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Processo n.º 296/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A Câmara Municipal de A. reclama para a conferência, ao abrigo do
disposto no n.º 3 do art. 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua
actual versão (LTC), da decisão sumária proferida pelo relator, no Tribunal
Constitucional, de não conhecimento dos recursos de constitucionalidade
interpostos dos acórdãos prolatados pelo Tribunal da Relação de Guimarães TRG),
de 15 de Outubro de 2003, e do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 13 de
Janeiro de 2005.
2 – Fundamentando a sua reclamação, a reclamante desenvolve o seguinte
discurso argumentativo:
«QUESTÃO PRÉVIA
1. – A Requerente reconhece e compreende que há excesso de trabalho nos nossos
tribunais, a todos os níveis: também aqui! É público e notório!
2. – A sociologia do direito demonstra o que é habitual ocorrer (o signatário
fala, também, em nome de 37 anos de profissão):
a. – Raramente as principais “vítimas” da situação reclamam perante os titulares
do poder político, exigindo condições dignas de trabalho: alargamento dos
quadros; mais údiceias; mais e melhores instalações; mais apoio técnico; etc.
b. – Quase sempre as principais “vítimas” deste processo (que são os
magistrados, funcionários) têm tendência para apreciar as questões postas de um
modo formal, mais rápido, acabando as questões de fundo por não serem julgadas:
até é mais fácil “resolver” o litígio!
3.- Mas, quando se chega a uma situação insustentável. Na qual tais
“expedientes” não são suficientes para resolver problemas estruturais atinentes
ao funcionamento do sistema judiciário, surgem outros “expedientes” do próprio
legislador (encarecer a justiça, privatizar alguns dos seus aspectos, formas de
justiça “administrativa”, etc.);
4.- nomeadamente facultando ao julgador a possibilidade de proceder a um
julgamento … sumário (Ex: arts. 701º, nº 1 e 705º do C. P. Civil. Julgamento
sumário significa que se tenha de FUNDAMENTAR a “evidência”,
a. – pois a celeridade da justiça não pode ser causa de decisões não motivadas,
b. – sendo certo que aquilo que será evidente para um, já não acontecerá para
outro!
5.- De resto, não será pelo facto do Ex.mo Conselheiro Relator ter procedido a
uma análise detalhada das duas questões em apreço que se justificará tal
hipotética ….”evidência”. Quer dizer: o Ex.mo Conselheiro Relator não chegou ou
a abordar a QUESTÃO PRÉVIA do julgamento sumário, incidindo, de imediato, na
análise das questões de fundo que estavam em apreciação (mesma na versão de não
conhecimento).
6.- Por isso, na forma como tal aconteceu, não era legítimo que o Ex.mo
Conselheiro Relator decidisse não tomar conhecimento do objecto do presente
recurso. De resto, não se pode presumir que estão confirmadas algumas das
circunstâncias a que VITAL MOREIRA se refere em artigo recente – B. F . Direito
– Volume comemorativo – 2003, pág. 841. Como o legislador, também entendemos que
não se deve recorrer para este V. Tribunal como se houvesse uma 4ª instância
normal. Mas não temos culpa da ocorrência da seguinte REALIDADE:
a.- Ao contrário do que alguns pretendiam (mera Secção no S.T.J.), o T.
Constitucional justificou-se a si mesmo, por ter vindo dar resposta a uma
necessidade específica, e pela qualidade das suas decisões.
b.- Pela sua composição, veio “quebrar” determinados “vínculos” corporativos
existentes.
c.- O seu êxito manifesto poderá transformar-se no que é o “pesadelo” da justiça
em geral!
II
7.- A Douta Decisão reclamada não tomou conhecimento do “objecto do recurso”,
reportando-se naturalmente aos dois recursos de constitucionalidade interpostos
pela Câmara Municipal recorrente: o do Acórdão do S. Tribunal de Justiça
(recurso de fls. 1863 a 1864) e o do Acórdão do T. Relação de Guimarães (recurso
de fls. 1775-1779).
8.- Não aceita, porem, a Câmara recorrente o decidido quanto a esses recursos,
nem concorda com os fundamentos invocados na douta Decisão reclamada. Assim e
por partes;
a.- O recurso do Acórdão do S.T.J. não foi mandado seguir pelo Juiz Relator para
a fase seguinte das alegações, não se tomando, por consequência, dele
conhecimento, pela simples e única razão de que a decisão a proferir em sede de
recurso de constitucionalidade nunca “teria a virtualidade de afectar o teor da
decisão recorrida”, não cabendo ao Tribunal Constitucional “sindicar o juízo
aplicativo feito pelo Tribunal a quo”.
b.- Não se questionando o que diz o Juiz-Relator, na linha do entendimento
constante do Tribunal Constitucional, acerca da projecção da decisão do Tribunal
sobre o caso sub údice, havendo que entender, nessa medida, com a decisão
recorrida (e a pronúncia não pode, e não deve, recair sobre “pleito puramente
teóricos ou académicos”), a DISCORDÂNCIA, todavia, está na simples afirmação que
consta da DECISÃO reclamada, de que atendendo “ao decidido pelo Supremo Tribunal
de Justiça, onde, expressis verbis, se considerou que o Tribunal da relação do
Porto não limitou o exame futuro da lide a uma única questão (a avaliação da
parcela expropriada como terreno da RAN) tendo apenas o alcance de vincular os
peritos à consideração de que a parcela expropriada que não integra a RAN tem de
ser classificada como “solo apto para construção” e a parte que integra a RAN
tem de ser classificada como “solo para outros fins”, isto seria o bastante para
dar como verificado que “o critério legal em crise não foi, afinal, aplicado ao
caso concreto, como ratio decidendi do juízo proferido”. Assim só e nada mais,
não se retirando daí outra consequência.
- Para além da incompreensão do alcance a que se quer chegar com a consideração
retirada do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, é bem verdade que a leitura
deste Acórdão tem de ser outra e para a sua verdadeira compreensão deve
atentar-se na CONSULTA que foi junta aos autos, conquanto sobre o mérito do
recurso de constitucionalidade, sendo útil a sua leitura cuidada, mesmo numa
perspectiva processualista.
- É que, e para encurtar razões que constam dessa CONSULTA, o Supremo aceitou
que a decisão do Tribunal da Relação do Porto “conheceu de uma única questão” (a
de saber se uma parte da parcela expropriada devia ter sido avaliada como solo
para outros fins (ao invés de ter sido toda ela avaliada como tendo aptidão
construtiva”)) e que o “alcance do caso julgado do acórdão da Relação no tocante
à única questão tratada – como antecedente lógico da parte definitiva desse
aresto – é o de vincular os peritos, na avaliação que efectuaram, e as
instâncias, na determinação do montante da indemnização devido, à classificação
a parcela de terreno expropriada segundo a apontada dicotomia, dependente da
integração ou não na RAN.
- Mas, o mesmo Supremo numa aparente contradição aceitou também que os Peritos
“vieram ao novo laudo maioritário indicar uma verba atinente à desvalorização
das partes sobrantes”, ao contrário do que tinham entendido no laudo maioritário
anulado, excedendo aquele alcance do caso julgado do acórdão da Relação do
Porto, e tudo isto foi seguido na segunda sentença da primeira instância, ao
arrepio desse acórdão, tendo depois a sentença sido confirmada, no essencial,
pelo Acórdão da Relação de Guimarães, de 15 de Outubro de 2003 (e esta decisão
foi confirmada também pelo acórdão recorrido do Supremo).
Ora, o Supremo, nesse Acórdão, moveu-se só no âmbito do CASO JULGADO,
interpretando e aplicando as normas pertinentes do caso julgado e, nesta sede,
menosprezou as decisões das instâncias relativamente, pelo menos, à matéria da
hipotética desvalorização das partes sobrantes, aceitando a sua livre
modificabilidade, a partir da alterabilidade das posições assumidas pelos
Peritos, no novo laudo maioritário,
Isto não é um daqueles “pleitos puramente teóricos ou académicos”, antes é o
eixo de uma questão normativa quanto ao alcance do caso julgado que,
decisivamente, pode afectar o teor da decisão do Supremo. Assim, a decisão
reclamada não pode manter-se por não ter tomado em consideração o eixo da
questão normativa em questão.
Ora, ao contrário do que se refere no Douto despacho reclamado (fls. 11), no
caso em apreço estava em causa a inconstitucionalidade da(s) norma(s) que
constitui[u](ram) a ratio decidendi do juízo recorrido: pelo que a decisão a
proferir e solicitada ao Tribunal Constitucional se projectará necessariamente
sobre o caso “sub údice”, contendendo, nessa medida, com a decisão recorrida
Como é óbvio, repete-se, não estamos, aqui, perante uma espécie de “pleitos
puramente teóricos ou académicos”: tal resulta, de resto, em termos inequívocos,
do conteúdo do próprio Acórdão do S. T. Justiça. Salvo o devido respeito, chega
a ser ABSURDO que se tenha entendido que naquele Acórdão se discutiu um “pleito
puramente teórico ou académico”: não é verdade que a ÚNICA QUESTÃO apreciada
pelo “Supremo”, a partir de uma lide concreta, com pedidos e causa de pedir
específicos, foi a da inconstitucionalidade das normas invocadas, na sua
dimensão interpretativa?!...
III
Também o recurso do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães (recurso de fls.
1775-1779) não foi mandado seguir pelo Juiz-Relator para a fase das alegações,
não se tomando, por consequência, dele conhecimento, pela única razão de se não
poder ter-se por “adequadamente suscitada uma questão de constitucionalidade” e
antes “a inconstitucionalidade foi imputada ao juiz decisório, resultante do
processo fáctico-valorativo desenhado pelas instâncias”.
O JUIZ-RELATOR, depois de considerar que se apresenta “inútil dar cumprimento”
ao nº 5, do artigo 75º-A, da L.T.C., dada “a inverificação de outro pressuposto
do recurso” e é aquela falta de suscitação adequada da questão de
inconstitucionalidade normativa no caso concreto – alongou-se numa “pedagogia”
sobre aquele pressuposto, numa óptica processualista e formal, citando e
transcrevendo jurisprudência conhecida do Tribunal Constitucional.
Não questionando aqui a Câmara reclamante que sobre ela impendia e impende o
ónus de suscitar a questão da inconstitucionalidade normativa, sabendo
perfeitamente o que isso significa, em termos de “um discurso de antítese entre
a norma infra-constitucional “ou certa dimensão interpretativa da mesma, (…), e
um parâmetro constitucional (preceito ou princípio constitucional), para usar a
linguagem da decisão reclamada, não aceita, porém que se conclua, como nela se
conclui, que não tenha cumprido aquele ónus.
Para tal, limitou-se o JUIZ-RELATOR a transcrever um trecho das conclusões
apresentadas perante o Tribunal da Relação de Guimarães, mas há mais nessa peça
processual que se pode aproveitar em favor da Câmara reclamante.
ASSIM, diz-se na conclusão Z (nºs 33 a 48 das alegações), repetindo o texto das
alegações, que “a expropriada por força da expropriação iria receber um valor
superior ao valor do mercado, o que se traduziria numa violação com princípio da
justa indemnização do art. 62º, nº 2, da Constituição”, o que inculca o tal
“DISCURSO DE ANTÍTESE” ante as normas em causa do Código das Expropriações e
aquele princípio constitucional.
MAIS ADIANTE: nas conclusões das alegações apresentadas pela Câmara recorrente,
ora Reclamante, perante o Tribunal da Relação do Porto, é clara a afirmação de
que a “aplicação do art. 26º, nº 2, do Código das Expropriações (1991) à área
abrangida pela RAN de Barcelos, (…) violaria o princípio constitucional da justa
indemnização, na medida em que atribui aos expropriados uma indemnização que
ultrapassa o valor real e corrente ou o valor de mercado do solo expropriado”,
ou seja, “no sentido do mesmo art. 26º, nº 2, seria inconstitucional, tal como
foi interpretado e aplicado” (conclusões “R” e “S”, na linha do discurso que
pode ler-se no Título IV das mesmas alegações sob a epígrafe
“Inconstitucionalidade” e que, por comodidade não se vai agora transcrever).
Da leitura conjugada dessas peças processuais, aliás sobre a mesma temática do
Critério da indemnização, à luz do princípio constitucional da justa
indemnização, resulta claro que a Câmara Recorrente, relativamente às normas
invocadas do C. Expropriações (Ex: 26º, nº 2) USOU SEMPRE e CONSTANTEMENTE um
discurso de suscitação de inconstitucionalidade normativa, traduzindo uma
alegação perceptível e complementada em tais peças de que há norma ou conjunto
normativo a afrontar o princípio constitucional e o porquê desse afrontamento.
IV
FINALMENTE, ainda se dirá, em relação a qualquer dos recursos, que a aplicação
da norma tanto pode ser expressa como implícita (acs. 88/86, 47/90 e 235/93) e a
questão da inconstitucionalidade tanto pode reportar-se apenas a certa dimensão
ou trecho da norma, como a uma certa interpretação da mesma (acs. 114/89;
612/94, 126/95, 178/95, 243/95, 305/90, 23/94, 176188, 764/93 e 51/92).
Afirmar que determinada interpretação, dada pelo tribunal recorrido, não poderia
ter sido querida pelo legislador, sob pena de inconstitucionalidade, vale por
arguição de inconstitucionalidade da norma em causa. Afirmar que uma norma, na
interpretação que lhe foi dada por qualquer tribunal afronta a lei fundamental,
vale como arguição de inconstitucionalidade e é, assim, fundamento de recurso
(ac. Nº 31/88).».
Com o articulado da reclamação a reclamante juntou um parecer
subscrito por Guilherme da Fonseca e João Martins Claro.
3 – Os recorridos não responderam à reclamação.
4 – A decisão reclamada tem o seguinte teor:
«1 – A Câmara Municipal de A., não se conformando com o teor da decisão
proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães, dela interpôs recurso para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro (LTC) – pretendendo ver apreciada a
(in)constitucionalidade “do conjunto normativo de preceitos do Código das
Expropriações de 1991 – arts. 24º, 25º e 26º - , com interpretação ou dimensão
interpretativa com que foram interpretados e aplicado no Douto Acórdão
recorrido, conquanto não venham nele identificados, interpretação ou dimensão
interpretativa essas que conduziram, e por mera adesão ao laudo pericial
maioritário, a um cálculo do valor da indemnização da parcela expropriada e da
desvalorização das partes sobrantes no tocante ao solo pretensamente apto para
construção, muito superior ao que poderia resultar das regras de mercado
corrente (e a interpretação correcta desses preceitos, aplicando-os ao caso
presente, conduziria antes, a partir da aptidão edificativa do solo expropriado
verdadeiramente a ter em conta, e da desvalorização das partes sobrantes, a um
valor da indemnização correspondente ao real valor de mercado da dita parcela);
de resto, tendo ficado assente que as parcelas sobrantes continuavam servidas
pelas vias públicas, existente e projectada, avaliar a sua “desvalorização” da
parte sobrante “B” em 90% seria dar-lhe quase todo os seu valor e mantê-la na
propriedade e posse dos expropriados – seria, até, sufragar uma fraude!” –,
recorrendo, simultaneamente, para o Supremo Tribunal de Justiça invocando a
violação do caso julgado.
Da decisão do Supremo Tribunal de Justiça, que negou provimento às pretensões
alegadas pela Recorrente, foi interposto novo recurso para o Tribunal
Constitucional, também ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, aliena b) da LTC, desta
feita para ser “apreciada a inconstitucionalidade dos arts. 671º, nº 1 e 673º do
C. Proc. Civil, com a dimensão interpretativa com que foram aplicadas essas
normas no douto Acórdão recorrido, segundo a qual não há ofensa de caso julgado
formado por anterior ou anteriores decisões das instâncias quando nelas se
limitou o exame futuro da lide a uma única questão (a avaliação da parcela
expropriada enquanto terreno da RAN) mas, depois, se alargou esse exame a outras
questões, como seja, pelo menos, a indicação de uma verba atinente à
desvalorização das partes sobrantes”.
2 – Perscrutando os autos, deles emerge, com relevância para a resolução do
caso sub judicio, que:
Nos autos de expropriação em que é expropriante a Câmara Municipal de A. e em
que são referidos como expropriados, B., C., D. casada com E., F. casada com G.
e H. casado com I., encontrando-se junta aos autos, a fls. 826 a 860, escritura
de conferência e partilha na qual o imóvel em causa foi adjudicado a B., foi,
por despacho do Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do
Território de 20/8/97, publicado no DR nº 216, II Série, de 15/9/97, declarada a
utilidade pública urgente da expropriação da parcela de terreno com a área de
21.200 m2, confrontando do norte, sul e poente com caminho e do nascente com a
“J.”, a desanexar do prédio denominado “Quinta L.”, sito na freguesia e concelho
de Barcelos, inscrito na matriz rústica sob o art. -- e descrito na
Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o nº --------, parcela essa
designada pelo nº --- da planta de fls. -----.
Dado a expropriante e os expropriados não terem chegado a acordo quanto ao preço
da aludida parcela a expropriar, procedeu-se a arbitragem, tendo a expropriante
procedido ao depósito da quantia de 57.433.600$00 e, recebido o processo em
Tribunal, foi proferido despacho de adjudicação da parcela expropriada à
expropriante.
Os expropriados recorreram da decisão arbitral, considerando que a parcela
expropriada tem valor não inferior a 249.929.600$00, devendo ser atribuída à
expropriada uma indemnização pela desvalorização das partes sobrantes não
inferior a 53.120.000$00 e uma indemnização autónoma para repor o muro de
vedação das partes sobrantes não inferior a 10.000.000$00.
Admitido o recurso, procedeu-se a avaliação da parcela de terreno expropriada e
que consta de fls. 979 a 984, tendo tal relatório sido subscrito por quatro
peritos (o indicado pelos expropriados e os nomeados pelo Tribunal), os quais
indicaram como valor adequado às características da parcela a expropriar o de
201.148.160$00 e, relativamente à vedação da parte sobrante, 7.000.000$00, tudo
num total de 208.148.160$00, inexistindo qualquer desvalorização das parcelas
sobrantes, atendendo a que elas ficam servidas, num caso pela via pública
existente e, no outro, pela via projectada.
O perito da expropriante subscreveu o relatório de fls. 961 a 968, no qual
concluiu que o valor adequado às características da parcela a expropriar é o de
77.804.000$00.
Foi proferida sentença onde, julgando-se parcialmente procedente o recurso,
fixou-se em 208.148.160$00 o montante a pagar pela expropriante aos
expropriados.
Foi interposto recurso de apelação para a Relação do Porto, tendo sido proferido
acórdão onde, considerando-se que a parcela em causa devia ser avaliada como
solo apto para construção na parte em que escapou à RAN e como solo para outros
fins na parte em que não escapou, ordenou a elaboração de novos laudos em
conformidade com o referido.
Na sequência deste acórdão, o perito da expropriante subscreveu o relatório de
fls. 1246 a 1258 no qual concluiu que o valor adequado às características da
parcela a expropriar é o de 282.927 €; e os quatro peritos (o indicado pelos
expropriados e os nomeados pelo Tribunal) subscreveram o relatório de fls. 1265
a 1273, indicando como valor indicado às características da parcela a expropriar
o de 1.025.074,57 €, correspondendo 109.819,200$00 ao solo apto para construção,
42.725.000$00 ao solo apto para outros fins, 750.000$00 a benfeitorias,
7.000.000$00 à vedação das partes sobrantes e 45.214.800$00 à desvalorização das
partes sobrantes.
Foi proferida nova sentença onde, julgando-se parcialmente procedente o recurso,
se fixou o valor da indemnização em 1.025.074,57 € a actualizar, a partir da
data da declaração da utilidade pública até à data do trânsito em julgado da
sentença, de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com
exclusão da habitação, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística.
A expropriante apelou para o Tribunal da Relação de Guimarães, sustentando, nas
suas alegações, que:
“A – A sentença deve ser motivada (arts. 208º, n.º 1, CRP, e art. 158º, n.º 1,
do CPC.).
B – A deficiência, obscuridade, contradição ou falta de fundamentação das
respostas, além de poderem ser arguidas mediante reclamação (art. 653º, n.º 4,
do CPC) podem sê-lo, ainda, no recurso a interpor da sentença.
C – No presente caso há certos factos determinantes para a decisão da causa que
se encontram em contradição por o douto Julgador a quo não ter procedido a uma
decisão sobre a matéria de facto.
D – Estas contradições decorrem duma ausência de avaliação crítica dos elementos
de factos fornecidos pelos Srs. Peritos nos seus laudos bem como das respostas
aos esclarecimentos pedidos.
E – Daí que se imponha a rectificação da matéria de facto assente de forma a
poder-se fazer uma correcta avaliação da parcela expropriada.
F – Outra razão do presente recurso pretende-se com a discordância com a
avaliação efectuada pelos seus Srs. Peritos maioritários e subscrita pela douta
sentença, o que se traduz numa violação do princípio da justa indemnização.
G – Em primeiro lugar, não se compreende que, se se considerou que todos os
peritos foram unânimes em determinar que 17.644 m2 da parcela expropriada
estavam incluídos na RAN, se adopte a área de 17.090 m2 subscrita pelos Srs.
Peritos maioritários para determinar o valor do solo para outros fins.
H – Consequentemente, se a parcela tem uma área global de 21.200 m2, dos quais
17.644 m2 pertencem à RAN e são avaliados como solo para outros fins, a parcela
expropriada não pode ter 4.100m2 de solo apto para construção incluídos em zona
de alta densidade, mas apenas 3.556 m2.
I – Por outro lado, estando 1.763 m2 desta área apta para construção a mais de
50 metros de profundidade da EN -----, esta área não pode ser avaliada da mesma
forma de ter o mesmo valor da área que se encontra a menos de 50 metros de
profundidade da mesma via de acordo com o disposto com o art. 25º, n.º 5, do CE
de 91.
J – Deve, portanto, neste aspecto, ser seguido o laudo do perito designado pela
entidade expropriante na medida em que se faz uma avaliação diferenciada da área
com aptidão construtiva mas que se encontra a mais de 50 metros de profundidade
de EN ------, sendo o seu valor de 20% em relação ao restante.
L – Quando na parcela a expropriar ainda não existam construções, o cálculo do
valor do solo apto para construção deve ter em conta o valor provável de
construção “que nele seja possível efectuar de acordo com as leis e regulamentos
em vigor, num aproveitamento economicamente normal, à data da declaração de
utilidade pública”.
M – Ora aplicar os índices urbanísticos máximos previstos no PDM de Barcelos
para zonas de construção de alta densidade à área global com aptidão edificativa
não é ter em conta aquilo que provavelmente seria possível construir nesta área
que se situa a menos de 50 metros de profundidade da EN -----.
N – Importa ainda referir que aplicar os índices urbanísticos máximos a esta
parte a parcela com aptidão edificativa não é ter em conta aquilo que nesta
parte da parcela seria possível construir de acordo com as leis e regulamentos
em vigor, pois aplica-se estes índices máximos à globalidade desta área da
parcela sem se proceder previamente ao cálculo das cedências de terreno
obrigatórias para o domínio público.
O – Porém, de acordo com o art. 6º, al. B), do Regulamento do PDM de Barcelos
(publicado do DR nº 152 de 14/6/95), os índices urbanísticos previstos no mesmo
regulamento devem ser aplicados à área da parcela a edificar depois de
efectuadas as referidas cedências obrigatórias ao domínio público.
P – Isto significa que a consideração da construção idealizada pelos Srs.
Peritos maioritários teria, necessariamente, que ter uma área de implantação e
volumetria superior àquela permitida pelo PDM de Barcelos, violando-se o art.
25ºC.E. 91.
Q – A anterior sentença no presente processo, conclui que não seria de atribuir
qualquer indemnização autónoma pela desvalorização das partes sobrantes
“atendendo a que, as mesmas ficam servidas, num caso, pela via pública
existente, e no outro pela via projectada”.
R – Desta parte da sentença não “foi interposto recurso pela expropriada nem
pela entidade expropriante (como se pode verificar das conclusões de recurso
interposto).
S – Ora, a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e nos termos em
que julga (art. 673º do C.P.C.), ou seja, para aferir a existência de caso
julgado há que atender não apenas à conclusão final de procedência ou
improcedência do pedido mas a todas as questões objecto da causa e decididas na
mesma sentença,
T – Por outro lado, estando a sentença limitada aos valores peticionados e
fundamentos invocados pela expropriada no requerimento de interposição de
recurso (art. 56º do CE 91), nos casos como o dos autos em que este se baseia em
discordância dos critérios adoptados no Acórdão para determinação do montante
indemnizatório, e tendo esta admitido que a parte sobrante A não sofria qualquer
desvalorização, não poderia o tribunal nesta parte ultrapassar o valor pedido
pela expropriante.
U – Estando as partes sobrantes em terrenos classificados como de RAN (cfr.
Levantamento topográfico junto a fls. 1 353). A sua desvalorização só se poderia
verificar se se concluísse que não era possível delas retirar qualquer
aproveitamento económico em termos agrícolas.
V – Ou seja, a desvalorização das partes sobrantes só poderia ocorrer que
ficasse diminuído o aproveitamento económico normal em termos agrícolas das
mesmas, o que não sucedeu, e não por estar impedida a sua ocupação urbana.
X – Por outro lado, estando a parte sobrante B incluída em RAN não se compreende
que a sua desvalorização seja calculada tendo em referência o valor de terreno
de m2 determinado pelos peritos maioritários para a área com aptidão construtiva
(Esc. 26.700$00/m2).
Z – Por estes motivos, a expropriada, por força da expropriação, iria receber um
valor superior ao valor de mercado, o que se traduziria numa violação do
princípio da justa indemnização (art. 62º nº 2 da Constituição), pois este
princípio funciona em dois sentidos quer para o expropriado (não receber menos
do que o valor do mercado) quer para a expropriante (não pagar mais do que o
valor de mercado).
A.A.- Foram violadas as disposições dos arts.25º, 56º, do CE 91, art. 158º, n.º
1, 653º do CPC e arts. 62º, n.º 2, 208º, n.º 1, da CRP”.
Por acórdão de 15 de Outubro de 2003, o Tribunal da Relação de Guimarães julgou
improcedentes os agravos que foram interpostos e parcialmente procedente a
apelação, revogando a sentença recorrida na parte atinente ao montante da
indemnização a pagar pela expropriante à expropriada, fixando tal indemnização
em 192.091.120$00 (958.146,47 €), confirmando no mais a sentença recorrida.
Desta decisão, veio a expropriante interpor dois recursos: um, para o Supremo
Tribunal de Justiça, por ofensa do caso julgado; outro, para o Tribunal
Constitucional, nos termos mencionados.
No recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, a Recorrente sustentou que:
“A – O acórdão em apreço, na sequência de decisões anteriores (Ex: 2a sentença
da 1ª instância) violou o caso julgado formado por 2 decisões judiciais
anteriores.
B – Pela 1ª sentença da 1ª instância, não infirmada pelo acórdão da Relação do
Porto, ficou assente que as parcelas “A” e “B” não tinham ficado com qualquer
desvalorização,
C – Porque uma parcela continuava a ter ligação com a via pública.
D – Enquanto a outra parcela passava a ter ligação com a via pública a
construir.
E – De resto, os expropriados sempre reconheceram que a parcela sobrante “A” não
sofria de qualquer desvalorização.
F – Pelo que o reconhecimento oficioso posterior de uma falsa desvalorização,
para além de violar o caso julgado, também seria uma nulidade, por ir além do
pedido.
G – Os expropriados não recorreram da sentença da 1ª instância, pelo que se
processou um julgamento parcial e definitivo de tais questões.
H – A única questão que foi objecto de apreciação pelo acórdão da Relação do
Porto teve como objecto o critério de avaliação da parcela expropriada e,
I – Nesta parte, decidiu definitivamente que tal parcela não podia ser avaliada
como terreno de construção mas, sim, como terreno para outros fins (RAN).
J – Declarando nulos tanto o laudo dos peritos, como a sentença nele baseada,
K – Ordenando a sua repetição.
L – Não era lícito, nem permitido, aos peritos virem proceder a uma nova
avaliação das parcelas sobrantes, já que nem era essa a “ordem” do acórdão da
Relação do Porto,
M – Nem, muito menos, proceder à avaliação da sua hipotética desvalorização (75%
e 90%).
N – E tão só com o objectivo de “conseguirem” um valor aproximado da anterior
avaliação.
O – Só por grosseira e lamentável má fé dos peritos é que estes, de um momento
para o outro, passam de uma desvalorização Zero para 75% e 90% em relação a tais
parcelas sobrantes. Ora,
P – Ao aceitarem este “critério”, tanto a 2ª sentença da 1ª instância como o
acórdão em apreço violaram o caso julgado formado anteriormente. Sem conceder:
Q – Para além de terem aceite uma avaliação das parcelas sobrantes feita em
termos de terrenos de construção,
R – Quando é certo tais parcelas sobrantes estarem sujeitas ao mesmo regime de
RAN) da parcela expropriada. De facto,
S – Se fosse admissível tal avaliação das parcelas sobrantes, se não existisse
caso julgado, uma vez aceite e reconhecido que a parcela expropriada não é
terreno de construção, também a situação é igual em relação àquelas.
T – O acórdão da Relação do Porto, tendo formado caso julgado, também é violado
na medida em que limitou o exame da lide a uma única questão para o futuro:
avaliação da parcela expropriada enquanto terreno da RAN.
U – Pelo que, quando são apreciadas e decididas outras questões, está a
violar-se o caso julgado formado.
V – Foram violadas as regras legais constantes dos arts. 497º, 498º, 668º, 672º,
677º, 671º, 673º do C.P.C., assim como os princípios constitucionais do Estado
de Direito, da intangibilidade do caso julgado, da segurança e estabilidade
jurídicas e outras disposições e princípios legais”.
Por acórdão de fls. 1841 e ss., o Supremo Tribunal de Justiça decidiu negar
provimento ao recurso, sustentando o seu juízo na consideração dos seguintes
argumentos:
“As instâncias julgaram provados os seguintes factos:
1- Por despacho do Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento
do Território de 20/8/97, publicado no DR n° 216, II Série, de 15/9/97, foi
declarada a utilidade pública urgente da expropriação da parcela de terreno com
a área de 21.200 m2, confrontando do norte, sul e poente com caminho e do
nascente com a “J.”, a desanexar do prédio denominado “L.”, sito na freguesia e
concelho de Barcelos, inscrito na matriz predial rústica sob o art. ---º e
descrito na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o nº ---------,
parcela essa designada pelo nº -- da planta constante de fls. -----, sendo tal
parcela necessária à construção do “Lanço -----------”, obra denominada
“------------”.
2- Por escritura de Conferência e Partilha celebrada no dia 27/10/1983, no 1º
Cartório Notarial da Secretaria Notaria! Da Póvoa de Varzim, foi adjudicada a B.
o prédio misto, composto de casa, logradouro, terras de cultivo, denominado
“L.”, sito na cidade e concelho de Barcelos, na Avenida ---------------------, a
confrontar do norte com estrada nacional, do sul e nascente com M. e do poente
com a rua onde é sito, e inscrito na matriz: urbana sob o art. ----º e na
rústica sob o art. ---º e descrito na CRPredial sob os nºs -------- do livro
B------ e ------ do livro B-----, conforme certidão de fls. 836 a 860, cujo teor
se dá por integralmente reproduzido.
3- A expropriante tomou posse administrativa da parcela em 10 de Novembro de
1997.
4- O solo, de natureza argilo-arenosa, dispõe de espessa camada vegetal, dado
que é plano e irrigado por água de captação por mina cuja boca fica situada a
cerca de 300m do Rio údice, desenvolve-se no sentido Sul-Norte, pode
considerar-se como de cultivo da classe B.
5- Consta do relatório subscrito pelos quatro peritos que:
a) Dos 21.200m2 da parcela expropriada, 4.100m2 constituem solo apto para
construção dos quais 1.110m2 são a confrontar a norte com a Av. --------------
(EN ------) e 3.000m2 vão da faixa de 50m, ao longo do arruamento confrontante
com o prédio pelo poente, e 17.090m2 constituem solo apto para outros fins.
b) Consideraram solo apto para construção as porções de terreno expropriado que
dispunham de frente para arruamentos urbanos pavimentados dotados de
infraestruturas urbanísticas, espaços não incluídos na RAN, as quais podiam ver
realizada a sua ocupação urbana sem que fosse necessário recorrer ao loteamento
urbano, por a ocupação se poder realizar através de um complexo comercial e de
habitação colectiva, em regime de propriedade horizontal.
c) O rendimento efectivo do prédio de que foi destacada a parcela expropriada é,
neste momento, praticamente inexistente.
d) Atenta a proximidade com o rio údice, é de supor que, sob o ponto de vista
produtivo, o solo e subsolo sejam de excelente qualidade.
e) O prédio de que é destacada a parcela é de forma rectilínea: do lado poente é
rectilíneo, na extensão aproximada de 300m, a confrontar com uma via pública
pavimentada e infraestruturada; do lado sul é rectilíneo, na parte central, em
cerca de 110m, e ligeiramente curvo nas extremidades, a sua extensão total é de
170m, confrontando com o caminho agrícola, e do lado nascente é constituído por
uma “linha” quebrada, que, de norte para sul, se inicia num primeiro troço
curvo, ao longo de E.N. ----- (Av. --------------------), com a extensão
aproximada de 110m, o segundo troço é rectilíneo, na direcção norte/sul e com a
extensão de cerca de 50m, o terceiro troço, também é praticamente rectilíneo, na
direcção noroeste/sudeste, na extensão aproximada de 85m, o quarto troço também
é praticamente rectilíneo, na direcção nordeste/sudoeste, e tem a extensão de
cerca de 50m, o quinto troço, tal como os anteriores, também é praticamente
rectilíneo, dirige-se de noroeste para sueste, com a extensão aproximada de 85m
e o sexto troço, também quase rectilíneo, dirigido de nordeste para sudoeste,
mede cerca de 80m.
f) O prédio tem duas frentes para vias pavimentadas, a E.N. ------ a norte, na
extensão de 110m, e um arruamento público a poente, na extensão de 300m que
fazem parte do esquema viário constituinte do aglomerado urbano que é a cidade
de Barcelos.
g) A parcela localiza-se próxima dos mercados consumidores, designadamente a
própria cidade de Barcelos, de que faz parte integrante.
h) No perímetro envolvente da parcela expropriada, numa faixa até 300m da mesma,
de poente para nascente, existe um Complexo Escolar (Ensino Secundário) cujo
início fica a cerca de 100m, um vasto conjunto habitacional e comercial e de
equipamentos públicos, abrangendo uma área global da ordem dos 6,5 hectares,
onde coexistem diversos tipos de ocupação, com cérceas que variam de r/ch e
andar até 5 e 6 pisos (este conjunto de “cidade” tem o seu início à distância
média de 250m a poente da parcela expropriada), a sul de tal zona e a poente do
Complexo Escolar situa-se o Complexo das Piscinas Municipais, à distância limite
de 300m da parcela em causa, a noroeste da parcela e do prédio de que foi
destacada, na faixa entre 20 e 300m, verifica-se uma ocupação diversificada,
como moradias de rIch e anda , quartel dos Bombeiros de Barcelos com quatro
pisos, unidades industriais com dois pisos, espaços públicos com e sem
urbanização, na faixa até 300m que se desenvolve a norte do prédio e da parcela
existe ocupação diversificada que inclui moradias de r/ch e andar, prédios de
habitação colectiva com quatro pisos, unidades industriais, o cemitério da
cidade de Barcelos, o Campo de Jogos do N. e outros tipos de ocupação, para
noroeste a ocupação existente situa-se a partir dos 200m nos terrenos a nascente
da linha do Caminho de Ferro do Minho, incluindo unidades industriais e
complexos habitacionais com prédios em que o número de pisos varia entre os dois
pisos e r/ch comercial e três andares de habitação.
i) Com o destaque da parcela expropriada e com a implantação do complexo nó
rodoviário, resultam duas partes sobrantes A (com 6.800m2) e B (com 8.000m2) do
prédio inicial, ficando a parte A encravada entre dois ramos do complexo
rodoviário e sem acesso à parte sobrante da L. (que inclui a parte B) – pelo
norte fica a confrontar com o outro expropriado (J.) e nas restantes
confrontações não tem qualquer acesso devido ao desnível existente para a
rodovia e porque esta se encontra protegida por uma vedação metálica do tipo das
usadas nas auto-estradas.
j) A indemnização resultante da desvalorização, estimada na ordem de 75% do seu
valor, da parte sobrante A, ascende a 12.750.000$00.
l) A indemnização resultante da desvalorização, estimada na ordem dos 90% do seu
valor, da parte sobrante B, aplicável à estreita faixa de terreno que fica entre
o arruamento existente e o ramo mais a poente do complexo rodoviário, com a área
aproximada de 1.350m2, ascende a 32.464.800$00.
m) Tendo por base a produção tradicional da região, em sistema rotativo de
milho, feijão, batatas, forragem e hortaliças e a produção de vinho de
qualidade, cultura tradicional da região, sendo os seus rendimentos
capitalizados à taxa efectiva de 4%, o solo apto para outros fins tem o valor de
42.725.000$00.
n) O solo apto para construção, por aplicação do índice em bruto de 1,67m2/m2 –
o qual pressupõe a construção que se pode fazer já com cedências (passeios,
arruamentos, estacionamento, zonas verdes e equipamento)-, tem o valor de
109.819.200$00.
o) Na parcela existe um jardim com a área de 4,5m2, com um pequeno cedro e
floreira de buxo com o valor de 50.000$00, um pilar em cantaria com o valor de
15.000$00, dois tubos de protecção com o valor de 25.000$00 e muros de vedação,
na extensão de 66m, com o valor de 660.000$00.
p) Antes da expropriação toda a propriedade se encontrava vedada por muros de
pedra e para vedar as partes sobrantes em muros em alvenaria de granito assente
em argamassa, na espessura de 0,25m e altura mínima de 1,20m, incluindo as
respectivas fundações, o que é da ordem de 350m, ascende tal muro a
7.000.000$00.
6- Consta do relatório subscrito pelo perito indicado pela expropriante que:
a) A parcela expropriada com a área de 21.000m2, confronta a norte com EN
------- e restante propriedade, poente com restante propriedade e sul e nascente
com parcela nº 6 e restante propriedade.
b) Confina com a EN a norte numa extensão de 78m, situando-se parte da sua área
a menos de 50m dessa via.
c) A norte e poente do prédio existe ocupação urbana das faixas de terreno
directamente confinantes com os arruamentos existentes, a sul e nascente, devido
à proximidade com o rio údice, a urbanização é praticamente inexistente e,
quando se verifica, caracteriza-se por um baixo índice de utilização do solo.
d) Considerou solo apto para construção a área expropriada que se situa na zona
que o PDM classifica de “espaço urbano de alta densidade”, com 3.003m2 (sendo
1.240m2 de área a menos de 50m da EN ----- e 1.763m2 de área a mais de 50m2 da
EN -----) e, como solo apto para outros fins, a área que o PDM classifica como
RAN, com 18.197m2.
e) A área expropriada situada a menos de 50m da EN ----, sendo edificáveis dois
blocos de quatro pisos (r/ch mais três andares), tem o valor de 97.464 €.
f) A área expropriada a mais de 50m da EN ----- (por não confrontar com nenhum
arruamento habilitante sendo, por isso, a sua utilização como terreno de
construção precedida de uma operação de transformação, dotando-a de
infraestruturas e acessos necessários), tem o valor de 27. 714 €.
g) A área de terreno integrada na RAN foi avaliada em 146.668 € com base na sua
utilização como terreno agrícola, considerando a produção de batata e hortícola.
h) As partes sobrantes não sofreram qualquer desvalorização por, após a
expropriação, terem a mesma capacidade de uso que tinham antes, antes foram
valorizadas por, com a expropriação, terem passado a confinar directamente com
os caminhos públicos.
i) O muro de vedação para a EN, com 76,5 x 1,30 x 0,55m com coroamento boleado
tem o valor de 3.978 €, o muro de vedação da casa de habitação, na extensão de
1,50m de cantaria rusticada, tem o valor de 250 €, o pilar de remate do muro de
cantaria tem o valor de 500 €, dois tubos em ferro de 6cm, têm o valor de 100 €,
4,5m2 de jardim, com pequeno cedro e floreira de buxo, tem o valor de 225,35 €,
pés de videira suportados por ramada de 80m x 3,5m têm o valor de 2.800 €, doze
pés de videira com vinha contínua têm o valor de 120 € e o muro de vedação com
48 x 1,65 x 0,55m tem o valor de 3.168 €.
j) Todos os Srs. Peritos concordam que a parcela expropriada tem 17.644m2 de
área de RAN.
Este recurso foi interposto com fundamento na ofensa do caso julgado, nos termos
do art. 678º, nº 2 do C.P.C., estando exclusivamente limitado o seu âmbito ao
conhecimento de tal questão.
Analisemo-la:
Nos termos do art. 671º, n.º 1, do C.P.C., transitado em julgado a sentença, a
decisão sobre a relação material controvertida, fica tendo força obrigatória
dentro do processo e fora dele, nos limites fixados pelos arts. 497º e segs. Do
mesmo Código.
É este o efeito da sentença que se designa por caso julgado material, ao qual se
assinala duas funções distintas: uma negativa, que impede que a mesma causa seja
ulteriormente apreciada e a outra, positiva, que vincula o tribunal à solução
adoptada por sentença anterior transitada.
A primeira destas funções é activada fundamentalmente através do mecanismo da
excepção do caso julgado, previsto no art. 494º, al. I), do C.P.C., enquanto que
a função positiva opera por via dos chamados efeitos do caso julgado, a coberto
do disposto no mencionado art. 671º, n.º 1.
Violou o acórdão recorrido (e antes a 2ª sentença da 1ª instância) o caso
julgado formado pela 1ª sentença da 1ª instância e pelo acórdão da Relação do
Porto?
No que respeita à ofensa do caso julgado formado pela 1ª sentença da 1ª
instância, a resposta é negativa.
Com efeito, tal sentença não formou caso julgado pois foi completamente anulada
pelo acórdão da Relação do Porto, deixando de ter qualquer valor.
No que respeita ao acórdão da Relação do Porto, este acórdão conheceu de uma
única questão: saber se uma parte da parcela expropriada devia ter sido avaliada
como solo para outros fins (ao invés de ter sido toda ela avaliada como tendo
aptidão construtiva)
No referido acórdão, para além da anulação da sentença da 1ª instância,
anularam-se os laudos periciais, ordenando-se a elaboração de outros, nos termos
que refere nos fundamentos de direito: determinando-se que a parcela expropriada
seja avaliada como solo apto para construção na parte em que «escapou à RAN» e
como solo para outros fins «na parte que não escapou».
Da análise dos 2ºs laudos periciais, elaborados na sequência de tal acórdão,
resulta que o critério de classificação estabelecido nesse acórdão, foi
respeitado.
É certo que, ao contrário do que tinham entendido os Srs. Peritos no laudo
maioritário anulado, vieram no novo laudo maioritário indicar uma verba atinente
à desvalorização das partes sobrantes.
Justificam esta opção, explicando que a posição anteriormente assumida de não
calcular uma verba, a título de indemnização pela desvalorização das partes
sobrantes, se devia ao facto das mesmas ficarem servidas, num caso pela via
pública existente e, noutro, pela via projectada (face à aptidão construtiva do
terreno) mas que a classificação imposta pelo referido acórdão da Relação leva a
que toda a parte sobrante “A” e uma porção da parte sobrante “B” não possam ser
consideradas como tendo aproveitamento urbano pelo que, enquanto “solo para
outros fins”, o seu valor sofre uma desvalorização.
Os Peritos não estavam impedidos de calcular a verba – desvalorização das partes
sobrantes, já que a anulação dos anteriores laudos periciais (e da 1ª sentença)
foi total.
Ao contrário do que a recorrente sustenta, o acórdão da Relação do Porto não
limitou o exame futuro da lide a uma única questão: a avaliação da parcela
expropriada enquanto terreno da RAN.
Como poderia ser assim, se os laudos periciais e a 1ª sentença foram
inteiramente anulados? De onde resultaria então, por ex., a avaliação da parte
da parcela expropriada que não integra a RAN?
O alcance do caso julgado do acórdão da Relação do Porto no tocante à única
questão tratada – como antecedente lógico da parte dispositiva desse aresto – é
o de vincular os peritos, na avaliação que efectuaram, e as instâncias, na
determinação do montante da indemnização devida, à classificação da parcela de
terreno expropriada segundo a apontada dicotomia: a parte da parcela expropriada
que não integra a RAN tem de ser classificada como “solo apto para construção”,
enquanto a outra parte que integra a RAN tem de ser classificada como “solo para
outros fins”.
Tal classificação foi respeitada pelos Srs. Peritos e pelas instâncias,
nomeadamente no acórdão recorrido.
Assim, conclui-se que também não há ofensa do caso julgado formado pelo acórdão
da Relação do Porto”.
Novamente inconformada, a Câmara Municipal de A., interpôs recurso para o
Tribunal Constitucional para:
“- (…) ver apreciada a inconstitucionalidade dos arts. 671º, n.º 1, e 673º, do
C. Proc. Civil, com a dimensão interpretativa com que foram aplicadas essas
normas no douto Acórdão recorrido, segundo a qual não há ofensa de caso julgado
formado por anterior ou anteriores decisões das instâncias quando nelas se
limitou o exame futuro da lide a uma única questão (a avaliação da parcela
expropriada enquanto terreno da RAN) mas, depois, se alargou esse exame a outras
questões, como seja, pelo menos, a indicação de uma verba atinente à
desvalorização das partes sobrantes;
- tal dimensão interpretativa daquelas normas, seguida pelo acórdão recorrido,
viola o princípio do caso julgado e da sua força vinculativa que, conjugado com
o princípio da segurança jurídica se extrai das normas dos arts. 205º, n.º 2, e
282º, n.º 3, da Constituição, que são inerentes à ideia do Estado de Direito
democrático consagrado no art. 2º, sendo que o alcance do caso julgado, para ser
conforme à Lei Fundamental, deve ser interpretado e aplicado restritivamente;
- a questão da inconstitucionalidade normativa foi na oportunidade suscitada
pela Câmara Municipal recorrente perante a Relação e perante o S.T.J., nas
alegações do recurso de revista, quando aí se invocou “quando são apreciadas e
decididas outras questões, está a violar-se o caso julgado formado”, e se fez
apelo ao “princípio constitucional do Estado de Direito, da intangibilidade do
caso julgado, da segurança e estabilidade jurídicas”.
3 – Ambos os recursos foram admitidos, sendo que, nos termos do artigo 76.º, n.º
3, da LTC, tais decisões não vinculam o Tribunal Constitucional.
Por isso, integrando os recursos uma fattispécie desenhada normativamente pelo
teor problemático do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, passa a decidir-se.
4 – Os presentes recursos foram interpostos ao abrigo do disposto no artigo
70.º, n.º 1, alínea b), da LTC. Como é consabido, são requisitos específicos
para o conhecimento de tais recursos que: a decisão judicial tenha aplicado a
norma reputada de inconstitucional; que o juízo sobre a constitucionalidade da
norma tenha sido uma verdadeira ratio decidendi e não um mero obiter dictum da
decisão recorrida; que a questão de inconstitucionalidade haja sido suscitada
“durante o processo”, entendida esta expressão em sentido funcional – em termos
de tal invocação dever ser feita num momento em que o tribunal a quo ainda possa
conhecer da questão, “antes [portanto] de esgotado o poder jurisdicional do juiz
sobre a matéria a que respeita”, como se depreende do facto de a intervenção do
Tribunal Constitucional apenas ocorrer em via de recurso, para apreciação ou
reexame de uma questão que o Tribunal a quo pudesse e devesse ter apreciado
[cf., entre a vastíssima jurisprudência deste Tribunal, os Acórdãos nos 90/85,
352/94, 560/94, 155/95 (todos publicados na 2ª Série do Diário da Republica,
respectivamente, em 11 de Julho de 1985, 6 de Setembro de 1994, 10 de Janeiro de
1995 e 20 de Junho de 1995), e, mais recentemente, os Acórdãos nos 23/2003 e
24/2003, ainda inéditos]; e, por fim, que não seja admissível recurso ordinário
da decisão judicial, por a lei não o prever ou por já haverem sido esgotados
todos os que cabiam no caso concreto.
Assim sendo – e projectando tais pressupostos sobre os recursos em causa –, é
manifesto não estarem preenchidos os requisitos determinantes do conhecimento
das questões neles suscitadas.
Vejamos.
4.1 – Quanto ao recurso de fls. 1863-1864 (recurso interposto do Acórdão do
Supremo Tribunal de Justiça):
O recorrente pretende ver aqui “apreciada a inconstitucionalidade dos arts.
671º, n.º 1, e 673º, do C. Proc. Civil, com a dimensão interpretativa com que
foram aplicadas essas normas no douto Acórdão recorrido, segundo a qual não há
ofensa de caso julgado formado por anterior ou anteriores decisões das
instâncias quando nelas se limitou o exame futuro da lide a uma única questão (a
avaliação da parcela expropriada enquanto terreno da RAN) mas, depois, se
alargou esse exame a outras questões, como seja, pelo menos, a indicação de uma
verba atinente à desvalorização das partes sobrantes”.
Contudo, como se disse, para que o Tribunal Constitucional pudesse tomar
conhecimento do recurso seria apodíctico que tal norma, assim delimitada,
tivesse constituído a verdadeira ratio decidendi do juízo sindicando – bem
compreendendo que assim seja uma vez que só quando estiver em causa a
inconstitucionalidade da(s) norma(s) que constitui[u](ram) a ratio decidendi do
juízo recorrido é que a decisão do Tribunal Constitucional poderá projectar-se
sobre o caso sub údice, contendendo, nessa medida, com a decisão recorrida,
posto que, como se afirmou no Acórdão n.º 112/84, o Tribunal Constitucional,
enquanto “(…) órgão jurisdicional, nunca age, nem pode aceitar agir, como se
fosse um órgão consultivo em matéria jurisdicional (…), toda e qualquer
apreciação e declaração de inconstitucionalidade de uma norma não pode deixar de
produzir efeito no caso sub údice; não pode, e não deve, com efeito, o Tribunal
Constitucional, pronunciar-se sobre «pleitos puramente teóricos ou académicos»
(cf. Acórdão n.º 149 da Comissão Constitucional)”, o que sucederia,
inequivocamente, em todas as situações onde a formulação de um juízo de
constitucionalidade sobre determinada norma não se viesse a repercutir na
decisão recorrida porque o critério legal em crise não foi, afinal, aplicado ao
caso concreto como ratio decidendi do juízo proferido.
Ora, in casu, este requisito não se verifica, bastando, para sua compreensão,
atender ao decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, onde, expressis verbis, se
considerou que o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto não limitou o exame
futuro da lide a uma única questão (a avaliação da parcela expropriada como
terreno da RAN), tendo apenas o alcance de vincular os peritos à consideração de
que a parcela expropriada que não integra a RAN tem de ser classificada como
“solo apto para construção” e a parte que integra a RAN tem de ser classificada
como “solo para outros fins”.
Assim sendo, como já se adiantou, qualquer que fosse a decisão a proferir em
sede de recurso de constitucionalidade – tratando-se aí de apreciar a
inconstitucionalidade dos arts. 671º, nº 1, e 673º do C. Proc. Civil, com a
dimensão interpretativa com que foram aplicadas essas normas no douto Acórdão
recorrido, segundo a qual não há ofensa de caso julgado formado por anterior ou
anteriores decisões das instâncias quando nelas se limitou o exame futuro da
lide a uma única questão (a avaliação da parcela expropriada enquanto terreno da
RAN) mas, depois, se alargou esse exame a outras questões, como seja, pelo
menos, a indicação de uma verba atinente à desvalorização das partes sobrantes
–, nunca ela teria a virtualidade de afectar o teor da decisão recorrida, além
de que, não estando este Tribunal configurado como uma instância de amparo, não
lhe cabe sindicar o juízo aplicativo feito pelo tribunal a quo.
4.2 – Quanto ao recurso de fls. 1775-1779 (recurso interposto do Acórdão do
Tribunal da Relação de Guimarães):
A Recorrente pretende “ver apreciada a inconstitucionalidade do conjunto
normativo de preceitos do Código das Expropriações de 1991 – arts. 24º, 25º e
26º - , com interpretação ou dimensão interpretativa com que foram interpretados
e aplicado no Douto Acórdão recorrido, conquanto não venham nele identificados,
interpretação ou dimensão interpretativa essas que conduziram, e por mera adesão
ao laudo pericial maioritário, a um cálculo do valor da indemnização da parcela
expropriada e da desvalorização das partes sobrantes no tocante ao solo
pretensamente apto para construção, muito superior ao que poderia resultar das
regras de mercado corrente (e a interpretação correcta desses preceitos,
aplicando-os ao caso presente, conduziria antes, a partir da aptidão edificativa
do solo expropriado verdadeiramente a ter em conta, e da desvalorização das
partes sobrantes, a um valor da indemnização correspondente ao real valor de
mercado da dita parcela); de resto, tendo ficado assente que as parcelas
sobrantes continuavam servidas pelas vias públicas, existente e projectada,
avaliar a sua “desvalorização” da parte sobrante “B” em 90% seria dar-lhe quase
todo os seu valor e mantê-la na propriedade e posse dos expropriados – seria,
até, sufragar uma fraude!”, sustentando que “tal conjunto normativo, assim
interpretado e aplicado no acórdão recorrido, viola o art. 62º, nº 2, da C.R.P.,
que consagra o direito a uma justa indemnização”.
Quanto a este recurso, importa, antes de mais, começar por notar que, cabendo à
Recorrente o ónus de delimitação clara do recurso de constitucionalidade e
pretendendo aquela ver sindicada uma determinada dimensão normativa extraída de
um critério legal, se lhe impunha que, no requerimento de interposição de
recurso para este Tribunal, e de modo a cumprir logradamente tal ónus,
enunciasse de forma adequada tal dimensão ou segmento normativo.
É claro que essa falta do requerimento poderia ser ainda suprida mediante a
formulação de convite nos termos do n.º 5 do art. 75º-A, da LTC. Porém, dada a
inverificação de outro pressuposto do recurso, tal diligência apresenta-se como
inútil.
Daí que se passe imediatamente ao conhecimento deste outro requisito do recurso
de constitucionalidade.
Como já se disse, para que o Tribunal Constitucional possa ser chamado a
pronunciar-se sobre um recurso interposto ao abrigo da alínea b) do artigo 70.º,
n.º 1, da LTC, torna-se necessário que, além da aplicação como ratio decidendi,
pelo tribunal recorrido, da(s) norma(s) cuja constitucionalidade se impugna e do
esgotamento dos recursos ordinários que no caso cabiam, que a
inconstitucionalidade normativa tenha sido suscitada durante o processo.
Na verdade, ao Tribunal Constitucional compete apenas apreciar, em via de
recurso, a constitucionalidade de normas, pelo que a questão de
constitucionalidade suscitada perante o tribunal a quo, cuja apreciação pode vir
a constituir objecto daquele recurso, há-de ser igualmente uma questão de
constitucionalidade normativa, isto é, referida à conformidade constitucional de
norma(s) – cf. Acórdão n.º 199/88 (DR, II Série, de 28 de Março de 1989): «[…]
este Tribunal tem decidido de forma reiterada e uniforme que só lhe cumpre
proceder ao controle da constitucionalidade de “normas” e não de “decisões” – o
que exige que, ao suscitar-se uma questão de inconstitucionalidade, se deixe
claro qual o preceito legal cuja legitimidade constitucional se questiona, ou,
no caso de se questionar certa interpretação de uma dada norma, qual o sentido
ou a dimensão normativa do preceito que se tem por violador da lei fundamental»
(ver também, a título de exemplo, os Acórdãos nºs 178/95, publicado no DR, II
Série, de 21 de Junho de 1995, 521/95 e 1026/96, inéditos)”.
É claro que nada impede que, no caso de a Recorrente entender que um preceito
não é inconstitucional “em si mesmo”, mas apenas num certo segmento ou numa
certa e determinada dimensão ou interpretação normativa, se possa tão-só
questionar, perante o Tribunal Constitucional, esse segmento ou essa
interpretação normativa. Contudo isso há-de forçosamente implicar, como vem
jurisprudencialmente reiterando, o ónus de, ao suscitar a inconstitucionalidade,
identificar devidamente tal questão, através da indicação do segmento ou da
enunciação da dimensão ou sentido normativo reputados inconstitucionais (cf.
Acórdãos nºs 367/94, in DR II Série, de 7 de Setembro de 1994; 178/95, in DR II
Série, de 21 de Junho de 1995; e, mais recentemente, o Acórdão 116/02,
disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Com efeito, na apreciação das questões de constitucionalidade que lhe são
colocadas e quando se trata de uma questão de interpretação normativa, o
Tribunal Constitucional parte necessariamente da interpretação que se faz na
decisão recorrida, devendo, por isso, o recorrente identificar de forma clara a
norma que, tendo sido interpretada-aplicada pelo tribunal recorrido, considera
inconstitucional (cf. Acórdão n.º 238/02), porquanto apenas cabe recurso para o
Tribunal Constitucional de “decisões que apliquem norma cuja constitucionalidade
haja sido suscitada durante o processo” – sendo assim necessário que, no caso de
se equacionar apenas um segmento ou dimensão de uma norma, seja evidenciado,
perante o Tribunal a quo, o exacto sentido normativo que se tem por
inconstitucional, de forma a que, colocado posteriormente em sede de jurisdição
constitucional, a intervenção deste Tribunal se faça, como deve fazer-se, ao
nível do reexame da questão previamente suscitada.
É com base em tal fundamentação que tem sido constantemente afirmado pela
jurisprudência deste Tribunal que sobre o recorrente impende o ónus de suscitar
a questão de constitucionalidade de forma clara e perceptível (cf., entre outros
os Acórdãos nºs 269/94, in DR II Série, de 18 de Junho de 1994 e 178/95, in
Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30º volume, pp. 1118).
Ora, segundo as palavras deste último aresto que remete igualmente para o
primeiro, “a questão de inconstitucionalidade só se suscita de forma clara e
perceptível, quando se indica - além da norma (ou segmento dela ou uma dada
interpretação da mesma) que se tem por inconstitucional - também «o porquê dessa
incompatibilidade com a Lei Fundamental (…)».
Em todo o caso, só poderá ver-se suscitada uma questão de constitucionalidade
onde se estabeleça, de forma claramente perceptível pelo tribunal, um discurso
de antítese entre a norma infraconstitucional ou certa dimensão interpretativa
da mesma, que seja susceptível de ser aplicada como ratio decidendi do caso
concreto (e venha, depois, no juízo decisório a ser efectivamente aplicada), e
um parâmetro constitucional – preceito ou princípio constitucional. Ou seja, o
discurso de suscitação de constitucionalidade há-de traduzir-se numa alegação
perceptível de que a norma ou uma certa, determinada e específica dimensão da
mesma afronta certa norma ou princípio constitucional, pelo que não poderá
servir de critério válido de decisão do caso.
Sendo assim, não pode deixar de caber aos requerentes o ónus de precisar
qual o exacto critério normativo que tem por ofensivo dos parâmetros
constitucionais, em termos dos tribunais que procedem ao seu controlo difuso e
deste Tribunal, que procede ao controlo concentrado de constitucionalidade,
poderem ajuizar da amizade ou afrontamento àqueles ou outros [já que a
vinculação ao pedido não importa, como vem sendo uniformemente afirmado, a
vinculação aos fundamentos constitucionais] parâmetros constitucionais – tal
indicação precisa do segmento ou dimensão da norma efectivamente aplicada que se
pretende ver apreciada sob o prisma da inconstitucionalidade, torna-se aliás
absolutamente necessária para que o Tribunal Constitucional, no caso de proceder
o recurso, possa no julgamento de inconstitucionalidade indicar qual é a norma,
segmento ou dimensão da norma que é desconforme com a Lei Fundamental.
Por isso mesmo, não pode ter-se por adequadamente suscitada uma questão de
constitucionalidade quando se conclui, tout court, que “foram violadas as
disposições dos arts. 25º, 56º do CE 91, art. 158º, n.º 1, 653º do CPC, e arts.
62º, n.º 2, 208º, n.º 1, da CRP”.
De resto, assim equacionada a questão, pode mesmo referir-se, em bom rigor, que
a inconstitucionalidade foi imputada ao juízo decisório, resultando do processo
fáctico-valorativo desenhado pelas instâncias.
Ora, a esse nível, compreender-se-á que uma coisa é sustentar que uma decisão
recorrida viola a Constituição e as normas invocadas do Código das
Expropriações, outra, diferente, é colocar à apreciação do tribunal a quo, sub
species constitutionis, um determinado critério normativo, porquanto, em todo o
caso, o vício da violação de lei não é susceptível de equivaler a uma adequada
suscitação de um problema de (in)constitucionalidade normativa, a isso
acrescendo, como é patente, que esse vício sempre foi imputado ao julgamento
recorrido e confirmado pelo Tribunal da Relação de Guimarães.
5 – Destarte, pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do objecto do
presente recurso.
Sem custas».
B – Fundamentação
5 – A reclamação carece manifestamente de fundamento. Recorde-se que o
reclamante pretende recorrer de um acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de
Justiça (STJ) e de um acórdão prolatado pelo Tribunal da Relação de Guimarães,
colocando em cada um dos recursos uma questão diferente de constitucionalidade,
sendo que a decisão do STJ foi proferida em conhecimento de recurso interposto
de acórdão desta Relação.
6 – No recurso de agravo interposto para o STJ, a ora reclamante
defendeu a posição de que o acórdão da Relação de Guimarães violara as “regras
legais constantes dos arts. 497º, 498º, 668º, 672º, 677º, 671º, 673º do C.P.C.,
assim como os princípios constitucionais do Estado de Direito, da
intangibilidade do caso julgado, da segurança e estabilidade jurídicas e outras
disposições e princípios legais”, e, por força dessa violação, o caso julgado
formado sobre duas decisões anteriores (1ª sentença da 1ª instância confirmada
pelo acórdão da Relação do Porto), na medida em que nelas tinha ficado assente
que as áreas sobrantes não tinham tido qualquer desvalorização, enquanto que,
posteriormente, foi considerado, atribuindo-lhe um valor correspondente de
indemnização, por uma segunda sentença da 1ª instância que o acórdão recorrido
para o STJ parcialmente confirmou, que tinha havido desvalorização das partes
sobrantes.
Todavia, o acórdão ora recorrido – do STJ – veio a decidir, em resumo,
que não se verificava qualquer violação do caso julgado, em virtude de a decisão
(primeira) de 1ª instância ter sido completamente anulada pelo referido acórdão
da Relação do Porto, onde, “considerando-se que a parcela em causa [parcela a
expropriar] devia ser avaliada como solo apto para a construção na parte em que
escapou à RAN e como solo para outros fins na parte em que não escapou, ordenou
a elaboração de novos laudos em conformidade com o referido”, laudos estes, cuja
realização segundo o critério determinado pela Relação, não poderiam deixar de
abranger a parcela a expropriar e a parcelas sobrantes.
Tendo o STJ concluído pela inexistência do caso julgado com base no
entendimento de que o acórdão da Relação do Porto anulara totalmente a decisão
judicial em cuja existência o ora reclamante fundava a violação do caso julgado,
torna-se evidente não ter sido aplicada a dimensão normativa cuja
inconstitucionalidade a ora reclamante pretende que o Tribunal Constitucional
aprecie.
Na verdade, ao contrário do que refere como constituindo a dimensão
normativa dos arts. 671º, n.º 1, e 673º do CPC, que foi aplicada, a
interpretação “segundo a qual não há ofensa de caso julgado formado por anterior
ou anteriores decisões das instâncias quando nelas se limitou o exame futuro da
lide a uma única questão (a avaliação da parcela expropriada enquanto terreno da
RAN) mas, depois, se alargou esse exame a outras questões, como seja, pelo
menos, a indicação de uma verba atinente à desvalorização das partes sobrantes”,
o que se verifica é que o acórdão recorrido considerou que nas anteriores
decisões não se limitou o exame futuro da lide a uma única questão (a da
avaliação apenas da parcela a expropriar), pela razão simples de ter anulado
totalmente a decisão recorrida e ordenado nova avaliação, de acordo com o
critério nele estabelecido.
Deste modo, e independentemente de se questionar se o reclamante não
está a sindicar a constitucionalidade da própria decisão judicial com base nas
suas específicas particularidades, é certo que não se verifica, assim,
sobreposição entre as circunstâncias que foram elevadas pelo ora reclamante a
elementos da hipótese normativa e aquelas que o acórdão recorrido tomou em conta
– as de que as decisões anteriores limitaram o exame futuro da lide a uma única
questão e depois se alargou esse exame a outras questões.
É, pois, evidente que, independentemente do que se afirmou na decisão
reclamada (que assentou numa perspectiva de que, mesmo que se sindicasse a
dimensão normativa definida pelo ora reclamante e se concluísse pela sua
inconstitucionalidade, sempre a decisão seria inútil, porque, em reforma do
acórdão, o STJ poderia concluir não ter havido a alegada limitação e extensão do
decidido nos arestos invocados), e porque não se verifica o pressuposto
específico do recurso de constitucionalidade, consubstanciado no facto de a
norma constitucionalmente sindicada ter constituído ratio decidendi da decisão
recorrida, não poderá tomar-se conhecimento do recurso.
7 – No recurso de constitucionalidade interposto do acórdão da Relação
de Guimarães, o ora reclamante pretende “ver apreciada a inconstitucionalidade
[por violação do art. 62º, n.º 2, da CRP] do conjunto normativo de preceitos do
Código das Expropriações de 1991 – arts. 24º, 25º e 26º -, com interpretação ou
dimensão interpretativa com que foram interpretados e aplicado no Douto Acórdão
recorrido, conquanto não venham nele identificados, interpretação ou dimensão
interpretativa essas que conduziram, e por mera adesão ao laudo pericial
maioritário, a um cálculo do valor da indemnização da parcela expropriada e da
desvalorização das partes sobrantes no tocante ao solo pretensamente apto para
construção, muito superior ao que poderia resultar das regras de mercado
corrente (e a interpretação correcta desses preceitos, aplicando-os ao caso
presente, conduziria antes, a partir da aptidão edificativa do solo expropriado
verdadeiramente a ter em conta, e da desvalorização das partes sobrantes, a um
valor da indemnização correspondente ao real valor de mercado da dita parcela);
de resto, tendo ficado assente que as parcelas sobrantes continuavam servidas
pelas vias públicas, existente e projectada, avaliar a sua “desvalorização” da
parte sobrante “B” em 90% seria dar-lhe quase todo o seu valor e mantê-la na
propriedade e posse dos expropriados – seria, até, sufragar uma fraude”.
Na decisão ora reclamada, considerou-se, em síntese, que o recorrente
não suscitou, de forma clara e perceptível, a questão da inconstitucionalidade
desta concreta dimensão normativa, que pretende ver, agora, apreciada.
Pretexta o reclamante que – da conjugação do afirmado na conclusão Z)
das alegações do recurso interposto para a Relação de Guimarães, atrás
transcrita, com o constante, “mais adiante”, das “conclusões das alegações
apresentadas pela Câmara, ora reclamante, perante o Tribunal da Relação do
Porto”, onde se diz que «a aplicação do art. 26º, n.º 2, do Código das
Expropriações (1991) à área abrangida pela RAN de Barcelos, (…) violaria o
princípio constitucional da justa indemnização na medida em que atribui aos
expropriados uma indemnização que ultrapassa o valor real e corrente ou o valor
de mercado do solo expropriado” ou seja, “no sentido do mesmo artigo 26º, n.º 2,
seria inconstitucional, tal como foi interpretado e aplicado” (conclusões “R” e
“S”…)» – se surpreende o discurso de antítese “ante as normas em causa e aquele
princípio constitucional”.
Mas, independentemente da interpretação conjugada das conclusões
firmadas nas alegações dos dois (diferentes) recursos jurisdicionais não
conduzir à fixação do sentido normativo, pretendido afirmar em relação ao
“conjunto normativo dos preceitos dos artigos 24º, 25º e 26º do Código das
Expropriações (de 1991)”, que a ora reclamante pretende sindicar
constitucionalmente, acontece que se manifesta processualmente desadequada a
utilização, para a determinação desse sentido, de alegações que foram
apresentadas em outro recurso anterior, completamente independente, para a
defesa das concretas posições jurídicas aí defendidas, maxime, nos casos, como
aqui acontece, em que as decisões jurisdicionais, de que se recorreu e onde
foram apresentadas tais alegações, não têm entre si qualquer relação de
dependência, própria de uma sindicar a outra, dentro da relação de hierarquia
dos tribunais que as proferiram.
Deste modo não pode deixar de aceitar-se a conclusão que a decisão
reclamada tirou, relativamente à não verificação do requisito específico do
recurso de constitucionalidade, de falta de adequada, clara e perceptível
suscitação da questão de constitucionalidade.
C – Decisão
8 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide
indeferir a reclamação.
Sem custas, por ao tempo da interposição da acção, o recorrente estar delas
subjectivamente isento [art. 2º, n.º 1, alínea e), do C. C. Judiciais, e art.
16º do DL. N.º 324/2003, de 27/12].
Lisboa, 2 de Novembro de 2005
Benjamim Rodrigues
Maria Fernanda Palma
Rui Manuel Moura Ramos