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Processo n.º 312/05
1.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos de recurso em que é recorrente A. e recorrido o
Ministério Público, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao
abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei de Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão do
Tribunal da Relação de Lisboa, de 17 de Fevereiro de 2005.
Neste Tribunal, foi proferida decisão sumária, em 11 de Maio de 2005, ao abrigo
do disposto no artigo 78º-A, nº 1, da LTC. Foi então decidido negar provimento
ao recurso, remetendo-se para anterior jurisprudência do Tribunal Constitucional
que se pronunciou pela não inconstitucionalidade da norma que o recorrente
submeteu à apreciação deste Tribunal – o artigo 678º, nº 1, do Código de
Processo Civil.
Foi utilizada a seguinte fundamentação:
“A norma cuja inconstitucionalidade o recorrente pretende ver apreciada por este
Tribunal foi já objecto de anteriores decisões, pronunciando-se sempre o
Tribunal Constitucional no sentido da não inconstitucionalidade.
Como se escreveu no Acórdão nº 239/97 (Diário da República, II Série, de 15 de
Maio de 1997), “A existência de limitações de recorribilidade (...) funciona
como mecanismo de racionalização do sistema judiciário, permitindo que o acesso
à justiça não seja, na prática, posto em causa pelo colapso do sistema,
decorrente da chegada de todas (ou da esmagadora maioria) das acções aos
diversos ‘patamares’ de recurso (...)
Ora, sendo certo que as alçadas, bem como todos os mecanismos de ‘filtragem’ de
recursos, originam desigualdades (partes há que podem recorrer e outras não),
estas não se configuram como discriminatórias, já que, todas as acções contidas
no espaço de determinada alçada são, em matéria de recurso, tratadas da mesma
forma”.
No mesmo sentido se pronunciaram, designadamente, os Acórdãos nºs 496/96, 149/99
(Diário da República, II Série, de 17 de Julho de 1996 e de 5 de Julho de 1999),
431/02 e, em casos em tudo idênticos ao presente, 84/05, 215/05 e 232/05 (não
publicados).
A questão é, pois, simples, face à definição oferecida pelo artigo 78º-A, nº 1,
da LTC, pois que se não vislumbram razões (nem o recorrente as invoca) para
afastar a mencionada jurisprudência, justificando-se, por conseguinte a presente
Decisão Sumária.
Reitera-se, assim, o julgamento feito nos Acórdãos supra referidos, para os
quais se remete”.
2. Desta decisão vem agora o recorrente reclamar para a conferência, nos termos
do nº 3 do artigo 78º-A da LTC, invocando o seguinte:
“A Exma. Conselheira Relatora tematizou o recurso apenas no plano da
irrecorribilidade segundo o valor da causa, que, na verdade é sistema
constitucional segundo a jurisprudência constante do Tribunal Constitucional.
2 – Contudo, não é nesse plano que o recorrente pretende argumentar a
inconstitucionalidade do art°. 678- 1 – C PC, como norma impediente do recurso
que interpôs na 1ª. Instância, por discordar do despacho que o condenou em multa
por pretensa falta ao dever de cooperação processual.
3 – Com efeito, o bloco central dos argumentos a utilizar seria antes o da
infracção da lei fundamental primitiva do arbítrio judicial.
4 – E que, aceitando-se a constitucionalidade “tout court” da irrecorribilidade
segundo o valor da causa, é permitido aos Juízes graduar as multas
sistematicamente abaixo de metade do valor da alçada, justamente para impedirem
a dupla apreciação judicial nestes casos.
5 – Ora bem! O duplo grau de recurso é, sim, sistema baseado nos princípios
constitucionais do acesso à Justiça e à decisão justa e de acordo com os
pressupostos informadores do Estado Democrático de Liberdades.
6 – Por conseguinte, a estrutura fundamental de exacção do arbítrio prepotente
das autoridades, nomeadamente judiciais.
7 – E uma interpretação da norma compressora deste sistema de garantias
fundamentais até ao ponto de arbitrariedades vulgares se poderem instalar sem
debate, é naturalmente transformadora do artº. 678°. - 1 – C PC em preceito
inconstitucional.
8 – Atinge o princípio da proporcionalidade e adequação do artº. 18/3 da CRP.
9 – E, de qualquer modo, instala uma protecção ao sofisticado arbítrio judicial,
muito próximo de ser dolosamente inconstitucional.
10 – É este o problema que o recorrente tem pretendido, com insistência deveras,
que o Tribunal Constitucional aprecie.
11 – Sem êxito! Mas na esperança de que termine de vez este diálogo de surdos.
12 – Note-se, por exemplo, que, nos acórdãos referidos pela Exma. Conselheira,
nunca veio à colação uma visão óbvia do enviesamento das decisões dos Tribunais,
de não receberem, nestes casos de multa, os recursos, a saber:
a) Entendem que é aplicável o artº. 678 – 1 – CPC, que, no entanto, afasta o
artº. 456 – 3 do CPC.
b) E, contudo, esta última norma é, sem dúvida, uma estrutura que corresponde,
ponto por ponto, à argumentação do recorrente.
c ) A não ser assim, existe uma absurda contradição do ordenamento.
13 – Enfim, V. Exas., ao revogarem o despacho tabelar de recusa do recurso,
julgarão depois a inconstitucionalidade do art°. 678 – 1 – CPC, no segmento
interpretativo de barrar o recurso de multas inferiores a metade do valor da
alçada, como é de Justiça”.
3. Notificado da reclamação, o Ministério Público junto deste Tribunal
respondeu nos termos que se seguem:
“1 – A presente reclamação carece obviamente de fundamento.
2 – Na verdade – como o reclamante bem sabe – as razões aduzidas em nada abalam
os fundamentos da decisão reclamada.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Como resulta de quanto ficou relatado, foi nos presentes autos proferida decisão
sumária por se ter qualificado a questão a resolver como simples, à luz do
disposto no artigo 78º-A, nº 1, da LTC: “Se entender que não pode conhecer-se do
objecto do recurso ou que a questão a decidir é simples, designadamente por a
mesma já ter sido objecto de decisão anterior do Tribunal, ou por ser
manifestamente infundada, o relator profere decisão sumária, que pode consistir
em simples remissão para anterior jurisprudência do Tribunal” (itálico aditado).
A qualificação da questão a decidir como simples depende, pois – entre outros
casos, como demonstra a utilização do advérbio designadamente –, da existência
de decisão anterior do Tribunal Constitucional, que se entenda, na nova decisão,
acompanhar. Escreveu-se no Acórdão deste Tribunal nº 288/01 (não publicado), que
apreciou reclamação para a conferência de decisão sumária que considerou ser
simples a questão, remetendo para anterior decisão, o seguinte: “Ora, a questão
de constitucionalidade que constitui objecto do recurso já tinha sido decidida
no citado acórdão nº(...). O facto de ela ser ‘susceptível de discussão ou
controvérsia no plano jurídico-constitucional’ não lhe retirou a natureza de
questão simples. Até porque todas as questões jurídico-constitucionais são
sempre susceptíveis de discussão ou controvérsia. Só deixaria de ser uma questão
simples, se ao Tribunal tivessem sido suscitadas dúvidas sobre o bem fundado da
solução dada pelo citado acórdão (...) à referida questão de
constitucionalidade”.
Assim, por um lado, a mera existência de decisão anterior não determina a adesão
à mesma, cabendo ao relator avaliar se há razões para dissentir do anterior
juízo; e, por outro, não ficam os recorrentes impedidos de questionar a
simplicidade da questão. Sucede, porém, que o recorrente não alinha quaisquer
razões que impliquem dissidência da jurisprudência invocada quanto à questão em
causa (inconstitucionalidade do artigo 678º, nº 1 do Código de Processo Civil).
De facto, as posições expressas nos artigos 4º e 9º da presente reclamação
extravasam a questão de constitucionalidade formulada no requerimento de
interposição de recurso para este Tribunal, a qual foi apreciada na decisão
sumária.
Não contendo a reclamação quaisquer argumentos que permitam afastar a solução
alcançada em sede de decisão sumária, importa concluir pela respectiva
confirmação.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 22 de Junho de 2005
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Artur Maurício