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Processo n.º 856/03
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
A. foi condenado, no Tribunal Judicial de Aveiro, na pena de dois anos e seis
meses de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de
droga de menor gravidade p. p. pelo artigo 25º, alínea a), do Decreto-Lei n.
15/93, de 22 de Janeiro.
Dessa decisão recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, mas o recurso foi
rejeitado por intempestivo, isto é, por não ser admissível face ao disposto nos
artigos 414º, n. 2 e 420º, n. 1 do Código de Processo Penal. Os posteriores
pedidos de aclaração e de arguição de nulidade deste aresto foram indeferidos.
Quis então recorrer para o Tribunal Constitucional, mas o recurso só lhe foi
admitido mediante reclamação contra o despacho de não admissão desse recurso. O
acórdão proferido nos termos do artigo 77º n.º 4 da LTC decidiu, em suma:
a) Conceder provimento à reclamação no que respeita às normas dos artigos 411º,
n.º 1, e 333º, n.º 5, do Código de Processo Penal;
b) Rejeitar a reclamação quanto às restantes questões suscitadas;
O recurso veio a ser admitido «na parte que visa a apreciação da conformidade
constitucional da “norma do art. 411.1 (do CPP), articulada com o art. 333.5,
segundo a qual é a partir do depósito do acórdão (do tribunal colectivo) na
secretaria que se conta o prazo para a interposição do recurso por parte do
arguido julgado na sua ausência, só sendo aplicável o art. 333.5 se se tiverem
apurado os motivos dessa ausência”».
O recorrente apresentou alegações, concluindo da seguinte forma:
1ª O entendimento de que o prazo para interposição de recurso da sentença
proferida na ausência do arguido que prestou TIR nos termos do artigo 196° do
Código de Processo Penal e não compareceu a julgamento se inicia nos termos do
artigo 411º, n° 1 do Código de Processo Penal e não do artigo 333º, n° 5 do
mesmo código é inconstitucional por violação do disposto no artigo 32°, n° 1 da
Constituição da República Portuguesa.
Assim deve ser declarada a inconstitucionalidade do artigo 411º, n° 1 do Código
de Processo Penal por violação do artigo 32°, n° 1 da Constituição da República
Portuguesa na interpretação que dele faz o Tribunal recorrido ao considerar que
é a partir do depósito da sentença e não nos termos do artigo 333°, n° 5 do
Código de Processo Penal que se conta o prazo de recurso no caso de arguido
julgado na ausência e que haja prestado TIR os termos do artigo do 196° do
Código de Processo Penal.
2ª O entendimento de que o prazo para interposição de recurso por parte do
arguido julgado na ausência apenas se conta nos termos do artigo 333°, n° 5 do
Código de Processo Penal quando se indagarem as razões da ausência do arguido, é
inconstitucional por violação do artigo 32° n° 1 e 2 da Constituição da
República Portuguesa.
Assim, deve ser declarada a inconstitucionalidade do artigo 333°, n° 5 do
Código de Processo Penal por violação do artigo 32°, nos 1 e 2 da Constituição
da República Portuguesa quando interpretado no sentido de que se conta o prazo
de interposição de recurso a partir da notificação da sentença apenas nos
processos em que se tenham indagado as razões da ausência do arguido assim se
fazendo Justiça!
Por sua vez, o Ministério Público concluiu assim as suas alegações:
1- Face ao disposto no n° 6 do artigo 32° da Constituição a realização da
audiência de julgamento na ausência do arguido, pressupõe que o regime legal
estabelecido assegure de forma efectiva o direito de defesa do arguido,
incluindo o recurso.
2- Não assegura de forma suficiente tal direito, uma interpretação das normas
dos artigos 411º, n° 1, e 333°, n° 5, do Código de Processo Penal, segundo a
qual o prazo para a interposição do recurso da decisão condenatória do arguido
ausente se contasse a partir do depósito na secretaria e não da notificação
pessoal, independentemente dos motivos que determinaram tal ausência e se os
mesmos são, ou não, justificáveis.
3- Termos em que deverá proceder o presente recurso.
Cumpre decidir.
O Tribunal Constitucional tem jurisprudência sobre questão próxima, embora não
inteiramente coincidente, daquela que vem agora colocada, a propósito da
interpretação das normas do n.8 do artigo 334º e do n.7 do artigo 113º do Código
de processo Penal, na versão resultante da Lei 59/98, de 25 de Agosto – e que
correspondem às dos artigos 334º, n.6 e 113º, n.9, do mesmo diploma, no texto
resultante do Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro – conjugadas com a
norma do n. 3 do artigo 373º do mesmo Código (cfr. acórdãos n. 274/03, publicado
no DR, II série, de 5 de Julho de 2003, n. 278/03 e n. 503/03, publicado no DR,
II série, de 5 de Janeiro de 2004).
No acórdão n.º 274/03 ponderou-se:
«6. Mas, se assim é, ou seja, se a realização da audiência de julgamento sem a
presença do arguido se fundou expressamente no regime decorrente dos aludidos
números 2 e 3 do art.º 334º do diploma adjectivo criminal, por se ter
considerado que ao caso dos autos era aplicável a redacção conferida àqueles
preceitos pela Lei n.º 59/98, então é-se levado a concluir que o n.º 8, ainda do
mesmo artigo (dita redacção), também cobrará aplicação, isto é, que a sentença
proferida relativamente ao arguido, que foi julgado como «ausente», deve ser-lhe
notificada logo que detido ou se apresentar voluntariamente, contando-se o prazo
previsto para a interposição do recurso ou para requerer novo julgamento (cfr.
art.º 380º-A da mencionada versão) da notificação efectuada em último lugar,
sendo que essa notificação que deve ser feita pessoalmente não só ao arguido
como também ao seu advogado ou defensor nomeado (cfr. n.º 7 do art.º 113º, ainda
da mesma versão).
E a tal conclusão não obsta o preceituado no n.º 3 do art.º 373º - que comanda
que o arguido que não estiver presente à leitura da sentença se considera
notificado da sentença depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado
ou constituído - e no n.º 4 do art.º 334º (sempre na indicada versão) - que
estipula que sempre que a audiência tiver lugar na ausência do arguido, este é
representado, para todos os efeitos possíveis, pelo defensor. E isto porque,
como parece límpido, um e outro daqueles preceitos não entra em contradição com
o mencionado n.º 8, primeira parte, do art.º 334º, ou seja, com a imposição da
notificação pessoal, ao arguido, da sentença, mal seja detido ou se apresente
voluntariamente.
Se assim não fosse - isto é, se se considerasse que a sentença proferida
relativamente a um arguido que foi julgado sem estar presente à audiência de
julgamento se havia de ter por notificada com a mera dação de conhecimento ao
defensor -, revestir-se-ia de perfeita inutilidade a primeira parte do n.º 8 do
art.º 334º, mormente se atentar que na segunda parte daquele número se preceitua
que o prazo previsto para a interposição de recurso ou para requerer novo
julgamento só se inicia a partir da notificação ao arguido (notificação pessoal
a este, naturalmente, porque é a essa notificação que se alude na sua primeira
parte), sendo de vincar que, de todo o modo, no dito n.º 8 se ressalvam os casos
previstos nos números 1 e 2 do mesmo art.º 334º, justamente aqueles que se
referem às situações a que corresponderia processo sumaríssimo, mas que foi
reenviado para processo comum, e em que o arguido, por impossibilidade de
comparecer à audiência, requereu ou consentiu na realização dela na sua
ausência.
7. O que se deixou dito referentemente aos normativos adjectivos criminais
decorrentes da Lei n.º 59/98 não é alterado perspectivando a alteração que, ao
Código de Processo Penal, foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 320-C/2000.
Neste aspecto, adere-se à entidade recorrente quando a mesma afirma que não “se
vê facilmente a que título e com que fundamento - tais normas poderiam ser
convocáveis e aplicáveis à dirimição da concreta situação procedimental debatida
, face, nomeadamente, ao preceituado no artigo 5º do Código de Processo Penal:
aplicação imediata, da lei nova sem prejuízo da validade dos actos realizados na
vigência da lei anterior; ora, tendo a audiência assentado precisamente na
expressa invocação do regime que constava do n.º 3 do artigo 334º (fls. 86),
disposição derrogada pelo Decreto-Lei n.º 320-C/2000 (passando a situação de
‘notificação edital, aí prevista, a diluir-se nos casos de ‘regular
notificação’’ do arguido para a audiência, previstos no artigo 333º, n.º 1, como
decorrência do novo regime de notificação presumida no domicílio do notificando,
mediante carta simples (artigo 313º, n.º 3, da versão actual do Código de
Processo Penal), não se vê a que título seria possível ‘convolar’ do regime
adjectivo, vigente em 1998, para o subsequente do Decreto-Lei n.º 320-C/2000”, e
que serão “irrelevantes as alterações legislativas introduzidas em 2000 no
regime de notificações para a audiência já que - como se referiu - no caso dos
autos o arguido foi pessoalmente notificado da data em que a mesma se iria
realizar (o que naturalmente nos dispensa de apreciar as questões da
suficiência, para tal fim, quer da notificação ‘edital’ prevista no n.º 3 do
artigo 334º, na versão de 1998, quer da notificação por carta simples,
estabelecida no actual artigo 313º, n.º 3, do Código de Processo Penal”.
8. Significa isto que a aplicação dos normativos acima focados aponta para que,
nos casos em que o arguido foi julgado na sua ausência (e é esta a hipótese do
caso sub specie, pois que se não trata, no mesmo, de uma situação em que o
arguido esteve presente nas sessões de audiência, excepto na da leitura da
sentença, situação essa em que, eventualmente, se poderia colocar a questão de
saber se do n.º 3 do art.º 373º da indicada versão do Código de Processo Penal
resultava a desnecessidade de notificação pessoal desse arguido da sentença) o
mesmo deve ser notificado pessoalmente da sentença logo que for detido ou se
apresentar voluntariamente, não se podendo contar o prazo para impugnar a
sentença ou para requerer novo julgamento se essa notificação não for levada a
efeito.
Mas, se assim é, então concluir-se-á que se não vislumbra em que medida é que
tais normativos poderão contender com o disposto nos números 1 e 6 do artigo 32º
da Constituição.
Em consequência, a interpretação que se deixou efectuada, porque se não mostra
desconforme com indicados preceitos constitucionais, deverá ser aquela que, no
vertente processo, deverá ser aplicada (n.º 3 do art.º 80º da Lei n.º 28/82).»
Os fundamentos do citado aresto afiguram-se adequados para a solução da questão
que agora é colocada ao Tribunal, embora, na verdade, a questão surja aqui
ancorada em preceitos diferentes. Mas, tratando-se essencialmente da mesma
matéria, e afigurando-se que a orientação perfilhada é de manter, decide-se
transpor para o presente caso tal fundamentação.
Como refere o Ministério Público nas suas alegações, “foi a revisão
constitucional de 1997 que veio possibilitar, com a introdução do n.º 6 do
artigo 32º, a ocorrência de julgamentos sem a presença do arguido, remetendo
para a lei ordinária os casos em que tal pudesse acontecer, desde que
assegurados os direitos de defesa”, estabelecendo o artigo 333º do Código de
Processo Penal “um regime que, no seu conjunto, visa assegurar o núcleo
essencial das garantias de defesa”.
No caso em apreço, estabelece o n.º 5 do citado artigo que a decisão é
notificada pessoalmente ao arguido e que o prazo para a interposição do recurso
se conta a partir dessa notificação, não se distinguindo entre ausência
justificada ou injustificada nem exigindo o apuramento dos motivos da ausência.
Como salienta aquele Magistrado, “em sede de garantias de defesa e de exercício
do direito ao recurso não faz, aliás, sentido que se distinga, uma vez que o
preceito é estabelecido face à realização da audiência de julgamento estando o
arguido ausente, sendo, nesta sede, irrelevante a razão justificativa ou a sua
falta”.
Em face do exposto, decide-se:
a) Interpretar as normas do n. 1 do artigo 411º e do n. 5 do artigo 333º do
Código de Processo Penal no sentido de que o prazo para a interposição de
recurso da decisão condenatória do arguido ausente se conta a partir da
notificação pessoal e não a partir do depósito na secretaria, independentemente
dos motivos que determinaram tal ausência e se os mesmos são, ou não,
justificáveis.
b) Conceder provimento ao recurso, devendo decisão recorrida ser reformada
em conformidade com o decidido em a).
Lisboa, 8 de Junho de 2005
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Maria Helena Brito
Artur Maurício