Imprimir acórdão
Processo n.º 149/2005
3.ª Secção Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fls. 384, foi confirmado o despacho de fls. 375 que não admitira o recurso que A. interpusera para o Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito da acção de despejo contra ele proposta por B., devidamente identificada nos autos. Conforme se verifica da remissão feita para o referido despacho de fls. 375, o recurso não foi admitido, em primeiro lugar, por razões de alçada, nos termos conjugados do disposto no n.º 1 do artigo 678º do Código de Processo Civil e no n.º 1 do artigo 24º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro), e ainda por não estarem preenchidas, nem as condições previstas no n.º 4 do mesmo artigo 678º (não foi invocada violação de jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça), nem os requisitos do artigo 754º, n.º 2 do Código de Processo Civil (não está minimamente demonstrada qualquer oposição de acórdãos). Após ter visto rejeitado um pedido de aclaração do mesmo acórdão, A. veio recorrer para o Tribunal Constitucional, pretendendo, como resulta da leitura conjunta do requerimento de interposição de recurso de fls. 394 e do complemento, que foi convidado a apresentar, de fls. 406, que o Tribunal Constitucional aprecie “o artº 146, CPC em que o Tribunal concluiu pela insuficiência do atestado médico”, e “o artº 678.4, CPC, conjugado com o art
754, CPC, em que o Exmo Sr Juiz Relator considera que não se aplica ao caso, sendo por isso afastados pelo artº 678º.1, 1ª parte, CPC, com o artº 24.1, LOTJ”. Indica ainda que recorre ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo
70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, e quais são as normas constitucionais que considera violadas. O recurso não foi admitido, por não ter sido suscitada a questão de constitucionalidade “de modo processualmente adequada perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer”
(n.º 2 do artigo 72º da Lei nº 28/82), pelo despacho de fls. 412. O recorrente veio, então, reclamar para o Tribunal Constitucional, considerando que “A interpretação conjugada dos arts 678.4 e 754.2 CPC, e os arts 678.1 e
678.6 CPC, só é possível atingir o seu efeito útil e os objectivos do legislador
(...). Assim, ao indeferir-se a apreciação do presente recurso, viola-se o artº
20 da Constituição, ao negar-se o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos”. A reclamada pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação. Afirma ainda que o reclamante litiga com má fé, “o que, a seu tempo, deverá ser devidamente ponderado”. Remetidos os autos ao Tribunal Constitucional, o Ministério Público, notificado para o efeito, pronunciou-se no sentido da falta ostensiva de fundamento da reclamação, quer porque o reclamante nunca suscitou devidamente qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, quer porque o acórdão recorrido não aplicou os preceitos cuja apreciação o mesmo pretende.
2. Com efeito, a reclamação é manifestamente infundada, sendo claramente inadmissível o recurso que o ora reclamante interpôs para o Tribunal Constitucional. Em primeiro lugar, e esta razão vale para os dois grupos de preceitos constantes do requerimento de fls. 406, porque o ora reclamante nunca definiu qualquer questão de constitucionalidade normativa susceptível, por um lado, de constituir o objecto de um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade e, por outro, de permitir considerar cumprido o ónus de suscitar tal questão “durante o processo” (al. b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82), ou seja, em termos de dever ser apreciada pelo tribunal recorrido (n.º 2 do artigo 72º da mesma Lei). Com efeito, não basta indicar preceitos de lei e acusar de terem sido aplicados com um resultado inconstitucional – o que equivale a atribuir a inconstitucionalidade à decisão que os aplicou, vício que, ainda que se verifique, não pode ser conhecido pelo Tribunal Constitucional – para que se considere definido em termos suficientes o objecto do recurso de constitucionalidade. Ao proceder desta forma, o ora reclamante está a transferir para o Tribunal Constitucional o ónus de determinar o objecto do recurso que vai julgar, o que não é admissível (cfr., por exemplo, o Acórdão nº 178/95 (Diário da República, II série, de 21 de Junho de 1995). Em segundo lugar, e esta razão vale em especial para qualquer norma contida no artigo 146º do Código de Processo Civil, sendo o presente recurso interposto do acórdão que não admitiu o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, é manifesto que o acórdão recorrido não aplicou o artigo 146º do Código de Processo Civil, o que também impediria o conhecimento pelo Tribunal Constitucional.
Como resulta da Constituição e da lei, o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, como é o caso, destina-se a que este Tribunal aprecie a conformidade constitucional de normas, ou de interpretações normativas, que foram efectivamente aplicadas na decisão recorrida, não obstante ter sido suscitada a sua inconstitucionalidade
“durante o processo” (al. b) citada), e não das próprias decisões que as apliquem (cfr. a título de exemplo, os Acórdãos nºs 612/94, 634/94 e 20/96, publicados no Diário da República, II Série, respectivamente, de 11 de Janeiro de 1995, 31 de Janeiro de 1995 e 16 de Maio de 1996).
É, ainda, necessário e que tal norma tenha sido aplicada com o sentido acusado de ser inconstitucional, como ratio decidendi (cfr., nomeadamente, os Acórdãos nºs 313/94, 187/95 e 366/96, publicados no Diário da República, II Série, respectivamente, de 1 de Agosto de 1994, 22 de Junho de 1995 e de 10 de Maio de
1996); e que a inconstitucionalidade haja sido “suscitada durante o processo”
(citada al. b) do nº 1 do artigo 70º), como se disse, o que significa que há-de ter sido colocada “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer”
(nº 2 do artigo 72º da Lei nº 28/82).
Nestes termos, indefere-se a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 ucs.
Lisboa, 7 de Março de 2005
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Vítor Gomes Artur Maurício