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Processo n.º 787/05
2:º Secção
Relator – Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.A. vem reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo
78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), da decisão sumária de 23 de
Novembro de 2005, que decidiu não tomar conhecimento do recurso de
constitucionalidade por ele interposto e condená-lo em custas, com seis unidades
de conta de taxa de justiça. Tal decisão teve o seguinte teor:
«1. Em 14 de Março de 1997, A. propôs, no Tribunal Judicial da Comarca de Elvas,
acção declarativa de condenação sob a forma sumária contra o Gabinete Português
de Carta Verde – como legal representante da seguradora do veículo automóvel
envolvido no acidente ocorrido em 18 de Dezembro de 1994 –, pedindo indemnização
pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos.
A acção veio a ser julgada totalmente improcedente por sentença de 16 de
Setembro de 2003, mas foi objecto de recurso para o Tribunal da Relação de Évora
que, em 30 de Setembro de 2004, julgou a apelação improcedente.
Ainda inconformado, o demandante apresentou recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça invocando, designadamente, a nulidade do acórdão recorrido por omissão
de pronúncia e falta de fundamentação de facto e de direito – e ainda a sua
inconstitucionalidade, o que fez nos seguintes termos:
“Ao fim e ao cabo, o Acórdão recorrido denegou a decisão judicial que o
recorrente lhe pedia sobre o seu recurso e pleito.
Com efeito, não curou, minimamente que fosse, de atentar na composição ou
resolução do litígio, julgando, como devia, as questões que lhe foram colocadas
pelo cidadão/recorrente, em ordem a cumprir a missão de soberania que lhe está
confiada.
Nos termos dos art.ºs 18.º, n.º 1, 20.º, n.º 1, 202.º, n.º 2, e 205.º, n.º 1,
todos da Constituição da República Portuguesa, tinha o recorrente esse direito,
que lhe foi negado pelo Acórdão recorrido.
Pelo que, tendo violado normas fundamentais, está o Acórdão recorrido ferido de
inconstitucionalidade, que sempre levaria à sua revogação e à procedência deste
recurso.”
Acrescentando ainda, nas suas conclusões, o seguinte:
“14.ª – O Acórdão recorrido denegou, ao fim e ao cabo, decisão judicial que o
Autor recorrente lhe requereu sobre o recurso e pleito, assim violando as normas
constitucionais, insertas nos art.ºs 18.º, n.º 1, 20.º, n.º 1, 202.º, n.º 2, e
203.º, n.º 1, todos da CRP;”
Por acórdão de 3 de Maio de 2005, o Supremo Tribunal de Justiça negou a revista,
considerando, no que importa, que a invocação da inconstitucionalidade da
decisão do tribunal a quo era “completamente despropositada e imperceptível” e
também que
“foi feita justiça com a absolvição do Réu do pedido contra ele formulado, ou
seja, foi feita justiça embora não a contento do recorrente.
Sendo assim, não se vislumbra como possam ter sido violadas quaisquer normas
constitucionais, designadamente as indicadas pelo recorrente.”
2. O recorrente veio então arguir a nulidade de tal acórdão, por omissão de
pronúncia, que veio a ser indeferida por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 29 de Junho de 2005, e, em seguida, interpôs recurso de constitucionalidade,
que foi admitido por esse Supremo Tribunal.
No requerimento desse recurso de constitucionalidade, interposto “com fundamento
na alínea b) do n.º 1 do art.º 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro
(L.T.C)”, escrevia-se:
“Na verdade, o acórdão recorrido, ao não se pronunciar sobre as várias questões
suscitadas, denegou, ao fim e ao cabo, decisão judicial que o ora recorrente lhe
requereu sobre o seu recurso e pleito, fazendo uma (errada) interpretação dos
art.ºs 660.º, n.º 2, 722.º, n.º 2, e 729.º, n.ºs 2 e 3, todos do C.P.C., e
violando, dessa forma, os art.ºs 18.º, n.º 1, 20.º, n.º 1, 202.º, n.º 2, e
205.º, n.º 1, da C.R.P.
O recorrente levantou a questão da violação daquelas normas constitucionais nas
alegações de recurso no Supremo Tribunal de Justiça.”
3. O presente recurso foi admitido no tribunal a quo, mas essa decisão não
vincula este Tribunal, como prevê o n.º 3 do artigo 76.º da Lei do Tribunal
Constitucional. Entendendo-se que não é de tomar conhecimento do recurso,
lavra-se a presente decisão sumária, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo
78.º-A do mesmo diploma.
4. Note-se, preliminarmente, que a identificação da questão de
constitucionalidade que consta das alegações de recurso para o Supremo Tribunal
de Justiça não preenche o requisito exigido na parte final do n.º 2 do artigo
75.º-A da Lei do Tribunal Constitucional. Na verdade, aí refere-se a violação de
normas constitucionais, sim, mas não se indicam as normas infra-constitucionais
de que tal violação resultaria. A ser possível integrar tal lacuna, seria, pois,
caso de proferir o despacho previsto no n.º 6 do artigo 75.º-A da Lei do
Tribunal Constitucional.
Tal despacho seria, porém, inútil, por tal informação nunca poder vir a ser
prestada, atenta a circunstância, resultante dos autos, de nenhuma norma ter
sido impugnada, na sua constitucionalidade, durante o processo (sobre o sentido
desta fórmula ver, por ex., os Acórdãos n.ºs 90/85, 94/88 e 80/92, publicados em
Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5.º vol., pp. 663-672, 11.º vol., pp.
1089-1103, e 21.º vol., pp. 265-273, respectivamente). Não sendo possível vir a
dar integral cumprimento aos requisitos fixados nos n.ºs 1 e 2 do artigo 75.º-A
da Lei do Tribunal Constitucional, logo se conclui pela inutilidade de proferir
o referido despacho – e se poderia também concluir pela impossibilidade de tomar
conhecimento do recurso, por insuficiência dos requisitos formais do respectivo
requerimento.
5. Pelo que já se disse, porém, logo se vê que tais razões não são
verdadeiramente autónomas: a impossibilidade de dar cumprimento integral aos
requisitos fixados para a apresentação do requerimento do recurso é decorrência
da insuficiência nos pressupostos do recurso. É porque nenhuma questão de
constitucionalidade normativa foi suscitada durante o processo que não pode
dar-se cumprimento à exigência da identificação da peça processual em que teria
ocorrido.
Com efeito, e como se sabe, não podem as decisões judiciais, em si mesmas – no
caso, “o Acórdão recorrido” –, ser objecto de sindicância por parte do Tribunal
Constitucional (cfr., v.g., os Acórdãos n.ºs 128/84, 388/87 e 235/91,
publicados, respectivamente, em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 4.º vol.,
pp. 423-430, 10.º vol., pp. 605-617, e 19.º vol., pp. 365-371). Este Tribunal,
no nosso sistema de controlo da constitucionalidade, só tem poderes para
controlar a conformidade constitucional de normas, e daí que no requerimento de
interposição de recurso já estas tenham sido enumeradas. Fazê-lo só nessa altura
não permite, porém, preencher o requisito fixado no n.º 2 do artigo 72.º da dita
Lei do Tribunal Constitucional: suscitar a questão de constitucionalidade “de
modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer”. É que, obviamente,
não pode tal tribunal fazê-lo se a suscitação da questão de constitucionalidade
normativa só surge depois da sua intervenção, quando já estava esgotado o seu
poder jurisdicional.
Assim, não tendo sido suscitada durante o processo qualquer questão de
constitucionalidade normativa, não é possível tomar conhecimento do presente
recurso.
6. Pelos fundamentos expostos, decido, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 1, da Lei
do Tribunal Constitucional, não tomar conhecimento do presente recurso, e, por
conseguinte, condenar o recorrente em custas, fixando a taxa de justiça em 6
(seis) unidades de conta.»
2.Diz-se na reclamação apresentada:
«Salvo sempre melhor opinião, o recorrente indicou quer as normas
constitucionais que foram violadas, quer ainda as normas infra-constitucionais
que, no seu entendimento, influíram naquela inconstitucionalidade.
Se é certo que no ponto 14.º das conclusões das Alegações de Revista estão
indicadas as normas constitucionais violadas, certo o é também que nos pontos
8.º e 13.º, daquelas conclusões, estão indicadas as normas infra-constitucionais
cuja aplicação conduz àquela invocada inconstitucionalidade.
Por mais, bastaria atentar no corpo daquelas Alegações para aí encontrar
indicadas as normas das quais decorre, repete-se, a inconstitucionalidade.
De resto, tendo o Recorrente, no seu requerimento de interposição do presente
Recurso, dado cabal cumprimento ao preceituado no n.º 2 do art.º 75.º-A da Lei
do Tribunal Constitucional, complementando a invocada inconstitucionalidade,
sempre o presente recurso deveria ser admitido e apreciado, tudo acrescido das
demais consequências legais.»
3.Por parte da entidade recorrida não foi apresentada resposta à referida
reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
4.Adianta-se que a presente reclamação não pode obter provimento, pois não abala
os fundamentos em que se baseou a decisão recorrida para se pronunciar no
sentido do não conhecimento do recurso.
Na verdade, a decisão sumária reclamada concluiu pela impossibilidade de tomar
conhecimento do presente recurso com fundamento na falta de suscitação adequada,
por parte do recorrente, de qualquer questão de constitucionalidade normativa
perante o tribunal recorrido. Como se sabe, e se afirmou na decisão reclamada, o
objecto do recurso de constitucionalidade no direito português não é a
apreciação da conformidade com a Constituição da decisão judicial recorrida em
si mesma, mas apenas de normas, ou dimensões normativas, sendo que, tratando-se
do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal
Constitucional, é necessário, para que se possa tomar conhecimento do recurso,
que o recorrente haja suscitado a sua inconstitucionalidade perante o tribunal a
quo. E, para tanto, é indispensável que se identifique, com um mínimo de
precisão, a norma em questão, indicando qual o sentido impugnado.
O reclamante invoca que teria suscitado adequadamente a inconstitucionalidade
dos artigos 660.º, n.º 2, 722.º, n.º 2, e 729.º, n.ºs 2 e 3, todos do Código de
Processo Civil, pois essa conclusão resultaria da leitura global das alegações
de recurso dirigidas ao Supremo Tribunal de Justiça, e, mais especificamente,
dos pontos 8.º e 13.º das conclusões dessa alegação.
O que se retira da leitura das alegações de recurso perante o tribunal a quo,
transcritas na decisão reclamada na única parte em que tais alegações se referem
a questões de constitucionalidade, é, porém, como se notou na decisão reclamada,
que o recorrente suscitou, sim, uma inconstitucionalidade, mas que a reportou,
não a qualquer norma ou interpretação normativa, mas antes à própria decisão
judicial – ao “acórdão recorrido” que, “fazendo uma (errada) interpretação dos
art.ºs 660.º, n.º 2, 722.º, n.º 2, e 729.º, n.ºs 2 e 3, todos do C.P.C.”, viola
“as normas constitucionais, insertas nos art.ºs 18.º, n.º 1, 20.º, n.º 1, 202.º,
n.º 2, e 203.º, n.º 1, todos da CRP”.
A desconformidade com a Constituição foi, assim, imputada pelo recorrente, não a
qualquer norma, mas à decisão judicial em si mesma considerada.
Por isso mesmo, tal questão foi objecto de apreciação nos seguintes termos por
parte do Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 3 de Maio de 2005:
“(…)
6. De forma completamente despropositada e imperceptível, o recorrente invoca
que o acórdão recorrido está ferido de inconstitucionalidade.
Para tal, alega que tal acórdão denegou a decisão judicial que o recorrente lhe
pedia sobre o seu recurso e pleito, pois não curou, minimamente que fosse, de
atentar na composição ou resolução do litígio, julgando, como devia, as questões
que lhe foram colocadas pelo cidadão/recorrente, em ordem a cumprir a missão de
soberania que lhe está confiada, sendo que, nos termos dos artigos 18.º, n.º 1,
20.º, n.º 1, 202.º, n.º 2, e 205.º, n.º 1, todos da Constituição da República
Portuguesa, tinha o recorrente esse direito, que lhe foi negado.
Ora, a Relação decidiu – como lhe competia – o recurso de apelação que –
manifestamente sem o mínimo fundamento – o Autor interpôs da sentença proferida
na 1.ª instância.
Só que – e como não podia deixar de ser – não deu razão ao apelante.
É óbvio que o Autor pretendia uma outra solução para os presentes autos.
No entanto, factos são factos e, perante a matéria de facto dada por provada
após a audiência de julgamento, outra alternativa não existia (nem existe) ao
tribunal senão atribuir culpa exclusiva ao Autor na produção do acidente e, em
consequência, por falta dos requisitos da responsabilidade civil extracontratual
(cfr. artigo 483.º do Código Civil), julgar improcedente a acção.
Logo, não foi denegada justiça; antes, foi feita justiça com a absolvição do Réu
do pedido contra ele formulado, ou seja, foi feita justiça embora não a contento
do recorrente.
Sendo assim, não se vislumbra como possam ter sido violadas quaisquer normas
constitucionais, designadamente as indicadas pelo recorrente.”
A conclusão a que se chegou na decisão sumária reclamada em nada é, aliás,
abalada pelas afirmações constantes da presente reclamação, sendo também claro
que essa decisão se fundamentou, não na falta de um “cabal cumprimento” das
exigências constantes do artigo 75.º-A, n.º 2, da Lei do Tribunal
Constitucional, mas antes na exigência de suscitação, perante o tribunal
recorrido, de uma questão de constitucionalidade de norma(s), em termos de
aquele estar obrigado a dela conhecer, prevista no artigo 72.º, n.º 2, daquele
mesmo diploma.
A presente reclamação tem, pois, de ser desatendida.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, decide-se desatender a presente reclamação e
confirmar a decisão sumária de não conhecimento do recurso, bem como condenar o
recorrente em custas, com 20 (vinte) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 31 de Janeiro de 2006
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos