Imprimir acórdão
Processo n.º 1090/04
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. A. interpôs, junto do Supremo Tribunal Administrativo, recurso
contencioso de anulação do acto de exclusão da sua candidatura ao Concurso de
Recrutamento para o Preenchimento de Vagas nos Tribunais Administrativos e
Fiscais aberto pelo Aviso n.º 4902/2002 (2ª série), tendo sustentado, entre o
mais, a inconstitucionalidade da norma do artigo 7º, n.º 1, da Lei de Aprovação
do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (Lei n.º 13/2002, de 19 de
Fevereiro), na parte em que exige dos candidatos juristas uma experiência
profissional mínima, por violação do artigo 13º, n.º 1, da Constituição.
O Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, então
recorrido, apresentou a resposta de fls. 128 e seguintes, pugnando pelo não
provimento do recurso.
O recorrente alegou (fls. 137 e seguintes), concluindo, para o que
aqui releva, do seguinte modo:
“[...]
9ª. A norma constante do art. 7º, n.º 1, da LA-ETAF na parte em que exige, como
requisito de admissão ao Concurso, é inconstitucional por violação do princípio
da igualdade [assim, no original].
10ª. Este princípio constitucional exprime-se, entre outras, pela máxima de que
«para situações iguais, tratamento igual», ou seja pela proibição de arbítrio.
11ª. Os juízes dos tribunais administrativos e fiscais são a categoria de base
da respectiva magistratura e estão equiparados, nos termos do art. 7º, n.º 7, da
LA-ETAF, aos juízes de direito da magistratura judicial, aos quais são
igualmente equiparados os procuradores-adjuntos da magistratura do Mº. Pº.
12ª. Entre os requisitos de ingresso na magistratura judicial e na magistratura
do Mº. Pº. não estabelece a lei qualquer requisito de experiência profissional
mínima.
13ª. Ora, as funções de juiz de direito na magistratura dos tribunais
administrativos e fiscais são equiparáveis às de juiz de direito na magistratura
dos tribunais judiciais e de procurador-adjunto na magistratura do Mº. Pº.
Aliás, a própria lei se encarrega de expressamente equiparar «para efeitos de
honras, precedências, categorias, direitos, vencimentos e abonos» todas aquelas
categorias das diferentes magistraturas.
14ª. Assim, a lei ao estabelecer para o recrutamento de uma categoria de
magistrados requisitos distintos e mais gravosos do que aqueles que estabeleceu
para o recrutamento de outras categorias de magistrados àquela equiparadas viola
o princípio da igualdade na sua dimensão de proibição de arbítrio, i. é, de
proibição de tratamento desigual de situações iguais, consagrado no art. 13º,
n.º 1, da CRP.
15ª. O exercício de funções de juiz dos tribunais administrativos e fiscais
corresponde ao exercício da titularidade de um órgão de soberania, logo ao
exercício de um cargo público.
16ª. O art. 50º, n.º 1, da CRP consagra o direito fundamental de acesso aos
cargos públicos, com a natureza de direito, liberdade e garantia.
17ª. Ora, os direitos, liberdades e garantias apenas podem ser restringidos com
respeito, entre outros, pelo princípio da proporcionalidade, na sua tríplice
dimensão de necessidade, adequação e proibição de excesso.
18ª. A exigência de uma experiência profissional mínima de cinco anos constitui,
portanto, uma restrição ao direito de acesso aos cargos públicos, fundada na
salvaguarda do interesse constitucional de eficiência da Justiça (vale dizer, de
assegurar que as funções judiciais sejam exercidas por pessoas suficientemente
habilitadas e preparadas para o efeito).
19ª. Tal restrição não se revela, porém, necessária para o fim em ordem ao qual
é estabelecida, pois aquele fim pode ser, com igual ou maior efectividade,
prosseguida com outras restrições já existentes (v. g. as provas escritas
realizadas no âmbito do Concurso).
20ª. Revelando-se, igualmente, excessiva – e até mesmo contraproducente – para a
prossecução desse mesmo fim.
21ª. Daí que se trate de uma restrição inconstitucional ao direito fundamental
de acesso aos cargos públicos.
22ª. Daí que a norma constante do art. 7º, n.º 1, da LA-ETAF, na parte em que
exige cinco anos de experiência profissional como requisito de admissão ao
Concurso, é inconstitucional por violação do art. 18º, n.º 2, da CRP.
23ª. Sendo inconstitucional o art. 7º, n.º 1, da LA-ETAF, os actos
administrativos de aplicação da referida norma serão ilegais, por vício de
violação de lei decorrente de erro nos pressupostos de direito.
24ª. Assim, o acto ora recorrido é anulável.
[...].”.
O Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais também
alegou (fls. 190 e seguintes), sustentando o não provimento do recurso.
O Ministério Público sufragou o teor das alegações da entidade
recorrida (fls. 195).
2. Por acórdão de 12 de Fevereiro de 2004 (fls. 197 e seguintes), o
Supremo Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso, pelos seguintes
fundamentos:
“[...]
O recorrente considera também que este concurso foi aberto ao abrigo de norma
inconstitucional (cit. art. 7°, n.º 1), por violação do princípio da igualdade,
pois, ao contrário do que sucede com o ingresso na magistratura judicial ou do
M.P. – que não está dependente de qualquer tempo de experiência mínimo –, no
caso em apreço o recrutamento para a categoria de juízes dos tribunais
administrativos e fiscais ficou dependente da experiência mínima de cinco anos.
Requisito que, para si, é distinto e mais gravoso do que os estabelecidos para o
recrutamento de outras categorias de magistrados àquela equiparados.
Como se sabe, o princípio da igualdade, enquanto proibição do arbítrio, impede
que se trate de modo diferente situações iguais (cfr. art. 13° da CRP). Daí que
se diga que este princípio só é violado quando alguém é privilegiado,
beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer
dever num quadro de facto igual que devesse justificar uma mesma solução
normativa (igualdade na criação do direito) ou administrativa (igualdade na
aplicação do direito).
A «proibição do arbítrio» constitui um limite externo da liberdade de
conformação do legislador e só deve considerar-se desrespeitada quando não
exista o adequado suporte ou fundamento material para a medida legislativa
tomada. Por isso é que as diferenciações de tratamento se tornam às vezes
legítimas quando se baseiam numa distinção objectiva de situações, quando não se
fundamentam de modo discriminatório em qualquer dos motivos do art. 13° da CRP,
quando tenham um fim legítimo segundo o ordenamento constitucional positivo e
quando se revelem necessárias, adequadas e proporcionadas à satisfação do seu
objectivo [...].
Ora, no caso em apreço, o recrutamento destes magistrados só pode ser entendido
no quadro de uma reforma do contencioso administrativo, que em vastas matérias
rompe com o passado e se apresenta com uma dinâmica muito exigente em ordem ao
cumprimento do desiderato dos tribunais administrativos traduzido, que é, pela
satisfação de uma tutela judicial efectiva dos direitos e interesses dos
administrados.
Assim, entendeu o legislador, nesta fase, que o êxito dessa missão não se
compadeceria com uma simples licenciatura, mas antes racionalmente suporia uma
experiência anterior de cinco anos de serviço na magistratura (judicial e do
M.P.) ou de prática profissional na área do direito público (quanto aos
juristas).
Assim, tendo em vista o objectivo a atingir, a exigência pelo legislador de um
tal nível de conhecimentos adquiridos em anteriores funções qualificadas não se
mostra desajustada, irracional, arbitrária, nem, por isso, violadora do
princípio da igualdade, visto, além do mais, não serem iguais as situações
objectivas de ingresso nas diferentes categorias de tribunais judiciais e
administrativos e fiscais (cfr., a este propósito, os arts. 209°, n.º 1, als. a)
e b), e 211° e 212° da C.R.P.).
[...].”.
3. Deste acórdão recorreu A. para o Pleno da 1ª Secção do Supremo
Tribunal Administrativo (fls. 212), tendo o recurso sido admitido por despacho
de fls. 222.
O recurso foi posteriormente declarado deserto, por não terem sido
apresentadas alegações no prazo legal (despacho de fls. 240 v.º).
4. A. interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo
da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional,
pretendendo a apreciação da conformidade constitucional da norma do artigo 7º,
n.º 1, da Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, por violação do princípio da
igualdade consagrado no artigo 13º, n.º 1, da Constituição e, bem assim, por
violação do artigo 18º, n.º 2, da Constituição (fls. 246 e seguinte).
5. O recurso para o Tribunal Constitucional foi admitido por despacho do
seguinte teor (fls. 249 e seguinte):
“[...]
Não é do despacho de fls. 240 vº que o interessado pretende recorrer (se assim
fosse, e uma vez que dos despachos do relator apenas cabe reclamação para a
conferência, nos termos dos arts. 9°, n.º 2 e 110°, n.º 2, da LPTA e 700°, n.º
3, do CPC, haveria, agora, que proferir despacho de não recebimento do recurso
interposto).
A invocação da decisão do relator de fls. 240 no requerimento de fls. 246 serve
apenas para legitimar o recorrente à invocação das normas que, não obstante o
dito despacho e, por conseguinte, apesar da deserção do recurso ordinário ali
determinada, lhe permitem aceder ao Tribunal Constitucional para fiscalização
concreta da disposição legal contida no art. 7°, n.º 1, da Lei n.º 13/2002, de
19 de Fevereiro.
Quer dizer, o que o recorrente visa é socorrer-se dos arts. 70º, n.ºs 1, al. b)
e 2 e 3, «in fine» e 72°, n.ºs 1, al. b) e 2, da Lei do Tribunal Constitucional
(LTC: Lei n.° 28/82, de 15/11, alterada pelas Leis n.° 143/85, de 26/11, n.°
85/89, de 7/09, n.° 88/95, de 1/09 e 13-A/98, de 26/02).
Dito de outro modo, por não ser mais possível recurso ordinário, pretende o
acesso directo ao Tribunal Constitucional para apreciação da constitucionalidade
de uma norma, cujo juízo de inconstitucionalidade o STA não sufragou no acórdão
de fls. 197/206.
Se isto é assim, algumas dúvidas nos assaltam a propósito da verificação do
pressuposto processual sobre a admissibilidade do recurso. Na verdade, o n.º 2,
do art. 70° da LTC parece colocar como requisito do recurso para o TC a
existência de «decisões que não admitam recurso ordinário» (não é a situação dos
autos: o acórdão era recorrível, foi admitido o recurso, o qual só não
prosseguiu face à inércia do recorrente), «por a lei não o prever» (não é o
caso) «ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam» (na
realidade, ainda havia recurso para o Pleno, que só não se concretizou pelas
razões conhecidas).
A situação ocorrida terá lugar, mesmo assim, na expressão «decisões que não
admitam recurso ordinário»? A atitude relapsa do recorrente terá abrigo no
inciso legal?
Sem te[r]mos a certeza, com franqueza, parece-nos que não. Concedendo, no
entanto, que o Tribunal Constitucional possa ter sobre o assunto uma
interpretação generosa da norma a ponto de não acompanhar as nossas (in)fundadas
dúvidas, decide-se acolher a pretensão do recorrente.
[...].”.
6. Notificado para produzir alegações, A. assim o fez (fls. 256 e
seguintes), tendo-as concluído do seguinte modo:
“1ª. A norma constante do art. 7º, n.º 1, da LA-ETAF na parte em que exige um
período mínimo de cinco anos de experiência profissional na área do direito
público como requisito de admissão dos candidatos não magistrados ao concurso
nela previsto, foi concretamente aplicada nos presentes autos.
2ª. A candidatura ao concurso de recrutamento de juízes dos tribunais
administrativos e para os tribunais tributários previsto no art. 7º, n.º 1, da
LA-ETAF, subsume-se no exercício dos direitos fundamentais de acesso a cargos
públicos (art. 50º, n.º 2, da CRP) e de acesso à função pública (art. 47º, n.º
2, da CRP), ambos com a natureza de direitos, liberdades e garantias.
3ª. A referida norma é inconstitucional por violação do princípio da igualdade,
na medida em que estabelece um tratamento diferenciado relativamente a situações
que são estruturalmente idênticas.
4ª. Pois os juízes dos tribunais administrativos e fiscais são a categoria de
base da respectiva magistratura e estão equiparados, nos termos do art. 7º, n.º
7, da LA-ETAF, aos juízes de direito da magistratura judicial.
5ª. Entre os requisitos de ingresso como auditor de justiça para acesso à
magistratura dos tribunais judiciais não se encontra a exigência de um período
mínimo de experiência profissional prévia, qualquer que ele fosse.
6ª. Assim, a norma do art. 7º, n.º 1, da LA-ETAF ao estabelecer concretamente
requisitos distintos e mais gravosos para o recrutamento dos auditores de
justiça para acesso à categoria de juízes de direito da magistratura dos
tribunais administrativos e fiscais do que aqueles que vigoram para o
recrutamento dos auditores de justiça para acesso à magistratura dos tribunais
judiciais viola o princípio da igualdade na sua dimensão de proibição de
arbítrio, i. é, de proibição de tratamento desigual de situações iguais,
consagrado no art. 13º, n.º 1, da CRP.
7ª. O princípio da igualdade quando articulado com os arts. 47º, n.º 2, e 50º,
n.º 2, da CRP projecta-se num verdadeiro direito à igualdade no acesso a cargos
públicos e no acesso à função pública.
8ª. O art. 217º da CRP estabelece genericamente o princípio do paralelismos das
judicaturas dos tribunais judiciais e dos tribunais administrativos e fiscais,
impondo que os critérios constitucionais de acesso aos tribunais judiciais
devem, na medida do possível, transferir-se para o acesso aos tribunais
administrativos e fiscais.
9ª. Ora, o direito à igualdade de acesso a cargos públicos e à função pública,
quando articulados com o princípio do paralelismos das magistraturas ou
judicaturas, consubstancia-se no direito a efectivas condições de igualdade de
tratamento e identidade e homogeneidade de requisitos de acesso a ambas as
magistraturas.
10ª. A norma do art. 7º, n.º 1, da LA-ETAF ao estabelecer concretamente
requisitos diversos para o acesso à judicatura dos tribunais administrativos e
fiscais e para o acesso à judicatura dos tribunais judiciais viola o direito à
igualdade no acesso às judicaturas ou magistraturas, que resulta das disposições
conjugadas dos arts. 13º, n.º 1, 47º, n.º 2, 50º, n.º 2, e 217º da CRP.
Sem conceder.
11ª. O art. 7º, n.º 1, da LA-ETAF ao estabelecer como requisito de admissão para
o concurso naquela norma previsto um período mínimo de cinco anos de experiência
profissional consubstancia uma restrição dos direitos fundamentais de acesso a
cargos públicos (art. 50º, n.º 2) e de acesso à função pública (art. 47º, n.º
2).
12ª. Os direitos, liberdades e garantias apenas podem ser restringidos para
salvaguarda de outro direito ou interesse legalmente protegido e com respeito,
entre outros, pelo princípio da proporcionalidade, na sua tríplice dimensão de
necessidade, adequação e proibição de excesso ou proporcionalidade em sentido
estrito.
13ª. A exigência de período mínimo de cinco anos de experiência profissional
como condição de admissão ao concurso de recrutamento de juízes de direito da
magistratura dos tribunais administrativos e fiscais funda-se na salvaguarda do
interesse constitucional de eficiência da Justiça (vale dizer, tem por
finalidade assegurar que aquelas funções judiciais sejam exercidas por pessoas
altamente qualificadas).
14ª. Tal restrição não se revela, porém, necessária para o fim em ordem ao qual
é estabelecida, porque muitas pessoas, embora não preenchendo aquele requisito,
estariam suficientemente qualificadas para o exercício daquelas funções
judiciais, o que aliás sempre poderiam demonstrar pela prestação de provas de
acesso que o próprio concurso prevê.
15ª. Tal como, não existindo um requisito idêntico ou sequer análogo no
recrutamento dos juízes dos tribunais judiciais de primeira instância, resulta
portanto, como este argumento comparativo-sistemático bem o demonstra, que um
tal requisito não é necessário para a tutela do interesse constitucional que se
destina a salvaguardar.
16ª. De igual modo, o requisito de que os candidatos tenham cinco anos de
comprovada experiência profissional no direito público redunda na prática num
requisito vácuo e inútil de que os candidatos tenham cinco anos de experiência
profissional jurídica, sem qualquer atenção a que essa experiência profissional
tenha alguma relação com as funções a desempenhar.
17ª. Finalmente, a exigência de uma experiência profissional mínima de cinco
anos não seria necessária, indispensável ou exigível para assegurar uma
magistratura dos tribunais administrativos e fiscais altamente qualificada,
porque o próprio concurso previa métodos muito mais eficazes e muito mais
adequados a aferir da aptidão da experiência profissional dos candidatos para o
exercício das funções de juiz de direito na jurisdição administrativa e fiscal,
tornando aquele requisito supérfluo e desnecessário para a salvaguarda do
interesse constitucional que se destinava a tutelar.
18ª. A norma constitucional sob julgamento revela-se também como não adequada a
prosseguir a finalidade de assegurar uma judicatura altamente qualificada nos
tribunais administrativos e fiscais. Com efeito, ela é mesmo contraproducente
para a realização dessa finalidade, pois ao excluir cegamente, por régua e
esquadro, do acesso à judicatura dos tribunais administrativos e fiscais todos
os juristas que não tenham cinco anos de experiência profissional com o
objectivo de salvaguardar aquele interesse constitucional, a norma do art. 7º,
n.º 1, da LA-ETAF está, paradoxalmente, a excluir juristas tão ou mais
qualificados para o exercício daquelas funções, não obstante não reunirem aquele
requisito de experiência profissional.
19ª. A norma sob julgamento viola igualmente o princípio da proporcionalidade na
sua dimensão de proibição de excesso ou de proporcionalidade em sentido estrito.
O requisito dela constante é, em si mesmo, temporalmente excessivo: cinco anos
de experiência profissional constituem um período excessivamente longo tendo em
conta que os juízes de direito são a categoria de ingresso na magistratura dos
tribunais administrativos e fiscais e no modelo adoptado pelo legislador
constituinte, as magistraturas são carreiras verticais em que a qualificação dos
juízes que mais releva não é a experiência profissional anterior ao ingresso na
magistratura, mas sim a formação adquirida no Centro de Estudos Judiciários.
20ª. Em consequência do que a norma do art. 7º, n.º 1, da LA-ETAF, na parte em
que exige um período mínimo de cinco anos de experiência profissional para
admissão ao concurso nela previsto, tal qual foi aplicada nos presentes autos,
constitui uma restrição desproporcionada do direito de acesso a cargos públicos
(art. 50º, n.º 2, da CRP) e do direito de acesso à função pública (art. 47º, n.º
2, da CRP), por violação do art. 18º, n.º 2, da CRP.”
7. O Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais também
alegou (fls. 272 e seguintes), tendo suscitado a questão prévia da
inadmissibilidade do recurso, pois que “o recorrente não podia interpor recurso
directo para o Tribunal Constitucional de uma decisão do STA que ainda não se
tornara definitiva (na jurisdição administrativa e fiscal), por o recorrente não
ter exaurido todos os meios impugnatórios previstos na lei” (fls. 275).
Subsidiariamente, sustentou a improcedência da “arguida
inconstitucionalidade da norma do n.º 1 do artigo 7º da Lei n.º 13/2002, de 19
de Fevereiro, por não ser violadora dos artigos 13º, n.º 1, e 18º, n.º 2, da
CRP, na aplicação e interpretação que dela se fez no acórdão recorrido” (fls.
282), tendo ainda afirmado que “as considerações expendidas nos n.ºs 10 e 11 das
alegações, bem como nas conclusões 2ª, 7ª, 10ª, 11ª e 20ª (apelando aos direitos
fundamentais de acesso a cargos públicos e de acesso à função pública,
consagrados nos artigos 50º, n.º 1, e 47º, n.º 2, da CRP), não foram suscitadas
em tempo oportuno para que delas pudesse conhecer o Tribunal recorrido, nem
foram mencionadas no requerimento de interposição do recurso de
constitucionalidade (que fixa o objecto deste), não podendo, por essa razão, ser
agora ponderadas e atendidas por esse Venerando Tribunal (cfr., entre outros,
Acórdãos n.ºs 5/05, 373/02, 366/96 e 392/93)” (fls. 278).
8. Notificado para se pronunciar sobre a questão prévia de não
conhecimento do recurso suscitada pelo recorrido, veio o recorrente dizer (fls.
287 e seguintes) que tal questão improcedia, pois que “o inciso final do n.º 4
do art. 70º da LTC [...] vem dar cobertura à admissibilidade do presente
recurso”.
Sustentou ainda a improcedência da “restrição do objecto do recurso
de constitucionalidade pretendida pelo recorrido” (fls. 292).
II
9. De acordo com o disposto no artigo 70º, n.º 2, da Lei do Tribunal
Constitucional, os recursos previstos na alínea b) do n.º 1 do mesmo preceito –
como é o caso do recurso ora interposto (supra, 4.) – “apenas cabem de decisões
que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido
esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização de
jurisprudência”.
Segundo o n.º 4 do mesmo preceito, “entende-se que se acham
esgotados todos os recursos ordinários, nos termos do n.º 2, quando tenha havido
renúncia, haja decorrido o respectivo prazo sem a sua interposição ou os
recursos interpostos não possam ter seguimento por razões de ordem processual”.
No caso presente, verifica-se que o recurso interposto pelo ora
recorrente para o Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo foi
julgado deserto, por falta de alegações (supra, 3.). O mesmo é dizer que tal
recurso não pôde ter seguimento por razões de ordem processual.
Assim sendo, encontra-se preenchido um dos pressupostos processuais
do presente recurso: o esgotamento de todos os recursos ordinários, a que aludem
os n.ºs 2 e 4 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. As
correspondentes dúvidas a esse respeito, expressas no despacho de admissão do
recurso (supra, 5.), não têm assim razão de ser. Do mesmo modo, improcede a
correspondente questão prévia levantada pelo recorrido (supra, 7.).
10. Suscita depois o recorrido (supra, 7.) a questão da impossibilidade de
conhecimento das considerações expendidas nas conclusões 2ª, 7ª, 10ª, 11ª e 20ª
das alegações do recorrente, por nelas se invocarem problemas de
constitucionalidade que não foram oportunamente colocados perante o tribunal
recorrido e que não foram mencionados no requerimento de interposição do recurso
de constitucionalidade.
Quanto a este aspecto, tem razão o recorrido. Não pode, com efeito,
conhecer-se da conformidade constitucional da norma impugnada no presente
recurso, com fundamento na violação de todos os princípios ou normas
constitucionais referidos nas alegações apresentadas pelo recorrente neste
Tribunal.
Na verdade, sendo o objecto do recurso delimitado pelo requerimento
de interposição do recurso (artigo 684º, n.º 2, do Código de Processo Civil,
aplicável ao recurso de constitucionalidade por força do artigo 69º da Lei do
Tribunal Constitucional; acórdão do Tribunal Constitucional n.º 20/97, Diário da
República, II Série, n.º 51, de 1 de Março de 1997, p. 2640 ss, e jurisprudência
aí citada), ao recorrente apenas seria permitido, nas alegações, “restringir,
expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso” (cfr. n.º 3 do mesmo
artigo 684º do CPC) e não ampliar esse objecto.
Ora, no requerimento de interposição do recurso, o recorrente só
mencionou a violação dos artigos 13º, n.º 1, e 18º, n.º 2, da Constituição
(supra, 4.).
Assim, tendo em conta o teor do requerimento de interposição do
recurso, e sem necessidade de outras considerações, o Tribunal não pode conhecer
da alegada violação dos direitos fundamentais de acesso a cargos públicos e à
função pública, bem como da invocada violação do artigo 217º da Constituição.
Em suma, o Tribunal apreciará a norma questionada, tendo como
parâmetro apenas o princípio da igualdade e os princípios da adequação e da
proporcionalidade.
Com esta delimitação, passar-se-á então ao conhecimento do objecto
do recurso.
11. A norma que constitui o objecto do recurso é a do artigo 7º, n.º 1, da
Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, que aprova o Estatuto dos Tribunais
Administrativos e Fiscais, na redacção anterior à da Lei n.º 4-A/2003, de 19 de
Fevereiro, “na parte em que exige um período mínimo de cinco anos de experiência
profissional para admissão ao concurso nela previsto” (cfr. conclusão 20ª das
alegações, na qual se restringe o objecto do recurso expressamente a esta
questão: supra, 6.).
O artigo 7º, n.º 1, da referida Lei dispõe o seguinte:
“Artigo 7º
Disposição transitória relativa ao recrutamento e formação de juízes
1 – No prazo máximo de 180 dias a contar da data da publicação desta lei, é
aberto concurso de recrutamento de juízes para os tribunais administrativos e
para os tribunais tributários ao qual podem concorrer magistrados judiciais e do
Ministério Público com pelo menos cinco anos de serviço e classificação não
inferior a Bom e juristas com pelo menos cinco anos de comprovada experiência
profissional na área do direito público, nomeadamente através do exercício de
funções públicas, da advocacia, da docência no ensino superior ou na
investigação, ou ao serviço da Administração Pública.
[...].”.
Segundo o recorrente, e em síntese (supra, 6.), a exigência de um
período mínimo de cinco anos de experiência profissional para admissão ao
concurso de recrutamento de juízes para os tribunais administrativos e para os
tribunais tributários, previsto no artigo 7º, n.º 1, da Lei n.º 13/2002, de 19
de Fevereiro, seria inconstitucional:
a) Por violação do princípio da igualdade, na dimensão de proibição de arbítrio
e de direito à igualdade no acesso a cargos públicos e à função pública, na
medida em que os juízes dos tribunais administrativos e fiscais são equiparados
aos juízes de direito da magistratura judicial (conclusão 4ª) e “entre os
requisitos de ingresso como auditor de justiça para acesso à magistratura dos
tribunais judiciais não se encontra a exigência de um período mínimo de
experiência profissional prévia, qualquer que ele fosse” (conclusão 5ª);
b) Por violação do princípio da adequação, pois que a exigência de um período
mínimo de cinco anos de experiência profissional redunda na exclusão de juristas
tão ou mais qualificados para o exercício das funções de juiz nos tribunais
administrativos e fiscais (conclusão 18ª);
c) Por violação do princípio da proporcionalidade, na dimensão de proibição de
excesso, pois que “cinco anos de experiência profissional constituem um período
excessivamente longo” (conclusão 19ª).
12. A argumentação do recorrente improcede totalmente, como se verá.
12.1. Em primeiro lugar, a circunstância de, para o ingresso na magistratura
dos tribunais judiciais, a lei não exigir qualquer tempo de experiência mínimo
não consubstancia um tratamento discriminatório dos candidatos aos tribunais
administrativos e aos tribunais tributários, susceptível de violar o princípio
da igualdade.
Como, a este propósito, refere o recorrido nas contra-alegações (cfr. fls. 281 e
280), o período de formação dos candidatos à magistratura dos tribunais
judiciais “é, em regra, de 22 meses (fase de actividades teórico-práticas), nos
termos do artigo 58º da Lei n.º 16/98, de 8 de Abril – que aprovou a estrutura e
o funcionamento do CEJ –, com a redacção dada pelo artigo 1º do Decreto-Lei n.º
11/2002, de 24 de Janeiro, aplicável ex vi do artigo 41º do Estatuto dos
Magistrados Judiciais (Lei n.º 21/85, de 30 de Julho)”, enquanto o período de
formação dos candidatos a juízes dos tribunais administrativos e fiscais é
inferior: na verdade, o n.º 2 da Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, na sua
redacção originária, previa um curso de formação teórica de 3 meses, organizado
pelo Centro de Estudos Judiciários (CEJ), seguido de um estágio de 6 meses, caso
os candidatos não fossem magistrados.
Ora, tendo os candidatos à magistratura dos tribunais judiciais um período de
formação muito superior ao dos candidatos a juízes dos tribunais administrativos
e fiscais, é evidentemente compreensível que, em relação a estes, se formulem
maiores exigências aquando da respectiva candidatura.
Dito de outro modo: a situação da pessoa que concorre à magistratura dos
tribunais judiciais é diversa da situação daquela que concorre à magistratura
dos tribunais administrativos e fiscais, pois que aquela enfrentará um período
de formação mais longo do que esta. Sendo diversas as situações, não ofende o
princípio da igualdade procurar, de algum modo, compensar a ausência de um
período de formação com a experiência profissional anterior à candidatura. É que
o princípio da igualdade postula o tratamento desigual de situações desiguais,
na medida em que a desigualdade o justifique.
12.2. Alega em seguida o recorrente a violação do princípio da adequação, na
medida em que a norma em apreciação redundaria na exclusão de candidatos tão ou
mais qualificados do que aqueles que são aceites.
É porém evidente que a exigência de um período mínimo de cinco anos
de experiência profissional como condição de admissão ao concurso previsto no
artigo 7º, n.º 1, da Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, não consubstancia
qualquer restrição desnecessária ou inútil.
Cabe até assinalar que do estabelecimento de requisitos pode
depender – e, em regra, dependerá – o normal exercício da actividade.
É certo que tais requisitos não podem ser arbitrariamente
estabelecidos pela lei. Mas tal não sucede com aqueles a que se refere a norma
ora em apreciação: com efeito, a exigência de certa experiência profissional
para o exercício da profissão de juiz é plenamente compreensível, atendendo à
dignidade, responsabilidade e importância da profissão em causa.
Objecta o recorrente que essa exigência afasta pessoas eventualmente mais
qualificadas.
Levada às suas últimas consequências, a objecção implicaria a proibição de
estabelecimento de requisitos ao exercício de qualquer actividade.
Não pode portanto proceder a objecção: o estabelecimento, na lei, de
requisitos para o exercício de certa actividade é uma garantia de que a selecção
se orienta por parâmetros objectivos, compensando nitidamente uma situação de
afastamento de outras pessoas eventualmente também qualificadas.
Afirma ainda o recorrente que a experiência profissional exigida
pela norma ora em apreciação pode não ter qualquer relação com as funções que o
candidato vai desempenhar.
Trata-se também de objecção improcedente. A exigência de experiência
profissional na área do direito público afigura-se perfeitamente razoável,
atendendo a que o candidato será juiz nos tribunais administrativos e fiscais. A
circunstância de tal experiência profissional ser indemonstrável, como alega o
recorrente, não destrói tal conclusão: na verdade, não se compreende por que
motivo tal experiência profissional há-de ser indemonstrável. Dir-se-ia, aliás,
que se trata de facto plenamente demonstrável.
Acrescenta, finalmente, o recorrente que existem métodos mais
eficientes para demonstrar a experiência profissional do candidato e a aptidão
deste para o exercício das funções.
A este propósito, diga-se apenas que a possibilidade de controlo,
por parte do Tribunal Constitucional, da conformidade constitucional de normas
que estabelecem requisitos para o exercício de uma actividade não integra a
possibilidade de determinação autoritária do melhor método para avaliar um
candidato. Tal excede manifestamente as suas competências. Apenas cabe ao
Tribunal Constitucional apreciar se a exigência legal de experiência
profissional na área do direito público tem algum fundamento: isto é, apenas
cabe ao Tribunal Constitucional apreciar a correspondente norma, à luz da
Constituição. Ora, tal fundamento existe, no caso presente, pois que o candidato
irá desempenhar funções em tribunais que, entre o mais, dirimem litígios de
direito público.
12.3. Quanto à alegada violação do princípio da proporcionalidade, por ser
excessivo o período de cinco anos legalmente exigido, é também evidente que,
atendendo à responsabilidade, importância e dignidade das funções de um
magistrado, bem como à inexistência de um período de formação longo, apto a
colmatar as naturais lacunas de qualquer candidato, é perfeitamente aceitável o
referido período de cinco anos.
A este propósito, recorde-se também que nunca competiria ao Tribunal
Constitucional, por tal exceder as suas competências, determinar se o período em
causa deveria ser um pouco mais curto ou um pouco mais longo, pois que tal
constitui uma opção de política legislativa: apenas lhe compete ponderar a
eventualidade de um excesso e este, pelas características das funções que o
candidato irá desempenhar e pela inexistência de um período de formação
equivalente ao dos magistrados dos tribunais judiciais, não pode, na verdade,
ser reconhecido.
III
13. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional
decide negar provimento ao presente recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte)
unidades de conta.
Lisboa, 8 de Junho de 2005
Maria Helena Brito
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Carlos Pamplona de Oliveira (vencido quanto à questão prévia, pois não
conheceria do recurso)
Artur Maurício