obter o efeito de obviar à
compensação, nem por isso se poderá concluir pela violação do parâmetro
constitucional do art.º 20º da CRP.
Na verdade, sendo o prazo de pagamento voluntário do imposto de 30 dias e
podendo para se poder prevalecer do efeito da norma deduzir-se a impugnação até
ao 29º dia, sempre se impõe considerar dispor o contribuinte de um prazo que, de
modo algum, poderá ter-se por desrazoável ou inadequado para o exercício do seu
direito de acesso aos tribunais.
6.6 - E o mesmo se dirá quando confrontada a norma com o princípio da igualdade
dos cidadãos no acesso aos tribunais e ao direito ou seja, com as disposições
conjugadas dos artigos 13º e 20º, da Constituição.
O princípio da igualdade, constitucionalmente consagrado no artigo
13º da Lei Fundamental, tem como fundamento a igual dignidade social de todos os
cidadãos. De acordo com a formulação constantemente repetida na jurisprudência
do Tribunal Constitucional, de que o recente Acórdão n.º 232/2003, publicado no
Diário da República, II Série, de 17 de Julho de 2003, fez uma recensão
alargada, são três as dimensões que o princípio convoca: (a) a proibição do
arbítrio, consubstanciada na inadmissibilidade de diferenciação de tratamento
sem qualquer justificação razoável, apreciada esta de acordo com critérios
objectivos de relevância constitucional, e afastando também o tratamento
idêntico de situações manifestamente desiguais; (b) a proibição de
discriminação, impedindo diferenciações de tratamento entre os cidadãos que se
baseiem em categorias meramente subjectivas ou em razão dessas categorias; (c) e
a obrigação de diferenciação, como mecanismo para compensar as desigualdades de
oportunidades, que pressupõe a eliminação, pelos poderes públicos, de
desigualdades fácticas de natureza social, económica e cultural (cf. neste
sentido, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República
Anotada, Coimbra Editora, Coimbra, 1993, pp.127, ss.).
O Tribunal Constitucional tem ponderado, reiteradamente, que o
princípio da igualdade só é violado quando o legislador trate diferentemente
situações que são essencialmente iguais, não proibindo diferenciações de
tratamento quando estas sejam materialmente fundadas (v.g., os Acórdãos, n.º
39/88, publicado no Diário da República I Série, de 3 de Março de 1988; n.º
68/97, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 36º vol., 1997, pp. 259
e ss.; n.º 202/02, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 53º vol.,
2002, pp. 223 e ss. e o Acórdão n.º 177/99, publicado em Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 43º vol., 1999, pp. 109, ss.).
Por outro lado, o Tribunal tem também entendido que a proibição do
arbítrio exige ainda tratamento diferenciado, mas proporcionado, de situações
que, no plano fáctico, surjam como diversas.
A este respeito pode ler-se no referido Acórdão n.º 39/88:
«A igualdade não é, porém, igualitarismo. É, antes, igualdade proporcional.
Exige que se tratem por igual as situações substancialmente iguais e que, a
situações substancialmente desiguais, se dê tratamento desigual, mas
proporcionado: a justiça, como princípio objectivo, «reconduz-se, na sua
essência, a uma ideia de igualdade, no sentido de proporcionalidade» – acentua
Rui de Alarcão (Introdução ao Estudo do Direito, Coimbra, lições policopiadas de
1972, p. 29).
O princípio da igualdade não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções.
Proíbe, isso sim, o arbítrio; ou seja: proíbe as diferenciações de tratamento
sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificação
razoável, segundo critérios de valor objectivo, constitucionalmente relevantes.
Proíbe também que se tratem por igual situações essencialmente desiguais. E
proíbe ainda a discriminação; ou seja: as diferenciações de tratamento fundadas
em categorias meramente subjectivas, como são as indicadas,
exemplificativamente, no n.º 2 do artigo 13.º.
Respeitados estes limites, o legislador goza de inteira liberdade para
estabelecer tratamentos diferenciados.
O princípio da igualdade, enquanto proibição do arbítrio e da discriminação, só
é, assim, violado quando as medidas legislativas contendo diferenciações de
tratamento se apresentem como arbitrárias, por carecerem de fundamento material
bastante».
Ora, não pode dizer-se desprovida de fundamento racional bastante uma solução
normativa da qual decorra que o contribuinte, caso queira obter o efeito
jurídico de não compensação entre o seu crédito com a dívida de imposto,
decorrido que seja o seu prazo de pagamento voluntário, haja de antecipar o
exercício do direito de impugnação judicial, tendo de fazê-lo dentro do prazo de
30 dias em vez de o ser dentro de 90 dias.
É que, com o exercício do direito dentro de tal prazo mais curto, o contribuinte
visa obter não apenas o efeito jurídico próprio desse meio impugnatório, que é a
apreciação da legalidade da dívida de imposto, mas também um outro efeito
acrescido, que é o de evitar a declaração de compensação por parte da
administração fiscal, efeito jurídico este possível, aqui, por virtude de ser ao
mesmo tempo credor e devedor de um crédito certo, líquido e exigível.
A situação não é, pois, a mesma quer sob o ponto de vista fáctico quer sob o
ponto de vista jurídico.
Por outro lado, a disponibilidade por parte do contribuinte de um prazo até 30
dias para poder obter os dois efeitos não se afigura desrazoável ou
desproporcionada.
Sendo assim – mesmo quando analisada a questão dentro de uma tal perspectiva -
não poderá concluir-se que a norma em causa revele uma diferenciação de
tratamento sem qualquer justificação razoável, apreciada esta de acordo com
critérios objectivos de relevância constitucional.
Nestes termos, como já se disse, se é verdade que bem se compreenderia que o
preceito fosse interpretado no sentido invocado pelo Recorrente – e com claros
alicerces no cumprimento da intenção prático-normativa da norma –, também não
deixa de ser exacto que não só a interpretação sufragada pelo tribunal não
afronta os parâmetros constitucionais aqui questionados, como inclusivé a
própria regulamentação ínsita no artigo 89.º do CPPT não pode considerar-se
directamente decorrente – e imposta – pelo direito de acesso aos tribunais ou
pelo princípio da igualdade no exercício desse direito.
C – Decisão
7 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide negar
provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente com 20 UC de taxa de justiça.
Lisboa, 13 de Julho de 2005
Benjamim Rodrigues
Maria Fernanda Palma
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos