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Processo n.º 49/05
2.ª Secção Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A. reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art.º 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), do despacho proferido pelo relator, no Tribunal Constitucional, na parte em que este excluiu do objecto do recurso o conhecimento das questões de inconstitucionalidade relativas às normas dos artigos 653º e 668º, 489º e 513º,
590º,456º, todos do Código de Processo Civil (CPC), admitindo-o apenas quanto às normas constantes dos artigos 1865º e 1866º do Código Civil (CC), interpretados no sentido de “permitirem a intervenção, sem caracter supletivo, do Ministério Público como Autor no processo, em violação da vida privada do Réu-recorrente e num desequilíbrio da posição processual das partes, e dos artigos 202º e 203º da Organização Tutelar de Menores (OTM), com “o sentido de permitirem que, em processo civil, se tenha havido por válida uma investigação secreta, eternamente secreta, sem contraditório, desigual e realizada por um investigador, simultaneamente, Autor da acção”.
2 – A decisão reclamada tem o seguinte teor:
«1 – A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de
9 de Novembro de 2004, que negou provimento à revista interposta de acórdão da Relação que, por seu lado, negou provimento ao recurso de apelação interposto de sentença de tribunal de 1ª instância que julgou procedente a acção de investigação de paternidade proposta pelo Ministério Público e declarou o menor B. filho do recorrente.
2 – Pretende o recorrente a apreciação de inconstitucionalidade das seguintes normas:
a) artigos 1865º e 1866º do Código Civil (CC), interpretados no sentido de
“permitirem a intervenção, sem caracter supletivo, do Ministério Público como Autor no processo, em violação da vida privada do Réu-recorrente e num desequilíbrio da posição processual das partes;
b) artigos 202º e 203º da Organização Tutelar de Menores (OTM), com “o sentido de permitirem que, em processo civil, se tenha havido por válida uma investigação secreta, eternamente secreta, sem contraditório, desigual e realizada por um investigador, simultaneamente, Autor da acção”;
c) artigos 653º e 668º do Código de Processo Civil (CPC), “com o sentido de possibilitarem que fossem dados como provados factos desacompanhados da análise crítica das correspondentes provas que não existem”;
d) artigos 489º e 513º, do mesmo código, “com o sentido de permitirem impedir que em segunda audiência de discussão e julgamento fosse produzida prova testemunhal arrolada não produzida na primeira”;
e) o artigo 590º do mesmo código, “com o sentido de admitir como prova uma segunda perícia não colectiva e com objecto diferente do da primeira efectuadas, uma e outra, sob responsabilidade e com a intervenção do mesmo perito”;
f) o artigo 456º do mesmo código “num sentido da admissão da sua aplicação sem que tenham sido provados os requisitos nele previstos”.
3 – Aduz o recorrente que “as inconstitucionalidades foram suscitadas no decurso do processo e a tempo do Tribunal “a quo” se pronunciar”, tendo “as dos artigos 1865º e 1866º do CC e dos artigos 202º e 203º da OTM sido invocadas logo nas primeiras alegações de recurso do Réu-recorrente” e “as demais nas alegações de recurso para o Tribunal da Relação da sentença ditada no desenvolvimento da segunda audiência de discussão e julgamento”.
4 – Sob recurso está apenas o acórdão do STJ. Sendo assim apenas há que conhecer das questões de inconstitucionalidade das normas por ele aplicadas como ratio decidendi da decisão de negação da revista. Deste modo importa apenas conhecer da constitucionalidade das normas dos artigos 1865º e 1866º do CC e dos artigos 202º e 203º da OTM, dado que foram das normas cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada as únicas que o acórdão aplicou e cuja inconstitucionalidade foi suscitada perante ele [cf. art.ºs 280º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa, e 70º, n.º1, alínea b), da LTC].
É de notar que não se podem ter por aplicadas pelo acórdão do STJ normas que porventura tenham constituído o fundamento normativo de respostas dadas a certas questões pelo Tribunal da Relação cuja reapreciação não foi posteriormente objecto do recurso de revista interposto, independentemente da razão que esteja subjacente a uma tal posição (estratégia processual ou inadmissibilidade legal).
Por outro lado, é irrelevante que o recorrente tenha suscitado a inconstitucionalidade das outras normas mencionadas perante o Tribunal da Relação ou até perante a 1ª instância se ele, como acontece no caso, não colocou ao reexame do STJ, no recurso de revista, a pronúncia dada pela Relação sobre essas questões de inconstitucionalidade. Trata-se de questões abandonadas. É esse o sentido que decorre do n.º 2 do art.º 70º da LTC ao exigir, para os recursos interpostos ao abrigo das alíneas b) e f) do n.º 1 do mesmo artigo, em cuja categoria cabe o presente, que sejam esgotadas as vias de recurso ordinário.
Deste modo não se conhecerá da inconstitucionalidade das normas acima indicadas sob as alíneas c) a e) do ponto 2.
5 - Igualmente se não conhecerá da questão de inconstitucionalidade da norma do art.º 456º do CPC [alínea f) do ponto 2] na medida em que o recorrente não questiona a conformidade com a Lei Fundamental da norma constante desse preceito mas sim o juízo de aplicação/subsunção a esse critério normativo da realidade processual relevada pela decisão recorrida como provocada pelo recorrente.
Ora, de acordo com o afirmado repetida e uniformemente pelo Tribunal Constitucional apenas podem ser objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, de acordo com o disposto nos art.ºs 280º, n.º 1, alínea b), da CRP, e 70º, n.º 1, alínea b), da LTC, em cuja categoria cabe o presente, normas jurídicas e não decisões judiciais ou outros actos não normativos (como políticos ou administrativos) ainda que estes hajam feito aplicação directa de preceitos constitucionais.
6 – Finalmente, cumpre referir que o Tribunal Constitucional conhecerá, como já se disse, da inconstitucionalidade das normas dos artigos
1865º e 1866º do CC e dos artigos 202º e 203º da OTM, mas apenas na dimensão com que essas normas foram interpretadas e aplicadas pelo acórdão recorrido e não na dimensão que é apontada pelo recorrente no seu requerimento de interposição de recurso.
Na verdade, o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade apenas pode ter por objecto, atenta a sua natureza instrumental, normas que tenham constituído a ratio decidendi da decisão recorrida e como tal capazes de, em caso de provimento do recurso de constitucionalidade, conduzir à reforma da decisão recorrida – o que implica que só possam ser sindicados constitucionalmente os critérios normativos tal como foram entendidos e aplicados pela decisão recorrida – e não normas construídas pelo recorrente a partir de uma visão sua sobre a solução que, por uma certa interpretação delas, o caso deve merecer.
Face ao exposto – e delimitando nesses exactos termos o objecto do recurso de constitucionalidade - conhecer-se-á da inconstitucionalidade das normas dos artigos 1865º e 1866º do CC enquanto entendidas no sentido de permitirem a intervenção, sem caracter supletivo, do Ministério Público como representante do menor autor na acção em que se investiga a sua paternidade e de essa acção poder provocar “alguma ofensa à intimidade da vida privada e familiar” do investigado, por violação dos artigos 25º e 26º da CRP.
Conhecer-se-á, ainda, da questão de inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 202º e 203º da OTM quando entendidas no sentido de permitirem que possa realizar-se validamente uma investigação “secreta” como preliminar administrativo da acção de (processo civil) investigação de paternidade a propor pelo Ministério Público, sem sujeição a contraditório naquela investigação, dispondo ainda, aí, o mesmo Ministério Público de uma posição institucional privilegiada que o investigado aí não desfruta, por violação do disposto nos art.ºs 13º e 20º da CRP, da Declaração Universal dos Direitos do Homem (art.ºs 12º, 7º e 10º) e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (art.ºs 8º, 6º e 14º).
7 – Em função do objecto do recurso, tal como acaba de ser fixado, ordena-se a notificação do recorrente e recorridos para, respectivamente e querendo, alegarem e contra-alegarem no prazo legal.».
3 – Como fundamentos da sua reclamação o reclamante aduz o seguinte:
«1. Entendeu o Ex.mo Conselheiro Relator proferir Despacho nos termos do qual delimitou, restringindo, o objecto do presente recurso para o Tribunal Constitucional, por entender que, estando apenas em recurso o acórdão do STJ, relativamente às normas cuja inconstitucionalidade o Recorrente pretende ver apreciada, elencadas sob as alíneas c) a e) do mesmo Despacho, tais normas não foram aplicadas pelo STJ enquanto ratio decidendi da decisão de negação da revista.
2. Foi entendido, também, na decisão de que agora se reclama para a Conferência, que, relativamente àquelas normas, o Recorrente não suscitou a questão da sua inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal de Justiça, pelo que terão de considerar-se como questões abandonadas insusceptíveis de recurso para o Tribunal Constitucional na medida em que, quanto a elas, não foram esgotadas as vias de recurso ordinário (cfr. n.º 2 do art. 70º da LTC).
3. Salvo o devido respeito, não nos parece que assista razão ao Ex.mo Juiz Conselheiro Relator nos termos em que fixou o objecto do recurso, cuja delimitação, face aos termos em que o mesmo foi interposto, é violadora da lei e merece ser reparada. Vejamos,
4. Preliminarmente, importa salientar, à semelhança, aliás, do que faz a decisão do Ex.mo Conselheiro Relator, que, na análise da verificação dos pressupostos do recurso para o Tribunal Constitucional, é fundamental avaliar se as normas cuja constitucionalidade é questionada, no entendimento e interpretação subjacentes aos termos em que foram aplicadas, constituíram ratio decidendi da decisão recorrida e se o eventual juízo de inconstitucionalidade que venha a ser formulado determinará a reforma ou revogação da decisão recorrida.
5. Ora, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto ao apreciar o recurso de Agravo do Despacho impugnado que não admitiu, na segunda audiência de discussão e julgamento, a inquirição de testemunhas arroladas pelo Recorrente e que não tinham sido ouvidas no primeiro julgamento, entendeu que
6. 'não poderia pretender (o Recorrente) agora que a inquirição se fizesse, tanto mais que, como já se referiu, não houve sequer anulação do primeiro julgamento, mas tão só a determinação da realização de uma diligência em falta - diligência sobre cujo resultado e valor o réu sempre teria, como teve, oportunidade de se pronunciar, não havendo, pois, violação dos invocados princípios do contraditório e do acesso à justiça' (sublinhado nosso).
7. Isto é, relativamente à produção da prova apresentada pelo Recorrente, a decisão da Relação do Porto interpretou os artigos 489º e 513º do Código de Processo Civil num determinado contexto jurídico-processual relevante ao nível da sua conformidade com o princípio constitucional do acesso à justiça e do direito de defesa.
8. Por outro lado, entendeu igualmente o Acórdão da Relação do Porto, relativamente à interpretação a que procedeu dos artigos 653º e 668º do Código de Processo Civil no juízo que formulou sobre a avaliação crítica da prova produzida pela 1ª instância que:
9. 'perante os elementos de que dispomos não podemos deixar de ter por razoável e aceitável a convicção probatória gerada a quo, expressa e alicerçada nos elementos invocados'; 'o argumento do apelante com vista à pretendida alteração decorre essencialmente do facto de os depoimentos das testemunhas serem de «ouvir dizer»', 'e se relativamente ao relacionamento mais íntimo, o conhecimento lhes foi transmitido por aquela, tal é perfeitamente natural e compreensível, atenta a natureza do relacionamento e dos actos em causa'.
10. É indiscutível que, subjacente ao entendimento e à ratio decidendi da decisão da Relação do Porto relativamente à questão da análise crítica da prova, está uma interpretação, com um determinado sentido e enquadramento constitucional, das normas constantes dos artigos 653º e 668º do Código de Processo Civil.
11. No recurso interposto do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto para o Supremo Tribunal de Justiça, nas conclusões formuladas, o Recorrente alegou que:
12. '14ª - As testemunhas ouvidas na primeira audiência de julgamento foram, depois, ouvidas na segunda, ao abrigo da decretada anulação daquela. E,
13. 15ª- as que não foram ouvidas na primeira audiência de julgamento também não foram inquiridas na segunda, muito embora o devessem ter sido, o que
14. 16ª- representou a preterição da prática desse acto judicial que aliás,
15. 17ª- infringiu um comando jurisdicional transitado'.
16. Conclui, ainda, o Recorrente que: 'Os depoimentos prestados pelas testemunhas carreadas pela assistente recorrida são os de «a ouvir dizer»' E,
17. 23ª- a sua fonte, aliás única, reside nessa mesma assistente. Por isso
18. 24ª- os seus depoimentos só podem ser atendidos como interpostos depoimentos de parte'.
19. Mas formulou, ainda, o Recorrente, as seguintes conclusões:
20. '25ª- O segundo exame(...) E 26ª nele interveio Perito que já havia participado no primeiro'.
21. '27ª- A sentença não procedeu à análise crítica das provas, nem 28ª - deu motivação minuciosa e fundamentada a cada uma das respostas do quesitado
(...)'.
22. '34ª- A decisão recorrida violou os artigos 2º, 13º, 16º, 19º, 20º,
25º, 26º e 32º da CRP (...)'.
23. O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça conheceu de todas estas questões levantadas pelo Recorrente, embora de forma telegráfica e com economia de esforço, reconhece-se.
24. Assim, enquanto fundamento da decisão proferida, o STJ entendeu que:
'qualquer outra diligência probatória realizada de novo, para além do exame, violaria o sentido do acórdão deste Supremo'; 'no que toca aquilo que o recorrente qualifica de «análise crítica das provas», importa recordar que ao Supremo, como Tribunal de revista, só cumpre, em princípio, apreciar matéria de direito e não julgar matéria de facto'; 'constata-se dos autos que a convicção do julgador se formou com base nos relatórios periciais juntos, complementados pelos esclarecimentos prestados em audiência de julgamento pelos peritos, e com base no depoimento das testemunhas e da assistente. Tudo correcto e sem que seja possível censura'.
25. Diga-se, ainda, que o próprio acórdão do STJ reconhece quanto aos argumentos do Recorrente que 'Nesta revista, por exemplo, a base passaram a ser a Constituição e as Convenções Internacionais (...)'.
26. Ademais, ao julgar, como julgou, o Supremo Tribunal de Justiça assumiu a condenação proferida pelo Acórdão da Relação do Porto, afirmando não merecer tal acórdão qualquer censura e incorporou, assim, os fundamentos e pressupostos decisórios daquela decisão.
27. Apesar de, formalmente, estar em análise e sindicância constitucional apenas o acórdão do STJ, a verdade é que, do ponto de vista material - tendo em conta a própria configuração jurídico-normativa do sistema de recursos no nosso ordenamento e a própria exigência de que seja esgotada a via de recursos ordinários - o acórdão do STJ sintetiza todo o julgamento de direito efectuado ao longo das instâncias e assume a ratio decidendi (normativa, incluindo as regras processuais) das decisões intercalares.
28. E dúvidas não restam que, ao longo desse percurso processual, o Recorrente alegou as várias inconstitucionalidades - as quais foram, aliás, conhecidas, embora desatendidas, pelo STJ, nos termos em que proferiu a decisão recorrida - que pretende ver agora apreciadas por esse Venerando Tribunal.
29. Mais, todas essas questões de (in)constitucionalidade constituíram fundamento da decisão a que o STJ chegou, confirmando a motivação e conteúdo decisório das várias decisões recorridas
30. sendo que, a formar-se um juízo de inconstitucionalidade sobre a forma como as normas referidas nas alíneas c) a e) do ponto 2. do Despacho de que se reclama, foram interpretadas e aplicadas, as decisões recorridas terão necessária e consequentemente de ser reformadas, alterando-se o sentido da decisão quanto a questões processuais que se repercutem de forma relevante no apuramento da verdade material e, logo, na decisão material da relação material controvertida.
31. Entende, por conseguinte, o Recorrente que, relativamente às normas dos artigos 653º, 668º, 489º, 513º e 590º do Código de Processo Civil, as mesmas foram aplicadas pelo Tribunal da Relação do Porto e pelo Supremo Tribunal de Justiça com um determinado sentido desconforme a dispositivos concretos da Constituição da República Portuguesa, explicitado nos vários recursos interpostos e, também, no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional,
32. Tal aplicação (e o entendimento que lhe está subjacente) sustentou um determinado sentido das decisões proferidas, o que implicou a negação da revista e já tinha conduzido à improcedência da apelação, afectando o direito de defesa do Recorrente e colocando em crise o sucesso da posição sustentada em juízo.
33. Não deve, por isso, ser sufragada a restrição do objecto do recurso interposto pelo recorrente do Acórdão do STJ para o Tribunal Constitucional, tal como consta do Despacho do Ex.mo Juiz Conselheiro Relator, devendo a Conferência manter o recurso interposto nos exactos termos, âmbito e extensão que constam do requerimento de interposição de recurso, deixando para a decisão do mérito do recurso a improcedência ou não das inconstitucionalidades invocadas.
Em conclusão:
A) O Recorrente, ora Reclamante suscitou de forma processualmente adequada as questões cuja constitucionalidade pretende ver apreciada pelo TC.
B) Com efeito, resulta claramente das alegações de recurso proferidas perante a Relação do Porto e perante o STJ, nos termos expostos supra, que o Recorrente, ora Reclamante alegou que não pode deixar de considerar-se inconstitucional, por violação do artigos 2º, 13º, 16º, 19º, 20º, 25º, 26º e 32º da Constituição da República Portuguesa, a aplicação dos arts. 653º e 668º do Código do Processo Civil no sentido e com a interpretação de possibilitarem que fossem dados como provados factos sem análise crítica das respectivas provas, uma vez que estas inexistem; dos arts. 489º e 513º do Código do Processo Civil com o sentido de permitirem impedir que em 2ª audiência de julgamento se proceda
à produção da prova testemunhal arrolada e não produzida em 1ª audiência de julgamento; do art. 590º do Código do Processo Civil com o sentido de admitir como prova uma 2ª perícia não colectiva e com objecto diferente do da 1ª perícia, ambas realizadas sob a responsabilidade e com a intervenção e participação do mesmo perito;
C) Tal alegação foi feita de forma suficiente para que o STJ dela tivesse conhecido, estando a tal obrigado.
D) A forma como o STJ se pronunciou apenas permite concluir que o mesmo desatendeu a alegação do Recorrente.
E) Sendo certo que os Acórdãos da Relação do Porto e do STJ aplicaram as referidas normas jurídico-processuais como fundamento normativo da decisão de mérito.».
4 – O Procurador-Geral Adjunto no Tribunal Constitucional respondeu argumentando:
«1 - A presente reclamação é manifestamente improcedente, em nada abalando a decisão reclamada, no que toca à inverificação dos pressupostos do recurso, quanto a determinadas questões suscitadas pelo recorrente.
2 - Que parte, aliás, do errado pressuposto de que o presente recurso de constitucionalidade permitiria reequacionar todas e quaisquer questões, colocadas ao longo da tramitação do processo - e não apenas as que resultam da decisão proferida pelo Supremo, tendo em conta a 'ratio decidendi' do acórdão que pôs termo à causa.».
5 – Também a assistente na acção, C., respondeu defendendo o indeferimento da reclamação, dizendo:
«1 - Salvo o devido respeito e pese embora toda a sua extensão, a douta argumentação expendida pelo recorrente afigura-se de todo irrelevante
2 - Como o recorrente é o primeiro a reconhecer, qualquer juízo sobre constitucionalidade a proferir só terá razão de ser se e na medida em que as normas em causa hajam sido aplicadas enquanto fundamentadoras do Acórdão recorrido proferido pelo S.T.J.
3 - Qualquer questão de constitucionalidade de normas anteriormente suscitada mas não reposta perante o S.T.J. que sobre ela não se debruça, não aplicando tais normas ao proferir a sua decisão, está fora do âmbito de apreciação pelo Tribunal Constitucional, excedendo o objecto do recurso interposto,
4 - Não cabendo recurso directo ou 'per saltum', por muito que essas questões tivessem sido colocadas e apreciadas nas instâncias.
5 - Por isso, é inútil trazer à colação as decisões proferidas no Tribunal da Relação do Porto
6 - E o Acórdão proferido no S.T.J., mesmo negando a revista, tem os seus próprios fundamentos normativos que não se confundem com os do Acórdão da Relação, a menos que tivesse sido proferido por simples remissão, o que não sucede,
7 - Só podendo o Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre a conformidade constitucional das normas efectivamente aplicadas no Acórdão do S.T.J. agora recorrido, nos termos em que o foram
8 - Com o que o douto despacho reclamado se apresenta perfeitamente correcto, observando a delimitação imposta pelo art.º 70º, n.º 2, da L.T.C.».
6 – O acórdão recorrido do Supremo Tribunal de Justiça é do seguinte teor:
«I - O Magistrado do Ministério Público intentou acção de investigação de paternidade contra A., pedindo que o menor B. seja declarado filho do réu.
Alegou que a mãe do menor e o réu mantiveram uma relação amorosa com trato sexual, daí resultando a gravidez e o nascimento do menor, sendo certo que nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento, a mãe do menor apenas manteve relações sexuais com o réu.
Contestando, o réu sustentou que não teve relações sexuais com a mãe do menor quer no período da concepção, quer antes ou depois, acrescentando que a mesma manteve relações de sexo com vários homens.
C., mãe do menor, requereu a sua intervenção como assistente, sendo admitida como tal. O processo prosseguiu termos, tendo-se realizado exame de investigação de filiação biológica. O réu requereu segundo exame, pretensão que foi indeferida e motivou o agravo. Teve lugar audiência de julgamento, sendo proferida sentença que decidiu pela procedência da acção. Apelou o réu, tendo o Tribunal da Relação confirmado as decisões recorridas. Inconformado, recorre o réu para o Supremo Tribunal de Justiça. Por acórdão deste Tribunal foi determinado que devia ter lugar segundo exame nos termos requeridos, anulando-se por esse motivo as decisões proferidas. Regressando os autos à 1ª instância, realizou-se o exame em questão. Pretendeu o réu que fossem inquiridas algumas testemunhas, o que foi indeferido, tendo o réu agravado. Teve lugar nova audiência de julgamento, sendo proferida sentença que declarou o menor filho do réu e actuado este como litigante de má fé. Apelou o réu. O Tribunal da Relação confirmou o decidido, reduzindo contudo a multa em que o réu tinha sido condenado por litigância de má fé. Novamente inconformado, recorre o réu para este Tribunal.
Formula as seguintes conclusões:
- O Ministério Público goza de competência negativa para propor a acção de investigação de paternidade;
- Por ela derroga o direito constitucional e supra nacional à reserva da intimidade da vida privada e familiar;
- O regime jurídico estabelecido nos artigos 1865º e 1866º do C. Civil estar ferido de inconstitucionalidade;
- O Ministério Público investigante na averiguação oficiosa da paternidade torna-se parte no processo e essa é secreta e oficiosa;
- O que viola os princípios da igualdade e contraditório consagrados nos artigos
2º e 19º da CRP e no artigo 3ºA do CP Civil;
- Torna inconstitucional o estatuído nos artigos 202º e seguintes do OTM;
- O Ministério Público dispõe de posição privilegiada relativamente ao réu;
- E frui de poderes institucionais que este não tem no processo;
- Donde haver uma abissal desigualdade de armas;
- O que subverte, em processo civil, e estatuto de igualdade substancial das partes;
- E faz do processo não equitativo, em agressão do definido nos artigos 13º e
20º da CRP, nos artigos 7º e 10º da CUDH e nos artigos 6º e 14º da CEDH;
- As testemunhas ouvidas na primeira audiência de julgamento foram, depois, ouvidas na segunda, ao abrigo da decretada anulação daquela;
- As que foram ouvidas na primeira audiência de julgamento também não foram inquiridas na segunda, muito embora o devessem ter sido;
- O que representou a preterição da prática desse acto judicial;
- Que, aliás, infringiu um comando jurisdicional transitado;
- Daí que, todo o processado ulterior a essa omissão se encontre fulminado de nulidade;
- Os exames periciais executados não preenchem as condições internacionais definidas e exigidas;
- Os próprios geneticistas admitem a sua não fiabilidade;
- Pelo que, devem, quando muito, ser encarados como auxiliares de prova, que não meio de prova;
- Os depoimentos prestados pelas testemunhas carreadas pela assistente recorrida são os de a “ouvir dizer”;
- E a sua fonte, aliás única, reside nessa mesma assistente;
- Por isso, os seus depoimentos só podem ser atendidos como interpostos depoimentos de parte;
- O segundo exame pericial não retestou o primeiro, ao contrário do que fora ordenado pelo acórdão, transitado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça;
- E nele interveio perito que já havia participado no primeiro;
- A sentença não procedeu à análise crítica das provas, nem deu motivação minuciosa e fundamentada a cada uma das respostas do quesitado;
- Nas mais relevantes, satisfez-se com a razão de ciência do “ouvir dizer” à própria assistente recorrida;
- O recorrente não alterou a realidade que era de si conhecida;
- E, continua convicto da veracidade do por si chamado ao processo no qual sempre tem procurado pautar-se pela autenticidade e a coerência;
- Logo, sua conduta nunca foi dolosa ou incursa em negligência grave;
- A decisão recorrida violou os artigos 2º, 13º, 16º, 19º, 20º, 25º, 26º e 32º da CRP; e os artigos 3ºA, 456º, 590º, alínea a), 653º nº 2, 668º, alínea b),
671º e 672º do CP Civil.
Contra-alegando, a assistente defende a manutenção do decidido. O Ministério Público sustenta a justeza da decisão. Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II - Vem dado como provado: No dia 20.08.92, na freguesia de S. Sebastião da Pedreira, concelho de Lisboa, nasceu B., que apenas foi registado como filho de C.; Não existe qualquer grau de parentesco ou afinidade entre a referida C. e o réu; O réu conheceu a mãe do menor no ano de 1974, quando esta estudava na Faculdade de ----------- em Lisboa; Em 1976 iniciaram uma relação de namoro que durou alguns meses; Desde o ano de 1977 até 1982 não mais se encontraram, visto que a mãe do menor casou e ficou a viver em Lisboa e o réu veio viver para Vila Nova de Gaia; Após se ter divorciado, em Fevereiro de 1984, a mãe do menor e o réu reiniciaram uma relação amorosa com trato sexual, que se manteve até Dezembro de 1991, inclusive; O relacionamento sexual entre ambos acontecia quando o réu ia Lisboa e pernoitava com a mãe do menor, em casa desta ou de amigos, e também em hotéis, quando a mãe do menor vinha ao Porto passar fins de semana com o réu, ou quando iam passar fins de semana em pousadas ou hotéis, de diversos locais do país como, por exemplo, a Figueira da Foz, Viseu, Guimarães e Aveiro; Designadamente no ano de 1991, em Novembro e até 24 de Dezembro, data em que a mãe do menor soube da gravidez, esta e o réu mantiveram relações sexuais de cópula completa; Nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento do menor, a mãe deste apenas manteve relações sexuais com o réu; Foi das ditas relações de cópula completa entre o réu e a mãe do menor que resultou a gravidez desta e da gravidez o nascimento de B..
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III - Intentada acção de investigação de paternidade e após um longo percurso repleto de incidentes, chegam os autos novamente ao Supremo Tribunal de Justiça para se decidir uma questão aparentemente simples mas sempre de grande complexidade: saber se o menor é ou não filho do réu. Decisão que, obviamente, será aquela que resulta dos elementos que foram carreados para os autos.
As instâncias mais uma vez julgaram a acção procedente e mais uma vez recorre o réu. Suscita as seguintes questões: O Ministério Público goza de 'competência negativa' para propor a acção de investigação de paternidade e por ela derroga princípios constitucionais; Deveriam ter sido inquiridas testemunhas indicadas pelo réu-recorrente que, apesar de anotadas, não foram ouvidas; Não se procedeu à análise critica das provas; Não há lugar à condenação do réu, como litigante de má fé.
Vejamos a problemática levantada, começando pela invocada inconstitucionalidade. Na tese do recorrente as normas dos artigos 1865º e 1866º do C. Civil são inconstitucionais por violarem os artigos 25º e 26º da Constituição da República Portuguesa, como inconstitucionais são os artigos 202º e seguintes, da OTM por violarem os artigos 13º e 20º da CRP. Violados seriam ainda, segundo afirma, a Declaração dos Direitos do Homem de 10.12.48 (artigos 12º, 7º e 10º) e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem - Lei nº 65/78, de 13 de Outubro
(artigos 8º, 6° e 14º). E isto porque haverá alguma ofensa à intimidade da vida privada e familiar; o Ministério Público na averiguação oficiosa de paternidade torna-se parte no processo, o secretismo na averiguação oficiosa viola os princípios da igualdade e do contraditório; o Ministério Público dispõe de posição privilegiada, fruindo de poderes institucionais que o réu não tem. Remetida ao Tribunal certidão de registo de nascimento do menor, onde se encontra fixada apenas a maternidade, o Ministério Público deve proceder à instrução do processo por forma a averiguar a paternidade. Ouvido o pretenso pai e não aceitando este a paternidade que a mãe do menor lhe atribui, terão lugar as diligências probatórias que forem entendidas como necessárias e em instrução secreta. Concluída a averiguação e elaborado pelo Ministério Público o respectivo parecer, é o processo submetido à apreciação do Juiz, que proferirá despacho de arquivamento ou de remessa do processo ao Ministério Público para propositura da acção, caso esta seja julgada viável (artigos 1864º 1865º e, designadamente, os artigos da averiguação oficiosa de maternidade para onde remete o artigo 1868º todos do C. Civil e ainda artigos 202º e 206º da OTM). Como tem sido repetidamente afirmado está-se perante um processo de carácter administrativo ou pré-judicial que tem por fim habilitar o Ministério Público a intentar a competente acção de investigação de paternidade, procurando garantir-se que não sejam propostas acções sem fundamento, atentos designadamente os interesses em jogo e especiais sensibilidades que o processo envolve. A intervenção do Ministério Público justifica-se por estar em causa um interesse público, actuando aquele em representação do Estado e não como parte. Nem se vê como a intervenção de Juiz, formulando um juízo de viabilidade, possa ofender direitos do pretenso pai. Por um lado, esse juízo não fixa a paternidade e limita-se, como já referido, a 'dizer' ao Ministério Público que poderá propor a acção; por outro, no processo que vier a ser instaurado o pretenso progenitor poderá exercer todos os direitos que o ordenamento jurídico lhe concede, sem que o Ministério Público disponha de qualquer superioridade, ao contrário de que o recorrente defende. O Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou no sentido de que a impossibilidade de o investigado ter intervenção na averiguação oficiosa 'em nada afectou direitos e interesses sérios seus' - Ac. STJ de 20.05.97, CJ Ano V Tomo II, pág. 91. No Ac. nº 616/98, de 21.10.98 do Tribunal Constitucional - 'Acórdãos do Tribunal Constitucional' 41º vol., pág. 263 - depois de se afirmar que o despacho jurisdicional de viabilidade da acção não ofende os direitos e interesses legítimos do pretenso progenitor, decidiu-se, designadamente, que: 'A averiguação oficiosa não deixa, assim, de representar um robustecimento das garantias de defesa do pretenso progenitor, garantias estas cuja tutela apenas se impõe, constitucionalmente, na acção de investigação de paternidade a intentar e em que aquele figura como parte'. Nem tem razão o recorrente quando sustenta que o direito ao conhecimento da paternidade biológica não está incluído no direito à identidade pessoal, nem consagrado em convenções internacionais. O artigo 25º da Constituição da República Portuguesa consagra o direito à integridade pessoal e o artigo 26º outros direitos pessoais, estipulando o nº 1, além do mais, que a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal. Em anotação a este artigo escreveu-se na 'Constituição da República Portuguesa'
– 3ª edição, 1993 dos Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira que o direito à identidade pessoal abrange seguramente um direito à 'historicidade pessoal', o que implica o conhecimento da identidade dos progenitores, podendo fundamentar o direito à investigação de paternidade ou de maternidade. Nenhuma das disposições referidas pelo recorrente (artigo 12º da CUDH, artigo 8º da CEDH) contraria o que está dito ou confirma a tese defendida pelo réu, nem é correcta a invocação da 'Convenção Europeia dos Direitos do Homem' - de Ireneu Cabral Barreto, Editorial Notícias, 1995, pág. 131 e 133 e seguintes na citação feita pelo recorrente. O artigo 8º da Convenção procura defender o indivíduo contra as intervenções arbitrárias dos poderes públicos, devendo o Estado não só abster-se dos comandos que violem tal principio, como ainda ter um papel activo tendente ao respeito da vida privada e familiar. Porém, como se escreve - pág. 126 da obra mencionada - 'as medidas positivas exigidas aos Estados estão em geral sujeitas à margem de apreciação do próprio Estado, é preciso ressalvar um justo equilíbrio entre o interesse geral e o interesse do indivíduo'. Diga-se, aliás, que a maternidade e a paternidade são, na terminologia do artigo
68º, n.º 2, da CRP, valores socialmente eminentes, sendo assim reconhecidos como garantias institucionais, protegidas como valores sociais e constitucionais objectivos. O que se pretende com a averiguação oficiosa é assegurar que serão intentadas as acções necessárias, úteis e viáveis para a fixação da maternidade e paternidade e tão somente essas, não resultando daqui claramente, a violação de qualquer princípio constitucional. Analise-se por isso a restante argumentação. Face à matéria de facto considerada provada a conclusão jurídica só podia ser aquela que foi tirada desde logo na 1ª instância: o menor é filho do réu. Conclusão tão óbvia que nem o recorrente a questiona. Pretende, contudo, por via lateral, atacar o fundo da questão. Defende que no julgamento a que de novo se procedeu, após decisão deste Tribunal, devia ter tido lugar a inquirição das testemunhas arroladas pelo réu e que não haviam sido inquiridas no primeiro julgamento. Defende ainda que na fixação da matéria provada não foi feita a análise crítica das provas nem a fundamentação do que foi decisivo para a convicção do julgador, o que violaria os artigos 653º nº 2 e 668º nº 1, alínea b) ambos do C. Processo Civil. Diga-se como nota prévia que o ora relator é o mesmo que relatou o acórdão do STJ que ordenou a realização do exame, como se repete ainda um dos Conselheiros Adjuntos. Mais facilmente por isso se poderá explicitar aquilo que se decidiu. Resulta claro, segundo pensamos, que não tem qualquer razão o recorrente quanto
à primeira das questões, já que não se justificava a título algum a inquirição de novas testemunhas. Escreveu-se no acórdão em causa que: deveria ter lugar um segundo exame, anulando-se a decisão e o acórdão, 'devendo ser proferida nova sentença após realização do exame, aproveitando-se todos os actos que for possível aproveitar por não entrarem em colisão com a necessidade do exame'. A única coisa que se apreciou e decidiu foi a necessidade de realização de um outro exame, nada mais tendo estado em causa. Após esse exame e aproveitando-se toda a restante prova produzida, deveria ser proferida nova sentença. Quer isto dizer que o exame completaria a prova e com base nela seria proferida sentença. Qualquer outra diligência probatória realizada de novo, para além do exame, violaria o sentido do acórdão deste Supremo. No que toca aquilo que o recorrente qualifica de 'análise crítica das provas', importa recordar que ao Supremo, como Tribunal de revista, só cumpre, em princípio, apreciar matéria de direito e não julgar matéria de facto. Certo é, porém, que o Supremo pode pronunciar-se sobre os factos provados se existir erro das instâncias na análise da prova por violação das normas que fixam o seu valor. Ofensa essa que se verifica quando as instâncias atribuíram ao meio de prova um valor que ele não comporta ou deixaram de lhe conceder o seu valor legal (artigos 729º, n.º 2, e 722º, n.º 2, do C. Processo Civil). Em concreto, nenhuma destas hipóteses se verifica. Na acção de investigação são admitidos todos os meios probatórios permitidos pelo nosso ordenamento jurídico civil. Constata-se dos autos que a convicção do julgador se formou com base nos relatórios periciais juntos, complementados pelos esclarecimentos prestados em audiência de julgamento pelos peritos, e com base no depoimento das testemunhas e da assistente. Tudo correcto e sem que seja passível de censura. Coloca-se finalmente o problema da condenação do réu como litigante de má fé. Em acórdãos subscritos pelo mesmo relator e adjuntos têm-se defendido uma aplicação cautelosa e muito ponderada da condenação do réu por litigância de má fé, por se entender que uma análise linear da questão, pode vir na prática a limitar o direito de defesa, que é um dos princípios base do nosso direito processual civil e tem foros de garantia constitucional. A apreciação do dolo ou da negligência grave, exigidos pelo artigo 456º, n.º 2, do CP Civil, tem que ser feita após cuidadosa apreciação casuística, onde deverá caber a natureza dos factos negados e a forma como tal negação ou omissão foram feitos. O entendimento restrito referido tem levado a considerar-se que não havia razão para condenação por litigância de má fé em muitos casos apreciados - Entre vários, Ac. de 20.10.98, 'Sumários' nº 24, pág. 29; Ac. de 27.04.99, Revista nº
232/99; Ac. de 05.12.2002, Revista nº 2884/02-1. Mas se é assim, a verdade é que no caso em apreciação está correctíssima a condenação nos moldes constantes do acórdão recorrido. Não por o processo ter demorado longos anos (como a assistente não se cansa de afirmar), já que o réu se limitou a usar os mecanismos legais que a lei lhe concede. Saliente-se, a propósito, que também nenhuma responsabilidade cabe aos Tribunais neste caso, uma vez que foram respeitados os prazos legais. O problema só poderá neste campo ser resolvido por via legislativa, pelo que não cabe aqui apreciar. A razão é outra. E que face à matéria de facto provada (e é essa que tem que ser tida em conta) o réu teve uma relação de namoro durante meses com a mãe do menor. Finda que foi essa relação, veio a reiniciar-se uma relação amorosa com trato sexual que se manteve durante anos. O relacionamento sexual entre ambos não foi ocasional ou fortuito, já que (segundo o apurado) o réu pernoitava com a mãe do menor em casa desta ou de amigos e também em hotéis e pousadas em vários locais do país. Para além desta factualidade há os exames realizados que fixaram em 99.999999,4% a probabilidade de paternidade do réu como pai do menor. Face a todos esses elementos, o réu continua a afirmar não ser o pai, mudando aliás os argumentos recursórios conforme o decurso do tempo. Nesta revista, por exemplo, a base passaram a ser a Constituição e as Convenções Internacionais, o que promete prolongar um pouco mais a discussão. Justifica-se assim a condenação, não merecendo qualquer censura o acórdão recorrido. Pelo exposto, nega-se a revista. Custas pelo recorrente.».
B – Fundamentação
7 – Confrontando os fundamentos da reclamação com a decisão reclamada, torna-se evidente que aquela não pode proceder, em nada saindo abalada a bondade da fundamentação aí expendida.
Como se verifica das suas alegações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação que lhe negou a apelação, que o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal que lhe negou a revista, de resto, transcreveu, o recorrente não suscitou perante o Supremo Tribunal qualquer questão de inconstitucionalidade relativa aos preceitos identificados sob as alíneas c) a f) do n.º 2 do despacho ora reclamado.
Apenas o fez relativamente aos preceitos cujo conhecimento da questão de inconstitucionalidade foi admitido no despacho reclamado ou seja, relativamente às normas nele identificadas sob as alíneas a) e b) do seu n.º 2.
Daí que o acórdão ora recorrido apenas tenha curado da apreciação da questão de inconstitucionalidade dessas normas.
No mais, as conclusões das alegações, e que sintetizam o discurso argumentativo antes desenvolvido, limitam-se a afirmar que “a[A decisão recorrida violou os artigos 2º, 13º, 16º, 19º, 20º, 25º, 26º e 32º da CRP; e os artigos 3º-A, 456º, 590º, alínea a), 653º, n.º 2, 668º, alínea b), 671º e 672º do CP Civil”, não problematizando qualquer questão de inconstitucionalidade relativamente aos preceitos que refere ou ainda quanto aos artigos 489º e 513º do Código de Processo Civil, todos pretendidos impugnar constitucionalmente.
Mantém, pois, todo o sentido o afirmado no n.º 4 do despacho ora reclamado e que aqui se renova. Aduzir-se-á, ainda, que, além de não ter suscitado perante o STJ, a inconstitucionalidade das normas referidas sob as alíneas c) a f) do n.º 2 do despacho reclamado, o recorrente, nas mesmas conclusões, se limitou a questionar, salvo no que tange às normas mencionadas nas alíneas a) e b) do n.º
2 do mesmo despacho, a correcção da decisão judicial à face dos preceitos constitucionais e ordinários que identifica, convertendo em objecto do recurso de constitucionalidade, nesta parte, a própria decisão jurisdicional. Ora, como vem sendo repetidamente afirmado pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do art.º 280º da CRP e na alínea b) do n.º 1 do art.º 70º da LTC, em cuja categoria se insere o presente, apenas pode ter como objecto normas jurídicas que hajam sido aplicadas como sua ratio decidendi pela decisão recorrida e não decisões judiciais ou outros actos não normativos embora estes tenham feito aplicação directa de normas ou princípios constitucionais
[cfr. Cardoso da Costa, A jurisdição constitucional em Portugal, in Estudos em homenagem ao Professor Doutor Afonso Rodrigues Queiró, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, I, 1984, pp. 210 e ss., e, entre outros, os Acórdãos n.º 352/94, publicado no Diário da República II Série, de 6 de Setembro de 1994, n.º 560/94, publicado no mesmo jornal oficial, de 10 de Janeiro de 1995
e, ainda na mesma linha de pensamento, o Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da República II Série, de 20 de Junho de 1995, e, aceitando os termos dos arestos acabados de citar, o Acórdão n.º 192/2000, publicado no mesmo jornal oficial, de 30 de Outubro de 2000]. Ao contrário do que sustenta, as asserções que o reclamante respiga do acórdão recorrido e de que dá nota nos pontos 24 e 25 do seu articulado de reclamação não traduzem a aplicação de normas cuja inconstitucionalidade o mesmo haja suscitado nas suas alegações para o STJ, como já se demonstrou, não podendo valorar-se, pelas razões aduzidas no despacho reclamado, a eventual suscitação da questão de inconstitucionalidade em outras instâncias jurisdicionais e não colocada ao STJ. Acontece até que, no que respeita ao âmbito de produção de prova testemunhal aquando da repetição do julgamento em 1ª instância, o acórdão ora recorrido acaba por fundar a correcção do decidido no respeito pelo julgado em acórdão anterior do mesmo Supremo Tribunal, pelo que apenas poderiam ser tidas por implicitamente aplicadas as normas legais que respeitam ao âmbito e efeitos do caso julgado e não as normas que o reclamante alega. Por outro lado, importa notar que do facto de o acórdão ora recorrido assumir a condenação proferida pela Relação como efeito necessário da negação da revista pedida não resulta que possa entender-se que todas as questões colocadas à Relação se devam considerar como tendo sido por ele reequacionadas e decididas, de molde a terem-se por aplicadas pelo Supremo todas as normas ponderadas no acórdão da Relação, bem como por recolocada a questão da sua eventual inconstitucionalidade, nomeadamente para efeitos de cumprimento dos pressupostos do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade. É que o âmbito do recurso para o Supremo ficou restringido às questões que lhe foram postas nas conclusões das alegações e o recurso de constitucionalidade, por mor da sua função instrumental, apenas poderá ter, como já disse, por objecto normas que hajam constituído o fundamento normativo da sua concreta decisão relativamente a essas questões, não servindo como instrumento de reponderação “de todas e quaisquer questões que hajam sido colocadas ao longo da tramitação do processo”.
C – Decisão
8 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação e condenar o reclamante em custas, fixando a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 29 de Março de 2005
Benjamim Rodrigues Maria Fernanda Palma Rui Manuel Moura Ranmos