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Processo n.º 997/04
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
(Conselheira Fernanda Palma)
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto
no art. 70º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua
actual versão, do despacho proferido pelo Presidente da Relação do Porto, de 6
de Julho de 2004, que lhe indeferiu a reclamação, deduzida nos termos do art.
405º do Código de Processo Penal (CPP), contra despacho do Tribunal de Instrução
Criminal do Porto que não lhe admitiu o recurso interposto de decisão que
indeferiu a produção de prova oferecida no requerimento de abertura de
instrução.
2 – No processo n.º 3127/00.5JAPRT (Instrução 197/03 – 3º A),
pendente no referido tribunal de instrução criminal, em que figura, entre
outros, como arguido, o ora recorrente requereu a abertura de instrução, pedindo
a inquirição como testemunhas de diversas pessoas e a notificação de diversas
entidades para estas juntarem aos autos os documentos que referiu.
A Juíza de Instrução Criminal, por despacho de 27 de Outubro de
2003, indeferiu a produção da prova requerida, considerando, em resumo, que a
produção de parte da prova testemunhal não era, sequer, legalmente admissível
(caso da prova testemunhal traduzida na audição dos co-arguidos), e que, no
tocante às demais, se verificava situação prevista no art. 291º, n.º 1, do CPP,
por as diligências instrutórias se lhe afigurarem completamente inúteis para a
decisão instrutória, servindo apenas para protelar o processo.
3 – Desta decisão, o arguido, ora recorrente, interpôs recurso para
a Relação do Porto.
A Juíza de Instrução Criminal não admitiu, porém, esse recurso
(despacho de fls. 37), por haver considerado que, face ao disposto no art. 291º,
n.º 1, do CPP, “apenas da reclamação apresentada ao JIC daquele despacho
[referido no preceito] é possível recorrer-se”.
4 – Inconformado com este despacho de rejeição do recurso, o ora
recorrente reclamou, nos termos do art. 405º do CPP, para o Presidente da
Relação do Porto, suscitando, no respectivo articulado, entre o mais, a
inconstitucionalidade da norma constante do art. 291º, nº 1, 2ª parte, do CPP,
“na parte em que estatui a irrecorribilidade do despacho que indefere
diligências instrutórias requeridas pelo arguido”, por violação do disposto no
art. 32º, nºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa.
5 – Esta reclamação, bem como a inconstitucionalidade nela
suscitada, foram desatendidas pelo despacho ora recorrido que se fundamentou nas
seguintes considerações:
«Segundo art. 399º do CPP, 'É permitido recorrer ... dos despachos cuja
irrecorribilidade não estiver prevista na lei.'. O que não é mais do que uma
explanação do princípio constitucional do duplo grau de jurisdição. Este, na
verdade, decorre de preceitos vários da CRP, entre outros: art. 20º ('A todos é
assegurado o acesso ao direito...'; art. 32º-nº 1 ('...assegura todas as
garantias de defesa, incluindo o recurso'; art. 32º-nº 5 (... tem estrutura
acusatória... e os actos instrutórios subordinados ao princípio do
contraditório'; art. 209º-nº 1-a) - '... existem ... tribunais judiciais de 1ª e
de 2ª instância;'.
Daí que, quando surge uma norma que restringe princípios gerais, deve atentar-se
nesse segmento por forma a retirarem-se as respectivas ilações. Porém, uma delas
é, precisamente, quando estamos perante uma excepção e porque é excepção, não a
devemos destruir e, muito menos, conferir-lhe interpretações de vertente
extensiva. Daí que se imponha a sua aplicação só em circunstâncias muito
especiais.
Sendo a regra não haver recurso do despacho em causa, desde logo, como excepção
que é, deve constituir um travão para interpretações 'extensivas' e, muito
menos, 'analógicas'. E, sabendo isso o Legislador, não consagrou regime especial
e até mesmo retirou o regime geral, é porque é sua intenção, positivamente, ...
não conceder outro regime, pelo que não pode concluir-se pela existência duma
lacuna da lei.
Quanto a lacunas, face aos argumentos invocados - mas nem se alega a sua
existência - convirá recordar que 'lacuna' é a lei não prever a situação e, não
a prevendo, não a regula. Ora, como vimos, a situação é perfeitamente vulgar, o
legislador previu-a, como veremos.
Se a lei proíbe o recurso do despacho em causa é porque e na medida em que
aceita que está, efectivamente, cumprido o requisito para a admissão da
instrução - 'comprovação judicial'. Daí que a exigência da admissibilidade de
recurso dessa mesma decisão é extravasar o que se consigna no art. 286º-nº 1.
Não são, pois, necessárias interpretações, seja de que índole for, uma vez que
só há necessidade de interpretar uma lei quando ela não é clara - e esta é mais
do que inequívoca - no sentido, como na letra. O Reclamante é que careceu de se
sustentar em interpretações para concluir, como concluiu. Como, pois, pretender
uma tal interpretação... extensiva?
E, sendo como é, uma decisão intercalar, na medida em que não constitui uma
decisão sobre a verificação real da prática dos factos ilícitos, culpa e pena,
porque é que se invoca o direito constitucional do recurso?
Que nem é isso que a CRP consagra in totum, ou seja, que toda e qualquer decisão
judicial pode e deve gozar do duplo grau de jurisdição. Designadamente, o art.
32º-nº 1.
O CPP regula o regime de recursos e, embora começando por determinar a regra
geral da sua admissibilidade, pelo art. 399º, o certo é que o mesmo normativo
restringe: 'cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei'.
E tal diploma não mereceu oposição, a nível das inconstitucionalidades, neste
segmento, aquando da sua aprovação geral.
Há opiniões em sentido contrário, sem dúvida, mas em situações muito
específicas, e apenas por votos isolados, não maioria - com força, pois, de
meras 'opiniões'.
De facto, o art. 291º-nº 1 dispõe: 'O juiz indefere, por despacho irrecorrível,
os actos requeridos que não interessarem à instrução ou servirem apenas para
protelar o andamento do processo'; e, de imediato, acrescenta, em alternativa:
'e pratica ou ordena oficiosamente aqueles que considera úteis, sem prejuízo da
possibilidade de reclamação'. Goza o juiz de plenos poderes de decisão sobre a
conveniência das diligências a realizar. É a uma decisão dessa natureza que a
lei retira o duplo grau de jurisdição. Como este é um direito de âmbito geral,
só são admissíveis excepções quando a lei for de sentido inequívoco. O que é o
caso.
O que se requer tão-pouco pode ser objecto de recurso por força do que se dispõe
no art. 400º-nº 1-b): 'Não é admissível recurso ... De decisões que ordenam
actos dependentes da livre resolução do tribunal' - no que versa ao despacho de
indeferimento de provas.
Se se pretende, como o art. 286º-nº 1 faz pretender, que deve haver uma
'comprovação «judicial» da decisão de deduzir acusação, então tal poderia e
deveria ocorrer aquando do despacho a proferir ao abrigo do art. 311º. O que não
acontece, tendo sido mesmo eliminada a hipótese de apreciação ao nível de
indícios. O Legislador acaba, portanto, por dar e retirar. Mas é o Legislador
quem dá e tira.
Neste sentido, continuamos a entender que a “instrução” é um dos grandes
factores do insucesso dos Tribunais. E o mais grave é que tudo começa pela
concessão da lei, ao estabelecer, como princípio, além do mais, que a “instrução
visa a «comprovação» judicial da decisão de deduzir acusação”. Desde logo, com a
inultrapassável contradição de que quem detém a titularidade da acção penal é o
MP ou então o Assistente. Quando afinal retiram-se poderes ao juiz do
julgamento, tudo se concedendo para que o «julgamento» se processe antes e por
quem não é o órgão naturalmente consagrado para tal.
No fundo e com toda a clareza, o que a Reclamação pretende é evitar um
julgamento. À nossa secretária não param de chegar 'reclamações', todas elas à
volta da mesma questão e sob o fundamento quase comum: o arguido goza do direito
constitucional de não ser julgado a não ser - somos obrigados quase a concluir -
quando há a 'certeza' de que vai ser condenado. Ora, tal constitui todo um
desvirtuamento de todo um sistema adjectivo penal, que consagra o momento
adequado para uma tal decisão a 'audiência de julgamento'.
E aí que fica definido o princípio da 'presunção de inocência', valendo a
acusação como 'acusação', a pronúncia como 'pronúncia', mantendo-se aquele
princípio até ao julgamento com plena validade e significado, terminando pela
condenação ou mantendo-se, com absoluto vigor, além do que lhe advém da natureza
definitiva.
Além de que poderão sobrevir circunstâncias várias que eliminam a necessidade de
se interpor recurso - quanto mais não seja a própria absolvição.
Causa perturbações e incómodos? Aceita-se. Todavia, incómodos, não são
fundamento de admissão do recurso. Sem dúvida que a lei pretende evitar o
julgamento, mas quando está reunido um conjunto fáctico-penal que aponta para
uma forte dose de obstar à condenação a final. Não podemos esquecer que o que é
verdadeiramente importante, mesmo quando se invoca a presunção de inocência, é
... uma condenação sem que estejam garantidos todos os direitos de defesa. E...
condenação ainda não houve.
Não se fale em 'honra' e 'bom nome': são valores constitucionais, mas com
repercussões noutros campos, jamais de um julgamento eventualmente
desnecessário. Este até pode traduzir-se num meio de confirmar esse bom nome:
alguém é denunciado, constituído arguido, acusado, pronunciado e julgado e o
Tribunal, com toda a pompa e circunstância, 'absolve e manda em paz, por se ter
provado que não cometeu o crime - para que conste'. Alarme social com o
julgamento... mas afinal agora até reivindica-se a quebra do segredo de justiça,
mesmo na fase do inquérito?!
Celeridade processual? Também, sem dúvida, que é a causa da opção do legislador.
Esta atinge-se, ao contrário do que se alega e reclama, pelo prosseguimento dos
autos, nada obstando que as questões suscitadas sejam, de novo, suscitadas em
sede de contestação e rol para julgamento.
Na grande maioria dos casos, com a admissão do recurso, a celeridade corre
sempre os maiores senão todos os riscos.
No caso vertente, o processo já se encontra em plena fase de julgamento, mas
ainda aqui andamos por questões interlocutórias.
Economia processual? Quem nos garante que nem vem a ser necessário interpor o
recurso? Economia ... princípio que preocupa o julgador, quando afinal é por
demais esgotado por quem afinal impede o regular processamento. Criou-se o
Estado de Direito e toda a razão da sua subsistência visa, em 1ª linha, a defesa
dos direitos dos ... lesados. O que se pretende com a interrupção - retrocesso,
em boa verdade – é que o procedimento criminal corra o seu curso normal.
Portanto, há que conceder 'direitos' com as maiores cautelas e reservas.
De nada vale, pois, valorar o princípio da Economia Processual ao ponto de lhe
conferir prioridade, quando todo o diploma é inovador na preferência consagrada
à celeridade.
De qualquer maneira, para o TC não há ofensa dos direitos constitucionais se
alguém for sujeito a julgamento, ainda que, posteriormente, se venha a decidir a
extinção da instância por uma qualquer questão prévia que obste ao conhecimento
do mérito da causa crime, porquanto não está constitucionalmente consagrado
qualquer direito a não ser submetido a julgamento.
'As garantias de defesa…” ... Reza, expressamente, o acórdão que 'Não há
ofensa... ', pelo que respondida fica a alegação de que 'viola os direitos de
defesa'.
Medidas de coacção… sem dúvida, mas isso são questões meramente acessórias e que
até já existem numa fase muito anterior à própria instrução e quando a recolha
de prova ainda não teve o acompanhamento jurisdicional.
Se sobrevém uma alteração legislativa em determinado segmento e não há
acompanhamento noutro, é apenas porque o Legislador assim entendeu, pelo que não
pode pretender-se uma alteração das decisões, ainda que a nível da CRP, a ponto
de se exigir agora apagar a legislada irrecorribilidade. Mantenha-se, pois, a
'leitura' da Lei 59/98, de 2-8, nos seus estritos limites que a mesma oferece.
Nem há contradição alguma, nem tão-pouco necessidade de 'conjugação' de normas,
funcionando cada uma no respectivo segmento concreto: é irrecorrível o despacho
que indefere as diligências, como poderia ser admissível recurso se assim
entendesse o Legislador; como pode também ser irrecorrível o despacho de
pronúncia se conforme com a acusação, também como poderia ser recorrível, se
fosse essa a opção do Legislador. Opções, portanto, sob o prisma de funcionar o
regime adjectivo com vista ao seu fim último - o julgamento.
Se, eventualmente, houve omissão de pronúncia, também é absolutamente
irrelevante no que versa ao recurso do despacho que indefere diligências. Em
processo penal, as nulidades são tratadas em conjunto com a decisão de que a
mesma pode enfermar só quando elas ocorrem na sentença - não em fase intercalar.
Conforme o que se dispõe no art. 379º-nº 2.
E a 'subversão' do regime adjectivo é tal que até agora se pretende que, em sede
de reclamação, se admita recurso e se defina o seu momento de subida.
Convenhamos...
Há que rectificar conceitos, colocando-os na escala dos 'direitos', sim, mas que
tenham sido concedidos, de facto, pela lei. E, se atentarmos na natureza das
regras que regulam o regime dos recursos, não deve considerar-se um direito,
mas, sim, o que a lei entendeu por mais conveniente para o processo - que não
propriamente para as partes.
Os considerandos presentes contribuem para nos assinalar um caminho. E esse é o
de que o despacho sobre admissibilidade de diligências é, de facto,
irrecorrível. E é-o, porque o Legislador pretende que, uma vez recolhida a
prova, no local, no momento e por quem é o titular do seu regular exercício,
deve partir-se para o julgamento. Que irá debruçar-se sobre a 'acusação'.
A 'comprovação judicial' nem deve constituir uma bandeira com a força que se lhe
quer atribuir. É que ela vale por si. Como lei adjectiva que é. Não...
constitucional. Na verdade, não lobrigamos qualquer preceito no diploma
constitucional que confira a obrigatoriedade da instrução, ainda que a título de
direito, como 'comprovação'. E - repare-se - bem ao contrário do direito
anterior ... à Revolução de Abril, Aí, sim, havia uma instrução com juiz, havia,
duas instruções. Obrigatoriamente. Com a querela ' provisória' e 'definitiva'.
Mas… no CPP de 1929».
6 – Desta decisão, o reclamante interpôs recurso para o Tribunal
Constitucional, pedindo a apreciação da “inconstitucionalidade da norma contida
no artigo 291º, nº 1, 2ª parte, do Código de Processo Penal, que determina a
irrecorribilidade do despacho de indeferimento de todas as diligências
instrutórias requeridas por um arguido”.
7 – Alegando sobre o objecto do recurso, no Tribunal Constitucional,
assim concluiu o recorrente o seu discurso argumentativo:
«1ª A Lei nº 59/98, de 2 de Agosto, veio introduzir, na 2ª parte do nº 1 do
artigo 291º do CPP, o vocábulo «irrecorrível», com referência ao despacho que
indefere o requerimento de diligências instrutórias, passando assim este
preceito legal a dispor que «o juiz indefere, por despacho irrecorrível, os
actos requeridos que não interessarem à instrução ou servirem apenas para
protelar o andamento do processo (...), sem prejuízo da possibilidade de
reclamação».
2ª: A norma prevista actualmente na 2ª parte do nº 1 do artigo 291º do CPP, na
parte em que determina a irrecorribilidade do despacho sub iudice, é
inconstitucional, por violar as garantias de defesa do arguido, consagradas
constitucionalmente, no art. 32º, nºs 1 e 2, da Constituição, designadamente o
direito ao recurso, o princípio da presunção de inocência do arguido e o direito
à não submissão a julgamento sem que tenha havido uma efectiva comprovação
judicial da existência de indícios suficientes da prática de um crime.
3ª: Todos os argumentos, acima expostos, que determinam a inconstitucionalidade
da norma da 2ª parte do nº 1 do artigo 291º do CPP, por violação do artigo 32º,
nºs 1 e 2, da Constituição, são potenciados pelo facto de ser também
irrecorrível o despacho que pronuncia o arguido nos exactos termos da acusação.
4ª: A recorribilidade do despacho que indeferisse diligências probatórias
requeridas pelo arguido foi expressamente considerada, pelo Tribunal
Constitucional, como pressuposto essencial da não inconstitucionalidade do
artigo 310º, nº 1, do CPP, o que bem demonstra a sua importância para o cabal
exercício dos direitos de defesa do arguido.
Por todo o exposto, uma correcta ponderação dos interesses constitucionalmente
protegidos leva à conclusão da inconstitucionalidade da 2ª parte do nº 1 do
artigo 291º do CPP, por violação do art. 32º, nºs 1 e 2, da Constituição, na
parte em que estatui a irrecorribilidade do despacho que indefere diligências
instrutórias requeridas pelo arguido, pelo que a norma em causa deverá ser
declarada inconstitucional».
8 – O Procurador-Geral Adjunto, no Tribunal Constitucional,
contra-alegou e, após apelar para a jurisprudência anterior que citou, concluiu
do seguinte jeito:
«1 - O direito ao recurso, incluído nas garantias de defesa do arguido, não
implica que todas as decisões proferidas pelo juiz, ao longo de todas as fases
do processo penal, sejam recorríveis, podendo a lei delimitar tal direito,
quando não estiver em causa a aplicação de medidas coactivas, privativas da
liberdade, ou a decisão final condenatória.
2 - Não constitui limitação ou restrição de tal direito ao recurso o regime que
se traduz em denegar a possibilidade de recorrer de actos praticados na fase de
instrução, nomeadamente quando estiver em causa uma valoração prudencial pelo
juiz das provas a produzir ou a avaliação da suficiência dos indícios existentes
contra o arguido.
3 - Termos em que deverá improceder o presente recurso».
B – Fundamentação
9 – A primeira questão que poderá colocar-se é a de saber se a
dimensão normativa do art. 291º, n.º 1, segunda parte, do CPP, cuja
constitucionalidade o recorrente pretende ver apreciada, foi efectivamente
aplicada pela decisão agora recorrida.
E tal dúvida tem sentido na medida em que o despacho da Juíza de
Instrução Criminal, que rejeitou a interposição de recurso da decisão que
indeferiu a realização de diligências probatórias, pedidas no requerimento de
instrução pelo arguido, admite, expressamente, que se possa recorrer, não dessa
decisão, mas da reclamação que contra ela seja apresentada, nos termos do mesmo
preceito, e o despacho do Presidente da Relação do Porto (PRP) conclui, após
longa fundamentação, pelo indeferimento da “reclamação (…) apresentada (…), por
não ter sido admitido o recurso do despacho de indeferimento de todas as provas
oferecidas no requerimento de abertura da instrução”.
Poder-se-á, assim, cogitar se o despacho de indeferimento do PRP, ao
confirmar o decidido anteriormente quanto à não admissão do recurso, não está a
aderir, também, à tese expendida no despacho por ele sindicado, de ser
admissível recurso, não do despacho de indeferimento da realização das provas
pedida pelo arguido, mas da decisão da reclamação que ele apresente sobre o
mesmo despacho.
Considerando, todavia, que a questão de inconstitucionalidade que o
ora recorrente lhe colocou, no articulado da reclamação, foi a da
inconstitucionalidade da norma constante do art. 291º, n.º 1, 2ª parte, do CPP,
que “determina a irrecorribilidade do despacho que indefere diligências de
instrução requeridas pelo arguido, no requerimento de instrução”, sem que, aí,
se tenha feita qualquer restrição no sentido de que do despacho que indefere
diligências instrutórias não cabe recurso imediato, mas antes reclamação, sendo
o recurso possível apenas da decisão que a indefira, e que a argumentação em que
se abona a decisão agora recorrida não releva, em qualquer sentido, a
possibilidade de apresentação de tal reclamação, é de concluir que o despacho do
PRP acolheu a interpretação de que do despacho de indeferimento de diligências
de instrução nunca cabe recurso, seja imediato, seja mediante prévia reclamação
para o JIC.
Temos, assim, de concluir que a norma constitucionalmente sindicada,
que foi definida pelo recorrente, corresponde à efectiva ratio decidendi da
decisão ora recorrida.
Objecto do recurso de constitucionalidade é, pois, a norma do art.
291º, n.º 1, segunda parte, do CPP na interpretação segundo a qual determina a
irrecorribilidade do despacho que rejeita, por inutilidade e por servirem apenas
para protelar o andamento do processo, a realização de diligências probatórias
pedida pelo arguido no requerimento de instrução.
10 – É o seguinte o texto deste preceito na parte que agora
interessa:
'O juiz indefere, por despacho irrecorrível, os actos requeridos,
que não interessarem à instrução ou servirem apenas para protelar o andamento do
processo e pratica ou ordena oficiosamente aqueles que considera úteis, sem
prejuízo da possibilidade de reclamação'.
O Tribunal Constitucional já se pronunciou várias vezes sobre a
questão de constitucionalidade desta norma, quer na hipótese de as diligências
cuja rejeição rejeitadas serem requeridas pelo arguido (caso, pelo menos, dos
Acórdãos nºs 371/2000, 375/2000, 459/2000 e 78/2001, publicados, os três
primeiros, nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, respectivamente, 47º vol. ,
p. 701, 47º vol., p. 745, e 48º vol., p. 317, e o último disponível em
www.tribunalconstitucional.pt, tendo-se este louvado nos argumentos aduzidos nos
anteriores), quer na hipótese de essas diligências serem requeridas pelo
assistente (Acórdãos nºs 176/2002 e 464/2003, publicados no Diário da República,
II Série, de 7 de Junho de 2002 e de 5 de Janeiro de 2004).
A dimensão normativa que constitui objecto do recurso corresponde à
que foi confrontada com a Lei Fundamental naqueles primeiros arestos. Também
aqui está sob censura constitucional o entendimento normativo segundo o qual,
nos termos do artigo 291º, n.º 1, do CPP, não é admissível recurso do despacho
do juiz de instrução que, por inutilidade e por apenas servir para protelar o
andamento do processo, rejeita a realização de diligências probatórias
requeridas pelo arguido, no requerimento de instrução.
Ora, sobre essa questão de constitucionalidade, afirmou-se, inter
alia, o seguinte no Acórdão n.º 371/2000:
«[…]
Especificamente acerca do confronto entre a norma então objecto de
recurso com o artigo 20º, nº 1, da Constituição, bem como com o direito ao
recurso e a um duplo grau de jurisdição, remeteu-se então para a doutrina do
Acórdão n.º 265/94 (Diário da República, II Série, de 19 de Julho de 1994), na
parte em que se referira:
‘A Constituição da República não estabelece em nenhuma das suas
normas a garantia de existência de um duplo grau de jurisdição para todos os
processos das diferentes espécies.
É certo que a Constituição garante a todos o «acesso ao direito e
aos tribunais, para defesa dos seus direitos e interesses legítimos, não podendo
a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos» (artigo 20º, nº 1)
e, em matéria penal, afirma que «o processo criminal assegurará todas as
garantias de defesa» (artigo 32º, nº 1). Destas normas, porém, não retira a
jurisprudência do Tribunal Constitucional a regra de que há-de ser assegurado o
duplo grau de jurisdição quanto a todas as decisões proferidas em processo
penal.
A garantia do duplo grau de jurisdição existe quanto às decisões
penais condenatórias e ainda quanto às decisões penais respeitantes à situação
do arguido face à privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros
direitos fundamentais.
Sendo embora a faculdade de recorrer em processo penal uma
tradução da expressão do direito de defesa (veja-se, nesse sentido, o Acórdão nº
8/87 do Tribunal Constitucional, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 9º
vol., p. 235), a verdade é que como se escreveu no Acórdão nº 31/87 do mesmo
tribunal, «se há-de admitir que essa faculdade de recorrer seja restringida ou
limitada em certas fases do processo e que, relativamente a certos actos do
juiz, possa mesmo não existir, desde que, dessa forma, se não atinja o conteúdo
essencial dessa mesma faculdade, ou seja, o direito de defesa do arguido»’.
Sobre a questionada regra da irrecorribilidade, quando confrontada
com o «princípio da plenitude das garantias de defesa», recordou-se o afirmado
no Acórdão nº 610/96 (Diário da República, II Série, de 6 de Julho de 1996), em
que se escrevera:
‘[...] o que se questiona no presente recurso é se o desígnio de
celeridade, que é consagrado constitucionalmente, legitima a irrecorribilidade
de certas decisões instrutórias: justamente os despachos de pronúncia que não
alteram os factos constantes da acusação do Ministério Público. E a resposta a
esta questão indica que a celeridade não só é compatível com as garantias de
defesa, podendo coincidir com os fins de presunção de inocência, como é
instrumental dos valores últimos do processo penal – a descoberta da verdade e a
justa decisão da causa –, próprios de um Estado democrático de direito.
[...]
Apenas é irrecorrível, portanto, a decisão instrutória que
pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público.
Ora, este regime especial não é arbitrário, encontrando fundamento
na existência de indícios comprovados, de modo coincidente, em duas fases do
processo: pelo Ministério Público, dominus do inquérito, e pelo juiz de
instrução. E o Ministério Público é configurado constitucionalmente como uma
magistratura autónoma (artigo 221º, nº 2, da Constituição), sendo concebido, no
processo penal, como um sujeito isento e objectivo que pode, nomeadamente,
determinar o arquivamento do inquérito em caso de dispensa da pena, propugnar,
findo o julgamento, a absolvição do arguido e interpor recurso da decisão
condenatória em exclusivo benefício do arguido [...].
Acrescentou-se, ainda:
A lei assegura, como lhe compete para dar cumprimento aos
objectivos constitucionais, que o arguido tenha possibilidade de recorrer de uma
decisão condenatória. Multiplicar as possibilidades de recurso ao longo do
processo seria comprometer outro imperativo constitucional: o da celeridade na
resolução dos processos-crime (artigo 32º, nº 2, in fine, da Constituição da
República Portuguesa). Ou seja, entre assegurar sempre o duplo grau de
jurisdição, arrastando interminavelmente o processo, e permitir apenas o recurso
das decisões condenatórias, permitindo uma melhor fluência do processo, o
legislador optou decididamente pela segunda via.
Esta opção foi aliás confirmada pela revisão constitucional de
1997, que aditou ao nº 1 do artigo 32º o segmento ‘incluindo o recurso’. Como se
escreveu no Acórdão nº 101/98 (inédito) deste Tribunal, a intenção do legislador
constituinte não foi ‘significar que haveria de ser consagrada, sob pena de
inconstitucionalidade, a recorribilidade de todas as decisões jurisdicionais
proferidas em processo criminal, mas sim que do elenco das garantias de defesa
que tal processo há-de assegurar se contará a possibilidade de impugnação das
decisões judiciais de conteúdo condenatório, na esteira do que já era entendido
pela jurisprudência deste órgão de fiscalização’ (veja-se também, no mesmo
sentido, o Acórdão nº 299/98, inédito). O arguido pode sempre, pois, recorrer da
decisão condenatória que lhe seja dirigida, e aí contestar todos os vícios que
derivem de uma má apreciação de qualquer questão interlocutória.
E, assim, concluiu-se que «a irrecorribilidade da parte do
despacho de pronúncia que decide questões prévias ou incidentais não é contrária
à Constituição da República Portuguesa.»
6. Pois bem: os argumentos então aduzidos, que mantêm inteira
validade, são inteiramente transponíveis para a questão de constitucionalidade
que agora nos ocupa, conduzindo igualmente a um juízo de não
inconstitucionalidade da norma ora objecto de recurso».
Por seu lado, escreveu-se no Acórdão n.º 375/2000:
«A instrução não constitui uma fase de obrigatória verificação, antes é
colocada na disponibilidade do arguido ou do assistente, com vista à
‘comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito
em ordem a submeter ou não a causa a julgamento’, conforme se prescreve no nº 1
do artigo 286º. É essa a sua vocação e (...) não constitui julgamento prévio da
causa.
Ao requerer a instrução, poderá o arguido indicar os actos que pretende sejam
levados a cabo, os meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito
e os factos que através de uns e outros se espera provar, como resulta do nº 2
do artigo 287º, que mais acrescenta não poderem ser indicadas mais de 20
testemunhas. O momento culminante desta fase, ao qual se pré-ordenam as
diligências a fazer, é o debate instrutório - cuja realização foi determinada no
caso concreto - pois que com ele se visa ‘permitir uma discussão perante o juiz,
por forma oral e contraditória, sobre se, do decurso do inquérito e da
instrução, resultam indícios de facto e elementos de direito suficientes para
justificar a submissão do arguido a julgamento’ (artigo 299º, nº 1). Com certeza
que o arguido poderá em resultado desse debate obter satisfação da sua possível
pretensão de não ser submetido a julgamento, mas do debate, quando dele não
resulta a dispensa de julgamento, não pode derivar decisão condenatória nem o
despacho de pronúncia tem efeito condenatório.
4. - Não se nega que os actos de instrução, requeridos pelo arguido,
constituam uma garantia de defesa do mesmo, pois poderão condicionar a própria
realização do julgamento.
Acusado o agente do crime, a instrução surge como meio colocado ao seu dispor
para infirmar a acusação que sobre ele impende, e assim, para, pelo menos em
alguma medida que lhe venha a ser favorável, contribuir de forma imediata para o
sentido do despacho de pronúncia ou, mais relevantemente para ele, de não
pronúncia, que a final haverá de ser proferido pelo juiz.
Mas mesmo neste plano, «a Constituição não estabelece qualquer direito dos
cidadãos a não serem submetidos a julgamento, sem que previamente tenha havido
uma completa e exaustiva verificação de existência das razões que indiciem a sua
presumível condenação. O que a Constituição determina no nº 2 do artigo 32º é
que todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de
condenação’. (cf. Acórdão nº 474/94, publicado nos Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 28º vol., pág. 402, transcrevendo o Acórdão nº 31/87, publicado
nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 9º vol.)
As coisas são assim considerada a posição do arguido. Vistas as coisas na
perspectiva da ordenação funcional do processo, se não for requerida a instrução
- uma vez que esta é facultativa (nº 2 do artigo 286º) - o processo é submetido
ao juiz para o exclusivo efeito do artigo 311º do Código de Processo Penal. A
instrução não elimina a necessidade de uma decisão do juiz, antes a difere no
tempo para entretanto permitir inserir na marcha da tramitação elementos de
contraditório sobre se se justifica a submissão do arguido a julgamento (cf.
artigo 298º).
Nesta perspectiva, a instrução não perde a natureza de fase preparatória de um
acto decisivo na estrutura do processo que aprecia os indícios de facto e os
elementos de direito até então reunidos do ponto de vista da sua suficiência
para neles se fundar um julgamento. É essa a sua destinação principal e é por
isso que, embora seja facultativa, por depender da iniciativa das partes, uma
vez decidida a sua abertura, também nela o próprio juiz poderá praticar ou
ordenar oficiosamente actos que considerar úteis (nº 1 do artigo 291º, já
transcrito, bem como artigo 299º).
5. - O intérprete inserido no espírito do sistema terá de concluir que a
finalidade principal não deverá ser prejudicada por meios postos ao dispor do
arguido que este, legitimamente, operará com vista a defender-se da acusação. A
opção legislativa não merecerá porém censura se às garantias de defesa de que o
arguido pode lançar mão, relacionadas com a contradita e demonstração da
insubsistência da prova ou da inaplicabilidade das disposições incriminatórias,
estiver assegurada efectivação no desenvolvimento do processo. Nomeadamente, é
legítimo ao legislador reservar para a efectivação de certas garantias a
instância ou fase processual que julgar adequada e entender que essa é a fase de
julgamento. A razão é simples: só verdadeiramente nesta fase terminal é que o
arguido se vê confrontado directamente com a eventualidade de contra ele ser
decidida uma condenação.
Assim sendo, os actos de instrução inserem-se em uma cadeia de momentos todos
eles encaminhados para a decisão final, que, uma vez obtida, apaga a autonomia
relativa de cada um dos actos e momentos antecedentes. Cada fase desempenha uma
determinada função que aproveita, complementa, aperfeiçoa e corrige, quando
necessário, o que anteriormente foi sendo carreado para o processo, e a decisão
final acaba por consumir, no seu sentido último, que é a absolvição ou a
condenação, todos os elementos que para ela relevaram. Precisamente porque assim
é, a fase do julgamento é aquela em que a defesa do arguido requer o mais
elevado grau de garantias, para além do respectivo núcleo essencial e,
nomeadamente, nos termos da jurisprudência do Tribunal, o ‘direito de recorrer
da sentença condenatória e dos actos judiciais que privem ou restrinjam a
liberdade do arguido ou afectem outros direitos fundamentais seus’ (cf. Acórdão
nº 474/94, citado, ibidem, pág. 400).
No caso, a norma em apreciação não incorre em vício por violação do artigo 32º
da Constituição, nem nela se encontra uma restrição do conteúdo essencial das
garantias de defesa do arguido, situadas, atendendo ao perfil do caso concreto e
ao que vem alegado, no asseguramento do princípio do contraditório (nº 5 do
artigo 32º). Essas garantias, de conteúdo imediatamente processual, impõe-se que
sejam perspectivadas na unidade funcional do processo, e não necessariamente em
cada fase separada daquela ou daquelas que se lhe poderão seguir. Na procura de
uma solução em que à partida surge afastada a conversão da instrução em
antecipação de julgamento, o legislador ponderou em termos adequados a
utilização de meios de defesa pelo arguido, não procedendo sequer a uma sua
restrição em sentido próprio, antes, limitando-os no quid plus que os mesmos
constituem, se se tiver presente qual a vocação própria da instrução.
[…]
[…] o indeferimento da inquirição de testemunhas não foi, como também não é no
plano da lei adjectiva, óbice à determinação da marcação de debate instrutório,
que não se pode entender que se torna inútil apenas por ter sido rejeitada a
audição de testemunhas. Não sendo antecipação do julgamento, será incongruente
transpor para ele, na íntegra, o regime aplicável à produção da prova na fase
final. E não será legítimo desvalorizar o debate, por definição de estrutura
contraditória, como meio de defesa por si só, realizado como é sob a direcção
(artigo 301º do Código) e na presença do juiz, com a presença e participação das
partes, as quais, no seu decurso, poderão inclusivamente requerer ‘a produção de
provas indiciárias suplementares que se proponham apresentar, durante o debate,
sobre questões concretas controversas’ (nº 2 do artigo 202º). Aí se dá tradução
à exigência contida no nº 5 do artigo 32º da Constituição.
Acresce que o legislador condiciona a aplicação da norma constante do artigo
291º, nº 1, do Código, sempre exigindo ao juiz a verificação de que os actos
requeridos não interessam à instrução ou servem apenas para protelar o andamento
do processo. Por outro lado, admite a reconsideração da decisão tomada, por via
de reclamação a apresentar pelo requerente.
Na opção legislativa a ponderação realizada pelo legislador entre a posição do
arguido e a exigência de consideração do processo como unidade funcional por si
só pode justificar a solução encontrada. Nesta perspectiva, esta solução
situa-se na mesma linha da irrecorribilidade do despacho de pronúncia que acolhe
os termos da acusação do Ministério Público. Por outro lado, é aqui relevante o
princípio constitucional da celeridade do processo (artigo 20º, nº 4, da
Constituição), o qual exige que se evite que o andamento do processo seja
protelado «por constantes envios do processo à segunda instância para apreciação
de decisões interlocutórias» (Ac. cit., ibidem, pág. 401).
A Constituição, relativamente à instrução, institui uma garantia em sentido
próprio, visando dar ao arguido, em conformidade com a estrutura acusatória do
processo, a possibilidade de infirmar a prova com base na qual poderá ser
acusado, em concreto, estabelecendo que os actos instrutórios que a lei
determinar estarão subordinados ao princípio do contraditório (artigo 32º, nº
5). Tal comando constitucional não chegou a ser posto em crise pelo direito
aplicado na decisão sob recurso.
Das considerações que antecedem, centradas nos aspectos nucleares da
problemática suscitada, resultam elementos que permitem concluir, sem
necessidade de aprofundamentos significativos, pela improcedência da arguição de
vícios por violação de outras normas da Constituição.
Com efeito, não ocorre violação dos artigos 20º, nº 1, 209º, nº 1, alínea a),
e 210º, nº 1, da Constituição. Em termos gerais, o direito de acesso aos
tribunais está, no caso, garantido pelo direito ao recurso da decisão final na
qual se poderão projectar insuficiências de elementos de prova, que constituirão
fundamentos de recurso dessa decisão.
Da Constituição não se retira a plena recorribilidade de todos os actos
praticados pelo juiz ao longo do processo penal ainda que sejam susceptíveis de
afectar o arguido. A jurisprudência do Tribunal apenas reconhece a
aplicabilidade do princípio de recorribilidade às decisões condenatórias e
àquelas que impliquem privação ou restrições da liberdade ou de outros direitos
fundamentais do arguido.
Por isso, o Tribunal não julgou inconstitucionais normas processuais penais
que denegam a possibilidade de o arguido impugnar determinados despachos
interlocutórios do juiz, que se limitam a fazer prosseguir o processo (v.
Acórdão nº 353/91, nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 19º vol., entre
outros) e, como refere o Ministério Público, também não julgou inconstitucional
a norma do artigo 310º, nº 1, do Código de Processo Penal, que considera
insusceptível de recurso a decisão instrutória que haja pronunciado o arguido
pelos factos constantes da acusação pública (v. Acórdão nº 266/98, publicado no
Diário da República, II Série, de 11 de Julho de 1998).
Assim, não consentindo a lei que o despacho, que em sede de instrução indefere
a realização de diligências requeridas, seja arbitrário ou discricionário,
devendo antes ser fundamentado num juízo que tenta obviar à utilização de
expedientes dilatórios através da prática de acto sem interesse para a instrução
e para a descoberta da verdade material, não é inconstitucional a norma que
prevê a irrecorribilidade de tal despacho, pois as garantias de defesa do
arguido não impõem, como se referiu, a recorribilidade de todas as decisões do
juiz mas tão-somente das decisões condenatórias e das respeitantes à privação da
liberdade e outros direitos fundamentais.
[…]».
E no Acórdão n.º 459/2000 disse-se ainda:
«[…]
Obrigatório e importante na dita fase da instrução é o debate instrutório,
oral e contraditório, que visa permitir uma discussão perante o juiz ‘sobre se,
do decurso do inquérito e da instrução, resultam indícios de facto e elementos
de direito suficientes para justificar a submissão do arguido a julgamento’
(artigos 289º, nº 1, e 298º), sendo ele regulado com a minúcia nos artigos 297º
a 305º (culminando, após o seu encerramento, com o despacho de pronúncia ou não
pronúncia – artigo 307º, o que não se sabe se teve já lugar no presente caso e
com que resultado).
Quer a instrução requerida pelo arguido e reduzida a auto, ‘ao qual são juntos
os requerimentos apresentados pela acusação e pela defesa nesta fase, bem como
quaisquer documentos relevantes para apreciação da causa’ (artigo 296º), quer o
debate instrutório obrigatoriamente realizado, não são o julgamento da causa,
são antes uma antecâmara do julgamento, se for o caso de ele ter de se efectuar,
havendo ‘indícios de facto e elementos de direito suficientes para justificar a
submissão do arguido a julgamento’. Aliás, o arguido pode mesmo obter a
satisfação do seu interesse em não ser submetido a julgamento, se se chegar a um
despacho de não pronúncia, após o encerramento do debate instrutório (e também
não se sabe se tal resultado foi aqui alcançado).
6. É inquestionável que os actos de instrução requeridos pelo arguido, na
medida em que se podem reflectir na sequência processual instrução-julgamento,
conduzindo até, na melhor das hipóteses, a um despacho de não pronúncia, são
momentos relevantes para garantir a defesa do arguido. Havendo acusação deduzida
contra ele, os actos de instrução podem infirmar a acusação ou enfraquecê-la, de
modo a que o arguido venha a confiar na prolação de um despacho de não pronúncia
ou então na futura absolvição na fase de julgamento, se vier a ser, mesmo assim,
pronunciado.
Nesta óptica, o Tribunal Constitucional teve já oportunidade de dizer, no
acórdão nº 474/94, nos Acórdãos, 28º vol., pág. 402, que a Constituição não
estabelece qualquer direito dos cidadãos a não serem submetidos a julgamento,
sem que previamente tenha havido uma completa e exaustiva verificação de
existência de razões que indiciem a sua presumível condenação. O que a
Constituição determina no nº 2 do artigo 32º é que todo o arguido se presume
inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, pelo que o
simples facto de se ser submetido a julgamento não pode constituir, só por si,
no nosso ordenamento jurídico, um atentado ao bom nome e reputação’ (cf. ainda o
Acórdão nº 54/2000, inédito)
Só que, face àquele desenho do ritualismo processual criminal, a opção
legislativa da natureza irrecorrível do despacho previsto na norma questionada
do nº 1 do artigo 291º não pode nunca brigar com as garantias de defesa de que o
arguido pode lançar mão, relacionadas com a contradita e demonstração da
insubsistência da prova ou da inaplicabilidade das disposições incriminatórias.
Com efeito, a instrução, quando requerida, nos termos expostos, não deixa de
ser uma fase preparatória na estrutura do processo, podendo nela o juiz praticar
ou ordenar oficiosamente actos que considere úteis (o mesmo nº 1 do artigo
291º). A instrução é, assim, uma fase processual que não visa propriamente um
complemento [do inquérito], antes visa a comprovação pelo juiz do acto
acusatório, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento. Integra, além dos
actos que o juiz considera úteis e pertinentes, uma fase obrigatória - o debate
instrutório - com a finalidade especifica de apurar se, do decurso do inquérito
e da instrução ‘resultam indícios de acto e elementos de direito suficientes
para justificar a submissão do arguido ao julgamento’ (artigo 298º).
Esse debate está pensado pelo legislador em termos de permitir, sob o signo
dos princípios dispositivo e do contraditório, e também inquisitório, uma ampla
produção de prova, com a prática de todos os actos de instrução - e até novos
actos de instrução - que permitam apurar os tais indícios de facto e elementos
de direito, estando sempre presente o ‘interesse para a descoberta da verdade’
(nº 1 do artigo 299º). E não resulta do Código a proibição de se realizarem, no
decurso do debate, os actos de instrução que foram requeridos na fase
facultativa e o juiz indeferiu por despacho.
Sendo isto assim, e porque, no rigor das coisas, é a fase do julgamento aquela
em que a defesa do arguido implica maiores garantias, incluindo o ‘direito de
recorrer da sentença condenatória e dos actos judiciais que privem ou restrinjam
a liberdade do arguido ou afectem outros direitos fundamentais seus’ (citado
Acórdão nº 474/94, pág. 400) – e a sua plena operatividade, já que é aí que o
arguido se vê confrontado directamente com a eventualidade de uma condenação -,
tem de concluir-se que a norma questionada, eliminando a via de recurso, não
incorre na violação dos artigos 20º, 29º e 32º da Constituição (manifestada,
segundo o recorrente, ‘na impossibilidade de o recorrente requerer diligência
probatória relevante para a causa'). Pois que, verdadeiramente, essa
impossibilidade não chega a manifestar-se, na medida em que na fase do debate
instrutório pode efectivar-se essa mesma diligência probatória (e nem sequer há
nos autos elementos para constatar se isso se verificou ou não).
Além de que a Constituição não consagra um princípio de plena recorribilidade
de todos os actos praticados pelo juiz ao longo do processo criminal, ‘apenas se
devendo considerar consagrada tal garantia quanto às decisões condenatórias e às
respeitantes à situação do arguido face à privação ou restrição de liberdade ou
outros direitos fundamentais’ (para usar a linguagem do Ministério Público).
E compreende-se, aliás, face ao que acaba de se expor, que a Constituição não
exija a reapreciação, por via de um recurso, da decisão do juiz sobre os actos
de instrução que considerou inúteis ou impertinentes.
Por isso, o Tribunal Constitucional não julgou inconstitucionais normas
processuais penais que denegam a possibilidade de o arguido impugnar certos
despachos interlocutórios do juiz, que se limitam a fazer prosseguir o processo
(cfr., entre outros, o acórdão nº 353/91, nos Acórdãos, 19º vol.) e também não
julgou inconstitucional a norma do artigo 310º, nº 1, do citado Código, sobre a
decisão instrutória que ‘pronunciar o arguido pelos factos constantes da
acusação do Ministério Público’ (cfr. Acórdão nº 266/98, publicado no Diário da
República, II Série, de 11 de Julho de 1998).
7. Também não se vê onde possa estar a invocada violação dos artigos 205º, nº
2, e 208º, nº 1, da Constituição, na versão anterior à última revisão
constitucional de 1997, e traduzida no essencial, segundo o recorrente, ‘na
atribuição ao juiz de um poder discricionário, escapando à exigência de
fundamentação, pois não assume tal configuração o despacho previsto no artigo
291º, nº 1, desde logo porque não é um acto equiparável a um despacho de mero
expediente, este sim, de livre e total discricionariedade, como se prevê no
artigo 400º, nº 1, b), do Código de Processo Penal (cf. os artigos 156º, nº 4, e
679º do Código de Processo Civil, aquele contendo a definição).
Depois porque o poder-dever conferido ao juiz para proferir o indeferimento
está balizado pelo limite do ‘apuramento da verdade’ e pela consideração de ‘os
actos requeridos não interessarem à instrução ou servirem apenas para protelar o
andamento do processo’.
Não é só um ‘prudente arbítrio do julgador’, de que fala o citado nº 4 do
artigo 156º, mas ainda e essencialmente, como regista o Ministério Público, ‘nos
termos e dentro dos limites da lei, de um juízo prudencial, traduzido na
densificação e concretização de cláusulas gerais e conceitos indeterminados, em
harmonia com o fim e a função do processo (nomeadamente, a tutela dos valores da
celeridade e da realização da verdade e da justiça materiais)’, sendo que o
juiz, com a liberdade própria para aceitar ou rejeitar diligências probatórias,
tem de indicar minimamente os motivos da decisão, como se constata no presente
caso.
[…].»
11- Não se vê que esta panóplia de argumentos não continue a manter
validade no caso dos autos, pelo que novamente se reafirmam.
De resto, a bondade do entendimento expendido tem hoje uma
consistência acrescida, perante a jurisprudência firmada nos Acórdãos de Fixação
de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 6/2000 e 7/2004,
publicados no Diário da República, I Série-A, respectivamente, de 7 de Março de
2000 e 2 de Dezembro de 2004, interpretando o direito processual penal
infraconstitucional.
Na verdade, o primeiro acórdão fixou jurisprudência no sentido de
que “a decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da
acusação do Ministério Público é recorrível na parte respeitante à matéria
relativa às nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às
demais questões prévias e incidentais”.
E no segundo estabeleceu-se a jurisprudência de que “sobe
imediatamente o recurso da parte da decisão instrutória respeitante às nulidades
arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões prévias ou
incidentais, mesmo que o arguido seja pronunciado pelos factos constantes da
acusação do Ministério Público”.
Sendo assim, a irrecorribilidade do despacho de juiz de instrução
que rejeita a realização das diligências probatórias, por as ter por inúteis ou
por servirem para protelar apenas o processo – e independentemente de, no debate
instrutório, tal realização poder vir, eventualmente, a ser considerada
necessária e deferida – não arreda a possibilidade de ser interposto recurso da
decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação
do Ministério Público com fundamento nas nulidades arguidas no decurso do
inquérito (ou no debate instrutório) em cuja categoria a falta de realização das
diligências cuja realização foi rejeitada se poderá incluir e, mais, de esse
recurso subir, até, imediatamente.
Anote-se, a este respeito, que este Tribunal Constitucional se
pronunciou, em diversos arestos, no sentido de que o entendimento normativo nos
termos do qual o recurso agora em questão não subia imediatamente não afrontava
normas ou princípios constitucionais – cf. os acórdãos nºs 474/94, 964/96,
1205/96, 104/98 e 68/2000, publicados no Diário da República, II Série,
respectivamente, de 8 de Novembro de 1994, 23 de Dezembro de 1996, 14 de
Fevereiro de 1997, 20 de Março de 1998 e 4 de Outubro de 2000 e ainda o n.º
242/2005, disponível em www.tribunalconstitucional.pt.
Numa tal situação, o efeito que se verifica acaba por equivaler
apenas a um sobrestar, no plano simplesmente temporal, da admissibilidade do
recurso.
C – Decisão
12 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional
decide:
a) Não julgar inconstitucional a norma do art. 291º, n.º 1, do
Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual determina a
irrecorribilidade do despacho que rejeita, por inutilidade e por servirem apenas
para protelar o andamento do processo, a realização de diligências probatórias
pedida pelo arguido no requerimento de instrução;
b) Negar provimento ao recurso;
c) Condenar o recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 20
UCs.
Lisboa, 9 de Novembro de 2005
Benjamim Rodrigues
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres (com a declaração de voto junta)
Maria Fernanda Palma (vencida nos termos de declaração de voto junta)
Rui Manuel Moura Ramos
DECLARAÇÃO DE VOTO
1. Não acompanhei a fundamentação desenvolvida no n.º 10
do precedente acórdão para fundar a emissão do juízo de não
inconstitucionalidade da interpretação normativa apreciada no presente recurso.
Como já referi em declaração de voto aposta ao Acórdão
n.º 242/2005 – que não julgou inconstitucionais as normas do artigo 407.º, n.ºs
1, alínea i), e 2, do Código de Processo Penal (CPP), na interpretação segundo a
qual não sobe imediatamente o recurso da parte da decisão instrutória
respeitante a nulidades arguidas antes do despacho de pronúncia (na instrução e
no debate instrutório) –, a minha divergência relativamente à jurisprudência que
reconheço ser dominante no Tribunal Constitucional radica no entendimento de
que, pelo menos quando estejam em causa infracções criminais de certa gravidade,
que ultrapassem as meras “bagatelas penais”, do princípio da presunção de
inocência decorre o direito a não ser submetido a julgamento sem que estejam
comprovados indícios suficientes da prática de um crime, embora não se exija,
naturalmente, uma apreciação exaustiva das provas, reservada à fase de
julgamento: cf. declarações de voto da Conselheira Maria Fernanda Palma, apostas
aos Acórdãos n.ºs 964/96, 1205/96 e 459/2000 (esta mantida no Acórdão n.º
78/2001), e da Conselheira Maria dos Prazeres Beleza, aposta ao Acórdão n.º
68/2000 (mantida nos Acórdãos n.ºs 371/2000, 46/2001 e 350/2002). Não
acompanho, assim, a concepção, reiteradamente afirmada desde o Acórdão n.º
474/94, de que, porque a Constituição da República Portuguesa (CRP) determina,
no n.º 2 do artigo 32.º, que todo o arguido se presume inocente até ao trânsito
em julgado da sentença de condenação, “o simples facto de se ser submetido a
julgamento não pode constituir, só por si, no nosso ordenamento jurídico, um
atentado ao bom nome ou reputação”.
Como se assinalou na declaração de voto da Conselheira
Maria dos Prazeres Beleza, aposta ao Acórdão n.º 387/99:
“3. Na verdade, a pronúncia determina a continuação do processo, mediante a
sujeição do arguido a julgamento.
Da continuação do processo resulta necessariamente a imposição – ou manutenção
da imposição – ao arguido do termo de identidade e residência, previsto no
artigo 196.º do Código de Processo Penal.
A submissão do arguido a julgamento acarreta, inegavelmente, a compressão da
sua liberdade pessoal, tendo em conta o tempo necessário à organização da sua
defesa e à comparência na audiência, compressão tanto mais significativa quanto
mais complexa for a matéria dos autos, e que pode, em certos casos, colocar em
causa a continuação da sua actividade profissional.
A aceitação pelo Tribunal de Instrução de que existem indícios suficientes da
verificação dos pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena
ou de uma medida de segurança implica entender que existe uma «possibilidade
razoável» de tal pena ou medida de segurança vir a ser aplicada (n.º 2 do
artigo 283.º e n.ºs 1 e 2 do artigo 308.º) em julgamento. O que leva, de facto,
apesar da força jurídica do princípio da presunção de inocência, à submissão do
arguido a uma forte censura social, que uma eventual decisão final absolutória
não consegue, as mais das vezes, apagar.
Acresce que, após a recente revisão do Código de Processo Penal (cf. n.º 1 do
artigo 86.º, na redacção introduzida pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto), o
processo penal é público a partir da decisão instrutória, quando seja proferida,
cessando nesse momento o segredo de justiça.
Recorde‑se ainda que o n.º 1 do artigo 6.º do Estatuto Disciplinar dos
Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local (aprovado pelo
Decreto‑Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro), não julgado inconstitucional pelo
Acórdão n.º 439/87 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 10.º, págs. 523 e
seguintes), estabelece como consequência do trânsito em julgado do despacho de
pronúncia em processo de querela – independentemente de saber se tal norma se
aplica aos processos regidos pelo Código de Processo Penal de 1987 – a suspensão
de funções e do vencimento até à decisão final.”
A este elenco pode mesmo acrescentar‑se a norma do
artigo 157.º, n.º 4, da CRP, que prevê a suspensão do mandato de Deputado quando
este for “acusado definitivamente” em processo criminal, suspensão que é
obrigatória quando se trate de crime doloso a que corresponda pena de prisão
cujo limite máximo seja superior a três anos.
Tudo isto (para não falar na constatação de que, na
prática judiciária, a pronúncia do arguido é geralmente vista como um elemento
que, tornando mais plausível a condenação, pode determinar o aumento do receio
de fuga e, assim, justificar mais facilmente o decretamento da prisão
preventiva) demonstra que, não apenas sociológica, mas também juridicamente, a
pronúncia de um arguido, com subsequente sujeição a julgamento, representa o
agravamento da sua situação, constituindo negação da realidade a afirmação de
que esse agravamento não se verifica só porque está constitucionalmente
consagrado o princípio da presunção de inocência.
Face a uma decisão inequivocamente gravosa para a
posição jurídica do arguido, é constitucionalmente fundada a exigência do
reconhecimento do direito de recurso dessa decisão e de um recurso que seja
eficaz, o que, no caso sobre que recaiu o Acórdão n.º 242/2005, reclamava, a meu
ver, a sua subida imediata, negada na interpretação normativa que viria a ser
julgada não inconstitucional.
2. O presente caso é, porém, diverso do acabado de
referir, uma vez que está agora em causa, não o regime de subida do recurso da
decisão instrutória (em qualquer das suas partes), mas a admissibilidade de
recurso autónomo das decisões que, proferidas no decurso da instrução,
indeferiram diligências de prova que o juiz reputou não interessarem à instrução
ou servirem apenas para protelar o andamento do processo.
Ora, neste contexto, a motivação expendida na declaração
de voto aposta ao Acórdão n.º 242/2005 (o reconhecimento do direito a não ser
submetido a julgamento sem que estejam comprovados indícios suficientes da
prática de um crime) já não exige, diferentemente do aí sustentado, a
admissibilidade de recursos autónomos das diversas decisões de indeferimento de
diligências de prova. É que o arguido dispõe de meio adequado e eficiente de
reacção que acautele aquela desiderato: ele pode, no debate instrutório,
apresentar requerimentos de produção de diligências de prova (artigo 302.º,
n.ºs 2 e 3, do CPP) e arguir a nulidade por insuficiência do inquérito ou da
instrução ou por omissão de diligências reputadas essenciais para a descoberta
da verdade (artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do CPP), e da decisão que
eventualmente desatende uns e outra, é hoje seguro – por força do jurisprudência
uniformizada pelos “Assentos” n.ºs 6/2000 e 7/2004, do Supremo Tribunal de
Justiça – que o sistema processual penal faculta reacção eficiente, através da
admissibilidade de recurso dessa decisão, com subida imediata.
Na verdade, o STJ, após haver uniformizado a
jurisprudência no sentido de que “A decisão instrutória que pronunciar o arguido
pelos factos constantes da acusação do Ministério Público é recorrível na
parte respeitante à matéria relativa às nulidades arguidas no decurso do
inquérito ou da instrução e às demais questões prévias ou incidentais”
(“Assento” n.º 6/2000), veio recentemente a fixar a seguinte jurisprudência:
“Sobe imediatamente o recurso da parte da decisão instrutória respeitante às
nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões
prévias ou incidentais, mesmo que o arguido seja pronunciado pelos factos
constantes da acusação do Ministério Público” (Acórdão de fixação de
jurisprudência n.º 7/2004).
Deste modo, fica adequadamente assegurada, de modo
concentrado, a reapreciação por via de recurso do respeito pelo direito a não
ser submetido a julgamento sem que estejam comprovados indícios suficientes da
prática de um crime, não sendo exigível que, relativamente a cada uma das
diversas decisões que, ao longo da instrução, indeferiram requerimentos de
diligências probatórias, se abra de imediato a possibilidade de interposição de
recurso.
Foi apenas por este fundamento – e não pelo expendido no
n.º 10 do precedente acórdão – que votei no sentido da não
inconstitucionalidade da interpretação normativa do artigo 291.º, n.º 1, do CPP,
apreciada no presente recurso.
Mário José de Araújo Torres
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencida o presente Acórdão pelas razões constantes das declarações de voto
por mim apostas aos Acórdãos nºs 964/96, 1205/96 e 459/2000.
Não acompanho, aliás, ainda, a argumentação expendida pelo Excelentíssimo Senhor
Conselheiro Mário Torres na declaração de voto com que justificou ter aderido ao
presente Acórdão.
Na realidade, a ideia de que a recorribilidade de um eventual indeferimento de
uma arguição de nulidade por insuficiência do inquérito ou da instrução ou por
omissão de diligências reputadas essenciais para a descoberta da verdade não só
não esgota toda a dimensão de um recurso por indeferimento de uma diligência
probatória – nomeadamente porque mesmo sem a referida insuficiência à luz das
provas já carreadas poder ser requerida uma prova que contradite as primeiras,
como também não deixa de ser uma distorsão processual promover‑se a utilização
do meio da arguição de nulidade para a finalidade de exercer o direito de defesa
relativamente à promoção de diligências probatórias.
Também tal via não me parece que redundem numa economia processual pois o seu
uso sistemático fora do seu sentido especial acarretará, sem dúvida, abusos
processuais.
Mantenho‑me, assim, na linha das declarações de voto anteriores, convencida de
que o valor do direito de não ser submetido a julgamento requer um adequado
poder exercer o direito de defesa nas fases preliminares do processo penal.
Assim, a referida possibilidade de arguir a nulidade não serve de compensação
adequada, no plano da constitucionalidade, à inadmissibilidade do recurso do
despacho de pronúncia, quando este é concordante com a acusação do Ministério
Público, nos termos do artigo 310º, nº 1, do Código de Processo Penal.
Maria Fernanda Palma