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Processo n.º 623/2005
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Bravo Serra
1. Em 26 de Setembro de 2005 o relator proferiu decisão
com o seguinte teor: –
“1. Em 12 de Outubro de 1998 interpôs A. perante o Tribunal
Administrativo de Círculo de Coimbra recurso contencioso de anulação do acto
praticado em 13 de Agosto de 1998 pela Comissão de Inscrição da Associação dos
Técnicos Oficiais de Contas e por via do qual foi recusada a inscrição do
recorrente em tal Associação.
Tendo, por sentença proferida em 25 de Março de 1999 pelo Juiz daquele
Tribunal, sido rejeitado o recurso, já que se entendeu que acto em causa carecia
de definitividade vertical, dela recorreu o impugnante para o Supremo Tribunal
Administrativo (como esclareceu na alegação produzida, assim rectificando o
requerimento de interposição de recurso, no qual referiu que o mesmo era
dirigido ao Tribunal Central Administrativo).
Por acórdão de 23 de Outubro de 2001, o Supremo Tribunal Administrativo
concedeu provimento ao recurso, determinando o prosseguimento dos autos.
Na sequência, foi lavrada, em 22 de Abril de 2002 e no Tribunal de
Círculo de Coimbra, sentença que negou provimento ao recurso contencioso.
Inconformado com a mesma recorreu A. para o Supremo Tribunal
Administrativo, tendo, na alegação adrede produzida, formulado as seguintes
«conclusões»: –
‘1.1. A douta sentença recorrida lavra num manifesto erro de interpretação e
aplicação do disposto nos artºs 1º e 2º da Lei nº 27/98, de 3 de Junho, bem como
no que respeita ao conhecimento da nulidade do regulamento da Comissão
Instaladora da ATOC, de 3 de Junho de 1998, que veio subverter e revogar o
preceituado naquele diploma, por vício de incompetência absoluta e usurpação do
poder legislativo, além de que enferma de nulidade, por omissão de pronúncia,
por não ter conhecido daquela questão e ainda, entre outras questões, do vício
de violação do princípio da igualdade, da boa fé e da responsabilidade pelas
informações prestadas de que enfermam as disposições daquele Regulamento.
2. O recorrente desde há largos anos que exerce a sua actividade como
profissional de contabilidade, nessa medida executando a contabilidade de
empresários individuais e de sociedades, bem como assinando as respectivas
declarações fiscais.
3. O recorrente sempre exerceu as funções de profissional de contabilidade sem
necessidade de qualquer inscrição em qualquer associação ou organismo, por tal
não ser legalmente exigível.
4. Com a entrada em vigor do Dec-Lei nº 265/95, de 17 de Outubro, que aprovou o
Estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas, foi facultada aos técnicos de contas
inscritos na DGCI, a possibilidade (e só esta) de se inscreverem na ATOC.
5. O Dec-Lei nº 265/95, de 17/10 não salvaguardou o respeito pelos direitos
adquiridos pelo recorrente, que exercia plenamente a sua actividade de
profissional e contabilidade, (Técnico de Contas), sem que lhe tivesse sido
exigida ou imposta a sua inscrição na D.G.C.I..
6. Visando repor a legalidade e assegurar os direitos fundamentais tão
grosseiramente ofendidos pelo Dec-Lei 265/95, veio a Lei nº 27/98, de 3 de Junho
permitir, a título excepcional, a inscrição como Técnico Oficial de Contas, de
responsáveis directos por contabilidade organizada, nos termos do Plano Geral de
Contabilidade, no período decorrido entre 1 de Janeiro de 1989 e 17 de Outubro
de 1995.
7. O recorrente exerceu durante mais de três anos, entre a data de 1 de Janeiro
de 1989 e 17 de Outubro de 1995, e mais concretamente, demonstrou exercer
durante mais de três anos, naquele período, as funções de profissional de
contabilidade, como responsável directo por contabilidade organizada, nos termos
do P.O.C., de entidades que possuíam ou deviam possuir contabilidade organizada.
8. Deste modo, o pedido de inscrição do ora recorrente, na ATOC devia ter sido
aceite, porque verificados os requisitos exigidos no artº 1º da Lei nº 27/95, de
3 de Junho.
9. Todavia, não foi esse o entendimento da douta sentença recorrida que negou
provimento ao recurso da deliberação de 13/08/98, da Comissão de Inscrição da
ATOC (V. Doc. 1 junto com a p.i.), que recusou ilegalmente o pedido de inscrição
do recorrente.
10. O fundamento da recusa da inscrição, embora não sejam aduzidas razões
concretas, aparentemente só pode fundar-se no disposto no artº 2º, nºs 1 e 2, do
Regulamento da ATOC, de 3/6/98, que estabeleceu, arbitrariamente, que o
exercício fiscal de 1995 não é legalmente relevante e que não serão tidos em
consideração os exercícios cujas declarações tenham sido apresentadas após 17 de
Outubro de 1995.
11. O recorrente instruiu o seu pedido de inscrição com cópias autenticadas das
declarações Mod. 22 do IRC relativas a três exercícios compreendidos entre 1 de
Janeiro de 1998 e 17 de Outubro de 1995.
12. Ora, porque, de acordo com o citado Regulamento, os exercícios compreendidos
entre 1989 e 1994 não seriam tidos em consideração, se as respectivas
declarações fiscais tivessem sido entregues após 17 de Outubro de 1995, estariam
em falta documentos comprovativos do exercício da profissão por três anos
seguidos, razão pela qual a ATOC recusou o pedido de inscrição apresentado pelo
recorrente, recusa que a douta sentença recorrida, pese embora a frontal colisão
com o disposto na Lei nº 27/95, considerou conforme ao disposto nesta lei.
13. Todavia, o Regulamento ‘Executivo’ da Lei nº 27/95, de 3 de Junho, emitido
pela Comissão Instaladora da ATOC e ‘assinado’ como nele se diz aos 3 de Junho
de 1998, está ferido de várias ilegalidade, (incompetência absoluta, usurpação
de poder, etc.), pelo que era dever do tribunal a quo desaplicá-lo, por
contrário à Constituição e a lei de valor normativo superior.
14. Com efeito, a douta sentença recorrida nem conheceu do vício de
incompetência absoluta de que enferma o regulamento, geradora de nulidade, nos
termos do artº 133º, nº 2., al. b) ex vi do artº 114º do C.P.A., já que a ATOC
não dispõe, nem por via dos Estatutos, nem por via da Lei nº 27/98, de
competência regulamentar, e, assim, de competência para regulamentar a matéria
tratada na Lei nº 27/98, muito menos a Comissão Instaladora da ATOC, às quais as
Portarias do Ministério das Finanças nº36/96, de 9/5 (D.R. II série, nº 108, de
9/5) e 61/96, de 1/7 (D.R. II série, nº 150, de 1/7/96) reconheceram tão somente
competência para a prática dos «actos necessários para assegurar a respectiva
gestão corrente» (nº 3 da Portaria nº 36/96, de 9/5).
15. Tal Regulamento está também viciado de usurpação de poder, decorrente de
incompetência, vício de que a sentença recorrida nem conheceu, igualmente
geradora de nulidade, desta feita nos termos da alínea a) do nº 2., do artº 133º
ex vi do artº 114º do C.P.A., na medida em que cabe tão só e apenas à Assembleia
da República configurar restrições à liberdade de escolha de profissão,
nomeadamente fixar a disciplina integral e estabelecer os requisitos de
inscrição e de acesso às actividades profissionais – cfr. artº 165º, nº 1,
alínea b) e artº 18º ambos da Constituição da República Portuguesa, sendo certo
que a douta sentença recorrida ignorou simplesmente tal facto, omitindo
pronúncia sobre um vício da maior relevância, cuja procedência era, por si só,
suficiente para acautelar os direitos do recorrente.
16. Tais vícios, que afectam o Regulamento, afectam, na mesma medida, o acto
impugnado nos autos, que também padece, todo ele, de nulidade, cognoscível, a
todo o tempo, por qualquer tribunal, situação que a douta sentença recorrida
ignorou.
17. Acresce que o referido Regulamento, cujo intuito era complementar a Lei nº
27/98, ao invés de dispor ‘secundum legem’, permitiu-se inovar ‘contra legem’,
derrogando, inconstitucionalmente, o regime imposto por lei.
18. O Regulamento atenta directa e manifestamente contra o disposto no artº 1º
da Lei nº 27/98, que permitia a inscrição de todos os profissionais de
contabilidade que tenham sido responsáveis directos por contabilidade organizada
‘… desde 1 de Janeiro de 1989 e até à data da publicação do Dec-Lei nº 265/95,
de 17 de Outubro …’, enquanto o artº 2º., nº 2. do Regulamento vem negar
qualquer relevância às declarações fiscais compreendidas entre 1989 e 1994
entregues após 17 de Outubro de 1995, assim como ao exercício fiscal de 1995.
19. E isto quando anteriormente, nomeadamente no ponto 1., da alínea c) do
Regulamento da ATOC de aplicação do ponto 3 do Despacho nº 8470/97, de 16 de
Setembro, do Ministro das Finanças, a ATOC definiu que o período decorrido entre
1 de Janeiro de 1989 e a data de publicação do Dec-Lei nº 265/95 compreendia,
para efeitos dos três anos de actividade exigidos, ‘os exercícios de 1989 a
1995, inclusive’, sem exigir, à revelia da lei, a apresentação das respectivas
declarações fiscais até 17 de Outubro de 1995.
20. Violando-se, desta feita, não só o princípio da igualdade constitucional,
previsto no artº 13º da Constituição da República Portuguesa, como também o
princípio da boa fé (artº 6º-A do C.P.A.) e da responsabilidade pelas
informações prestadas aos particulares (artº 7º, nº 2., [d]o C.P.A.), matéria
que a douta sentença recorrida não conheceu, enfermando de omissão de pronúncia.
21. Como não bastava derrogar a Lei nº 27/98, o Regulamento veio ainda criar ‘…
normas definidoras de alguns conceitos …’ (V. Preâmbulo), pelo que se auto
atribuiu, abusiva e ilegalmente, de competência para interpretar e integrar a
lei.
22. Com efeito, o artº 3º do Regulamento veio considerar que responsáveis
directos, para efeitos do artº 1º, da Lei nº 27/98, eram tão só e apenas ‘… as
pessoas singulares que assinaram como responsáveis pela escrita as declarações
tributárias, quer o tenham feito em nome próprio, quer em representação de
sociedade’, isto é, os afortunados que tenham tido a sorte de assinar as
declarações tributárias quando nem a lei, nem os usos tal indicavam.
23. O referido Regulamento procedeu também à restrição dos meios de prova à
apresentação dos documentos referidos na alínea d) do nº 1., do seu artº 1º,
violando assim o princípio da livre admissibilidade de prova (artºs 345º, nº 2,
do CCivil e 87º do Código de Procedimento Administrativo), questão que o
Tribunal ‘a quo’ também não conheceu, confirmando que foram mais as questões
sobre que não se pronunciou, do que as que conheceu.
24. A douta sentença recorrida violou, além das disposições legais citadas, o
disposto na alínea d), do nº 1., do artº 668º do CPCivil.’
O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 28 de Setembro de
2004, negou provimento ao recurso jurisdicional.
Pode ler-se nesse aresto, para o que ora releva: –
‘(…)
Vejamos se houve erro de julgamento.
2.2.2. O recorrente alega que, ao contrário do que julgou a sentença, ‘exerceu
durante mais de três anos, entre a data de 1 de Janeiro de 1989 e 17 de Outubro
de 1995, e mais concretamente, demonstrou exercer durante mais de três anos,
naquele período, as funções de profissional de contabilidade, como responsável
directo por contabilidade organizada, nos termos do P.O.C., de entidades que
possuíam ou deviam possuir contabilidade organizada’ (conclusão 7.) e que
‘instruiu o seu pedido de inscrição com cópias autenticadas das declarações Mod.
22 do IRC relativas a três exercícios compreendidos entre 1 de Janeiro de 1998 e
17 de Outubro de 1995’ (conclusão 11.)
Se assim tiver sido, não há dúvida que errou a sentença.
2.2.2.1. Recorde-se a Lei n.º 27/98 (doravante, Lei), no seu artigo 1.º
‘Artigo 1.º
No prazo de 90 dias a contar da publicação da presente lei, os profissionais de
contabilidade que desde 1 de Janeiro de 1989 e até à data da publicação do
Decreto-Lei n.º 265/95, de 17 de Outubro, tenham sido, durante três anos
seguidos ou interpolados, individualmente ou sob a forma de sociedade,
responsáveis directos por contabilidade organizada, nos termos do Plano Oficial
de Contabilidade, de entidades que naquele período possuíssem ou devessem
possuir contabilidade organizada podem requerer a sua inscrição como técnicos
oficiais de contas na Associação de Técnicos Oficiais de Contas (ATOC)’.
Os documentos em que o recorrente se suporta para alegar ter demonstrado o
preenchimento da previsão legal são as declarações de rendimentos dadas por
provadas na sentença (cfr., supra 2.1.)
Comece-se por dizer que a declaração quanto à assunção de responsabilidade no
ano fiscal de 1996 é irrelevante. Ela respeita, inquestionavelmente, a
actividade posterior ao tempo limite exigido pela Lei, pelo que não pode ser
considerada.
Já plenamente pertinentes são as declarações relativas aos anos de 1993 e 1994.
Elas não levantaram nem levantam qualquer problema, inserindo-se, sem discussão,
no período previsto na Lei.
Com essas declarações pode afirmar-se que fica provada a responsabilidade
directa do recorrente por contabilidade organizada durante dois anos, incluídos
na previsão legal, os anos de 1993 e 1994.
Todavia, não sendo suficiente o período de dois anos, antes se exigindo três
anos, o problema coloca-se quanto à declaração respeitante ao ano de 1995.
Nas conclusões da alegação, o recorrente suscita, sem uma clara distinção, a
questão da data da apresentação da declaração, com a da relevância da própria
declaração respeitante a 1995, abstraída da data de apresentação.
Ora, para o efeito do presente recurso, não interessa cuidar das datas em que as
declarações carreadas ao processo pelo interessado foram apresentadas nos
serviços fiscais. É que, atendendo directamente à Lei, sem intermediação do
Regulamento, o que interessa é saber se, estando já provada uma responsabilidade
directa nos anos de 1994 e 1994, portanto, no período definido pelo artigo 1.º
da Lei, e faltando provar um outro ano, para se completarem os três anos
exigidos pela Lei, a declaração de responsabilidade respeitante a todo o ano
fiscal de 1995 serve para obter o resultado final mínimo de três anos.
2.2.2.2. No fundo, e resumindo razões, a tese do recorrente, de que fez a
demonstração do requisito legal, só é viável se, como defende, onde no artigo
1.º da Lei se estabelece como termo final do período em consideração a ‘data da
publicação do Decreto-Lei n.º 265/95, de 17 de Outubro’ se deve julgar incluído
todo o ano fiscal de 1995.
A sentença julgou que não.
E afigura-se que acertadamente.
É que, a Lei não fixou o período de actividade de modo atrabiliário ou com menor
atenção à técnica legislativa. Se tivesse querido prever anos fiscais tê-lo-ia
expressado, sem qualquer dificuldade. A lei pretendeu diferente, de modo
deliberado e pensado, como resulta dos seus trabalhos preparatórios, cuja
síntese se pode ver, por exemplo, no Ac. deste Tribunal de 22.6.2004, rec.
0343/04.
Destaque-se o seguinte trecho da exposição de motivos da Proposta de Lei nº
15/VII, que esteve na base da Lei:
‘Neste contexto, e tendo em consideração as conclusões do referido grupo de
trabalho, a presente proposta de lei vem permitir que, a título excepcional e
como última e derradeira hipótese, se admita a inscrição como técnico oficial de
contas de responsáveis directos por contabilidade organizada nos termos do Plano
Oficial de Contabilidade, no período decorrido ente 1 de Janeiro de 1989 e a
data de publicação do Estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas, de entidades
que, naquele período, possuíssem ou devessem possuir esse tipo de contabilidade,
através da abertura, no corrente ano, de um concurso extraordinário para o
efeito’.
Quer dizer, foi intenção declarada que a data limite a considerar era a data da
publicação do Estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas, ou seja, a data da
publicação do Decreto-Lei n.º 265/95.
Não há como entender ter havido uma menor precisão da lei na sua expressão
literal.
Não é, assim, possível a extensão até 31-12-1995 do limite temporal legalmente
expresso em 17 de Outubro de 1995, extensão a que se reconduz a tese do
recorrente.
Como também se julgou no Ac. de 14.5.2003, rec. 0495/02, em situação semelhante
e na esteira de diversas outras decisões deste Tribunal (cfr., por exemplo, os
já citados acs. nos recs. 47549, 47669, 47670, 47831), ‘só sendo relevante para
a inscrição o período de tempo de exercício da actividade de técnico de contas
decorrido até 17-10-95, data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 265/95, a
actividade relevante que a declaração relativa ao ano de 1995 poderia demonstrar
era apenas a levada a cabo entre 1-1-95 e 17-10-95’.
(...)’
Do acórdão de que parte se encontra extractada arguiu o recorrente
nulidade, pretensão que veio a ser indeferida por aresto de 1 de Fevereiro de
2005.
Ainda o impugnante pretendeu recorrer para o Pleno da 1ª Secção do
Supremo Tribunal Administrativo mas, por despacho proferido em 15 de Abril de
2005, o Conselheiro Relator não admitiu tal recurso, por extemporaneidade.
Reclamou então o recorrente para o Presidente do Supremo Tribunal
Administrativo.
Na sequência de despacho do Conselheiro Relator, o Supremo Tribunal
Administrativo, por acórdão de 7 de Junho de 2005, entendendo que a reclamação
devia prosseguir seus termos como reclamação para a conferência, indeferiu esta.
Veio então o impugnante interpor recurso para o Tribunal Constitucional
ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro,
dizendo no requerimento consubstanciador da interposição que ‘o Acórdão
recorrido fez aplicação de normas – o Regulamento aprovado pela ATOC, em
especial a alínea d), do nº 1., do artº 1º e artº 3º, cuja inconstitucionalidade
e ilegalidade tinha sido suscitada nos autos, por violação do disposto nos artºs
13º, 18º, 112º, nº 8., e artº 165º, nº 1., alínea b) da Constituição da
República Portuguesa, bem como violação do artº 1º da Lei nº 27/98, de 3 de
Junho, porquanto aceitou a limitação dos meios de prova, inconstitucionalmente
impostos por aquele Regulamento’.
O recurso foi admitido por despacho prolatado em 11 de Julho de 2005
pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal Administrativo.
2. Não obstante tal despacho, porque o mesmo não vincula este Tribunal
(cfr. nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro) e porque se entende
que o recurso não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº
78º-A da mesma Lei, a vertente decisão, por via da qual se não toma conhecimento
do objecto da presente impugnação.
Na verdade, como facilmente deflui da transcrita parte do acórdão ora
intentado impugnar perante este órgão de fiscalização concentrada da
constitucionalidade normativa, o mesmo não fez qualquer aplicação, como razão
jurídica da decisão no mesmo tomada, das normas precipitadas nos artigos 1º, nº
1, alínea d), e 3º, ambos do Regulamento de 3 de Junho de 1998 da Associação dos
Técnicos Oficiais de Contas [ ].
Na verdade, baseou-se aquele aresto, e tão só, na circunstância de
resultar inquestionavelmente do artº 1º da Lei nº 27/98, de 3 de Junho, que o
termo do período referido nessa disposição legal era o da data da entrada em
vigor do Decreto-Lei nº 265/95, de 17 de Outubro. E, porque, referentemente ao
ano de 1995, se haveria de contar somente o período de 1 de Janeiro a 17 de
Outubro, não ficou demonstrado (e, note-se, sem se fazer a mínima referência a
que a demonstração unicamente se poderia efectivar nos termos do citado
Regulamento) o exercício, pelo recorrente, de actividade durante três anos
seguidos ou interpolados, contados desde 1 de Janeiro de 1989.
Foi, pois, só com esteio no artº 1º da Lei nº 27/98 que o acórdão
desejado colocar sob a censura deste Tribunal decidiu a questão, para a qual,
repete-se, não foram convocadas as normas cujo alegado vício de
inconstitucionalidade se pretende ver a apreciado.
Neste contexto, e à míngua de aplicação, na decisão agora pretendida
impugnar, dos normativos cuja desarmonia constitucional fora suscitada, falece
um dos pressupostos do recurso a que alude a alínea b) do nº 1 do artº 70º da
Lei nº 28/82.
Termos em que se não toma conhecimento do objecto do recurso,
condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça
em sete unidades de conta.”
Da transcrita decisão reclamou o impugnante, o que fez
por intermédio de requerimento onde disse: –
“1. De recurso em recurso e de tribunal em tribunal avoluma-se o risco de
denegação de justiça e de verdadeira recusa, em termos efectivos, de acesso ao
Direito e aos Tribunais.
2. Basta ver os termos que foram introduzidos na Lei no 27/98, de 3 de Junho,
para perceber que o legislador quis, efectivamente, ultrapassar as resistências
corporativas, injustas e ilegais da ATOC e da sua Comissão de Inscrição, ora
recorrida, que cerceavam (e continuam a cercear) o acesso à profissão de técnico
de contas a vários profissionais de contabilidade que reuniam os vários
requisitos para tanto.
3. Publicada a Lei nº 27/98 e estabelecidas até, face à previsível resistência
da recorrida e dos demais órgãos da ATOC, mecanismos de deferimento tácito de
pedidos de inscrição na ATOC, logo esta se apressou a aprovar o Regulamento que
foi junto como Doc. 5 com a petição de recurso.
4. Tal regulamento envolve um chorrilho de ilegalidades e de
inconstitucionalidades, que foram, oportuna e formalmente, suscitadas nos autos.
5. Aliás, levantou-se, oportunamente, a questão da inconstitucionalidade daquele
regulamento resultar a violação do disposto nos artºs 13°, 18°, 112°, nº 8,
115°, nº 5 e 165°, nº 1., alínea b) da Constituição da República Portuguesa.
6. Em primeiro lugar regista-se, desde logo, a inconstitucionalidade que decorre
da circunstância dos órgãos da A TOC não terem competência para aprovar o
regulamento em causa, atento o princípio da primariedade ou da precedência da
lei, segundo o qual todos os regulamentos carecem de habilitação legal,
exigência que vem expressamente consagrada no nº 8., do art° 112° da C.R.P.
7. Efectivamente, o Regulamento da ATOC veio, de motu proprio, executar a Lei nº
27/98, de 3 de Junho, sem para tal estar habilitado, quer pela própria Lei, quer
pelo Estatuto da Associação.
8. Na verdade, transcrevendo as doutas palavras do Prof. Vital Moreira:
‘Todo o poder regulamentar, incluindo o das administrações autónomas
corporativas, é um poder normativo derivado, conferido pela Constituição ou pela
lei, e não pode invadir a reserva de lei nem infringir a lei (prevalência da
lei). É um poder que carece de atribuição do legislador ou directamente da
Constituição, visto que não existe poder regulamentar inerente, sem lei. Como
frisa A.R. Queiró (1976:432), «a competência regulamentar autónoma carece de
atribuição expressa pelo legislador»’.
9. Aliás, como ensina aquele Professor:
‘O que distingue a administração legal da administração corporativa é o
facto de a primeira ter constitucionalmente reconhecido o seu poder
regulamentar, não podendo por isso este ser-lhe retirado pelo legislador, que
pode delimitá-lo mas não suprimi-lo, enquanto que tal não sucede com a segunda,
pelo que este só existe se reconhecido pelo legislador’.
10. Acresce que, de harmonia com o princípio da especificidade (art° 267°, nº 3,
da Constituição da República portuguesa), o qual constitui «no dizer de Eggert
(...) a magna charta dos filiados obrigatórios das corporações públicas», as
associações públicas ‘...só podem ter as atribuições públicas que lhe sejam
directamente confiadas pelo legislador ou pelo Estado-Administração mediante
credencial legislativa...’.
11.Tal princípio, comum a todas as pessoas colectivas públicas, significa, no
caso em apreço, que a ATOC só tem as atribuições definidas na lei ou nos
respectivos Estatutos e só pode exercer os poderes que lhe foram conferidos a
fim de desempenhar as referidas atribuições.
12. Por outro lado, a Lei 27/98, ao contrário do que, ilegalmente, diga-se,
aconteceu com o Despacho 8470/97, do Ministro das Finanças, que abriu o
concurso extraordinário para inscrição como técnico de contas, (ponto 13), não
atribuiu à ATOC competência para regulamentar as condições da sua aplicação.
13. Não atribuiu, nem podia atribuir, uma vez que se trata de matéria relativa a
direitos, liberdades e garantias e de direitos de natureza análoga, a saber o
direito de escolha e exercício de uma profissão, o direito à segurança no
emprego e o direito de iniciativa privada (artºs 47°, 53° e 61° da Constituição
da República Portuguesa), direitos fundamentais sujeitos ao regime qualificado
do art° 18° da Constituição da República Portuguesa, designadamente ao regime de
reserva da lei material e formal.
14. A este respeito transcrevem-se, por elucidativas, as palavras do Prof. Vital
Moreira:
‘...a regulação corporativa tem de respeitar a reserva de lei
constitucionalmente estabelecida para a regulação dos direitos, liberdades e
garantias, em especial para o estabelecimento de restrições. Como se mostrou na
altura própria a auto-regulação corporativa não afasta a reserva de lei, lá onde
ela exista. Desse modo carecem de fixação legislativa - estando precludida a
regulamentação corporativa - todos os aspectos que, por poderem configurar
restrições à liberdade de escolha de profissão (ou do seu exercício, quando
afectem a liberdade de escolha), pertencem à reserva de lei (Constituição da
República Portuguesa, art° 18°-3). Entre eles contam-se, além dos requisitos de
inscrição e de acesso às especialidades profissionais eventualmente existentes
(por exemplo, os colégios de especialidades na ordem dos Médicos), as
incompatibilidades, os deveres deontológicos e outros que possam configurar
restrições àquele direito (v.g. proibição de publicidade profissional e fixação
corporativa de honorários), os pressupostos das penas de suspensão e de expulsão
(porquanto se traduzem em interdições de exercício profissional). 0 regulamento
corporacional não pode fazer mais do que organizar ou procedimentalizar as
restrições estabelecidas por lei. E dado que a lei não pode delegar no
regulamento a disciplina de matérias que entram na reserva de lei, está excluída
a possibilidade de o estatuto da associação pública ou outra lei habilitar esta
a fazê-lo. Como afirma J. Miranda (1988: 160), «as restrições têm de ser legais,
não podem ser instituídas por via regulamentária ou por acto administrativo».
15. Também Afonso Queiró afirma peremptoriamente que no que concerne a matérias
reservadas à competência legislativa da Assembleia da República, a interdição de
regulamentação não pode ser superada pela própria lei, mediante uma autorização
de intervenção regulamentar, escrevendo ‘...a disciplina integral destas
matérias (...) cabe em princípio à lei, excepcionalmente ao decreto lei e nunca
ao regulamento’.
16.Aliás, como realça o Prof. Vital Moreira:
‘No caso da administração autónoma não territorial a reserva de lei é,
juntamente com a tutela, um dos instrumentos de garantia do interesse geral
contra o perigo de uma regulamentação corporativista. (...) Como nota
pertinentemente Schuppert «quanto maior for a esfera da reserva de lei, maior é
o controlo sobre as corporações públicas profissionais».
17. Na obra ‘Auto-Regulação Profissional e Administração Pública’, aquele Mestre
refere expressamente a situação que nos ocupa, quando afirma ‘...lá onde esteja
constitucionalmente estabelecida uma reserva de lei - como sucede normalmente em
matéria de restrições aos direitos fundamentais, como é o caso da liberdade de
profissão – fica então o regulamento reduzido a um papel executivo da lei’. (Ora
basta ver o conteúdo do Regulamento para ver quanto excedeu substantivamente
esta natureza).
18. A dado passo, quando versa sobre as funções regulatórias das ordens
profissionais, mormente a regulamentação do acesso declara a natureza
‘estritamente vinculada’ da verificação dos seus pressupostos e requisitos,
esclarecendo que ‘...a garantia do direito fundamental à escolha da profissão
implica: primeiro, que os requisitos de acesso estejam definidos na lei.
segundo, que eles sejam objectivos, de modo a que a apreciação desses requisitos
seja vinculada, excluindo qualquer discricionariedade (o que afasta a utilização
de conceitos indeterminados de difícil densificação)’.
19. A doutrina do Prof. Jorge Miranda é também clara, quando afirma que havendo
dever de inscrição como condição do exercício profissional, assiste a todos os
que preencham os requisitos legais um direito a essa inscrição, sem que a
associação tenha a possibilidade de a recusar, nem podendo haver
discricionariedade na possibilidade de recusa. (in ‘As Associações Públicas no
Direito Português’, RFDUL, XXVII, pág. 87 e segs.)
20. Do exposto resulta que a ATOC não dispõe, nem por via dos Estatutos, nem por
via da Lei nº 27/98, de competência regulamentar, e, assim, de competência para
regulamentar a matéria tratada na Lei nº 27/98, muito menos a Comissão
Instaladora da ATOC, às quais as Portarias do Ministério das Finanças nº 36/96,
de 9/5 (D.R., II série, nº 108, de 9/5) e nº 61/96, de 1/7 (D.R., II série, nº
150, de 1/7/96) reconheceram tão somente competência para a prática dos «actos
necessários para assegurar a respectiva gestão corrente» (nº 3 da Portaria nº
36/96, de 9/5).
21.A.Lei nº 27/98, de 3 de Junho estabelece no seu art° 1° o seguinte:
‘No prazo de 90 dias a contar da publicação da presente lei, os
profissionais de contabilidade que desde 1 de Janeiro de 1989 e até à data da
publicação do Decreto-Lei nº 265/95, de 17 de Outubro, tenham sido, durante três
anos seguidos ou interpolados, individualmente ou sob a forma de sociedade,
responsáveis directos por contabilidade organizada, nos termos do Plano Oficial
de Contabilidade, de entidades que naquele período possuíssem ou devessem
possuir contabilidade organizada podem requerer a sua inscrição como técnicos
oficiais de contas na Associação de Técnicos Oficiais de Contas (ATOC)’.
A primeira dúvida que se levanta é a de saber, uma vez que estávamos em Outubro
de 1995, quando foi publicado o Dec-Lei nº 265/95, ou seja, praticamente a
findar o ano fiscal, se, nos três anos a que a lei se refere se incluía, ou não,
o ano fiscal de 1995;
Sobre isso havia o precedente do ponto 1, alínea c) do Despacho do Ministro das
Finanças nº 8470/97, de 16/09 (V. doc. 2 junto com a petição) que, com uma
redacção em todo idêntica, a Comissão de Inscrição da ATOC interpretou e fixou
Jurisprudência como incluindo o ano fiscal de 1995;
Por isso se invocou o princípio da autovinculação, corolário do princípio
constitucional da igualdade (art° 13° da Constituição da República Portuguesa),
da boa fé e da tutela da confiança (art° 6°-A, do C.P.A. -V. ponto 19 das
conclusões de fls., de 2002-01-22);
Apesar da lei falar em três anos à data da publicação do Dec-Lei nº 295/95, ou
seja, Outubro daquele ano e estando em causa um direito fundamental - direito de
acesso a uma profissão, e contrariando a posição antecedente da Comissão de
Inscrição e da ATOC, o Regulamento dito de execução da Lei nº 27/98, de 3 de
Junho, junto como doc. 5 com a petição, veio no nº 1., do seu art° 2°,
restringir ao período de 1989 a 1994 inclusive, excluindo, arbitrária (e
ilegalmente), o ano de 1995 que, relativamente a normativo com idêntica
redacção, aceitara como incluído.
Por outro lado, e apesar do Preâmbulo do Dec-Lei nº 265/95 reconhecer que
deixava de ser exigível a assinatura, pelos responsáveis pela contabilidade, do
Modelo 22.
Na verdade, escreve-se, no Preâmbulo daquele diploma:
‘Com a aprovação do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas
e o das Pessoas Singulares, que começaram a vigorar em 1989, foi revogado o
referido Código da Contribuição Industrial, deixando de ser obrigatória a sua
assinatura nas declarações fiscais, desaparecendo, no plano institucional, a
figura do técnico de contas’.
Não obstante assim ser, o Regulamento, cuja ilegalidade e inconstitucionalidade
foi arguida, como se reconheceu na decisão sumária ora em causa, veio, como se
pode ver nos seus artºs 1º e 2°, nºs 1.e 2., exigir, para prova dos requisitos
do art° 1° da Lei nº 27/98, que as declarações Mod. 22 tivessem sido assinadas
pelos interessados responsáveis pela contabilidade (o que a lei não exigia, como
se viu).
22. Ora, como se pode ver do doc.1 junto com a petição, o acto impugnado,
invocando o Regulamento em causa, recusou a inscrição do recorrente na ATOC por
falta de tais documentos e recusou considerar, ilegalmente, e contra a sua
prática anterior (autovinculação) e em obediência ao ilegal e inconstitucional
Regulamento, os documentos apresentados pelo recorrente.
23. É, pois, manifesto que o acto impugnado nos autos, bem como o Acórdão
recorrido, aplicaram e fundamentaram-se no citado Regulamento, cuja
inconstitucionalidade e ilegalidade foram suscitadas nos autos.
24. É uma falácia, do Acórdão recorrido, concluir que o recorrente não fez prova
do exercício durante três anos, seguidos ou interpolados, da actividade
contabilística entre 1 de Janeiro de 1989 e 17/10/95, e que, tanto basta, para
que não se ponha a questão dos vícios do Regulamento, designadamente a sua
inconstitucionalidade, por essa apreciação estar prejudicada.
25. Só que, inadmissivelmente, esqueceu-se que aquela prova não foi feita,
porquanto o Regulamento aprovado e aplicado pela entidade recorrida e,
consequentemente também pelo Acórdão sob recurso, limita tal prova à
apresentação de um Modelo 22 assinado pelo responsável pela contabilidade,
quando a lei não o exigia, como se demonstrou.
26. Não cerceasse o Regulamento os meios de prova e o recorrente teria feito,
por outros meios - a prova dos requisitos do art° 1 o da Lei nº 27/98, sem
necessidade de recorrer ao ano de 1995 porque o Modelo 22 era o exigido pelo
Regulamento e estava por si assinado.
27. Efectivamente, o recorrente só não viu admitida a sua inscrição como Técnico
Oficial de Contas na ATOC porque não dispunha dos documentos que, restritiva e
ilegalmente, o Regulamento exigia, ou seja, modelos 22 assinados pelo
recorrente, exactamente quando a lei o deixara de exigir. (anteriormente a
Outubro de 1995)
28. Na verdade, como se decidiu no Acórdão do STA, de 16 de Abril de 2002,
proferido no Proc. 48.397:
«Não tendo a Associação dos Técnicos oficiais de Contas competência
legislativa própria na matéria nem lhe tendo sido atribuída legalmente
competência regulamentar, o «regulamento» emitido pela Comissão lnstaladora da
ATOC pretendendo regulamentar aquela Lei 27/8, não tem nenhuma relevância
jurídica no plano da apreciação da legalidade do acto impugnado.
Ora, nos termos do art° 1 ° do citado diploma legal, os profissionais de
contabilidade que pretendam a sua inscrição como técnicos oficiais de contas
apenas têm que demonstrar, ‘por qualquer meio de prova em direito admissível’
que foram, durante três anos seguidos ou interpolados, contados dentro do
período de 1 de Janeiro de 1989 até 17 de Outubro de 1995, individualmente ou
sob a forma de sociedade, responsáveis directos por contabilidade organizada,
nos termos do Plano Oficial de contabilidade, de entidades que naquele período
possuíssem ou devessem possuir contabilidade organizada.
A lei não estabelece como obrigatório qualquer meio de prova para a
verificação dos requisitos nela estabelecidos, não excluindo o uso de qua1quer
deles pelo que todos são utilizáveis.
Uma vez que, como se diz no relatório preambular do DL 265/95, de 17 de
Outubro que aprovou o Estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas, deixou de ser
obrigatória, a partir de 1989,a assinatura por técnicos de contas das
declarações fiscais, tendo desaparecido no plano institucional aquela figura do
técnico de contas, mas continuando as entidades a isso obrigadas a ter a sua
contabilidade organizada, é evidente que o profissional de contabilidade que
tinha a seu cargo ou tomava conta da organização da contabilidade dessas
entidades só perante elas passou a ser responsável pela organização da
respectiva contabilidade.
Isto é, com a entrada em vigor dos Códigos do Imposto sobre Rendimento
das Pessoas Colectivas e das Pessoas Singulares, em 1989, o profissional de
contabilidade que organizava as contas (a contabilidade) deixou de ter obrigação
de assinar as declarações fiscais das entidades para as quais prestava tal
serviço de contabilidade, deixando também de ser obrigado por tais declarações
perante a Administração Fiscal.
Não há, portanto, qualquer documento que, no período indicado no art° 1
° da Lei 27/98, prove a responsabilidade directa ou indirecta dos profissionais
de contabilidade perante a Administração Fiscal, pela organização da
contabilidade de quaisquer entidades, porque essa responsabilidade não existia.
Responsável pela declaração era apenas o contribuinte.
É claro que a assinatura do profissional de contabilidade,
voluntariamente aposta nas declarações fiscais mod. 22 e anexo C ao mod. 2, pode
ser um meio de prova atendível e relevante para demonstrar que o subscritor ou a
sociedade de que fazia parte tinham organizado a contabilidade que estava na
base de tais declarações, mas não é seguramente o único.
De outro modo não poderia ser provada a responsabilidade directa do
requerente pela organização da contabilidade de qualquer entidade no período
tempo entre1 de Janeiro e 17 de Outubro de 1995.
Ora se a lei estabelece como requisito da inscrição na ATOC o facto de
o requerente ter sido responsável directo pela contabilidade organizada também
durante aquele período, isso implica que ele possa demonstrar que teve essa
qualidade durante esse lapso de tempo e que o possa fazer, nos mesmos termos que
relativamente a qualquer outro período legalmente relevante, por qualquer meio
de prova, não podendo ser excluída a apreciação de qualquer dos documentos de
prova apresentados pelo requerente que se reportam ao período legalmente
relevante’.
29. O acto impugnado nos autos que está contido em oficio de tis. (doc. 1 junto
com a p.i.) remetido ao recorrente em 13 de Agosto de 1998 e que se transcreve:
‘Porque aqueles requisitos não podem comprovar-se por nenhum dos
documentos previstos no referido artigo 11º do Estatuto dos Técnicos Oficiais de
Contas, esta Associação, para cumprir com o mandato que a Lei lhe conferiu,
emitiu o Regulamento de que se junta cópia.
De acordo com aquele Regulamento a prova da responsabilidade directa
pela contabilidade organizada durante o período considerado relevante terá de
ser feita através da entrega com o requerimento de inscrição de cópias
autenticadas de declarações modelo 22 do IRC e/ou o anexo C às declarações
modelo 2 do IRS, assinadas pelo profissional de contabilidade no quadro
destinado pelas mesmas ao responsável pela escrita.
Verifica-se que a documentação apresentada por V. Exa. não está
conforme com o exigido pelos referidos Estatuto e Regulamento...’ (sic)
30. Claro fica, pois, que o acto impugnado nos autos aplicou o Regulamento em
causa (doc. 5 junto com a p.i.).
31. Há uma questão que se nos afigura óbvia sobre a efectiva aplicação do
Regulamento em causa, por parte do Acórdão recorrido.
32. É que o acto impugnado nos autos, como já se demonstrou, aplicou o
Regulamento, pelo que o Acórdão recorrido, ao considerar que o acto está
conforme à lei e não enferma de vício, não pode deixar de aplicar também o
Regulamento, sendo uma falácia dizer que só se aplica a Lei nº 27/98, que não
vedou o recurso a qualquer, meio de prova.
33. Aliás, o que é preciso é, efectivamente, não pactuar com a habilidade do
Acórdão recorrido (e de outros) de, uma vez que vem suscitada a
inconstitucionalidade do Regulamento, contornaram essa questão falando-se na Lei
nº 27/98, o que é uma fraude.
34. É esta habilidade que já conduziu ao não conhecimento do recurso por
oposição de acórdãos, cujo acórdão de fls. mereceu o seguinte voto de vencido:
‘Entendo que a oposição existe porque o Acórdão recorrido diz
expressamente que a sentença recorrida decidiu bem quando reconduziu toda a
apreciação aos requisitos da Lei 27/98, o que tem como consequência necessária
ter decidido também que o regulamento não interessava para apreciar a situação,
quando o Acórdão fundamento considerou e decidiu ser essencial na mesma situação
de facto enfrentar a questão de legalidade das normas regulamentares sobre a
prova.
E, mais evidente é a contradição quando se tem de esclarecer que as
normas regulamentares (ou apenas infra-procedimentais, não importa agora
distinguir) impedem ‘a priori’ que se faça prova diferente daquela que prevê
pelo que é falacioso dizer que o Acórdão recorrido decidiu ‘em virtude de o
recorrente não possuir os requisitos legais, quando ele se queixa é de não lhe
ter sido permitido fazer prova sobre aqueles requisitos’.
35. Ora, foi o Regulamento em causa, que o acto administrativo impugnado nos
autos aplicou, como se pode ver pelo ofício junto à petição como doc. 1, onde se
refere expressamente:
‘De acordo com aquele Regulamento a prova da responsabilidade directa
pela contabilidade organizada durante o período considerado relevante terá de
ser feita através da entrega com o requerimento de inscrição de cópias
autenticadas de declarações modelo 22 do IRC e/ou o anexo C às declarações
modelo 2 do IRS. assinadas pelo profissional de contabilidade no quadro
destinado pelas mesmas ai responsável pela escrita’.
36. Isto é do mais bloqueador do acesso à profissão, já que, ao tempo, além do
mais, as declarações fiscais em causa não tinham, de ser assinadas pelos
profissionais de contabilidade, como se decidiu, e bem, no Acórdão do S.T.A., de
16.04.2002, proferido no Proc. nº 48.397, da 2ª Subsecção, da 1ª Secção, de que
se junta cópia. (DOC.1)
37. Ora, o Acórdão sob recurso, ao confirmar a sentença da 1ª Instância, é óbvio
que, pelo menos implicitamente, aplicou o Regulamento cuja ilegalidade e
inconstitucionalidade foi suscitada nos autos.
38. O que o Acórdão decidiu efectivamente é que o recorrente não podia ser
admitido na ATOC porque não apresentara os documentos que o Regulamento em causa
exige, de nada valendo ao Acórdão em causa dizer que aplica tão só a Lei 27/98,
pois essa admitia todo e qualquer meio de prova, o que foi vedado ao recorrente,
porque se aceitou as restrições do Regulamento.
39. Assim sendo, como é, e com o devido respeito, constitui um artifício
falacioso dizer que se aplicou tão só a Lei, quando se aplicou, de facto, o
Regulamento, já que se a lei dissesse o que diz o Regulamento, para além dos
demais vícios deste, também era inconstitucional.
40. O que está em causa é a promessa da ATOC, quando foi publicada a Lei nº
27/98, de que tudo faria para que esta jamais fosse cumprida ou executada. E foi
com esse propósito que elaborou e aprovou o Regulamento cuja
inconstitucionalidade foi suscitada.
41. E tanto assim que em comunicado junto aos autos como Doc. 12,a ATOC,
referindo-se à Lei 27/98, afirmava o seguinte:
‘A Associação dos Técnicos Oficiais de Contas a quem compete
representar os interesses profissionais dos Técnicos oficiais de Contas, e
superintender em todos os aspectos relacionados com a profissão irá promover
todas as iniciativas que estejam ao seu alcance a fim de evitar a concretização
deste atentado à dignidade das funções’.
42. É com esta obstrução à aplicação e execução daquela Lei, cirurgicamente
traçada e até agora obtida pelo Regulamento, cuja inconstitucionalidade foi
oportunamente suscitada, que o Tribunal Constitucional não pode pactuar,
cumprindo juntar aqui Acórdão do S.T.A. que foi proferido no âmbito da
uniformização da Jurisprudência, por ter prevalecido a doutrina correcta.
(DOC.2)
43. Igualmente o Tribunal Constitucional no seu notável Acórdão de 6 de Julho de
2005, (Autos de Recurso nº 119/04, 1ª Secção), de que junta cópia (DOC.3) também
entendeu conhecer, em situação totalmente similar, da inconstitucionalidade das
disposições do Regulamento em causa.
Demonstrado fica, pois, à saciedade, que o Acórdão recorrido aplicou
um Regulamento, ilegal e inconstitucional, e normas do mesmo Regulamento, cuja
ilegalidade e inconstitucionalidade foi suscitada, a devido tempo, e tanto basta
para que devam ser conhecidas as ilegalidades e inconstitucionalidades em causa,
devendo recair Acórdão da Conferência, a admitir o recurso e ordenando o seu
prosseguimento.”
Ouvida sobre a reclamação, a Associação dos Técnicos
Oficiais de Contas não veio a efectuar qualquer «pronúncia».
Cumpre decidir.
2. A decisão sub specie não tomou conhecimento do
objecto do recurso por entender que o acórdão desejado impugnar não aplicou
qualquer normativo do Regulamento de 3 de Junho de 1998 da Associação dos
Técnicos Oficiais de Contas.
E, na verdade, atento o teor daquele aresto, outra
conclusão se não podia retirar que não aquela que foi retirada na decisão
impugnada que, por isso, não merece a censura deste Tribunal.
Refere o reclamante que, implicitamente, o aresto em
causa aplicou o aludido Regulamento ao considerar que o acto impugnado nos
autos, que desse Regulamento fez aplicação, era conforme à lei.
Olvida, porém, que o que estava em causa no recurso
perante o Supremo Tribunal Administrativo era a sentença proferida no Tribunal
Administrativo de Círculo de Coimbra, cabendo-lhe verificar se nela tinha
ocorrido erro de julgamento. E, nessa verificação, é que conclui que, em face do
disposto no artº 1º da Lei nº 27/98, de 3 de Junho, não houve erro de
julgamento.
Sublinhou-se devidamente na decisão reclamada que o
acórdão, tendo em conta o seu entendimento de que resultava inquestionavelmente
daquele artigo que o termo do período nele referido era o da data em entrada em
vigor do Decreto-Lei nº 265/95, de 17 de Outubro, e já que, referentemente
àquele ano, tão só se haveria de contar o período compreendido entre 1 de
Janeiro e 17 de Outubro, deu por não provado o exercício, pelo recorrente, de
actividade durante três anos seguidos ou interpolados, sem que, para essa prova,
tivesse tal aresto exigido o meio a que aludia o Regulamento.
O que vale por dizer que, contrariamente ao agora
sustentado pelo reclamante, não se lobriga, no acórdão prolatado no Supremo
Tribunal Administrativo, que o mesmo tivesse, ainda que implicitamente, aplicado
norma ou normas constantes do indicado Regulamento.
Refere o reclamante que este Tribunal, por intermédio do
seu Acórdão nº 355/2005 (agora já publicado na II Série do Diário da República
de 3 de Novembro de 2005), “entendeu conhecer, em situação totalmente similar,
da inconstitucionalidade das disposições do Regulamento em causa”.
Basta, porém, ler um tal aresto para se ser conduzido a
concluir que a decisão judicial recorrida e que foi decidida naquele aresto foi
o acórdão prolatado em 13 de Novembro de 2002 pelo Supremo Tribunal
Administrativo o qual, inquestionavelmente, levou a efeito a aplicação da norma
do Regulamento de 3 de Junho de 1998 da Associação dos Técnicos Oficiais de
Contas. Efectivamente, em tal acórdão foi, expressamente, dito que o mérito da
questão então sujeita à consideração do Supremo Tribunal Administrativo
consistia em saber se a “prova de qualificação do interessado como responsável
directo por contabilidade organizada”, era possível ser feita “através de
quaisquer meios de prova, ou necessariamente através dos elementos fixados no
regulamento de execução editado pela Comissão Instaladora”, concluindo-se no
segundo desses sentidos.
Ora, de todo em todo, um tal juízo não foi convocado no
acórdão lavrado pelo Supremo Tribunal Administrativo em 28 de Setembro de 2004 e
que, nos presentes autos, foi pretendido impugnar perante o Tribunal
Constitucional.
Em face do que deixa dito, indefere-se a reclamação,
condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça
em vinte unidades de conta.
Lisboa, 10 de Novembro de 2005
Bravo Serra
Gil Galvão
Artur Maurício