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Processo n.º 544/2005
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção
do Tribunal Constitucional:
1. A fls. 2529 foi proferida a seguinte decisão sumária :
«1. Por acórdão da 6ª Vara Criminal de Lisboa de 16 de Abril de 2004, de fls.
1973, A. e B., ora recorrentes, foram condenados, respectivamente na pena de
onze e seis anos de prisão, como autores materiais de crime de tráfico de
estupefacientes agravado (artigos 21º e 24º, c), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22
de Janeiro).
Inconformados, recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa. Por acórdão de
10 de Novembro de 2004, de fls. 2248, foi dado provimento parcial ao recurso, e
as penas de prisão reduzidas respectivamente para oito e cinco anos e meio.
Novamente interpuseram recurso, agora para o Supremo Tribunal de Justiça. Por
acórdão de 19 de Maio de 2005, de fls. 2484, e apenas para o que agora releva, o
Supremo Tribunal de Justiça decidiu nos seguintes termos:
“8.2. Quanto à questão das nulidades arguidas, o tribunal «a quo» pronunciou-se
no sentido de que as escutas estavam inquinadas de base, mas considerou que não
era mister anular as provas imediatas delas derivadas por as mesmas não terem
sido valoradas como elemento probatório relevante na decisão da 1ª instância.
Daí o ter-se escorado na inutilidade superveniente que afectava o recurso
intercalar. E, quanto às provas mediatas ou consequenciais, considerou que houve
uma quebra na cadeia de invalidade, por força de produção de prova autónoma, não
havendo relação de causa – efeito entre as escutas realizadas e as diligências
investigatórias efectuadas posteriormente, e bem assim as provas obtidas por
meio delas. E não só por meio delas, como também por força de prova pessoal
relacionada com as declarações produzidas pelo recorrente A., de que se destacam
as declarações feitas na audiência de julgamento, não tendo estas nada a ver, em
termos de adequação causal, com a invalidade das escutas telefónicas. Esta
última constatação conduziu ao reforço da tomada de posição quanto à
desnecessidade/inutilidade da anulação das mencionadas escutas.
Ora, por um lado, a questão de saber se as escutas tiveram ou não influência na
convicção do tribunal (e a resposta das instâncias é negativa, como vimos) diz
respeito à decisão da matéria de facto que não pode ser apreciada por este
tribunal, nos termos dos artigos 432.º, alínea d) e 434.º do CPP. O mesmo se
deve dizer da relação que intercede, em termos de causa – efeito, entre as
escutas realizadas e as provas posteriormente obtidas. Não está aqui em causa a
interpretação dos princípios jurídicos correspondentes, ou seja, a natureza da
invalidade das escutas telefónicas realizadas com desrespeito das normas
constitucionais e legais atinentes, bem como a extensão dessa invalidade,
nomeadamente a sua projecção nos actos subsequentes, que foram bem interpretados
e enunciados pelo tribunal recorrido, mas a sua aplicação concreta ao caso, de
acordo com a factualidade relevante: não valoração das escutas na convicção do
tribunal e interrupção do nexo causal da constatada invalidade dessas escutas
nas provas que vieram a produzir-se posteriormente.
Como tal, a decisão recorrida, nesse âmbito, é definitiva, como salientou o
Ministério Público na audiência de julgamento que teve lugar neste Supremo
Tribunal, sendo os recursos de rejeitar em tal ponto, por irrecorribilidade do
acórdão da Relação.
Uma outra causa de rejeição acresce àquela. Tratando-se, no caso, de acórdão da
Relação que não pôs termo à causa (decisão interlocutória), não é admissível
recurso dessa decisão para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do art.
400.º, n.º 1, alínea c) do CPP. «Relativamente à validade das escutas
telefónicas, tendo estas sido objecto de decisão judicial interlocutória e de
recurso intercalar, a decisão da Relação que delas conheceu é irrecorrível para
o ST.J, em conformidade com o disposto no art. 400.º, n.º 1, alínea c) do CPP»
(Acórdão de 20/1/05, Proc. n.º 3209-04 da 5.ª Secção, relatado pelo Conselheiro
Costa Mortágua e de que o aqui relator foi um dos adjuntos).
Ficam, deste modo, prejudicadas as questões levantadas pelos recorrentes quanto
às inconstitucionalidades que se prendem com as nulidades das escutas e das
provas posteriores.”
Consequentemente, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu, também apenas no que
aqui interessa, “rejeitar os recursos dos arguidos A. e B. no tocante à nulidade
das escutas e à decisão da matéria de facto”.
2. Pelo requerimento de fls. 2524, A. e B. vieram interpor recurso para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º1 do artigo
70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, “do acórdão proferido pelo Supremo
Tribunal de Justiça, para que se aprecie a seguinte matéria:
a ) Sendo as escutas telefónicas efectuadas no âmbito dos presentes autos,
nulas, como é reconhecido pelo tribunal a quo, se o artigo 122.º, n.º 1, do CPP,
não for interpretado no sentido de que a nulidade das escutas telefónicas em
causa, determinará a nulidade da apreensão ocorrida em 28 de Novembro de 2002 e,
consequentemente a nulidade das provas produzidas (nomeadamente as declarações
de arguidos), tal interpretação é materialmente inconstitucional, por violação
dos artigos 32.º, n.º 1 e n.º 8, 34.º, n.º 1 e n.º 4 e 18.º, n.º 2, da CRP; a
melhor interpretação da disposição citada é aquela que considera que o acto nulo
afecta todos os actos subsequentes, designadamente se das escutas resulta a
identificação e o aparecimento processual dos arguidos no processo.
b) Uma interpretação do artigo 126.º, n.º 3, do CPP, no sentido de permitir
valoração da prova que seja obtida em consequência de meios de obtenção de prova
que sejam proibidos, constitui interpretação materialmente inconstitucional de
tal normativo, por violação dos artigos 32.º, n.º 1 e n.º 8, 34.º, n.º 1 e n.º 4
e 18.º, n.º 2, da CRP;
c) Para efeitos de apreciação do alcance da declaração de nulidade das escutas
telefónicas, por força do artigo 122.º, n.º 1, do CPP, entendendo o tribunal a
quo ser essencial a indicação concreta e precisa das escutas telefónicas de que
dependeria a aquisição de cada uma das provas, deveria proceder-se à notificação
dos recorrentes para suprir tal omissão, sob pena de interpretação materialmente
inconstitucional do artigo 412.º, do CPP, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da
CRP.”
O recurso foi admitido, por decisão que não vincula este Tribunal (nº 3 do
artigo 76º da Lei nº 28/82).
3. E a verdade é que o Tribunal Constitucional não pode conhecer do
presente recurso, porque as normas cuja apreciação os recorrentes pretendem não
foram aplicadas pelo acórdão recorrido, o que torna desde logo dispensável
averiguar do preenchimento dos demais pressupostos de admissibilidade do
recurso.
Como o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado (cfr., nomeadamente,
os acórdãos nºs 313/94, 187/95 e 366/96, publicados no Diário da República, II
Série, respectivamente, de 1 de Agosto de 1994, 22 de Junho de 1995 e de 10 de
Maio de 1996) e a lei expressamente exige (artigo 79º-C da Lei nº 28/82), é
necessário e que as normas que constituem o objecto do recurso tenham sido
aplicadas com o sentido acusado de ser inconstitucional como ratio decidendi;
caso contrário, o julgamento do recurso não teria qualquer utilidade, por não
poder ter qualquer repercussão na decisão recorrida.
Com efeito, o Supremo Tribunal de Justiça rejeitou o recurso interposto do
Tribunal da Relação de Lisboa, como se viu pela transcrição atrás efectuada, “
no tocante à nulidade das escutas e à decisão da matéria de facto”.
Duas razões conduziram a tal rejeição: estar em causa, neste ponto, um
recurso interposto da “decisão da matéria de facto que não pode ser apreciada
por este tribunal, nos termos dos artigos 432.º, alínea d) e 434.º do CPP” e “de
acórdão da Relação que não pôs termo à causa (decisão interlocutória)”, recurso
não admissível “nos termos do art. 400.º, n.º 1, alínea c) do CPP.”
Note-se que o recurso foi interposto do acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça, e que não foi posta em causa a constitucionalidade das normas com base
nas quais o mesmo foi rejeitado.
4. Estão, pois, reunidas as condições para que se proceda à emissão da
decisão sumária prevista no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82.
Nestes termos, decide-se não conhecer do objecto do recurso.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 8 ucs. ».
2. Inconformados, os recorrentes reclamaram para a conferência, ao abrigo
do disposto no nº 3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, pretendendo a revogação da
decisão sumária e o conhecimento do recurso.
Para o efeito, sustentam que, contrariamente ao que se afirma na decisão
reclamada, foram aplicadas as normas que identificaram no requerimento de
interposição de recurso, como ratio decidendi, nos seguintes termos, concluindo
da seguinte forma:
«O que está em causa no presente recurso não é, portanto, nem qualquer questão
relacionada com matéria factual, nem directamente ligada à apreciação, por si
só, da validade ou invalidade das escutas telefónicas! Quanto à invalidade das
escutas telefónicas, o Tribunal da Relação de Lisboa, pronunciou-se no sentido
de, tacitamente, as considerar nulas, tendo o Supremo Tribunal de Justiça
subscrito tal posição. Importa, outrossim, analisar, nos termos questionados,
se, sendo as escutas nulas, seria lícito ao Tribunal a quo, valorar outras
provas, por serem passíveis de encerrar autonomia daquele inicial meio
probatório. E quanto a esta questão, e salvo o devido respeito, que é muito, não
nos parece ter havido rejeição do recurso interposto pelos arguidos, mas antes
uma apreciação de tal recurso que, embora sem aditar nada de novo, remeteu para
a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa e subscreveu, inteiramente, a sua
posição (Cfr. quanto ao mais relevante, o conteúdo dos últimos três parágrafos
de fls. 23 do douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça).
Ora, o Supremo Tribunal de Justiça, ao subscrever a posição assumida pelo
Tribunal da Relação de Lisboa, relativamente à matéria de inconstitucionalidade
que está em causa e que foi atempadamente discutida, não deixará de estar a
fazer a aplicação de normas processuais em sentido cuja inconstitucionalidade
foi questionada! Assim sendo e ao contrário do pugnado na douta decisão
reclamada, estarão preenchidos os requisitos para conhecimento do presente
recurso!
Salvo o devido respeito, parece ter-se verificado alguma confusão por parte da
Veneranda Conselheira Relatora, porquanto, embora o Supremo Tribunal de Justiça
rejeite os recursos dos arguidos, ora recorrentes, no tocante à nulidade das
escutas telefónicas e à decisão da matéria de facto (.9, do douto acórdão),
quanto às questões de inconstitucionalidade levantadas, limita-se a confirmar a
decisão (.10, do douto acórdão) proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa,
pelo que não deixa de aplicar as normas em causa com o sentido acusado de ser
inconstitucional.»
Notificado para o efeito, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de que a
reclamação deve ser indeferida, pois “não põe em causa os fundamentos e o
sentido da decisão sumária ”.
3. Com efeito, a reclamação não pode ser atendida, pela razão apontada pela
decisão reclamada para a impossibilidade de conhecimento do recurso.
Os reclamantes sustentam que as normas que impugnaram foram aplicadas pelo
acórdão recorrido, que teria confirmado o acórdão do Tribunal da Relação.
Ora da análise do referido acórdão recorrido não é isso que resulta, mas, antes,
que o Supremo Tribunal de Justiça rejeitou o recurso por dois motivos que, em
qualquer caso, o impediam de julgar a questão de fundo: por se tratar recurso
respeitante à decisão da matéria de facto e por se tratar de recurso interposto
de acórdão da Relação que não pôs termo à causa, nos termos já suficientemente
explanados.
Basta, aliás, verificar que, se o Tribunal Constitucional viesse a pronunciar-se
no sentido da inconstitucionalidade tal como os reclamantes pretendem – e,
repete-se, admitindo que não ocorreriam outros obstáculos a esse conhecimento –,
nenhuma repercussão teria tal julgamento sobre o acórdão recorrido, assim se
demonstrando a inutilidade do recurso interposto.
4. Nestes termos, indefere-se a reclamação, confirmando-se a decisão de
não conhecimento do recurso.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 ucs por cada
um.
Lisboa, 25 de Julho de 2005
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Vítor Gomes
Artur Maurício