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Processo n.º 700/05
Plenário
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam no plenário do Tribunal Constitucional
1. Um grupo de 12 cidadãos eleitores pertencentes à assembleia de
voto da freguesia do Campo, do município de Viseu, tendo como primeiro
subscritor José Martins Fernandes, interpôs recurso para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do n.º 5 do artigo 70.º da lei que regula a eleição
dos titulares para os órgãos das autarquias locais, aprovada pela Lei Orgânica
n.º 1/2001 (LEOAL), do despacho do Governador Civil de Viseu, de 8 de Setembro
de 2005, que não deu provimento a recurso administrativo que os mesmos cidadãos
haviam interposto da decisão do vereador da Câmara Municipal de Viseu, relativa
à determinação do local de funcionamento das secções daquela assembleia de voto,
para a eleição dos órgãos das autarquias locais que se encontra marcada para o
dia 9 de Outubro de 2005.
Com tal recurso administrativo pretendiam que fosse determinado que
as cinco mesas de voto da referida freguesia funcionassem todas no edifício da
“Escola do Primeiro Ciclo de Vila Nova”, em vez de três delas terem lugar na
sede da Junta de Freguesia e duas outras no edifício do “Instituto Piaget”, da
mesma localidade.
Alegam contra o acto que indeferiu essa pretensão o seguinte:
“I – Desde logo o edifício da Escola Básica de Vila Nova (freguesia do Campo no
concelho de Viseu), tem óptimos acessos já que é servida exactamente pela mesma
estrada que serve a Sede da Junta de Freguesia do Campo e o edifício do
Instituto Piaget e a escassos metros de distância destes.
II – Depois, e como se pode verificar facilmente, o edifício da Escola Básica de
Vila Nova tem ao nível do primeiro piso (rés-dochão), TRÊS (3) salas sendo
apenas duas delas salas de aula –, todas elas enormes, ao ponto de ter cada sala
duas portas (uma de entrada e outra de saída);
III – Esse mesmo primeiro piso (rés-do-chão) da Escola Básica de Vila Nova,
comporta facilmente as cinco secções de voto.
IV – Depois, o edifício da Escola Básica de Vila Nova é um edifício com óptimas
condições, moderno, pois foi construído muito recentemente, dado ter ocorrido
nas anteriores instalações um incêndio que o destruiu por completo.
V – O edifício da Escola Básica de Vila Nova tem óptimo espaço envolvente – que
habitualmente serve de recreio aos alunos que a frequentam;
VI – O edifício da Escola Básica de Vila Nova tem na área local onde estacionar.
VII – O edifício da Escola Básica de Vila Nova tem casas de banho condignas, que
servem habitualmente os alunos, os professores e o pessoal auxiliar.
VIII – Acresce que a população da freguesia do Campo não estranharia que se
efectuasse a votação no edifício da Escola Básica de Vila Nova, dado que aí
funcionou já, em tempos idos, a Assembleia de Voto da Freguesia do Campo.
IX – Perante o que, o entendimento contido no Douto Despacho emanado do Governo
Civil, faria sentido não quanto à Escola Básica de Vila Nova do Campo, mas sim
se proferido quanto a outras freguesias, como por exemplo a de Abraveses, onde
há seis mesas de voto, funcionando desde sempre quatro no rés-do-chão e duas no
primeiro andar do edifício de Abraveses onde decorrem as eleições.
X – Acresce que o art. 69° n.º 1 da Lei Orgânica n.º 1!2001 de 14 de Agosto,
determina que as assembleias de voto reúnem-se em edifícios públicos, de
preferência escolas ou sedes de órgãos municipais e de freguesia que ofereçam as
indispensáveis condições de capacidade, acesso e segurança, e o edifício do
Instituto Piaget não, salvo melhor opinião, edifício público, pertencendo, isso
sim, ao Instituto Piaget (desconhecendo-se até se esta instituição autoriza a
cedência de instalações ou se pede contrapartidas para o efeito).
XI – Isto quando o edifício da Escola Básica de Vila Nova, que fica a escassos
metros, é um edifício público;...
XII – Acresce que a entrada para as instalações do edifício do Instituto Piaget
é composta por uma rampa longa e íngreme, que para além de dificultar o acesso
aos deficientes, também dificulta o acesso aos idosos.
XIII – Ao que acresce ainda que dado passar este ano a haver cinco mesas de voto
na Freguesia do Campo, será de todo o interesse que funcionem todas as cinco
mesas de voto NUM SÓ MESMO EDIFÍCIO – neste caso na Escola do Ensino Básico de
Vila Nova –, pois a população desconhece a que mesa de voto passou a pertencer e
só dessa forma se obstará a que andem de edifício em edifício à procura da sua
mesa de voto.
XIV – Mais se realça o facto dos signatários representarem cinco das seis listas
a concorrer às referidas eleições, pelo que o recurso decorre do bom – ou mau –,
senso da generalidade das listas candidatas.”
2. O recurso foi apresentado perante a autoridade administrativa que
proferiu o acto impugnado (n.ºs 1 e 7 do artigo 102.º-B da LTC), em prazo (n.º 1
do artigo 70.º da LEOAL: a notificação do acto recorrido foi expedida a 8/9/2005
e o recurso foi interposto a 9/9/2005), por quem tem legitimidade (n.º 4 do
artigo 70.ºda LEOAL).
E foi remetido a este Tribunal, instruído com cópia do requerimento
de interposição do recurso administrativo, do despacho recorrido, da sua
notificação aos recorrentes e do edital publicitando o desdobramento e local de
funcionamento da assembleia de voto, nada obstando ao seu conhecimento.
3. Considera-se assente a matéria de facto seguinte, face aos
documentos constantes do processo:
a) O Vereador em regime de permanência da Câmara Municipal de Viseu
tornou pública, fazendo afixar edital, a decisão de que a assembleia de voto da
freguesia de Campo, desse município, no acto eleitoral para os órgãos das
autarquias locais designado para o próximo dia 9 de Outubro de 2005, fora
desdobrada em cinco secções de voto, que funcionarão nos seguintes locais:
“Secção de voto n.º 1 – Sede da Junta de Freguesia, Vila Nova do Campo
“Secção de voto n.º 2 – Sede da Junta de Freguesia, Vila Nova do Campo
“Secção de voto n.º 3 – Sede da Junta de Freguesia, Vila Nova do Campo
“Secção de voto n.º 4 – EBIS JEAN PIAGET, Vila Nova do Campo
“Secção de voto n.º 1 – EBIS JEAN PIAGET, Vila Nova do Campo”
b) Os ora recorrentes interpuseram recurso para o Governador Civil de Viseu,
pedindo que fosse alterado o local de funcionamento da referida assembleia de
voto, passando as cinco mesas de voto a funcionar na “Escola do Primeiro Ciclo
de Vila Nova (freguesia do Campo, concelho de Viseu)”, com os seguintes
fundamentos:
“7º- O art.º 69.º n.º 1 da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto, determina
que as assembleias de voto reúnem-se em edifícios públicos, de preferência
escolas ou sedes de órgãos municipais e de freguesia que ofereçam as
indispensáveis condições de capacidade, acesso e segurança;
8º - Desde logo, e salvo melhor opinião, o edifício do EBIS Piaget não é
edifício público, pertencendo, isso sim à Instituição Piaget.
9º- Acresce que existe na Freguesia do Campo a Escola Básica de Vila Nova…
10º - …a qual fica a escasso metros da Junta de Freguesia do Campo onde
costumavam suceder as eleições;…
11º - …escola essa que é um edifício público;…
12º - …edifício reconstruído muito recentemente;…
13º - …que tem quatro salas de aula enormes, onde podem funcionar as cinco mesas
e que no futuro pode admitir facilmente o funcionamento de dez mesas de voto
dado que cada sala de aula comporta facilmente duas mesas de voto em cada sala;…
14º - …e que tem na área local onde estacionar.
15º - Ao que acresce ainda quer passando a 9 de Outubro a haver não 4 mas sim 5
mesas de voto na Freguesia do Campo, será de todo o interesse que funcionem
todas as cinco mesas de voto NUM SÓ MESMO EDIFÍCIO – nesta caso na Escola do
Ensino Básico de Vila Nova –, pois a população desconhece a que mesa de voto
passou a pertencer e só dessa forma se obstará a que andem de edifício em
edifício à procura da sua mesa de voto.”
c) Sobre esse recurso recaiu o seguinte despacho do Governador Civil
de Viseu, proferido em 8 de Setembro de 2005:
“Recebido em mão no dia 06/09/2005, pelas 16:02h, com a entrada n.º 4583, o
recurso ao abrigo do disposto no art.º 70.º da Lei Orgânica n.º1/2001, de 14/08,
sobre os locais de funcionamento das Assembleias de Voto da Freguesia do Campo,
do Concelho de Viseu, determinados nos termos do n.º 1 do citado artigo, onde se
requer a alteração “do local de funcionamento da assembleia de voto na freguesia
do Campo, passando a funcionarem todas as cinco mesas de voto da Freguesia de
Campo na Escola do Primeiro Ciclo de Vila Nova (Freguesia do Campo, concelho de
Viseu)”, foi localmente analisado o edifício proposto.
Dado que a Escola do Primeiro Ciclo de Vila Nova da Freguesia do Campo, Concelho
de Viseu, funciona num edifício de dois pisos, situado a cerca de 500 metros do
local habitual de votação e que não é possuidor de boa acessibilidade que
facilite a votação dos deficientes (a ter em conta de acordo com o pedido
expresso da entidade oficial responsável pela política de defesa dos deficientes
junto do STAPE e da CNE), idosos e doentes, não se dá provimento ao recurso.
Comunique-se.”
4. O litígio entre os recorrentes e as autoridades de administração
eleitoral respeita ao local de funcionamento da assembleia de voto, cujo
desdobramento em cinco secções aceitam. Pretendem que seja o da “Escola do
Primeiro Ciclo da Vila Nova” em vez do escolhido pela administração que foi o do
“Instituto Piaget”.
Sobre local de funcionamento das assembleias de voto dispõe o artigo
69º da LEOAL o seguinte:
“Artigo 69.º
Local de funcionamento
1 - As assembleias de voto reúnem-se em edifícios públicos, de preferência
escolas ou sedes de órgãos municipais e de freguesia que ofereçam as
indispensáveis condições de capacidade, acesso e segurança.
2 - Na falta de edifícios públicos adequados, são requisitados, para o efeito,
edifícios particulares.
3 - A requisição dos edifícios, públicos ou privados, destinados ao
funcionamento das assembleias de voto cabe ao presidente da câmara, que deve
ter em conta o dia da votação assim como o dia anterior e o dia seguinte,
indispensáveis à montagem e arrumação das estruturas eleitorais e à desmontagem
e limpeza.
4 - Quando seja necessário recorrer à utilização de estabelecimentos de ensino,
as câmaras municipais devem solicitar aos respectivos directores ou órgãos de
administração e gestão a cedência das instalações para o dia da votação, dia
anterior, para a montagem e arrumação das estruturas eleitorais, e dia seguinte,
para desmontagem e limpeza.”
A lei confere à Administração eleitoral larga margem de apreciação.
Embora vinculada à preferência por edifícios públicos, o parâmetro jurídico da
escolha é expresso mediante um conceito indeterminado que é o das
“indispensáveis condições de capacidade, acesso e segurança”. No controlo do
exercício desta competência, para além dos aspectos sempre vinculados da
actuação administrativa – designadamente, a competência, forma (lato sensu ) e
fim, aspectos em que o acto recorrido não é posto em crise – e do erro nos
pressupostos de facto, na parte em que a norma confere à Administração
prerrogativa de valoração, o Tribunal só pode censurar a decisão administrativa
em caso de erro grosseiro ou manifesto ou de utilização de critério
ostensivamente inadmissível.
Ora, os recorrentes não oferecem qualquer prova das suas afirmações
de facto relativas às vantagens e características do edifício que propõem, de
molde a que possam pôr-se em dúvida os pressupostos de facto em que assentou o
juízo de avaliação efectuado, e que resultaram de ter sido “localmente analisado
o edifício proposto”. Ausência de esforço probatório que se estende à afirmação
de que a entrada para o edifício escolhido tem características que colidem com o
próprio critério em função do qual foi privilegiado.
Por outro lado, o critério decisivo, o da “boa acessibilidade que
facilite a votação dos deficientes [...] idosos e doentes”, não é ostensivamente
inadmissível. Pelo contrário, privilegiando na opção que lhe competia fazer
condições que, de acordo com verificações de facto que não foram processualmente
infirmadas, facilitem o exercício do direito de sufrágio por parte de cidadãos
cuja mobilidade está afectada, por serem portadores de deficiência, idosos ou
doentes, a Administração usou um critério cuja solvabilidade é confortada por
directos comandos constitucionais, designadamente os contidos nos artigos 71.º,
72.º, n.º 2 e 13.º da Constituição.
4. Decisão
Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso.
Lisboa, 13 de Setembro de 2005
Vítor Gomes
Rui Manuel Moura Ramos
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Paulo Mota Pinto
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria Fernanda Palma
Artur Maurício