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Processo n.º 218/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
1.Notificados do acórdão n.º 214/2005, de 20 de Abril de 2005, tirado em
conferência na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional, pelo qual se decidiu
desatender a reclamação para a conferência e confirmar a decisão sumária de 30
de Março de 2005, que decidira não tomar conhecimento do recurso interposto por
A. e B. (ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, e visando a apreciação da
constitucionalidade dos artigos 410.º, n.º 1, 420.º e 400.º, n.º 1, alínea f),
todos do Código de Processo Penal), com fundamento, em relação às normas dos
artigos 410.º, n.º 1 e 420.º, na sua não aplicação, pelo tribunal recorrido,
como ratio decidendi da decisão, e, ainda, quanto à norma do artigo 400.º, n.º
1, alínea f), na falta de suscitação, durante o processo, da questão de
constitucionalidade, vieram os recorrentes pedir “a sua aclaração e a reforma da
decisão”, dizendo:
«1. A decisão final tomada parece basear-se apenas em razões processuais
adjectivas, apesar de estar consignado na nossa Constituição o direito
fundamental à tutela jurisdicional efectiva – direito esse que reivindicaram
desde sempre ao longo dos autos (entendidos estes no seu sentido amplo,
englobando todos os seus termos e instâncias), sendo certo que nem esse Alto
Tribunal se pronunciou acerca de questões de fundo desde o início suscitadas e
cuja relevância está muito para além do caso concreto que os apoquenta,
justificando, a seu ver, uma tomada de posição final a respeito das momentosas
questões colocadas, designadamente, a propósito das normas que (ainda) integram
os preceitos dos artigos 400.º, 410.º e 420.º do nosso Código de Processo Penal.
2. E parece pressupor que o aperfeiçoamento do nosso ordenamento jurídico
pressupõe esforço claramente acrescido dos mandatários judiciais das partes,
quando comparado com o exigível de demais operadores judiciários, designadamente
magistrados judiciais e magistrados do Ministério Público, cujo contributo vem
sendo de molde a potenciar aquele inadiável aperfeiçoamento.
3. Em função do que denunciadas que sejam gritantes anomalias como as que o
foram em sede do nosso direito processual penal – matéria sobremodo sensível a
respeito da qual constantemente se reclama consonância com princípios
generalizadamente aceites, tanto em sede de direito comparado como na de
interpretação mais adequada aos princípios ínsitos ou expressos da nossa
Constituição da República.
4. Chocante – e, assim, carecido de reforma de decisão – será que, sobretudo
quando se acede à mais alta instância de controle da conformidade entre o
preceituado em determinadas normas do nosso ordenamento infra-constitucional e
os referidos princípios ínsitos ou expressos na (também!) nossa Constituição,
essa alta instância – ela também! – acabe por sobrepor meras regras processuais
adjectivas às razões de fundo claramente invocadas pelos recorrentes dos autos
(sempre confiados no douto suprimento de quem julga).
5. Entendidos estes como o conjunto de peças processuais por si produzidas em
defesa da posição que sustentam.
6. Ora, estando, como estão, tais peças à inteira disposição dos diversos
julgadores intervenientes, sobremodo exigível se tornará que quem decida a tal
propósito aprofunde todo o contexto da questão ou questões nesses mesmos autos
suscitadas.
7. Por forma a obter-se a decisão que – nos termos constitucionais – só poderá
haver-se como adequada e justa, caso incida sobre todos os pontos em questão.
8. Tal envolve, no caso dos autos, que estes se não reconduzam a um encadeado de
apreciações parcelares por parte das sucessivas instâncias jurisdicionais
intervenientes.
9. A final, optando sempre pelo predomínio de razões de forma sobre as (sempre
alegadas como) razões de fundo.
10. Com o que sempre se adia a resolução de mérito que se impõe a propósito
designadamente dos (invocados nos autos) artigos 400.º, 410.º e 420.º do Código
de Processo Penal!
11. E se neste esforço de apreciação entende ou não esse Tribunal ser
imprescindível, por igual, o contributo de todos os operadores judiciários.
12. Sem prejuízo, claro, de competir aos julgadores envolvidos a palavra final,
após dilucidação de todo o contexto dos autos, maxime tratando-se de intervenção
que, em última análise, dirima todas as questões suscitadas.
13. Qualquer que seja a sua proveniência: recorrentes, ministério público e
julgadores de quaisquer instâncias.
14. Sendo que antes da decisão final todos os convites para o desejável
aperfeiçoamento da matéria dos autos serão adequados e exigíveis para adequada
dilucidação do contexto que a enquadra.
15. Devendo, assim, haver-se por necessária a sua tempestiva formulação – cf.
anteriores decisões desse mesmo Tribunal a este propósito.
16. Sendo certo que todo o processo a submeter à decisão desse Tribunal
Constitucional tem de estar à disposição de V.Ex.as, Senhores Conselheiros do
Tribunal Constitucional – como pressuposto dessa mesma decisão, precedendo
circunstanciada análise que assegure a almejada tutela jurisdicional EFECTIVA, a
bem da Justiça material.
17. Requerem ainda seja explicitado se esse Tribunal considera ter sido
proferida decisão final que assegure a almejada tutela jurisdicional efectiva –
a que também os recorrentes se sentem com direito – bem como se as anteriores
instâncias jurisdicionais actuaram de molde a assegurar essa mesma tutela
jurisdicional.
18. Bem como se o facto de a resposta do Exm.º representante do Ministério
Público junto desse Tribunal (aí registada em 14 de Abril de 2005) não ter sido
notificada ao mandatário dos aqui reclamantes senão em conjunto com a decisão
final da reclamação, datada de 20 de Abril p. p. tem ou não a virtualidade de
comprimir injustificadamente o direito de contraditório e de defesa dos
reclamantes, direitos que aqui invocam, para os legais efeitos.
19. Acresce que nos elevadíssimos encargos judiciais fixados aos recorrentes é
omissa a referência ao apoio judiciário oportunamente concedido, razão pela qual
se requer agora também aclaração a tal respeito.
20. E aclaração, finalmente, sobre se a previsível resposta negativa às questões
que acabam de formular-se têm a virtualidade de desencadear a reforma da decisão
final tomada por esse Tribunal, como se requer.»
2.Em resposta, o representante do Ministério Público, junto do Tribunal
Constitucional, conclui pela ostensiva inadmissibilidade de tais pedidos de
aclaração e reforma por “não se verificarem os pressupostos dos incidentes
pós-decisórios suscitados”, acrescentando que o pedido de aclaração “é
verdadeiramente ininteligível (...), já que se não coloca qualquer dúvida
objectiva a remover pelo Tribunal – assentando tal pretensão num evidente e
indesculpável conhecimento pelo reclamante da fisionomia e objecto do recurso de
constitucionalidade, de carácter estritamente normativo”, e ainda que, “[q]uanto
ao insólito pedido de ‘reforma’, é evidente que não ocorreu qualquer ‘lapso’ do
tribunal na apreciação das questões suscitadas, pelo que carece o mesmo de
fundamento sério.”
Cumpre apreciar e decidir.
3.Como se sabe, o pedido de aclaração de decisões judiciais não é via idónea
para obter a alteração do decidido, mas, apenas, para esclarecer ambiguidades,
faltas de clareza ou a eventual obscuridade do fundamento dessa decisão. Pelo
que não pode pretender-se utilizar a via do pedido de aclaração simplesmente
para manifestar discordância em relação aos fundamentos claros da decisão, e
obter a sua alteração.
Ora, no presente pedido de aclaração, o reclamante não invoca sequer qualquer
ambiguidade, faltas de clareza ou obscuridade da decisão ou do seu fundamento,
limitando-se a exprimir a sua discordância em relação ao fundamento para o não
conhecimento do recurso de constitucionalidade que interpôs, o qual, nos termos
do acórdão reclamado, consistiu na não verificação dos respectivos pressupostos
– isto é, a não aplicação, pelo tribunal recorrido, das normas impugnadas (o que
sempre obstaria a que a decisão do Tribunal Constitucional sobre estas pudesse
ter qualquer projecção útil sobre a decisão recorrida), e, em parte, a falta de
suscitação da sua inconstitucionalidade, durante o processo.
Por outro lado, a existência de apoio judiciário, igualmente invocada pelo
requerente, em nada afecta a condenação em custas, pois apenas contende com a
exigibilidade do respectivo débito. Também neste ponto, como nos restantes, o
acórdão reclamado não enferma de qualquer ambiguidade ou obscuridade que
necessite ser esclarecida. Resulta, até, da própria fundamentação do pedido que
o requerente não ficou com dúvidas sobre o que no aresto se decidiu, nem sobre
as razões da decisão tomada, mas antes que discorda desse fundamento, pois é
desta discordância que se dá conta no pedido da aclaração. Porém, este não serve
para expor divergências relativamente à decisão tomada, e obter nova pronúncia
do Tribunal, mas apenas para ver esclarecidas dúvidas que resultem de
ambiguidades ou obscuridades que a decisão contenha. Como o requerente não tem –
nem podia ter, à luz do teor da decisão reclamada – dúvidas, mas sim
discordâncias, e a decisão não enferma de obscuridades ou ambiguidades, há que
desatender o pedido de aclaração formulado.
4.Também o pedido de reforma da decisão (aliás, deduzido sem invocação das
disposições legais em que se fundamenta) carece ostensivamente de fundamento,
pois não se detecta na decisão reclamada – nem sequer é invocado pelo recorrente
– qualquer lapso na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica
dos factos, nem existem no processo quaisquer elementos que, só por si,
implicassem decisão diversa da proferida, que não hajam sido tomados em
consideração. Antes o acórdão reclamado, como já antes a decisão sumária,
tomaram em conta, como elementos decisivos existentes nos autos, o requerimento
do recurso de constitucionalidade e a decisão recorrida, do Supremo Tribunal de
Justiça (bem como, em relação à questão da suscitação da inconstitucionalidade
durante o processo, as peças processuais apresentadas pelo recorrente perante
aquele Supremo Tribunal, indicando, mesmo, o local dos autos onde tais peças se
encontram – designadamente, fls. 499).
E também os restantes argumentos invocados pelo reclamante não constituem sequer
fundamento para qualquer reforma da decisão (isto, para além da sua manifesta
improcedência, como se verifica quanto à contestação, que faz, da possibilidade
de resposta, pelo Ministério Público, à sua reclamação para a conferência, que
não representa mais do que, justamente, a obediência ao princípio do
contraditório, e em que não foram, aliás, suscitadas quaisquer questões novas).
5.Com estes fundamentos, decide-se desatender os presentes pedidos de aclaração
e de reforma do acórdão n.º 214/2005, e, por conseguinte, condenar o requerente
em custas, fixando a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 24 de Maio de 2005
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos