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Proc. nº 850/96
1ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
1. A. recorreu contenciosamente do despacho do Director-Geral da Administração Pública de 30 de Junho de 1989, mediante o qual foi desligado do serviço para efeito de aposentação obrigatória; do despacho da Direcção do Serviço de Previdência da Caixa Geral de Aposentações de 19 de Julho de 1990, que lhe fixou a pensão definitiva; da publicação do seu nome na lista constante da II Série do Diário da República, de 28 de Junho de 1991; e do ofício nº
024397/1180/ /DIA/SE/87, da Direcção-Geral da Administração Pública, de 15 de Dezembro de 1987.
No requerimento de interposição de recurso, o reclamante sustenta a inconstitucionalidade das normas contidas no artigo 16º, nº 2, do Decreto-Lei nº 43/84, de 3 de Fevereiro e no artigo 34º, nº 1, do Decreto-Lei nº
41/83, de 3 de Fevereiro, por violação do disposto nos artigos 59º, nº 1, alíneas a) e b) e nº 2, alínea e) e 168º, nº 1, alínea v), da Constituição.
Tais normas determinam a aposentação compulsiva do funcionário que reuna mais de 30 anos de serviço, independentemente da idade.
O Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, por decisão de
29 de Agosto de 1996, rejeitou o recurso. Considerou-se, então, que a publicação do nome do recorrente no Diário da República é um acto posterior ao acto administrativo, que não lesa interesses ou direitos do recorrente. Por outro lado, entendeu-se que o ofício da Direcção-Geral da Administração Pública consubstancia um acto meramente informativo. E concluiu-se que estes dois actos não são susceptíveis de recurso contencioso, na medida em que não se afiguram como actos lesivos.
Quanto aos despachos do Director-Geral da Administração Pública e da Direcção dos Serviços de Previdência da Caixa Geral de Aposentações, o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa decidiu pela intempestividade do recurso, uma vez que já havia decorrido o prazo constante do artigo 28º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho.
2. A. interpôs recurso de constitucionalidade da decisão do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa de 29 de Agosto de 1996, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alíneas b), f) e i), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição e da legalidade das normas contidas nos artigos 16º, nº 2, do Decreto-Lei nº 43/84, de 3 de Fevereiro e 34º, nº 1, do Decreto-Lei nº 41/83, de 3 de Fevereiro.
O recurso de constitucionalidade não foi admitido, por despacho do juiz do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa de 25 de Outubro de
1996, em virtude de '... a decisão recorrida não esta(r) abrangida pelas diversas alíneas do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.'.
3. A. reclamou do despacho do Juiz do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa de 25 de Outubro de 1996, ao abrigo do disposto no artigo
76º, nº 4, da Lei do Tribunal Constitucional.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido da não admissão do recurso e consequente confirmação do despacho reclamado, em virtude de a decisão recorrida não ter feito aplicação das normas indicadas pelo recorrente no requerimento através do qual pretende interpor o recurso de constitucionalidade.
4. Corridos os vistos, cumpre decidir.
II Fundamentação
5. O recurso que o reclamante pretende ver admitido foi interposto ao abrigo do disposto nas alíneas b), f) e i), do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
O recurso interposto ao abrigo do disposto nas alíneas b) e f) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional cabe das decisões que apliquem norma cujas inconstitucionalidade e ilegalidade, respectivamente, tenham sido suscitadas durante o processo.
O reclamante interpôs recurso de constitucionalidade da decisão do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa de 29 de Agosto de 1996, para apreciação da conformidade à Constituição das normas contidas nos artigos 16º, nº 2, do Decreto-Lei nº 43/84, de 3 de Fevereiro e 34º, nº 1, do Decreto-Lei nº
41/83, de 3 de Fevereiro, que consagram os critérios de aposentação compulsiva.
Porém, a decisão recorrida rejeitou o recurso com base na irrecorribilidade dos actos de que se pretende recorrer.
Com efeito, o juiz do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa considerou que dois dos actos administrativos recorridos não se enquadram na categoria de actos lesivos. Quanto aos outros (esses sim, actos administrativos lesivos), o juiz considerou que já havia decorrido o prazo de 2 meses consagrado no artigo 28º, nº 1, alínea e), da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos. Em consequência o recurso foi globalmente rejeitado.
Como se constata, a decisão recorrida não procedeu a uma apreciação de mérito do recurso. Apenas efectuou um juízo sobre a admissibilidade, do ponto de vista processual, do recurso, tendo concluído pela irrecorribilidade dos actos impugnados.
Pode, assim, afirmar-se que não fez aplicação das normas cujas conformidade à Constituição e legalidade o reclamante pretende que o Tribunal Constitucional aprecie, pois tais normas consagram os critérios de aposentação compulsiva, matéria sobre a qual o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa não se debruçou.
Em face do exposto, há que concluir que não se verifica o pressuposto processual do recurso interposto ao abrigo do disposto no artigo
70º, nº 1, alíneas b) e f), da Lei do Tribunal Constitucional, que consiste na aplicação pela decisão recorrida da norma ou das normas cuja conformidade à Constituição e cuja legalidade se pretende ver apreciadas, pelo que o recurso não deve ser admitido. Não se afigura, assim, necessário averiguar se os demais pressupostos processuais estão reunidos, nomeadamente os da alínea f), do nº 1, do artigo 70º, da Lei do Tribunal Constitucional.
O despacho reclamado não merece, portanto, censura nesta parte.
6. O reclamante interpôs, também, o recurso de constitucionalidade que pretende ver admitido ao abrigo do disposto na alínea i) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
Ao abrigo desta disposição, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que recusem a aplicação de norma constante de acto legislativo com fundamento na sua contrariedade a uma convenção internacional, ou que apliquem norma em desconformidade com o anteriormente decidido pelo Tribunal Constitucional sobre a questão da contrariedade da norma aplicada a uma convenção internacional (cf. Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, 1994, p. 323 e ss.).
O reclamante entende que a decisão recorrida aplicou as normas impugnadas em desconformidade com o decidido pelo Tribunal Constitucional no Acórdão nº 285/92 (D.R., I Série-A, de 17 de Agosto).
No Acórdão nº 285/92, o Tribunal Constitucional procedeu à apreciação preventiva da constitucionalidade de todas as normas de um decreto aprovado em Conselho de Ministros, registado sob o nº 171/92 na Presidência do Conselho de Ministros e enviado para promulgação como Decreto-Lei, sob a designação genérica de 'Racionalização do Emprego dos Recursos Humanos na Administração Pública'.
As questões de constitucionalidade suscitadas pelo Presidente da República perante o Tribunal Constitucional foram as seguintes:
1ª questão: inconstitucionalidade das normas dos artigos 2º,
3º, 5º, 11º e 13º do Decreto, por violação dos princípios da precisão e determinabilidade das leis e da segurança no emprego (artigos 2º e 53º da Constituição);
2ª questão: inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 2º, 3º e 6º do Decreto, por violação dos princípios da reserva de lei e da segurança no emprego (artigos 2º e 53º da Constituição);
3ª questão: inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 2º, nº 2 e 28º do Decreto, por violação do princípio da protecção da confiança ínsito no princípio do Estado de direito democrático e da segurança no emprego (artigos 2º e 53º da Constituição);
4ª questão: inconstitucionalidade consequencial de todas as demais normas do Decreto 'que não assentem numa base contratual', a procederem as questões de inconstitucionalidade referidas nos pontos 2 e 3 do pedido;
5ª questão: inconstitucionalidade, por forma derivada e reflexa, de todas as normas do Decreto, caso se considere existir inconstitucionalidade formal por vício de procedimento legislativo relativamente
à norma do artigo 5º, nº 1, alíneas a) e b), da Lei nº 2/92, de 9 de Março, por violação dos artigos 54º, nº 5, alínea d) e 56º, nº 2, alínea a) da Constituição;
6ª questão: inconstitucionalidade orgânica dos artigos 6º, nº
1, alínea b), 8º e 21º do Decreto, por desrespeito do âmbito da autorização legislativa, em violação do disposto no artigo 168º, nº 1, alínea v) da Constituição.
O Tribunal Constitucional decidiu pronunciar-se pela inconstitucionalidade da norma que se extrai da conjugação do artigo 3º, nº 1, parte final, com o nº 2 do mesmo artigo e o número 6 do artigo 2º do Decreto nº
171/92, por violação do princípio da determinabilidade da lei ou da reserva de lei, decorrentes das disposições conjugadas dos artigos 2º e 18º, nº 3, por referência ao artigo 53º, da Constituição; pronunciar-se pela inconstitucionalidade orgânica da norma do artigo 21º do mesmo Decreto, por violação do disposto na alínea v) do nº 1 do artigo 168º da Constituição; e não se pronunciar pela inconstitucionalidade das demais normas do diploma em apreço.
Como se constata, no Acórdão nº 285/92 o Tribunal Constitucional não procedeu à apreciação da conformidade de uma norma de direito interno com uma convenção internacional.
Não se verifica, portanto, o pressuposto do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea i), da Lei do Tribunal Constitucional: aplicação pela decisão recorrida de uma norma em desconformidade com o anteriormente decidido pelo Tribunal Constitucional sobre a questão da contrariedade da norma aplicada a uma convenção internacional.
7. Há pois que concluir que o despacho reclamado deve ser confirmado.
III Decisão
8. Ante o exposto, decide-se indeferir a presente reclamação, confirmando-se, consequentemente, o despacho reclamado.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 UCs.
Lisboa, 17 de Abril de 1997 Maria Fernanda Palma Antero Alves Monteiro Diniz Alberto Tavares da Costa Armindo Ribeiro Mendes Maria da Assunção Esteves Vítor Nunes de Almeida Luís Nunes de Almeida