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Processo n.º 213/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. Relatório
A., SA, no âmbito do processo especial de recuperação de empresas
por ela requerido, a correr termos no Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia,
reclamou para o juiz, nos termos do artigo 49.°, n.º 1, do Código dos Processos
Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º
132/93, de 23 de Abril (CPEREF), contra uma deliberação da assembleia de
credores, realizada em 30 de Setembro de 2003, que reconheceu à Fazenda Nacional
um crédito global de € 959 225,75.
Esta reclamação foi indeferida por despacho de 31 de Outubro de
2003, contra o qual a reclamante interpôs recurso de agravo para o Tribunal da
Relação do Porto.
Este recurso não foi admitido, por despacho de 27 de Novembro de
2003, por o n.º 3 do citado artigo 49.º expressamente consignar que “a decisão
que conheça das reclamações só produz efeitos relativamente à constituição
definitiva da assembleia de credores e dela não cabe recurso”.
Contra este despacho foi deduzida reclamação, nos termos do
artigo 688.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), para o Presidente do
Tribunal da Relação do Porto, aduzindo a reclamante:
“1.º – No decurso da assembleia de credores (artigos 47.º e 48.º do CPEREF)
realizada no passado dia 30 de Setembro [de 2003], no âmbito do processo
especial de recuperação de empresas requerido pela reclamante, foi reconhecido à
Fazenda Nacional, com o voto favorável do IGFSS, um crédito global de € 959
225,75.
2.º – Por discordar daquela aprovação, a reclamante deduziu perante o M.mo
Juiz a quo a reclamação prevista no artigo 49.°, n.° 1, do CPEREF.
3.º – Nessa peça processual, a reclamante invocou, em síntese, que o crédito
da Fazenda Nacional deveria apenas ser reconhecido pelos montantes retratados na
sua contabilidade (€ 91 137,23) porquanto, entre o mais, o remanescente
correspondia a créditos litigiosos, sujeito a impugnações judiciais
susceptíveis de conduzir à sua anulação, não revestindo, por isso, as
necessárias características de certeza, liquidez e exigibilidade.
4.º – Para lá de que o facto de a Fazenda Nacional poder participar e votar
na assembleia de credores definitiva de acordo com o crédito que lhe tinha sido
reconhecido era susceptível de violar o princípio da igualdade entre credores,
retirando aos demais credores o direito de, de facto, influenciarem o sentido da
decisão a tomar no âmbito do processo de recuperação instaurado pela reclamante.
5.º – Sucede que a referida reclamação veio a ser indeferida nos termos da
douta decisão de fls. ....
6.º – Sendo que, naquela decisão, o Tribunal a quo não apreciou, como lhe
cumpria, a questão suscitada pela exponente sobre a litigiosidade e incerteza
dos créditos da Fazenda Nacional aprovados em sede de assembleia de credores e
melhor identificados na reclamação de fls. ....
7.º – Inconformada com a decisão proferida, a reclamante interpôs recurso da
mesma a fls. ....
8.º – Por despacho de fls. ..., o recurso não foi admitido, invocando‑se,
para tanto, o teor literal do artigo 49.°, n.° 3, do CPEREF.
9.º – É desse despacho de recusa de admissão de recurso que vem interposta a
presente reclamação, por se entender, com o devido respeito, que nele não se
decidiu em conformidade com a lei ordinária e a lei constitucional.
Vejamos:
10.º – Em primeiro lugar, porque o artigo 49.° – designadamente os seus n.ºs
2 e 3 – do CPEREF prevê o conhecimento da reclamação e não os casos de omissão
de pronúncia (in casu, falta de apreciação da questão suscitada sobre a
litigiosidade de uma parte significativa dos créditos reclamados pela Fazenda
Nacional, maxime pela incerteza da sua existência, mercê das impugnações
graciosas e judiciais deduzidas pela ora recorrente).
11.º – Depois, porque se interpretado o artigo 49.º, n.º 3, do CPEREF no
sentido de que no caso dos autos está vedado o direito ao recurso, estamos em
presença de uma limitação arbitrária e não materialmente fundada do direito de
recorrer, o que, juridicamente qualificado em sede constitucional, configura
uma violação do princípio do acesso à justiça consagrado no artigo 20.° da CRP.
12.º – Finalmente, porque tendo sido suscitada na reclamação a violação do
princípio da justiça e da igualdade entre os credores, estão coenvolvidos os
direitos fundamentais da justiça e da igualdade consagrados nos artigos 1.°, 2.°
e 13.° da CRP, cuja violação importa sempre o direito ao recurso ordinário – cf.
Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada,
p. 164.
13.º – Argumentos que, de resto, foram expressamente invocados no
requerimento de interposição de recurso.”
Esta reclamação foi indeferida por despacho de 20 de Fevereiro de
2005 do Presidente do Tribunal da Relação do Porto, com a seguinte
fundamentação:
“Sem dúvida que o despacho não admite, efectivamente, o recurso, conforme o
disposto no artigo 49.º, n.º 3, do CPEREF, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 315/98,
de 20 de Outubro. Contudo, na medida em que se trata de uma decisão proferida
por juiz e em sede de processo judicial, poder‑se‑ia duvidar da legalidade e
constitucionalidade duma tal norma, bem como pela circunstância de se alegar que
a decisão consiste na alteração dum crédito, anteriormente reclamado, mas
correspondendo‑lhe «créditos litigiosos, sujeitos a impugnações judiciais
susceptíveis de conduzir à sua anulação, não revestindo, por isso, as
necessárias características de certeza, liquidez e exigibilidade». Além de que
se argui, subsidiariamente, a nulidade do despacho, por omissão de pronúncia.
Mas vamos a assentar ideias, por vezes, pormenores, que nos devem orientar
nas soluções em concreto. E assim urge assinalar que o normativo é bem expresso
nas restrições da irrecorribilidade, destacando qual o sentido da decisão: «...
só produz efeitos relativamente à constituição definitiva da assembleia de
credores». Daí que perda todo o sentido tudo quanto se invoca quanto à
recorribilidade das decisões em geral da ora questionada em particular. Na
verdade e em relação ao fundamento essencial da «Reclamação», a alteração ao
montante do crédito reclamado não se reflectirá em sede de verificação dos
créditos a satisfazer a final, relevando esta alteração apenas para «a
constituição definitiva da assembleia de credores».
Enquanto a decisão é proferida em sede de processo de «recuperação de
empresas», durante o desenvolvimento de uma «assembleia de credores», em que a
intervenção do juiz como tal é de âmbito muito restrito, cuja natureza e fins
exige celeridade e simplicidade de procedimentos, o recurso só contrariaria
toda esta filosofia.
Daí que não seja de subscrever que a circunstância de a Fazenda Nacional,
podendo participar e votar na assembleia de credores definitiva de acordo com o
crédito que lhe tinha sido reconhecido, torna susceptível violar‑se o princípio
da igualdade entre credores. Não é uma situação de privilégio, em relação aos
demais, porque qualquer outro credor pode gozar da idêntica situação, desde que
reuna os mesmos dados de facto.
Quando se fundamenta o recurso em que «A decisão do Tribunal não apreciou,
como lhe cumpria, a questão suscitada sobre a litigiosidade e incerteza dos
créditos da Fazenda Nacional», pretende‑se obter um efeito não consentido por
lei, ou seja, que seja admitido o recurso quando a lei o quis afastar e em
situações iguais. Na verdade, ao decidir‑se a «reclamação», bem ou mal está a
analisar‑se a situação exposta por quem reclama dessa mesma deliberação da
Assembleia. Por outro lado, a requerente, com a «reclamação» à deliberação,
pretende que seja aqui discutida a litigiosidade do próprio crédito que ocorre
na sede própria.
De igual modo, não há fundamento para invocar que «Estamos em presença de
uma limitação arbitrária e não materialmente fundada do direito de recorrer»,
sendo certo que a CRP não confere o «acesso à justiça», consagrado no artigo
20.º, de forma absoluta e para todos os casos, recordando‑se as restrições do
alcance da deliberação em causa.”
É contra este despacho que, pela reclamante, vem interposto o
presente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º
1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por
último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), consignando no
respectivo requerimento de interposição de recurso que:
“Em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 75.º‑A da LTC, mais se indica
expressamente que o presente recurso tem por base a fiscalização concreta da
constitucionalidade do artigo 49.°, n.º 3, do CPEREF, tendo em conta a sua
aplicabilidade na decisão recorrida.
O artigo 49.º, n.º 3, do CPEREF, ao proibir o recurso da decisão proferida
sobre a reclamação, consubstancia uma limitação arbitrária e não materialmente
fundada do direito de recorrer, o que, juridicamente qualificado em sede
constitucional, configura uma violação do princípio de acesso à justiça
consagrado no artigo 20.° da CRP.
Por outro lado, o referido artigo 49.°, n.º 3, ao vedar o recurso da decisão
proferida sobre a reclamação, pressupõe o conhecimento das questões que são
objecto dessa mesma reclamação. Dito pela negativa, a não admissão de recurso
não abarca o vício de omissão de pronúncia de que padeça a decisão da
reclamação.
De sorte que a interpretação do citado artigo 49.°, n.º 3, no sentido de que
a nulidade da decisão proferida sobre a reclamação decorrente de omissão de
pronúncia não é susceptível de recurso, viola também o referido princípio
constitucional do acesso à justiça.
Finalmente, porque tendo sido suscitada na reclamação a violação do princípio
da justiça e da igualdade entre os credores, estão coenvolvidos os direitos
fundamentais da justiça e da igualdade consagrados nos artigos 1.°, 2.° e 13.°
da CRP, cuja violação importa sempre o direito ao recurso ordinário, o que, mais
uma vez, traduz uma violação do princípio do acesso à justiça consagrado no
artigo 20.º da CRP – cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da
República Portuguesa Anotada, p. 164.
De igual modo, o presente recurso tem por base a fiscalização concreta da
constitucionalidade dos artigos 44.°, 46.°, 47.°, 48.° e 49.° do CPEREF, quando
interpretados no sentido de poderem ser reconhecidos e aprovados créditos sobre
a empresa que tenham sido objecto de impugnação, quer graciosa, quer judicial –
créditos, portanto, litigiosos e incertos quanto à sua existência –, do que
decorrerá o direito de os seus putativos detentores, apesar de não ser ainda
certo que sejam credores da empresa, participarem na assembleia de credores
definitiva e de aí votarem de acordo com o peso específico dos votos
correspondentes ao crédito aprovado, o que, nessa interpretação, traduz um
tratamento privilegiado daqueles em detrimento dos credores titulares de
créditos certos e cuja existência não tenha sido judicialmente questionada, em
clara violação dos princípios fundamentais da justiça e da igualdade consagrados
no artigo 1.°, 2.° e 13.° da Constituição da República Portuguesa.
As questões de inconstitucionalidade daquelas normas no sentido supra exposto
foram já suscitadas, entre o mais, na reclamação contra as deliberações da
assembleia de credores apresentada junto do tribunal de 1.ª instância, no
requerimento de recurso de fls. ... e na reclamação de fls. ... dirigida a V.
Ex.a.”
No Tribunal Constitucional, a recorrente apresentou alegações, no
termo das quais formulou as seguintes conclusões:
“1.ª – O processo de recuperação de empresas previsto e regulado no CPEREF
foi configurado pelo legislador como um instrumento de recuperação das empresas
e, como tal, as soluções nele consagradas devem respeitar aquela sua matriz
essencial;
2.ª – No âmbito do processo de recuperação, a assembleia de credores
constitui o órgão supremo ao qual está confiada a missão de, num primeiro
momento, aprovar ou rejeitar os créditos reclamados e, depois, decidir pela
viabilidade ou inviabilidade económica da empresa recuperanda, sendo que o voto
de cada credor na assembleia de credores está directamente indexado ao valor do
respectivo crédito – cf. artigos 48.° e 50.º do CPEREF;
3.ª – Deste modo, a deliberação da assembleia de credores quanto à aprovação
ou rejeição dos créditos prevista no artigo 48.°, da qual resulta (i) a
composição do passivo da empresa a ter em conta na avaliação da sua viabilidade
e com base no qual são elaboradas as propostas de viabilização a submeter
àquela assembleia de credores, (ii) a definição de quem pode participar na
mesma, (iii) e, por reflexo, a determinação do peso específico do voto atribuído
a cada credor, reveste‑se de um carácter de essencialidade na lógica e economia
do processo de recuperação;
4.ª – O direito de acesso aos tribunais ou a uma tutela jurisdicional,
condensado no artigo 20.°, n.º 1, da Lei Fundamental, implica a garantia de uma
protecção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicia1 efectiva – cf. Acórdão
do Tribunal Constitucional, de 20 de Novembro de 1991, Boletim do Ministério da
Justiça, proc. n.º 90‑0184;
5.ª – Através do postulado constitucional do direito de acesso à justiça
importa, entre o mais, assegurar que seja colocado à disposição de todos
aqueles que possam ser afectados por um acto jurisdicional um meio processual
que lhes permita reagir contra o mesmo através do recurso da decisão para um
tribunal superior, dele se retirando um direito genérico ao recurso – vide
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 287/90;
6.ª – Não obstante se poder admitir que o legislador ordinário está
investido no direito de conformar, em concreto, o direito ao recurso constante
do princípio do acesso ao direito plasmado no artigo 20.° da CRP, não é menos
verdade que está, de qualquer modo, impedido de o abolir completamente ou de o
afectar de uma forma substancial, sendo que as restrições estabelecidas têm, de
qualquer modo, de ser justificadas e não podem ser arbitrárias ou irrazoáveis;
7.ª – O princípio do acesso ao direito estabelecido no artigo 20.° da CRP
constitui um direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades
e garantias, pelo que é‑lhe aplicável o regime do artigo 18.º da CRP – vide
artigo 17.º da CRP;
8.ª – Desse modo, as restrições a estabelecer ao direito ao recurso devem
respeitar o princípio da proporcionalidade, designadamente na vertente da
necessidade, adequação e proibição do excesso, como também devem ter em
consideração a proibição do arbítrio e os princípios da justiça, da certeza e da
segurança jurídica – cf. artigo 2.° da CRP;
9.ª – Em face do exposto, o artigo 49.°, n.º 3, do CPEREF, ao não admitir
recurso da decisão proferida sobre a reclamação apresentada nos termos do artigo
49.°, n.º 1, do mesmo corpo de leis, que impede a parte de a fazer sindicar por
um tribunal superior, é inconstitucional por cercear de forma inadmissível o
princípio do acesso ao direito, na vertente do direito ao recurso, mostrando‑se
aquela limitação injustificada e excessiva, desproporcionada, inadequada,
desnecessária e irrazoável, tendo em conta, entre o mais, a magna importância da
questão no desenrolar do processo, a necessária certeza que deverá revestir a
determinação do passivo da empresa recuperanda e a seriação dos credores que
poderão participar na assembleia de credores, o que tudo deverá prevalecer
sobre os objectivos de celeridade e eficácia processual que terão presidido ao
afastamento do direito ao recurso daquela decisão;
10.ª – Sendo certo que para alcançar os fins prosseguidos pelo legislador
estava ao seu alcance fazer uso de outras soluções menos gravosas para as
partes, tal como admitir o recurso, fixando‑lhe ex legis efeito meramente
devolutivo, subida imediata e em separado;
11.ª – Tanto mais que, noutras decisões proferidas no âmbito do processo de
recuperação, o legislador, deixando de lado aquelas razões pragmáticas, admitiu
o recurso das mesmas, o que patenteia um tratamento discriminatório – cf.
artigos 25.°, n.º 5, e 56.°, n.ºs 2 e 3;
12.ª – Na decisão proferida pelo Tribunal da 1.ª Instância não foram apreciadas
as questões invocadas na reclamação apresentada quanto à litigiosidade e
incerteza dos créditos da Fazenda Nacional aprovados em sede de assembleia de
credores;
13.ª – A recorrente suscitou naquela reclamação a violação do princípio da
justiça e da igualdade entre os credores, estando aí coenvolvidos os direitos
fundamentais da justiça e da igualdade consagrados nos artigos 1.º, 2.° e 13.°
da CRP; a sua violação importa sempre o direito ao recurso ordinário, o que,
mais uma vez, traduz uma violação do princípio do acesso à justiça consagrado no
artigo 20.° da CRP – cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da
República Portuguesa Anotada, p. 164; vide também os artigos 1.º e 2.° da CRP e
os princípios constitucionais da segurança, certeza e confiança jurídica.
14.ª – A interpretação do artigo 49.°, n.º 3, do CPEREF, no sentido de afastar o
recurso mesmo nos casos de omissão de pronúncia e quando seja suscitada a
violação dos direitos fundamentais, é violadora do princípio constitucional do
acesso à justiça.
15.ª – Em conclusão: o artigo 49.°, n.º 3, do CPEREF, no segmento que nega o
direito ao recurso da decisão proferida sobre a reclamação apresentada da
deliberação da assembleia de credores, é inconstitucional, por violação dos
princípios e normas constitucionais supra citadas.”
O representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional
contra‑alegou, argumentando:
“Na verdade, estipula o n.° 3 [do artigo 49.º do CPEREF] que a decisão
judicial que aprecie as reclamações, deduzidas pelos interessados da
deliberação da assembleia de credores que aprove ou não certo crédito, é
insusceptível de recurso, mas só produzindo tal decisão efeitos «relativamente
à constituição definitiva da assembleia de credores».
A argumentação da recorrente é manifestamente improcedente, já que não tem na
devida conta o entendimento jurisprudencial deste Tribunal Constitucional
acerca do âmbito do «direito ao recurso» em matérias de direito privado – não
sendo possível inferir do artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa a
exigência constitucional de que toda e qualquer decisão do juiz, proferida ao
longo do processo, é susceptível de recurso.
No caso dos autos – e como decorre expressamente da lei – a decisão –
irrecorrível – do juiz que dirime a reclamação apresentada contra certa
deliberação da assembleia de credores tem uma dimensão estritamente
procedimental, não conduzindo ao reconhecimento ou denegação de quaisquer
direitos dos credores, incidindo apenas sobre a matéria da «constituição
definitiva da assembleia de credores».
E é precisamente esta circunstância que afasta decisivamente a invocada
violação dos princípios da igualdade e da proibição do excesso, já que tal
decisão não conduz ao reconhecimento ou perda de direitos, apenas relevando, de
um ponto de vista procedimental, para a definição do modo de constituição e
funcionamento da assembleia de credores. E tal irrecorribilidade encontra
justificação adequada nas exigências de funcionamento célere e estável da
assembleia de credores, obviamente incompatíveis, quer com a dilação que
resultaria de uma subida imediata dos recursos interpostos das respectivas
deliberações, quer com os efeitos nocivos de uma subida a final, podendo pôr em
causa toda a actividade e deliberações entretanto tomadas pela assembleia.
Não pode, pois, comparar‑se – na óptica do princípio da igualdade – a
específica situação dos autos e outras hipóteses em que a lei admite o recurso
de diferentes decisões judiciais, tomadas no processo, com directa incidência no
prosseguimento da própria acção ou na homologação e subsistência do deliberado
sobre o meio de recuperação aprovado.
É, por outro lado, inteiramente descabida a invocação de pretensa violação
ao princípio da igualdade de credores, já que a limitação à recorribilidade,
consagrada na norma ora apreciada, se aplica naturalmente a todos os
interessados.”
No termo dessa contra‑alegação formulou as seguintes conclusões:
“1 – A norma constante do artigo 49.°, n.° 3, do CPEREF, ao considerar
irrecorrível a decisão judicial que aprecie as reclamações deduzidas quanto a
deliberações da assembleia de credores – limitando, porém, a respectiva
eficácia à matéria procedimental da constituição definitiva da assembleia – não
ofende o direito de acesso à justiça, nem o princípio da igualdade ou outra
disposição da Lei Fundamental.
2 – Termos em que deverá improceder o presente recurso.”
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. Fundamentação
2.1. Constitui objecto do presente recurso a questão da
constitucionalidade da norma do artigo 49.°, n.º 3, do Código dos Processos
Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º
132/93, de 23 de Abril (CPEREF), que dispõe que não cabe recurso da decisão
judicial que conheça das reclamações das deliberações da assembleia provisória
de credores sobre aprovação de créditos, decisão essa que só produz efeitos
relativamente à constituição definitiva da assembleia de credores.
Na verdade, foi essa a norma aplicada, como ratio decidendi, na
decisão ora recorrida – o despacho de 20 de Fevereiro de 2005 do Presidente do
Tribunal da Relação do Porto, que indeferiu reclamação contra não admissão de
recurso –, e a ela se cinge a alegação da recorrente, pelo que se consideram
irrelevantes as considerações tecidas no requerimento de interposição de recurso
de constitucionalidade a propósito da inconstitucionalidade “dos artigos 44.º,
46.º, 47.º, 48.º e 49.º do CPEREF, quando interpretados no sentido de poderem
ser reconhecidos e aprovados créditos sobre a empresa que tenham sido objecto
de impugnação, quer graciosa, quer judicial – créditos, portanto, litigiosos e
incertos quanto à sua existência –, do que decorrerá o direito de os seus
putativos detentores, apesar de não ser ainda certo que sejam credores da
empresa, participarem na assembleia de credores definitiva e de aí votarem de
acordo com o peso específico dos votos correspondentes ao crédito aprovado, o
que, nessa interpretação, traduz um tratamento privilegiado daqueles em
detrimento dos credores titulares de créditos certos e cuja existência não tenha
sido judicialmente questionada, em clara violação dos princípios fundamentais
da justiça e da igualdade consagrados no artigo 1.°, 2.° e 13.° da Constituição
da República Portuguesa”. Esta última questão prende‑se com o próprio mérito da
decisão de indeferimento da reclamação de aprovação do crédito da Fazenda
Nacional, e não com a admissibilidade de recurso dessa decisão, única ora em
causa.
2.2. Na fase comum da tramitação dos processos de recuperação da
empresa e de falência, delineada no CPEREF de 1993, ocorrendo despacho judicial
de prosseguimento da acção, era convocada a assembleia de credores, na qual, sob
a presidência do juiz, participavam, além de outros intervenientes, os credores
cujos créditos, impugnados ou não, figurassem na relação provisória de créditos
elaborada pelo gestor judicial (artigo 47.º, n.º 1, do CPEREF). A assembleia
iniciava os seus trabalhos, como assembleia provisória de credores, com a
apreciação dos créditos constantes da referida relação provisória, para o efeito
da sua aprovação ou rejeição, de acordo com as seguintes regras: eram admitidos
a votar todos os credores cujos créditos, impugnados ou não, figurassem nessa
relação, a nenhum deles sendo, porém, permitido votar o seu próprio crédito, a
não ser que este tivesse sido reconhecido pelo gestor judicial; o número de
votos de cada credor correspondia ao valor em contos do crédito provisoriamente
relacionado; e a aprovação dos créditos, para a qual valia a maioria simples de
votos dos presentes, só produzia efeitos relativamente à constituição definitiva
da assembleia de credores (n.ºs 1, 2, 3 e 8 do artigo 48.º do CPEREF).
É neste contexto que surge a disposição do artigo 49.º do CPEREF,
do seguinte teor:
“1 – Da deliberação da assembleia que aprove ou não o crédito pode qualquer
interessado reclamar para o juiz, podendo fazê‑lo oralmente, logo na própria
assembleia, ou por escrito, no prazo de sete dias [prazo reduzido a cinco dias,
na redacção dada pelo Decreto‑Lei n.º 315/98, de 20 de Outubro].
2 – O juiz, realizadas as diligência necessárias, designadamente a audição
de credores, de representantes da empresa, do gestor judicial e dos membros da
comissão de credores, decidirá as reclamações até ao dia designado para a
reunião da assembleia definitiva de credores.
3 – A decisão que conheça das reclamações só produz efeitos relativamente à
constituição definitiva da assembleia de credores e dela não cabe recurso.”
Esta última determinação, no sentido da irrecorribilidade do
despacho judicial que decida da reclamação contra a deliberação da assembleia
(provisória) de credores de aprovação ou de rejeição de determinado crédito,
embora esse despacho tivesse a sua eficácia limitada à constituição definitiva
da assembleia de credores, constitui uma inovação face ao precedente regime,
constante do Decreto‑Lei n.º 177/86, de 2 de Julho, que estabeleceu o processo
de recuperação de empresas em situação de falência. Com efeito, dispunha o
artigo 15.º desse diploma:
“1 – Da deliberação da assembleia [provisória de credores] que aprove ou não
o crédito pode qualquer interessado reclamar para o juiz no prazo de sete dias;
as reclamações apresentadas contra as deliberações da assembleia são apensadas
num único processo.
2 – O juiz conhecerá das reclamações apresentadas e do seu despacho cabe
recurso nos termos gerais, sempre com efeito meramente devolutivo.
3 – Se vier a ser reconhecido, por decisão judicial transitada em julgado,
algum dos créditos que a assembleia haja rejeitado, pode o respectivo titular
requerer ao juiz a convocação de nova assembleia de credores em cuja
constituição seja atendida a decisão judicial, desde que os créditos aprovados
de novo pudessem ter influído na formação da maioria constituída, ou solicitar
somente a extensão dos efeitos do meio de protecção adoptado a todos os
credores reconhecidos.
4 – No caso de ser atendida reclamação contra a aprovação de algum dos
créditos, pode o credor reclamante requerer ao juiz a convocação de nova
assembleia, se o crédito eliminado tiver influído na deliberação tomada pela
assembleia dos credores, ou limitar‑se a pedir a observância da decisão
judicial transitada, relativamente aos efeitos de meio de protecção adoptado.”
Não se ignora que a apontada inovação não foi isenta de críticas
(uma das conclusões do Seminário organizado pelo Conselho Distrital do Porto da
Ordem dos Advogados, em Novembro de 1992, sobre “Os Processos Especiais de
Recuperação de Empresa e de Falência – Nova Legislação”, foi no sentido de que
“A decisão do juiz sobre a reclamação contra a deliberação da assembleia de
credores que aprove ou não um crédito, prevista no n.º 3 do artigo 49.º do
projecto, deverá ser recorrível nos termos gerais de direito” – cf. Os Processos
Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência – Nova Legislação, Coimbra,
1993, p. 111) e que não foi mantida no novo Código da Insolvência e da
Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 53/2004, de 18 de Março,
cujo artigo 78.º, n.º 1, prevê a possibilidade de reclamação para o juiz, pelo
administrador da insolvência ou por qualquer credor, contra as deliberações da
assembleia de credores que forem contrárias ao interesse comum dos credores,
reclamação a deduzir, oralmente ou por escrito, no decurso da própria
assembleia, dispondo o subsequente n.º 2 que cabe recurso quer da decisão do
juiz que dê provimento à reclamação (recurso que pode ser interposto por
qualquer dos credores que tenha votado no sentido que fez vencimento), quer da
decisão de indeferimento (para o qual apenas o reclamante tem legitimidade) –
cf. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Código da Insolvência e da Recuperação
de Empresas Anotado, 2.ª edição, Coimbra, 2005, p. 99.
Porém, não está em causa no presente recurso, por tal não
competir ao Tribunal Constitucional enquanto fiscalizador da constitucionalidade
normativa, a determinação de qual das apontadas soluções legislativas seria a
mais acertada, mas tão‑só apreciar se a solução do n.º 3 do artigo 49.º do
CPEREF de 1993 é, ou não, constitucionalmente conforme.
2.3. Sustenta a recorrente que a norma impugnada viola o direito
de acesso ao tribunais, na dimensão de direito ao recurso, e os princípios da
justiça e da igualdade.
Quanto à primeira arguição, o Tribunal Constitucional tem
afirmado uniforme e repetidamente que não resulta da Constituição, em geral,
nenhuma garantia do duplo grau de jurisdição, ou seja, nenhuma garantia genérica
de direito ao recurso de decisões judiciais; nem tal direito faz parte
integrante e necessária do princípio constitucional do acesso ao direito e à
justiça, expressamente consagrado no artigo 20.º da CRP.
Como se referiu, designadamente, nos Acórdãos n.ºs 638/98, 202/99
e 415/2001 (cf., por último, para uma completa e actualizada exposição da
doutrina e jurisprudência constitucionais sobre o direito de acesso aos
tribunais e, em especial, o direito de recurso, Jorge Miranda e Rui Medeiros,
Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, notas VII e XII ao artigo 20.º, pp.
186‑189 e 200‑203), o direito, que o artigo 20.º, n.º 1, da CRP, a todos
assegura de “acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e
interesses legalmente protegidos” consiste no direito a ver solucionados os
conflitos, segundo a lei aplicável, por um órgão que ofereça garantias de
imparcialidade e independência, e face ao qual as partes se encontrem em
condições de plena igualdade no que diz respeito à defesa dos respectivos
pontos de vista (designadamente sem que a insuficiência de meios económicos
possa prejudicar tal possibilidade). Mas a Constituição não contém preceito
expresso que consagre o direito ao recurso para um outro tribunal, nem em
processo administrativo, nem em processo civil; e, em processo penal, só após a
revisão constante da Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro, passou a
incluir, no artigo 32.º, a menção expressa ao recurso, incluído nas garantias
de defesa, assim consagrando, aliás, a jurisprudência constitucional anterior a
esta revisão, e segundo a qual a Constituição consagra o duplo grau de
jurisdição em matéria penal, na medida (mas só na medida) em que o direito ao
recurso integra esse núcleo essencial das garantias de defesa previstas naquele
artigo 32.º
Para além disso, algumas opiniões têm considerado como
constitucionalmente incluído no princípio do Estado de direito democrático o
direito ao recurso de decisões que afectem direitos, liberdades e garantias
constitucionalmente garantidos, mesmo fora do âmbito penal (cf. declarações de
voto dos Conselheiros Vital Moreira e António Vitorino, respectivamente, nos
Acórdãos n.ºs 65/88 e 202/90).
Em relação aos restantes casos, o legislador apenas não poderá
suprimir ou inviabilizar globalmente a faculdade de recorrer. Na verdade, este
Tribunal tem entendido, e continua a entender, com Armindo Ribeiro Mendes
(Recursos em Processo Civil, 2.ª edição, Lisboa, 1994, pp. 100‑104), que,
prevendo a Constituição a existência de tribunais de recurso na ordem dos
tribunais judiciais, admite implicitamente um sistema de recursos judiciais,
pelo que se impõe, como conclusão, que “o legislador ordinário não pode suprimir
em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos”, mas goza, neste
domínio, de ampla liberdade de conformação, desde que não vá até ao ponto de
limitar de tal modo o direito de recorrer que, na prática, se tivesse de
concluir que os recursos tinham sido suprimidos. “Respeitados estes limites –
conclui o autor citado (obra citada, p. 102) –, o legislador ordinário poderá
ampliar ou restringir os recursos civis, quer através da alteração dos
pressupostos de admissibilidade, quer através da mera actualização do valor das
alçadas”.
No presente caso, não estando em causa matéria penal, nem
tão‑pouco matéria relativa a direitos, liberdades e garantias (com o alcance que
a este conceito é dado por quem sufraga a tese acima referida, não bastando para
o integrar – contra o que sustenta a recorrente – que se invoque a violação dos
princípios da justiça e da igualdade), impõe‑se a conclusão que a Constituição
não impõe o duplo grau de jurisdição.
Acresce que para fundamentar a restrição do direito de recurso se
pode invocar o interesse – também ele constitucionalmente relevante – da
celeridade processual, particularmente premente em processo de natureza urgente
como expressamente são qualificados, pelo artigo 10.º, n.º 1, do CPEREF, os
processos de recuperação de empresa e de falência. Foi justamente a ponderação
deste interesse que, por exemplo, levou o Tribunal Constitucional a, no Acórdão
n.º 437/2002, não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 130.º, n.ºs 3 e
4, e 10.º, n.º 1, do CPEREF, enquanto, por força da aludida preocupação de
celeridade, vedam a produção de prova por deprecada.
O CPEREF impõe que, no despacho que ordene o prosseguimento da
acção de recuperação de empresa, o juiz convoque imediatamente a assembleia de
credores para o termo do período de estudo e observação da empresa (nunca
superior a 90 dias), devendo os credores que pretendam intervir na assembleia
reclamar os seus créditos no prazo de 14 dias a contar da data da publicação no
Diário da República do anúncio convocatório da assembleia, a que se segue
idêntico prazo de 14 dias para impugnação dos créditos reclamados (artigos 28.º,
alínea d), 44.º, n.º 1, 45.º, n.º 1). Como já se referiu, as reclamações das
deliberações da assembleia provisória de credores sobre aprovação, ou não, de
créditos têm de ser apresentadas na própria assembleia ou no prazo máximo de 5
dias e o juiz tem de decidi-las até ao dia designado para a assembleia
definitiva de credores, que deve realizar-se entre o 15.º e o 21.º dia
subsequentes ao termo dos trabalhos da assembleia provisória, se não puder
prosseguir imediatamente (artigos 49.º, n.ºs 1 e 2, e 50.º, n.º 1).
Atentas as compreensíveis razões de celeridade que a situação de
crise da empresa justifica, não surge como intoleravelmente arbitrária a opção
de não admitir recurso da decisão judicial que decida as reclamações contra as
deliberações da assembleia provisória de credores sobre aprovação de créditos,
tendo o legislador tido o cuidado de restringir a eficácia dessa decisão à
constituição da assembleia definitiva de credores, o que significa que os
credores que discordem da aprovação ou da não aprovação de determinados
créditos poderão utilizar os meios comuns para obter decisão judicial definitiva
sobre essa impugnação, proferida após mais extensa produção de prova e
prolongada ponderação que a apontada decisão “provisória” consentiu.
Esta consideração permite centrar a questão no ponto que é, de
facto, crucial para a defesa dos interesses dos credores impugnantes da
aprovação ou da rejeição de determinados créditos: a da eficácia que se atribua
à decisão final dessa impugnação. Como se viu, o artigo 15.º do Decreto‑Lei n.º
177/86, que admitia recurso da decisão judicial sobre as reclamações, mas lhe
atribuía efeito meramente devolutivo, resolvia a questão desta forma: (i) se
viesse a ser reconhecido, por decisão judicial transitada em julgado, algum dos
créditos que a assembleia havia rejeitado, podia o respectivo titular requerer
ao juiz a convocação de nova assembleia de credores em cuja constituição seria
atendida a decisão judicial, desde que os créditos aprovados de novo pudessem
ter influído na formação da maioria constituída, ou solicitar somente a
extensão dos efeitos do meio de protecção adoptado a todos os credores
reconhecidos; (ii) no caso de ser atendida reclamação contra a aprovação de
algum dos créditos, podia o credor reclamante requerer ao juiz a convocação de
nova assembleia, se o crédito eliminado tivesse influído na deliberação tomada
pela assembleia dos credores, ou limitar‑se a pedir a observância da decisão
judicial transitada, relativamente aos efeitos de meio de protecção adoptado.
No CPEREF só está expressamente acautelada a primeira situação
(cf. Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código dos Processos Especiais
de Recuperação da Empresa e de Falência Anotado, Lisboa, 1994, p. 147): dispõe,
com efeito, o seu artigo 72.º, n.º 1, alínea a), que a concordata pode ser
anulada pelo tribunal a requerimento do credor que, por sentença posterior
transitada em julgado, prove a existência de crédito anterior à aprovação da
concordata e não considerado na assembleia de credores, quando esse crédito
pudesse influir na maioria exigida no n.º 1 do artigo 54.º (que exige que as
deliberações que tenham por objecto a aprovação de qualquer das providências de
recuperação da empresa sejam aprovadas por credores que representem, pelo
menos, 75% do valor de todos os créditos aprovados nos termos do artigo 48.º e
não tenham a oposição de credores que representem três quartos, ou mais, dos
credores directamente atingidos pela providência) e o requerimento seja
apresentado nos 30 dias subsequentes ao trânsito da sentença. Idênticas
possibilidades de anulação estão previstas para as restantes providências de
recuperação da empresa: acordo de credores, reestruturação financeira e gestão
controlada (cf. artigos 83.º, 96.º e 117.º). Não cabe, obviamente, no âmbito do
presente recurso qualquer tomada de posição quanto às repercussões que, no
silêncio da lei, se deverão reconhecer à eventual prolação de sentença que venha
a considerar inexistente um crédito que foi considerado na assembleia definitiva
de credores e que, pelo seu valor, tenha sido determinante para a aprovação ou
rejeição de qualquer deliberação sobre a recuperação da empresa. Mas, face ao
exposto, é agora claro que será relativamente à interpretação normativa que, a
esse propósito, venha a ser adoptada pelo tribunal – e não face à norma em
causa no presente recurso – que, com maior propriedade, se poderá colocar a
questão da eventual desprotecção dos credores que se opuseram à aprovação do
crédito em causa.
Fechado este parêntesis, resta reafirmar o entendimento de que
não viola o direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º, n.º 1,
da CRP, a não admissibilidade de recurso da decisão judicial que, com efeitos
limitados à constituição da assembleia definitiva de credores, indefira
reclamação da deliberação da assembleia provisória sobre aprovação de créditos,
tal como não viola os princípios de justiça e da igualdade, pela razão elementar
de que confere idêntico tratamento a todos os credores que se encontrem na mesma
situação.
3. Decisão
Em face do exposto, acordam em:
a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 49.°, n.º 3, do
Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência, aprovado
pelo Decreto‑Lei n.º 132/93, de 23 de Abril (CPEREF), enquanto dispõe que não
cabe recurso da decisão judicial que conheça das reclamações das deliberações
da assembleia provisória de credores sobre aprovação de créditos; e,
consequentemente,
b) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida,
na parte impugnada.
Custas pela recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 20
(vinte) unidades de conta.
Lisboa, 7 de Fevereiro de 2006.
Mário José de Araújo Torres
Maria Fernanda Palma
Paulo Mota Pinto
Benjamim Silva Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos