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Processo n.º 241/04
3.ª Secção Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A. deduziu oposição a uma execução fiscal que lhe foi instaurada pela Fazenda Pública. Tendo a oponente pago a quantia exequenda, ao abrigo do regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 248-A/2002, de 14 de Novembro, embora com ressalva de apreciação judicial sobre a legalidade da dívida, o Tribunal Tributário de 1ª Instância de Aveiro julgou extinta a oposição à execução, por inutilidade superveniente da lide.
A oponente interpôs recurso desta decisão para o Supremo Tribunal Administrativo
(Secção do Contencioso Tributário), apresentando nas respectivas alegações as seguintes conclusões:
“1º Simplesmente foi assinado um termo de adesão ao regime do DL. 248-A/02, de
14/11.
2º Nesse termo foi ressalvada a decisão definitiva a proferir sobre os direitos e obrigações do/a contribuinte a proferir pelos Tribunais Tributários.
3º O citado DL. 248-A/02 jamais fala em extinção da execução, e somente tem por objecto a regularização das dívidas de natureza fiscal cujo prazo legal de cobrança termine até 31 de Dezembro de 2002.
4º Até prevê tal Decreto o prosseguimento do processo executivo no seu art.º 5 em sentido favorável à administração.
5º Esse Diploma legal não pode violar o artº 13.º da Constituição respeitante ao princípio da igualdade.
6º Além disso, no caso concreto já está declarada a inconstitucionalidade da alínea e) do art.º 287.º do C. P. Civil, aplicável por força do art.º 1.º da L.P.T.A. através do acórdão n.º 201/01 do Tribunal Constitucional de 09/05/2001
(DR II 27/06/2001).
7º Foi violada toda a legislação citada nestas alegações e suas conclusões e o acórdão do Tribunal Constitucional, cujo sumário foi transcrito.”
80 Por acórdão de 21 de Janeiro de 2004 o Supremo Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso.
Deste acórdão interpôs a recorrente recurso para o Tribunal Constitucional, no qual veio a produzir alegações com as seguintes conclusões:
“1º O art.º 5º do DL 248-A/2002 de 14 de Novembro, pela aplicação restritiva que decorre do respectivo texto, implica uma violação do princípio da igualdade
(art.º 13.º da CRP), e do princípio da proporcionalidade e tutela jurisdicional efectiva, constante do art.º 20.º da Constituição, e vertida no art.º 5.º do Código de Procedimento Administrativo.
2º Ao abrigo do regime do DL 248-A/02, foi assinado um termo de adesão no qual foi ressalvada a decisão definitiva a proferir sobre os direitos e obrigações da contribuinte, ora recorrente, e proferir pelos Tribunais Tributários.
3º O citado DL não fala em extinção da execução, e só tem por objecto a regularização das dívidas de natureza fiscal cujo prazo legal de cobrança termine até 31 de Dezembro de 2002.
4º Tal decreto prevê, no seu artigo 5.º, o prosseguimento do processo executivo, em sentido favorável à Administração.
5º Se assim é para a Administração, não o pode ser de forma diferente para ao administrado, sob pena de violação do princípio constitucional da igualdade
(art.º 13.º da Constituição).
6º A alínea e) do art.º 287.º do C.P.C., que consagra a extinção da instância, neste caso executiva, aplicável por força do art.º 1º da L.P.T.A., já foi declarada inconstitucional no Acórdão n.º 201/01 do Tribunal Constitucional, de
09/05/2001 (DR II 27/06/2001).
7º A unilateralidade do art.º 5.º do DL. 248-A/02 redunda, ainda, na violação do princípio da garantia de efectivação dos direitos e liberdades e de acesso ao direito e aos Tribunais, consagrados nos artigos 2.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa.
8º Para além do atropelamento do princípio da tutela jurisdicional efectiva, implica a violação do direito à tutela e recurso contencioso, consagrado no n.º
4 do art.º 268.º da Constituição, e igualmente vertido no Código de Processo Administrativo.
9º O art.º 5.º do DL. 248-A/02 viola os artigos 2.º, 13.º, 20.º e 268.º n.º 4 da Constituição.”
A Fazenda Pública não alegou.
2. O relator proferiu, então, o seguinte despacho (fls.131):
“1. Na sequência da resposta do recorrente ao convite que lhe foi formulado, ao abrigo do artigo 75.º-A da LTC, foi proferido despacho (fls. 107) a limitar o objecto do recurso de constitucionalidade à norma do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 248-A/02, de 14 de Novembro, na medida em que admite o prosseguimento do processo executivo tão somente por iniciativa do exequente (Estado/Fazenda Pública) e não pelo executado. Foi com esta delimitação, contra a qual não houve reacção, que o processo prosseguiu para a fase de alegações, que só o recorrente produziu.
2. Afigura-se, porém, plausível que venha a decidir-se não conhecer do objecto do recurso, pelas seguintes razões: A) O recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a questão de inconstitucionalidade (ou ilegalidade, se for o caso) de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (n.º 2 do artigo 72.º da LTC). O que, além domais, pressupõe um mínimo de argumentação tendente a obter a desaplicação da norma ao caso, por confronto com regras ou princípios constitucionais. Sucede que não se vislumbra nas alegações perante o Supremo Tribunal Administrativo a colocação de uma questão de constitucionalidade normativa que tenha por objecto a norma do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 248-A/02 e que o tribunal tenha sido chamado a enfrentar. Efectivamente, a argumentação de inconstitucionalidade aí contida centra-se na alínea e) do artigo 287.º do Código de Processo Civil quando interpretado no sentido de que se verifica a inutilidade superveniente da lide desde que sejam declarados extintos os efeitos da decisão que é objecto do pleito, referindo-se a este propósito o Acórdão n.º
201/01, publicado no Diário da República, II série, de 27 de Junho de 2001. Porém, face à resposta ao convite proferido nos termos do artigo 75.º-A da LTC e ao despacho subsequente ficou definido que não é sobre essa norma mas sobre a do mencionado artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 248-A/82 que o recurso de constitucionalidade incide. Ora, a este último preceito o recorrente apenas faz referência para dar corpo à tese de que o Decreto-Lei n.º 248-A/02 jamais fala em extinção da execução. É certo que da previsão do artigo 5.º de que o processo continuará se a dívida não for totalmente regularizada, extraiu o recorrente o argumento de que se assim é para a Administração, assim deve ser para o administrado, ao abrigo do princípio da igualdade (cfr. conclusões 3ª, 4ª e 5ª das alegações de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo). Mas tudo isto como elemento de apoio à afirmação de que a efectividade da tutela judicial exige que o processo continue apesar do pagamento condicional da dívida exequenda e que o referido diploma de regularização das dívidas fiscais não contém discipline disso impeditiva, sem jamais extrair do mencionado artigo 5.º uma norma, hipoteticamente aplicável ao caso com um sentido desfavorável à sua pretensão, que deva ser tido por inconstitucional. B) Por outro lado, para que caiba recurso ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo
70.º da LTC é necessário que a norma tenha sido aplicada como ratio decidendi pela decisão recorrida. Ora, não parece que o acórdão recorrido tenha feito aplicação, expressa ou implícita, da norma que o recorrente quer ver julgada inconstitucional. O artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 248-A/82 dispõe o seguinte:
“A aplicação do presente diploma, quando o pagamento não se verifique pela totalidade, não suspende o andamento dos processos de execução fiscal ou a sua instauração relativamente à parte restante, devendo os mesmos prosseguir os seus termos.”
A ratio decidendi do acórdão recorrido encontra-se assim resumida na síntese conclusiva a que nele mesmo se procede:
“(..) Nem se fale no princípio constitucional da igualdade. O recorrente pagou a dívida exequenda para beneficiar dos benefícios constantes do citado Dec.-Lei. E porque pagou a dívida a execução extinguiu-se. E extinta esta extingue-se inexoravelmente a oposição. Que, no caso, e como se disse, mais não era do que o pedido de suspensão da execução enquanto não fosse decidido o recurso hierárquico (ou contencioso) ou a impugnação judicial a deduzir. Ou seja: não havia qualquer fundamento autónomo de oposição à execução. A discussão da legalidade da dívida essa não foi postergada pelo despacho que pôs fim à oposição. E é nessa medida que não é posto em causa o princípio da igualdade. Em conclusão:
1) a oposição apenas teve como escopo suspender a execução;
2) a finalidade própria do processo de oposição à execução é, regra geral, fazer extinguir a execução;
3) extinto o processo executivo, a instância do processo de oposição à execução deve findar por manifesta impossibilidade da lide;
4) não está em causa a possibilidade da recorrente exercer os seus direitos de defesa contra a eventual ilegalidade da liquidação do imposto em causa, seja através de um recurso (hierárquico ou contencioso), seja através da impugnação judicial;
5) as consequências de uma decisão favorável proferida nesse recurso (ou impugnação) não são incompatíveis com a extinção da instância neste processo de oposição à execução.
É manifesto pois que o recurso não pode obter acolhimento.” Como se vê, a razão decisiva para a improcedência do recurso e para confirmação da decisão da extinção da instância na oposição foi o facto de esta ter sido deduzida pelo ora recorrente com o exclusivo e anómalo fim de obter a suspensão da execução, o que se torna impossível após esta ter findado, e de com a extinção da oposição não ficar em crise a discussão da legalidade da liquidação do imposto pelas vias administrativas ou jurisdicionais adequadas. Não foi, portanto, qualquer interpretação do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 248-A/02, designadamente aquela que o recorrente quer ver julgada inconstitucional, a que determinou a decisão recorrida. Não há qualquer referência a essa norma no discurso fundamentador nem ela está necessariamente – aliás, nem de qualquer modo – implicada na decisão.
3. Nestes termos, colocando-se como razoavelmente plausível a hipótese de o Tribunal não vir a conhecer do recurso, ordeno a notificação das partes para se pronunciarem, querendo, no prazo de 10 dias.”
A recorrente respondeu que deve conhecer-se do recurso, essencialmente porque:
“(...) a questão da constitucionalidade normativa do artigo 5.º do Dec.-Lei n.º
248-A/02 foi claramente suscitado nas alegações perante o Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente nas suas conclusões que se passam a transcrever:
«3º O citado DL 248-A/82 jamais fala em extinção da execução, e somente tem por objecto a regularização das dívidas de natureza fiscal cujo prazo legal de cobrança termine até 31 de Dezembro de 2002.
4º Até prevê tal Decreto o prosseguimento do processo executivo no seu art.º 5.º em sentido favorável à administração.
5º Esse diploma legal não pode violar o art.º 13.º da Constituição respeitante ao princípio da igualdade.» Foi exactamente com base neste Dec-Lei que o tribunal julgou extinta a instância da oposição. Foi este artigo 5.º que fundamentou a extinção da instância, e consequentemente julgou extinta a oposição à penhora, impedindo assim o prosseguimento da mesma.”
3. Cumpre, antes de mais, decidir se deve conhecer-se do objecto do recurso.
As considerações feitas no despacho do relator quanto aos pressupostos do recurso da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, no duplo aspecto sobre que versam – quanto ao cumprimento do ónus de suscitar a questão de constitucionalidade perante o tribunal a quo e quanto à necessidade de efectiva aplicação da norma questionada pela decisão recorrida -, correspondem a jurisprudência consolidada do Tribunal.
E, contrariamente ao afirmado pela recorrente, têm perfeita aplicação à concreta realidade processual, pelo que aqui se assumem, sem necessidade de qualquer aditamento, porque já demonstram a inexactidão das afirmações da recorrente de que suscitou, de modo processualmente adequado, perante o tribunal a quo a questão de constitucionalidade do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 248-A/82
que quer ver apreciada e de que a norma foi efectivamente aplicada com esse sentido pela decisão recorrida.
4. Decisão
Pelo exposto, acordam em não tomar conhecimento do objecto do recurso e condenar a recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 12 (doze) unidades de conta.
Lisboa, 16 de Março de 2005
Vítor Gomes Gil Galvão Bravo Serra Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Artur Maurício