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Processo nº 64/97
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A., com os sinais identificadores dos autos, veio
'RECLAMAR da douta decisão que não admitiu o recurso para o Venerando Tribunal Constitucional', ou seja, do despacho do Relator do processo de recurso crime pendente no Tribunal da Relação de Lisboa, de 29 de Novembro de 1996, mantido por acórdão do mesmo Tribunal, de 21 de Janeiro de 1997, sustentando que a
'norma cuja inconstitucionalidade se pretendia (e pretende) apreciar, é constante do artº 127º do CPP' e que a 'inconstitucionalidade material da referida norma havia sido invocada durante o processo (pedido de aclaração datado de 28.Out.96)', havendo assim, 'aplicação, 'in casu' do disposto no artº
70º-1.b) do E.T.C. e 61º - 1.al.h) do CPP'.
2. No seu visto, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de que 'deverá ser julgada improcedente a presente reclamação', 'por evidente ausência dos pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade interposto'.
'O ora reclamante limitou-se a suscitar - de modo, aliás, perfeitamente vago é infundamentado (cfr. fls. 94) - a questão da pretensa inconstitucionalidade da norma constante do artº. 127º do CPP, no requerimento em que veio pedir a aclaração do acórdão condenatório, proferida pela Relação de Lisboa. Para além de se tratar de recurso 'manifestamente infundado', é evidente que a pretensa questão de inconstitucionalidade se mostra intempestivamente suscitada, em momento ulterior ao esgotamento do poder jurisdicional do tribunal que, proferindo a decisão condenatória, aplicou aquela norma à valoração da prova produzida' (é este o fundamento invocado pelo Ministério Público).
3. Vistos os autos, cumpre decidir.
O despacho reclamado, que é claro quanto à situação patenteada nos autos, é do seguinte teor:
'O arguido, chamando 'resposta' ao acórdão que indeferiu o seu pedido de aclaração A., arguido nos presentes autos, notificado da douta resposta que antecede e com a mesma não se conformando vem, nos termos legais, interpor recurso para o Venerando Tribunal Constitucional'), manifestou a sua inconformação 'com a mesma' e, por isso, interpôs recurso.
Porém, 'do despacho que indeferir o requerimento de (...) esclarecimento (...) não cabe recurso' (art.s 670.2 do CPC, 4.º do CPP e 69.º da Lei 28/82 de
15Nov).
Tanto bastaria, assim, para indeferir o recurso.
Mas terá o arguido, porventura, pretendido recorrer, não da 'resposta' de
12nov96 (como parece), mas do próprio acórdão de 15out96.
Porém, ainda que assim tenha sido, também terá que se indeferir o recurso.
A razão é simples:
'A norma cuja inconstitucionalidade se pretende apreciar é - di-lo o recorrente
- a constante do art. 127º do CPP';
É certo que tal norma, aplicada na 1ª instância, foi invocada - em apoio da sentença - pelo acórdão recorrido;
Porém, jamais se suscitou durante o processo - nomeadamente pelo ora recorrente
(cfr. art. 72.2 do ETC) - a pretensa inconstitucionalidade de tal norma (v. art.
70. 1. b do Estatuto do Tribunal Constitucional),
Nem o Tribunal Constitucional alguma vez a julgou inconstitucional (art.
7O.l.f) da Lei 28/ /82).
Donde que dela - relativamente àquela concreta questão de inconstitucionalidade
- não caiba recurso para o Tribunal Constitucional (art.s 70.º e 71 º do ETC)
É verdade que, em 28out96, o ora recorrente suscitou essa questão.
Mas tardiamente, pois que apenas no pedido de aclaração do acórdão de l5out96 e, por isso, já depois da decisão recorrida.
Ora, conforme se refere na 'Constituição da República Portuguesa', Anotada, de Gomes Canotilho/Vital Moreira, 3a edição, revista, a pags. 1020:
'0 segundo grande tipo dos recursos de constitucionalidade é o das decisões que apliquem normas cujo inconstitucionalidade haja sido suscitado no processo; a densificação deste enunciado não é inteiramente líquida, mas, uma vez conjugado com o disposto no nº 4, ele significa que a questão da inconstitucionalidade deve ser suscitada durante a pendência da causa, ou seja, até ser proferida a decisão recorrida (...). A lógica deste recurso é a seguinte: qualquer pessoa que seja parte num processo pode arguir de inconstitucional a norma ou normas aplicáveis à causa, e, se elas vierem a ser ainda assim aplicadas, pode recorrer para o TC da decisão que as aplicou (...). O recorrente não pode suscitar a questão da inconstitucionalidade apenas depois de proferida a decisão recorrida, quando o tribunal recorrido já aplicou (e não pode agora desaplicar) as normas arguidas de inconstitucionalidade
(...). Por isso, é também extemporâneo levantar a questão em incidentes pós-decisórios (aclarações, etc), que já não podem conduzir à alteração da decisão'.
Assim, e nos termos do art. 76.1 e 2 do ETC, não se admite o recurso que o arguido pretendeu interpor, em 28nov96, para o Tribunal Constitucional'.
E é assim mesmo.
Na verdade, o reclamante, que é 'médico-cirurgião urologista, exercendo a sua actividade, nomeadamente no Hospital Distrital de
..........', foi condenado em processo criminal no Tribunal Judicial da comarca de Cascais, na pena de um ano de prisão, 'pela prática de um crime de homicídio negligente pp. artº 136 nº 1 do CPenal com referência ao artº 15 b) do mesmo diploma', 'e no pagamento da indemnização de 12 000 000$00, aos ofendidos, a título de danos morais (sentença de 24 de Fevereiro de 1994).
Dessa sentença interpôs recurso o reclamante para o Tribunal da Relação de Lisboa e na extensa motivação apresentada foi citado várias vezes o questionado artigo 127º do Código de Processo Penal, mas sem qualquer referência aos parâmetros constitucionais, limitando-se o recorrente a referir e a repetir uma 'incorreta' aplicação e interpretação desse artigo.
Tal recurso foi rejeitado, por ser 'manifestamente improcedente' (artigo 420º, nº 1, do Código citado), concluindo-se que o
'tribunal recorrido , em suma, não errou (notoriamente) na apreciação da prova
(que, pelo contrário, apreciou com extrema cautela e in dubio, pro reo), não fez assentar a decisão da matéria de facto em prova insuficiente (mas, pelo contrário, em prova exuberante) e não se contradisse na fundamentação (que alicerçou - inteligente, crítica e exaustivamente - nas abundantes e extremamente aprofundadas provas produzidas em julgamento)' (acórdão de 15 de Outubro de 1996).
Desse acórdão pediu o reclamante (em 28 de Outubro de
1996) uma aclaração e aí, pela primeira vez, sustenta-se que no tocante 'à
'regra geral' do artº 127º do Código do Processo penal, sempre se dirá, com o devido respeito, que, no parecer do arguido, tal preceito legal se encontra ferido de inconstitucionalidade material' ('Desde logo porque o citado normativo legal não estabelece qualquer limite à 'livre convicção' do julgador ou dos julgadores, socorrendo-se também, de um conceito juridicamente vago e abstracto como é o da 'regras de experiência', encontrando-se assim, ferido do vício da inconstitucionalidade material, por violação, entre outros do artº 32º nºs 1 e 5 da Constituição da República' - acrescenta ainda o reclamante).
O pedido de aclaração foi 'totalmente indeferido' em conferência do mesmo Tribunal da Relação e, no ponto relativo à pretensa inconstitucionalidade do artigo 127º do Código de Processo Penal, diz-se no acórdão de 12 de Novembro de 1996 que 'o recorrente, valendo-se embora das disposições legais que consentem, em certos termos, 'a correcção da sentença, oficiosamente ou a requerimento', não mais terá pretendido que aproveitar o ensejo para levantar uma questão nunca antes abordada: a da pretensa inconstitucionalidade do art. 127º do CPP'.
Pouco mais haverá a acrescentar, pois está tudo dito, reconhecendo, aliás, expressamente, o reclamante que a questão de inconstitucionalidade foi invocada no 'pedido de aclaração datado de 28.Out.96', consequentemente, já depois de proferido o acórdão final que lhe rejeitou o recurso 'porque manifestamente improcedente' (o acórdão citado de 15 de Outubro de 1996).
Ora, como é jurisprudência constantemente afirmada por este Tribunal Constitucional, aquele momento processual posterior à prolação da decisão final de um recurso não é adequado e atempado para se suscitar com pertinência uma questão de inconstitucionalidade, pois esgotou-se o poder jurisdicional do juízo a quo com aquela decisão.
É um momento que, como tem sido pacificamente entendido
(cfr., por exemplo, os Acórdãos nº 521/95 e 126/95, ainda inéditos; o Acórdão nº
318/90, publicado no Diário da República, II Série, de 15 de Março de 1991; o Acórdão nº 94/ /88, publicado no Diário da República, II Série, de 22 de Agosto de 1988, e o Acórdão nº 366/96, publicado no Diário da República, II Série, de
10 de Maio de 1996), já não era idóneo para dar como verificada a sua suscitação 'durante o processo', uma vez que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre essa questão e, portanto, a intervenção do Tribunal Constitucional não pode revestir a natureza de recurso. É certo que há uma igualmente bem estabelecida orientação no sentido de dispensar essa invocação de inconstitucionalidade onde inexista oportunidade processual de a suscitar
(cfr., por todos, o Acórdão nº 318/90, publicado no Diário da República, II Série, de 15 de Março de 1991; o Acórdão nº 51/90, publicado no Diário da República, II Série, de 12 de Julho de 1990; o Acórdão nº 391/89, publicado no Diário da República, II Série, de 4 de Setembro de 1989; o Acórdão nº 94//88, publicado no Diário da República, II Série, de 22 de Agosto de 1988; e o Acórdão nº 136/85, publicado no Diário da República, II Série, de 28 de Janeiro de
1986), mas de forma alguma pode pretender-se ser esse o caso sub judicio. Não estamos, pois, perante uma daquelas situações raras e de carácter 'certamente anómalo' em que se reconhece que o interessado 'não teve mesmo qualquer possibilidade de suscitar a questão da inconstitucionalidade antes da decisão'
(Acórdão nº 94/88, cit.).
Pelo contrário, o reclamante, como se vê do relato feito, teve oportunidade de, servindo-se na motivação do recurso da norma questionada do artigo 127º do Código de Processo Penal, suscitar a questão de inconstitucionalidade relativamente a ela, tal como veio a fazer no pedido de aclaração do acórdão final. Não o fez, e, por isso, este acórdão também se não pronunciou sobre matéria de constitucionalidade em relação àquele artigo 127º, não aferindo a sua conformidade com a Lei Fundamental.
Por consequência, não merece censura o despacho reclamado.
4. Termos em que, DECIDINDO, indefere-se a reclamação e condena-se o reclamante nas custas com a taxa de justiça fixada em OITO unidades de conta. Lisboa, 16 de Abril de 1997 Guilherme da Fonseca Fernando Alves Correia Bravo Serra José de Sousa e Brito Messias Bento José Manuel Cardoso da Costa