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Processo n.º 427/05
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A. e mulher B. reclamaram para o Presidente do Supremo Tribunal
de Justiça de um despacho que lhes não admitiu recurso de um acórdão do Tribunal
da Relação do Porto, “por não terem ficado vencidos com a decisão ( art. 680.º
do C.P.Civil)”.
Sobre a reclamação recaiu a seguinte decisão, proferida em 1 de
Fevereiro de 2005, pelo Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça:
“I. Os embargados A. e B. e a mandatária por eles constituída C. recorreram para
este Supremo Tribunal do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que confirmou
o despacho do Ex.mo Desembargador Relator que condenara a mandatária no
pagamento de taxa de justiça por incidente provocado e ordenou ainda a extracção
de certidão do acórdão e do articulado de reclamação e a sua remessa ao Conselho
Distrital Lisboa da Ordem dos Advogados para os fins convenientes.
Por despacho do Ex.mo Desembargador Relator, esse recurso não foi admitido
quanto aos embargados, por estes não terem ficado vencidos com a decisão nos
termos do art.º 680.º do CPC; admitiu contudo o recurso quanto à mandatária.
Desse despacho reclamam os recorrentes (incluindo a mandatária, não obstante o
recurso quanto a ela ter sido admitido) sustentando, além do mais, que de
harmonia com o art.º 680.º do C PC, são parte vencida, aplicando-se ao caso dos
autos as normas dos art.ºs 114° da Lei 3/99, de 13 de Janeiro e 208.º da CRP.
II. Cumpre apreciar e decidir.
No caso em apreço, estamos perante um acórdão da Relação que confirmou o
despacho do Ex.mo Desembargador Relator que condenara a mandatária constituída
pelos ora reclamantes no pagamento de taxa de justiça por incidente provocado e
ordenou ainda a extracção de certidão do acórdão e do articulado de reclamação e
a sua remessa ao Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados para os
fins convenientes.
Tem razão o Ex.mo Desembargador Relator quando diz que os ora reclamantes A. e
B. não são parte vencida.
Com efeito, a mandatária dos ora recorrentes é que ficou vencida, de harmonia
com o disposto no art.º 680.º do CPC e tendo esta também interposto recurso para
este Supremo Tribunal que foi admitido como atrás vimos, não se vê qual o
interesse dos embargados A. e B. na interposição deste recurso sobre a mesma
questão.
No que concerne à invocação dos art.ºs 114° da Lei 3/99, de 13 de Janeiro e 208°
da CRP, é descabida, porquanto estas normas respeitam às imunidades necessárias
ao exercício da advocacia, e não à admissibilidade dos recursos.
III. Pelo exposto, indefere-se a presente reclamação.
Custas pelos reclamantes, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.
Notifique.”
Os reclamantes apresentaram requerimento de interposição de recurso
desta decisão para o Tribunal Constitucional, visando a apreciação da
inconstitucionalidade da norma do artigo 680.ºdo Código de Processo Civil, na
interpretação nela acolhida “já que apenas tem como objectivo perverso pôr a
parte contra o mandatário, espezinhando a Advocacia na sua essência fundamental,
o que viola, de todo em todo, as normas do artigo 208.º da Constituição e do
artigo 114.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro”.
Este recurso não foi admitido, por despacho de 1 de Abril de 2005,
do Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, com o seguinte teor:
“Face ao disposto no n.º 2 do art.º 72° da LTC, o recurso previsto na alínea b)
do n.º 1 do art.º 70.º da LTC só pode ser interposto pela parte que haja
suscitado a questão da inconstitucionalidade “de modo processualmente adequado
perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar
obrigado a dela conhecer”.
E, manifestamente, como a doutrina tem assinalado, é momento inidóneo para
suscitar a questão da inconstitucionalidade o requerimento de interposição de
recurso para o Tribunal Constitucional, por, após a sua apresentação, o tribunal
a quo já não poder emitir juízos de inconstitucionalidade.
Nem se diga que os recorrentes não tiveram oportunidade processual de suscitar a
questão da inconstitucionalidade antes do despacho que ora impugnam. Com efeito,
a interpretação encontrada neste despacho no que concerne à aplicada norma do
art. 680.º do CPC coincide com a do despacho que não admitiu o recurso para este
Supremo Tribunal.
Por todo o exposto, não se admite o recurso interposto para o Tribunal
Constitucional.
Custas pelos recorrentes, com a taxa de justiça de 3 UC, sem prejuízo do
benefício do apoio judiciário.
Notifique.”
2. Deste despacho vem a presente reclamação, ao abrigo do disposto
no n.º 4 do artigo 76.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), com a
seguinte fundamentação:
“II. A posição dos reclamantes
2. Os reclamantes não se conformam com a referida DECISÃO, porque dá um sentido
de tal forma restrito e formal à norma do art.º 680.º do CPC, que o torna
substancialmente inconstitucional, já que apenas tem como objectivo perverso pôr
a parte contra o mandatário, espezinhando a Advocacia na sua essência
fundamental, o que viola, de todo em todo, as normas do art.º 208.º da
Constituição e do art.º 114.º da Lei 3/99, de 13 de Janeiro.
Assim, a parte fica gravemente prejudicada e vencida, porque não quer ver o seu
mandatário perseguido de forma Kafkiana.
3. Mantém-se o recurso já interposto em 26.10.04, a fls. .
A interpretação dada à norma do Art.º 680.º do CPC é uma decisão surpresa, face
ao art.º 208.º da CRP.
4. Donde requer a admissão do referido recurso.”
O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se pelo indeferimento da
reclamação, nos seguintes termos:
“A presente reclamação carece obviamente de fundamento sério – desde logo,
porque os reclamantes não suscitaram – durante o processo e em termos
processualmente adequados – podendo perfeitamente tê-lo feito, qualquer questão
de inconstitucionalidade normativa, susceptível de servir de base ao recurso
interposto para este Tribunal.”
3. Objecto da presente reclamação é o despacho de 1 de Abril de 2005, que não
admitiu o recurso interposto, para o Tribunal Constitucional, da decisão de 1 de
Fevereiro de 2005. É a verificação dos pressupostos deste recurso e não a
inconstitucionalidade do artigo 680.º do Código de Processo Civil que cabe
apreciar, pelo que são irrelevantes as considerações a este último propósito
feitas pelos reclamantes.
Ora, não pode deixar de confirmar-se o despacho reclamado, tendo
presente, como nele se decidiu:
- Que só pode recorrer para o Tribunal Constitucional ao abrigo da
alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC a parte que haja suscitado a questão da
inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que
proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer
(n.º 2 do artigo 72.ºda LTC);
- Que na reclamação do despacho que não admitiu o recurso para o Supremo
Tribunal de Justiça nenhuma referência é feita à inconstitucionalidade da norma
do artigo 680.º do Código de Processo Civil;
- Que os reclamantes dispuseram da oportunidade de suscitar perante o
órgão jurisdicional que proferiu a decisão recorrida a questão de
inconstitucionalidade que pretendem submeter ao Tribunal Constitucional, desde
logo porque a interpretação nela acolhida coincide com aquela que lhe fora dada
pelo despacho do relator no Tribunal da Relação para não admitir o recurso para
o Supremo Tribunal de Justiça.
Assim, sendo ostensiva a falta de razão dos reclamantes, nada mais se justifica
acrescentar.
4. Decisão
Pelo exposto, confirmando o despacho que não admitiu o recurso para
o Tribunal Constitucional, acordam em indeferir a reclamação e condenar os
reclamantes nas custas, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta, sem prejuízo do regime de apoio judiciário.
Lisboa, 14 de Junho de 2005
Vítor Gomes
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Artur Maurício