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Processo n.º 127/07
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, na 2.ª Secção, do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – O Ministério Público, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal
de Braga, recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nos
art.ºs 70.º, n.º 1, alínea a), e 72.º, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, na sua actual versão (LTC), da sentença do mesmo Tribunal, de 11 de
Dezembro de 2006, que denegou a aplicação das normas contidas nos números 1 e 2
do art.º 39.º do Decreto-Lei n.º 67/97, “na parte em que as mesmas admitem a
responsabilidade pessoal, ilimitada e solidária, pelo pagamento das dívidas
fiscais ao credor tributário das pessoas aí mencionadas, por violação do
princípio de reserva de lei sobre a criação e determinação da incidência
tributária, ou seja, na medida em que determinam a incidência de todo e qualquer
imposto sobre as pessoas nelas referidas, sem que, para o efeito, o Governo
estivesse autorizado a legislar pela Assembleia da República”.
2 – A decisão recorrida julgou procedente, com base em tal
fundamento, a oposição deduzida por A. contra a execução fiscal que fora
instaurada, originariamente, contra o B., para a cobrança de dívidas fiscais
provenientes de IRS e de IVA, relativas a diversos períodos, e que,
posteriormente, foi revertida contra o oponente, com base no facto de este
figurar no “Livro de Tomadas de Posse das Direcções” como Presidente da Comissão
Administrativa para a época 2002/2003.
3 – Na parte relevante para o juízo de inconstitucionalidade, então
emitido, a sentença recorrida discorreu do seguinte jeito:
«Alega o Oponente que o nº 2 artigo 39º do Decreto-Lei nº 67/97, de 3 de Abril,
é inconstitucional por ser uma verdadeira norma de incidência fiscal e não ter
sido aprovado por Lei da Assembleia da República, nos termos do artigo 103º, nº
3, e 165º, nº 1, alínea i), da Constituição, bem assim como por violação do
princípio da igualdade tributária, uma vez que estabelece um regime de
responsabilidade por dívidas de outrem diverso do regime geral, declaradamente
excepcional.
Para apreciação desta alegação em sede de constitucionalidade, em primeiro lugar
deve-se indagar se o regime da responsabilidade solidária se encontra ou não
incluída no elenco de matérias que sejam objecto de reserva de lei da Assembleia
da República.
Sobre as matérias tributárias existe reserva de lei, conforme é pacificamente
aceite, no que se reporta à criação de impostos, sua incidência, taxa,
benefícios fiscais e garantias dos contribuintes, conforme dispõe o nº 2 do
artigo 103º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Embora já não tão pacificamente, mas aceite quase unanimemente, também se
consideram ao abrigo da reserva de lei a liquidação e a cobrança dos impostos
(regime previsto no nº 2 do citado preceito constitucional).
Desta forma, cumpre averiguar se, nalguns daqueles aspectos, não foi cumprido o
princípio de reserva de lei, segundo o qual apenas a Assembleia da República
pode legislar ou o Governo após autorização desta – vide alínea i) do nº 1 do
artigo 165º da Constituição.
No que respeita à incidência (segundo requisito previsto no nº 2 do artigo 103º
da CRP), tal aspecto deve ser analisado apenas no âmbito da questão aqui em
apreço, ou seja, sobre a possibilidade de o pagamento do imposto incidir sobre
alguém que não é o próprio contribuinte a quem o imposto foi liquidado (ou, se
se quiser, ao devedor originário), mas a terceiro na primitiva relação jurídico
tributária, que no caso serão os responsáveis solidários.
Antes de continuarmos cumpre referir que as normas de incidência determinam quem
são os sujeitos na relação jurídico fiscal, quer pelo lado activo, quer pelo
lado passivo.
«A incidência do imposto é subjectiva, pessoal, quando respeita aos sujeitos, e
objectiva, real, quando respeita à matéria colectável e às taxas.» (“Direito
Fiscal”, Soares Martinez, Almedina, 10ª edição, 2003, pág. 126).
No caso dos autos, o que nos interessa será a incidência do lado do sujeito
passivo.
Pois bem, tem sido entendimento unânime que o regime de responsabilidade (seja
ela solidária ou seja subsidiária), coloca o responsável no “lado” passivo da
obrigação do imposto. Veja-se a obra e autor acima citados (pág. 126), bem assim
como Casalta Nabais, in “Direito Fiscal”, Almedina, 2ª edição, 2003, páginas 136
e 137.
Desta forma, a responsabilidade solidária mais não é do que uma norma de
incidência tributária, segundo a qual o sujeito passivo fica “responsabilizado”
pelo pagamento do imposto que esteja em causa, ao nível subjectivo, pessoal e
patrimonial.
Devendo as normas de incidência declarar quem sejam os responsáveis (solidários
ou substitutos, conforme já se referiu), verifica-se que tal regime deve ser
estabelecido por Lei da Assembleia da República ou Decreto-Lei autorizado ao
Governo por aquele primeiro órgão de soberania.
É assim que na Lei de autorização de aprovação, por parte do Governo, da Lei
Geral Tributária (que na realidade é um Decreto-Lei), se atribui expressamente
ao Executivo a competência para legislar em matéria de responsabilidade e
reversão.
Assim, a Lei nº 41/98, de 4 de Agosto, na alínea 15) do seu artigo 2º, autoriza
o Governo a legislar em matéria de responsabilidade tributária solidária e
subsidiária, definindo o âmbito e extensão dessa autorização.
Por sua vez, o Decreto-Lei nº 67/97, de 3 de Abril, refere no seu preâmbulo que:
«No uso da autorização legislativa concedida pela alínea d) do nº 4 do artigo
30º da Lei nº 52-C/96, de 27 de Dezembro, e no desenvolvimento do regime
jurídico estabelecido pela Lei nº 1/90, de 13 de Janeiro, na redacção que lhe
foi dada pela Lei nº 19/96, de 25 de Junho, (...), o Governo decreta o
seguinte:».
No que respeita às duas últimas citadas Leis, cumpre dizer que as mesmas
correspondem à Lei de Bases do Sistema Desportivo, a qual sobre o assunto em
apreço nada dispunha, pelo que não conferia ao Governo qualquer autorização
legislativa em matéria de responsabilidade tributária solidária.
No que concerne à Lei nº 53-C/96, de 27 de Dezembro (que aprovou o Orçamento de
Estado para o ano de 1997), a mencionada alínea d) do nº 4 do artigo 30º
autorizava o Governo a legislar relativamente ao imposto sobre o rendimento de
pessoas colectivas (IRC), nos seguintes termos: «Harmonizar, em sede de IRC, os
regimes aplicáveis aos clubes desportivos e às sociedades desportivas nos termos
da legislação aplicável».
Ora bem, harmonizar o regime aplicável de IRC relativamente aos clubes e às
sociedades anónimas desportivas não é norma habilitante para que o Governo possa
determinar a incidência dos impostos sobre os responsáveis solidários pelo
pagamento de qualquer tributo.
Na realidade, aquela autorização legislativa de harmonização do IRC nunca foi
utilizada, sendo que apenas se vislumbra que a mesma possa querer dizer respeito
à alteração ou revogação da isenção de IRC conferida aos clubes pelo artigo 11º
do CIRC, ou pela eventual alteração ou revogação do beneficio fiscal que os
mesmos detenham em sede de IRC, por força do disposto no artigo 52º do Estatuto
dos Benefícios Fiscais (à data então artigo 48º).
Assim se compreendia a autorização legislativa de harmonização de IRC entre
clubes e sociedades anónimas desportivas, uma vez que ambos se encontravam (e
encontrarão) a disputar o mesmo “mercado” (campeonato), com regimes fiscais
diferentes, aparentemente disso beneficiando os clubes, mas já não as sociedades
anónimas desportivas. (Dizemos aparentemente, uma vez que o nº 3 do artigo 11º
do CIRC faz com que a isenção de IRC se tome mais gravosa para os clubes, uma
vez que, como sujeitos isentos, não podem deduzir custos obtidos no exercício da
sua actividade, mas podem ser tributados em IRC, quando exercem actividades
comerciais, tenham rendimentos provenientes de publicidade e outros).
Devendo ser as normas de incidência definidas por Lei da Assembleia da República
ou, mediante autorização desta, por Decreto-Lei emanado pelo Governo e,
verificando-se que nem uma nem outra coisa sucede, resulta para a norma em crise
uma inconstitucionalidade material.
Conforme refere o Professor Casalta Nabais (págs. 136 e 137 da citada obra), a
incidência encontra-se ao abrigo do princípio de reserva de lei formal e de
reserva de lei material (Veja-se, ainda, Soares Martinez, págs. 106 e 107 da
supra citada obra).
Sendo o regime de responsabilidade tributária uma forma de incidência pessoal ou
subjectiva que abrange os responsáveis solidários ou subsidiários e não contendo
o Decreto-Lei nº 67/97, de 3 de Abril, qualquer autorização legislativa para
criar novos tipos de incidência fiscal, verifica-se que o seu artigo 39º se
revela manifestamente inconstitucional, por violação do princípio de reserva de
lei estabelecido no nº 2 do artigo 103° e na alínea i) do nº 1 do artigo 165º,
ambos da Constituição da República Portuguesa.
Com a determinação da incidência sobre os dirigentes mencionados no artigo 39º
do Decreto-Lei nº 67/97, de 3 de Abril, em especial no seu nº 2, sem que tal
tivesse cumprido o princípio constitucional de reserva de lei, verifica-se as
pessoas designadas naquele preceito não podem ser responsabilizadas
(solidariamente, ou ainda que fosse subsidiariamente, com base naquela norma)
pelo pagamento de quaisquer impostos que o contribuinte originário tivesse
deixado de pagar.
Fazendo aqui um parêntesis, refira-se que para a situação do artigo 39º do
Decreto-Lei nº 67/97, de 3 de Abril, vale o mesmo princípio no que respeita às
contribuições para a Segurança Social, na medida em que a estas lhes são
aplicáveis o regime da Constituição “fiscal” (veja-se Casalta Nabais, obra
citada, pág. 603 - muito embora não estejam aqui em causa essas contribuições).
Face ao exposto, declaram-se materialmente inconstitucionais os números 1 e 2 do
artigo 39º do Decreto-Lei 67/97, de 3 Abril, por violação do princípio de
reserva de lei, uma vez que determinam a incidência de todo e qualquer imposto
sobre as pessoas neles referidos, sem que para o efeito o Governo estivesse
autorizado a legislar pela Assembleia da República».
4 – Alegando sobre o objecto do recurso, o Procurador-Geral Adjunto,
no Tribunal Constitucional, concluiu do seguinte modo:
«1°
Insere-se no âmbito da reserva de lei fiscal, prevista no nº 2 do artigo 103° da
Constituição da República Portuguesa, a definição dos pressupostos da
responsabilidade solidária ou subsidiária dos membros de órgãos de uma pessoa
colectiva pelo pagamento dos débitos fiscais, originariamente a cargo desta, já
que tal matéria releva decisivamente, quer para a definição da incidência do
imposto em causa, quer para a delimitação das garantias dos cidadãos face à
Administração Fiscal.
2°
A previsão de um inovatório e agravado regime de responsabilidade solidária dos
membros da direcção dos clubes desportivos pelos débitos a cargo de tais
entidades – inovatório relativamente ao que decorria do Código de Processo
Tributário, estão em vigor – constante da norma que integra o objecto do
presente recurso não encontra suporte bastante nos diplomas legais à sombra dos
quais foi editado o Decreto Lei nº 67/97, pelo que está afectado de
inconstitucionalidade orgânica.
3º
Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade formulado
pela decisão recorrida».
5 – O recorrido não contra-alegou.
B – Fundamentação
6.1 – Os preceitos legais constitucionalmente impugnados, na
dimensão acima recortada pelo recorrente, constantes do Decreto-Lei n.º 67/97,
de 3 de Abril (DL n.º 67/97), dispõem assim:
«Artigo 39.º
Regime de responsabilidade
1 – Para efeitos do presente diploma, são considerados responsáveis
pela gestão efectuada, relativamente às secções profissionais dos clubes
desportivos referidos no art.º 37.º, o presidente da direcção, o presidente do
conselho fiscal ou o fiscal único, o director responsável pela área financeira e
os directores encarregados da gestão daquelas secções profissionais.
2 – Sem prejuízo de outras sanções aplicáveis, nos casos referidos
nos artigos 24.º do Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, com a redacção
dada pelo Decreto-Lei n.º 394/93, de 24 de Novembro, e 27.º-B, também, do
Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, aditado pelo artigo 2.º do
Decreto-Lei n.º 140/95, de 14 de Junho, os membros da direcção dos clubes
desportivos mencionados no número anterior são responsáveis, pessoal, ilimitada
e solidariamente, pelo pagamento ao credor tributário ou às instituições de
segurança social das quantias que, no respectivo período de gestão, deixaram de
entregar para pagamento de impostos ou da segurança social.
3 - …».
6.2 – As normas sub judicio inserem-se em diploma que “estabelece o
regime jurídico das sociedades desportivas, bem como o regime especial de
gestão, a que ficam sujeitos os clubes desportivos que não optarem pela
constituição destas sociedades” – art.º 1.º, n.º 1, do DL nº 67/97.
Com a entrada em vigor de tal diploma, os clubes desportivos, desde
que participantes em competições de natureza profissional, passaram a ter que
optar, obrigatoriamente, por um de dois regimes de gestão nele previstos – o
regime de sociedades desportivas ou o regime especial de gestão nele previsto.
As sociedades desportivas devem constituir-se sob a forma de
sociedades anónimas (art.º 2.º do DL n.º 67/97), devendo a respectiva firma e
denominação conter a indicação da respectiva modalidade de competições
desportivas de carácter profissional em que participa, concluindo pela
abreviatura “SAD” (art.º 6.º, n.º 1, do mesmo diploma), e regem-se pelas
disposições constantes do DL. nº 67/97 e, subsidiariamente, pelas normas que
regulam as sociedades anónimas.
Em contraponto, os clubes desportivos participantes em competições
de natureza profissional que não optem por constituir sociedades desportivas
“devem estruturar-se por forma a que as suas secções profissionais sejam
autónomas em relação às restantes, nomeadamente organizando uma contabilidade
própria para cada uma dessas secções, com clara discriminação das receitas e
despesas imputáveis a cada uma (art.º 37.º)”, exigindo-se, ainda, que da
“constituição dos corpos gerentes dos [deste tipo de] clubes desportivos (…)
deverão constar os directores responsáveis pela gestão de cada uma das secções
profissionais desses clubes” (art.º 38.º).
Além do regime de responsabilidade definido nos nºs 1 e 2 do art.º
39.º do mesmo diploma, já atrás transcritos, o mesmo artigo sujeitou, ainda (n.º
3), os membros da direcção das secções profissionais desses clubes desportivos
às exigências e proibições constantes dos art.ºs 396.º a 398.º e 519.º do Código
das Sociedades para os administradores das sociedades anónimas (prestação de
caução pelo exercício da administração, proibição de negócios com a sociedade e
de outras actividades na sociedade, ou em sociedades que com ela estejam em
relação de domínio ou de grupo, e de proibição do exercício de direitos
relativos à aquisição de participações sociais).
Por último, o diploma obriga, também, a direcção desses clubes
desportivos a “apresentar à respectiva liga profissional de clubes uma garantia
bancária, seguro de caução ou outra garantia equivalente que cubra a respectiva
responsabilidade perante aqueles clubes, nos mesmos termos que os
administradores respondem perante as sociedades anónimas”, sendo que “o montante
da garantia é fixado pela liga profissional de clubes, não podendo ser inferior
a 10% do orçamento do departamento profissional do clube” (art.º 40.º), bem como
a sujeitar o balanço e demais contas a prévio parecer de um revisor oficial de
contas (art.º 41.º) e a cumprir determinadas regras no que concerne à elaboração
dos orçamentos (que têm de ser equilibrados) e à convocação das assembleias
gerais (art.ºs 42.º e 43.º).
A participação dos clubes desportivos, em competições de natureza
profissional, foi, deste modo, perspectivada pelo legislador como um fenómeno
económico-jurídico equivalente à prossecução e realização da respectiva
modalidade desportiva em verdadeiro regime de empresa, em sentido objectivo.
A opção legislativa expressa claramente a ideia de que, em tal
situação, não deixa de estar-se perante o exercício, por banda do clube
desportivo, de uma actividade concretizada, essencialmente, pela prestação de
determinados serviços, imanente à prática de certa modalidade desportiva, feita
profissionalmente e através de uma organização económica estruturada para
possibilitar essa realização de utilidades, como é próprio da noção de empresa,
ou de “uma unidade jurídica fundada em organização de meios que constitui um
instrumento de exercício relativamente estável e autónomo de uma actividade de
produção para a troca” (cf., entre outros, Fernando Olavo, Direito Comercial, I,
2.ª edição, pp. 253-254; Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Da Empresarialidade, As
empresas no Direito, 1996, p. 304., e Curso de Direito Comercial, vol. II, 2001,
pp. 22 e segs. e António Menezes Cordeiro, Manual de Direito Comercial, I
volume, 2001, pp. 224 e segs.), sem, todavia, a fazer comungar da natureza de um
sujeito jurídico autónomo ou de uma pessoa jurídica diferente da do clube
desportivo.
Usando a linguagem do art.º 2.º do Código dos Processos Especiais de
Recuperação da Empresa e de Falência, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 132/93, de
23 de Abril, e do art.º 5.º do Código da Insolvência e da Recuperação de
Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, para definir o
conceito de empresa, embora apenas para efeitos desses códigos, a situação
ajusta-se a uma “organização dos factores de produção destinada ao exercício de
(…) [uma] actividade (…) de prestação de serviços” ou uma “organização de
capital e de trabalho destinada ao exercício de [uma] (…) actividade económica”
[sem embargo do primeiro código excluir as associações, em cujo tipo de pessoas
colectivas os clubes a quem essas “empresas” pertencem se incluem, da declaração
de falência, própria de sujeitos jurídicos singulares ou colectivos – art.
125.º, n.º 1, do CPEREF –, o que já não passa no segundo – art.º 2.º).
Ora, porque a “empresa”, representada pelo exercício de modo
profissional da modalidade desportiva, neste último caso, não abarca toda a
actividade que é prosseguida pelo sujeito jurídico que dela é titular (clube
desportivo), pois estão fora do seu âmbito as modalidades desportivas exercidas
a título não profissional, ao contrário do que se passa relativamente às
sociedades desportivas; porque as actividades em que aquela se concretiza
constituem expressão de outros diferentes e singulares interesses dos clubes
desportivos cuja definição é efectuada, por regra, por órgãos específicos da
mesma pessoa colectiva e, porque os respectivos actos de gestão são susceptíveis
de importar especiais efeitos jurídicos, mormente, ao nível do direito
comercial, laboral e tributário, sentiu o legislador a necessidade de instituir,
dentro de cada uma das modalidades desportivas exercidas em termos
profissionais, um centro “autónomo” de imputação das responsabilidades previstas
no diploma, advenientes de tais actos de gestão, bem como de contabilização das
receitas e despesas derivadas da respectiva actividade.
O legislador como que fez equivaler a uma “empresa”, com um sentido
subjectivo restringido às obrigações de responsabilidade expressamente
contempladas no diploma, e com um sentido objectivo correspondente a cada uma
das diferentes modalidades desportivas, a participação dos cubes desportivos em
competições de natureza profissional, quando optem por não constituir sociedades
desportivas.
É dentro desta teleologia que surge a norma constitucionalmente
impugnada.
Através dela, o legislador define, no caso de sujeição ao referido
regime especial, de não opção dos clubes desportivos, que participem em
competições de natureza profissional de constituição de sociedades desportivas,
o regime de responsabilidade tributária “pelo pagamento ao credor tributário ou
às instituições de segurança social das quantias que, no respectivo período de
gestão”, os titulares dos órgãos nele referidos, “deixaram de entregar para
pagamento de impostos ou da segurança social”.
É claro que, constando já da lei, então em vigor, o regime da
responsabilidade tributária dos “administradores, gerentes e outras pessoas que
exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração nas empresas de
responsabilidade limitada” (art.º 13.º do Código de Processo Tributário,
aprovado pelo Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril), não se impunha ao
legislador do mesmo Decreto-Lei n.º 67/97 a tarefa de definir esse regime para o
caso de os clubes optarem pela constituição de sociedades desportivas: no
silêncio da lei, “às sociedades desportivas são aplicáveis, subsidiariamente, as
normas que regulam as sociedades anónimas”.
6.3 – A responsabilidade pessoal e solidária dos administradores e
gerentes das sociedades de responsabilidade limitada foi prevista, pela primeira
vez, em Portugal, pela mão do artigo 1.º do Decreto n.º 17 730, de 7 de Dezembro
de 1929.
Ela pretendeu assumir uma função inibidora dos comportamentos tidos
como correntes dos administradores de tais tipos de sociedades, cuja
responsabilidade pelas dívidas se cinge às forças do respectivo património
social, de preterirem o pagamento das dívidas de impostos em favor do pagamento
aos demais credores da sociedade, com uma relação mais pessoal e próxima dos
titulares desses órgãos sociais, como os trabalhadores e fornecedores de bens e
serviços, postergando o cumprimento das obrigações públicas, sendo que, então,
se vivia uma época de sufoco de equilíbrio orçamental e de défice das nossas
contas externas.
O Código de Processo das Contribuições e Impostos, aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 45 005, de 27 de Abril de 1963, que veio substituir o Código das
Execuções Fiscais de 1913, manteve, no seu art.º 16.º, nos precisos termos antes
definidos, a responsabilidade tributária daqueles titulares de órgãos sociais,
prevendo, todavia, no seu art.º 146.º, que essa responsabilidade, apenas,
poderia ser efectivada a título subsidiário, ou seja, após a prévia excussão dos
bens da empresa ou sociedade, por eles administrada.
Este regime foi, depois, estendido às contribuições para a segurança
social, primeiro através do Decreto-Lei n.º 512/76, de 3 de Julho, e,
posteriormente, pelo Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio.
Com o Decreto-Lei n.º 68/87, de 9 de Fevereiro, equipararam-se os
créditos fiscais do Estado aos créditos dos demais credores sociais, no que
importa à responsabilidade dos administradores e gerentes de sociedades de
responsabilidade limitada pelo seu pagamento, tendo-se determinado, no seu
artigo único, que a mesma se regia pelo disposto no art.º 78.º do Código das
Sociedades Comerciais. No que diz respeito à responsabilidade pelas dívidas
fiscais, os gerentes e administradores passaram a responder, perante o Estado,
apenas quando o património social se tenha tornado insuficiente para a
satisfação desses créditos por virtude da inobservância culposa, por parte dos
mesmos, das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção dos
credores, cabendo ao credor Estado demonstrar a existência dessa culpa.
Todavia, este figurino de responsabilidade pelo pagamento de dívidas
fiscais veio logo a ser abandonado pelo Código de Processo Tributário (CPT),
aprovado pelo Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril, o qual, sobre a matéria,
passou a dispor no art.º 13.º, sob a epígrafe “Responsabilidade dos
administradores ou gerentes das empresas e sociedades de responsabilidade
limitada”, do seguinte jeito:
“1. Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda
que somente de facto, funções de administração nas empresas e sociedades de
responsabilidade limitada são subsidiariamente responsáveis em relação àquelas e
solidariamente entre si por todas as contribuições e impostos relativos ao
período de exercício do seu cargo, salvo se provarem que não foi por culpa sua
que o património da empresa ou sociedade de responsabilidade limitada se tornou
insuficiente para a satisfação dos créditos fiscais.
2. A responsabilidade prevista neste artigo aplica-se aos membros
dos órgãos de fiscalização e revisores oficiais de contas, nas sociedades em que
os houver, desde que se demonstre que a violação dos deveres tributários das
sociedades resultou do incumprimento das suas funções de fiscalização.”
Era este o regime jurídico de responsabilidade tributária
subsidiária em relação ao devedor originário e solidário que vigorava à data da
publicação do Decreto-Lei n.º 67/97.
6.4 – Do cotejo entre a norma impugnada e a constante deste art.º
13.º do CPT resulta que os regimes de responsabilidade das pessoas neles
referidas não se sobrepõem e que, nesta perspectiva, não pode deixar de
considerar-se inovatório o regime constante do DL. nº 67/97.
É certo que à face deste diploma se torna possível sustentar uma
equiparação das secções de clubes participantes em competições de natureza
profissional com a figura jurídica das empresas. Todavia, não detendo elas
personalidade jurídica autónoma da dos clubes nem estando a sua responsabilidade
limitada às forças do seu património, nunca poderiam ou poderão ser tidas como
empresas de responsabilidade limitada.
Empresa de responsabilidade limitada, ao tempo da edição do
preceito, era apenas o estabelecimento individual de responsabilidade limitada,
introduzido na ordem jurídica portuguesa, através do Decreto-Lei n.º 248/86, de
25 de Agosto, sendo certo que este não corresponde a qualquer personificação
jurídica da empresa individual através da atribuição de personalidade jurídica à
empresa, antes o configurou como “um mero património autónomo ou de afectação do
empresário em nome individual, mediante a segregação ou destacamento, no seio do
património geral deste, de um acervo de bens exclusivamente afecto à exploração
da actividade económica da sua empresa” (cf. José Engrácia Antunes, “O
estabelecimento individual de responsabilidade limitada: crónica de uma morte
anunciada”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, FDUP, ano
III, 2006, pp. 405-406).
Por outro lado, não podendo ver-se os clubes desportivos, na identidade total
das actividades prosseguidas, também como empresas, nem cabendo os mesmos,
seguramente, no conceito de sociedades de responsabilidade limitada, não
poderiam os titulares dos órgãos referidos no n.º 1 do art.º 39.º do DL nº 67/97
ser havidos como correspondendo a qualquer dos titulares dos órgãos referidos no
art. 13.º do CPT.
Tem-se, deste modo, de concluir que o legislador do DL nº 67/97 não
repetiu o regime jurídico constante do art. 13.º do CPT.
E, sendo assim, importa saber se a norma impugnada foi emitida por
órgão constitucionalmente competente ou autorizado para o efeito.
A sentença recorrida deu uma resposta negativa a tal questão.
Entendeu ela, brevitatis causa, que a responsabilidade tributária, subsidiária
ou solidária, respeita a matéria de incidência pessoal ou subjectiva tributária,
que é abrangida pelas normas de incidência, e, como tal, está sujeita ao
princípio da legalidade tributária, de reserva de lei formal da Assembleia da
República ou de Decreto-Lei, emitido pelo Governo, a coberto de autorização
parlamentar, mas que nenhum dos preceitos invocados pela norma impugnada para
escudar a existência de autorização a prevê.
O princípio da legalidade tributária tem sido densificado, por
diversas vezes, pelo Tribunal Constitucional (cf., a título de exemplo, os
Acórdãos nºs 233/94, 220/97, 127/2004, 271/2005 e 252/2005, disponíveis em
www.tribunalconstitucional.pt).
Discorrendo sobre ele em termos que expressam o entendimento seguido
pelo Tribunal, e que, aqui, se renova, disse-se no Acórdão n.º 127/2004:
“O princípio da legalidade tributária, que a Constituição de 1976
vem afirmando em todas as suas versões, consta hoje do seu art.º 103º, n.º 2.
Segundo este, «os impostos são criados por lei, que determina a
incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes». O
princípio tem duas dimensões jurídicas, ambas enfeudadas à sua matriz histórica
de não tributação sem a autorização do Parlamento, enquanto representante do
povo (princípio da auto-tributação): uma traduzida na regra constitucional de
reserva de lei da Assembleia da República ou de decreto-lei do Governo emitido a
coberto de autorização do Parlamento a que tem de obedecer a criação dos
impostos, constante actualmente do art.º 165º, n.º 1, alínea i), da CRP; outra,
consubstanciada na exigência de conformação, por parte da lei, dos elementos
modeladores do tipo tributário, abrangendo, assim, a incidência objectiva e
subjectiva, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.
É esta segunda dimensão que densifica os fundamentos axiológicos da
nossa Constituição Fiscal e que se materializa nos princípios da universalidade,
da igualdade tributária e da capacidade contributiva.
Ora, a prossecução de um tal desiderato ético-político demanda que a
função de definição dos elementos de cuja operacionalidade jurídica emerge a
obrigação tributária esteja reservada à lei.
Deste modo, o princípio da legalidade tributária, na sua acepção
material ou substancial, postula a sujeição ao sub-princípio da tipicidade legal
dos elementos de cujo concurso resulte a modelação dos tipos tributários ou dos
impostos ou, dito de outro modo, dos elementos essenciais dos impostos, e que
são, segundo os próprios termos adquiridos da ciência fiscal pela nossa Lei
Fundamental, a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos
contribuintes”.
Sendo assim, coloca-se a questão de saber se a obrigação de
responsabilidade tributária solidária, tal qual se apresenta definida na norma
impugnada, integra o elemento essencial dos impostos da incidência ou o das
garantias dos contribuintes.
6.5 – É muito controvertida, na doutrina, a natureza da obrigação de
responsabilidade tributária solidária ou subsidiária dos sujeitos em relação aos
quais se não verificam os factos tributários que constituem a causa jurígena da
obrigação de imposto, como são os sujeitos passivos originários da obrigação de
imposto, mas que ficam obrigados ao seu pagamento por virtude do preenchimento
de um pressuposto que os responsabiliza, precisamente, por esse pagamento.
No dizer de Diogo Leite de Campos e Mónica Horta Neves Leite de
Campos (Direito Tributário, 2.ª edição, p. 377), que se acompanha, “A
responsabilidade tributária deriva do preenchimento de um pressuposto de facto
de uma norma. É necessário, mais precisamente, que se preencha um pressuposto de
facto, em virtude do qual fica obrigado o sujeito passivo. E, além disso, é
necessário que se preencha o pressuposto de facto em virtude do qual fica
obrigado o responsável. Nesta medida pode dizer-se que o pressuposto de facto da
obrigação do responsável está dependente do preenchimento do pressuposto de
facto que origina a obrigação tributária. Ou seja: para que haja
responsabilidade, é necessário que se preencham dois pressupostos legais” ou,
dito de forma mais omnicompreensiva, dois diferentes quadros de pressupostos
legais, também, diferentes.
No caso de responsabilidade subsidiária, o responsável subsidiário
apenas responde depois de excutido o património do devedor originário.
Tratando-se, porém, de responsabilidade originariamente solidária, o
responsável responde ao mesmo tempo que o credor em relação ao qual se verificam
os pressupostos materiais previstos na norma de tributação como fonte da
obrigação jurídica do imposto.
A responsabilidade tributária pelas dívidas tributárias constituídas
em relação a outrem corresponde, de qualquer modo, a um instrumento jurídico de
garantia de cobrança dos créditos fiscais, de natureza pessoal. À sua
conformação é, totalmente, alheio o princípio constitucional da capacidade
contributiva que subjaz à eleição dos factos tributários materiais por banda do
legislador e à sua conexão com determinado sujeito (o sujeito passivo originário
da obrigação de imposto). A responsabilidade solidária ou subsidiária
tributárias assenta, essencialmente, na consideração de que o responsável
tributário é quem, à face do direito e das circunstâncias de facto, se encontra
na posição jurídico-factual de poder cumprir a obrigação de imposto pelo sujeito
passivo originário, por ser através dele que este “actua a sua própria
capacidade de exercício de direitos” (cf. Isabel Marques da Silva, “Noção e
fundamento genérico das situações de responsabilidade tributária”, Problemas
Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, 1999, p. 123) ou pode,
jurídico-factualmente, expressar e executar a sua vontade de cumprimento da
obrigação e de disposição dos necessários meios financeiros que o mesmo demanda.
Nesta medida, enquanto garantia pelo pagamento de dívidas
tributárias de outrem, imposta pela lei, em favor do credor tributário, um tal
tipo de responsabilidade não pode deixar de ser tida como excepcional,
principalmente quando solidária.
É que assente, embora, sobre a circunstância da existência de
deveres de gestão e administração, por banda do responsável em relação ao
sujeito passivo originário, não deixa importar uma valoração sobre a correcção
do exercício de tais deveres que ocorre num quadro complexo de ponderação das
circunstâncias de mercado e outras em que se desenvolve a actividade do sujeito
passivo e da possibilidade de tomar as opções de política comercial tidas como
adequadas e de, assim, assumir um certo carácter sancionatório pelas posições
assumidas, importando, em alguma medida, uma limitação à autonomia jurídica (cf.
José A. Costa Alves, “A responsabilidade tributária dos corpos sociais e dos
Responsáveis Técnicos”, Revista da Faculdade de Direito do Porto, FDUP, III,
2006, p. 379).
Por outro lado, não poderá esquecer-se que essa responsabilidade se
concretiza na disposição de património do responsável para pagamento de
obrigações de imposto de outrem que emergem de factos que se reflectem,
economicamente, não na esfera do responsável, mas na do devedor originário cuja
vontade expressa, afectando, em alguma medida, o direito à propriedade privada e
a liberdade de iniciativa económica e empresarial (cf. José Casalta Nabais,
Direito Fiscal, 2.ª edição, 2003, pp. 269-270).
Para muitos autores, que olham o fenómeno do ponto de vista do
momento e das condições em que, relativamente ao responsável, está prevista a
exigência dos efeitos próprios que decorrem da obrigação de responsabilidade de
pagamento de tributos de outrem, está em causa uma fiança ex lege (cf., por
exemplo, Cardoso da Costa, Curso de Direito Fiscal, 2.ª edição actualizada,
1972, pp. 299-301; Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, I, pp. 387 e segs.;
Braz Teixeira, Princípios de Direito Fiscal, vol. I, 3.ª edição, 1985, pp. 312 e
segs.; Diogo Leite de Campos e Mónica Horta Neves Leite de Campos, op. cit., p.
391; Sofia Casimiro, A Responsabilidade dos Gerentes, Administradores e
Directores pelas Dívidas Tributárias das Sociedades Comerciais, 2000, p. 161).
Outros autores qualificam essa responsabilidade com uma
responsabilidade civil delitual (cf. Ruy de Albuquerque e António Menezes
Cordeiro, “Da responsabilidade fiscal subsidiária: a imputação aos gestores dos
débitos das empresas à Previdência e o artigo 16.º do Código de Processo das
Contribuições e Impostos, CTF, 335/336, 1986, p. 174).
Por seu lado, ainda, outros vêem essa responsabilidade,
essencialmente, como uma figura própria do direito tributário, mas em cuja
modelação não deixam de intervir requisitos que conformam a obrigação de
responsabilidade civil, na medida em que, também, ela apela aos pressupostos da
verificação de um comportamento ilícito, culposo e danoso (cf., entre outros,
Pedro Soares Martinez, Direito Fiscal, 7.ª edição, 1993, pp. 387 e segs.; Pitta
Cunha e Jorge Costa Santos, Responsabilidade Tributária dos Administradores ou
Gerentes, 1999, p. 28; Tânia Cunha, “A Culpa dos Gerentes, Administradores e
Directores na Responsabilidade por Dívidas de Impostos”, BFD, vol. LXXVIII,
Coimbra, 2001, pp. 810-812).
A Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17
de Dezembro, considera o responsável tributário como um sujeito passivo da
relação tributária, do mesmo modo que o contribuinte directo e o substituto
tributário, enquanto “pessoa que, nos termos da lei, está vinculada ao
cumprimento da prestação tributária” (art.º 18.º).
Como quer, porém, que se qualifique a obrigação de responsabilidade
tributária, subsidiária ou solidária, é inquestionável que o sujeito passivo
dessa obrigação de responsabilidade cumpre uma obrigação de pagamento de imposto
cujos pressupostos de facto da obrigação tributária ocorreram relativamente a
outro devedor, o devedor originário, desempenhando ele uma função de garante
legal desse pagamento.
Conquanto sendo alheio à conexão especial com certa pessoa dos
factos materiais que concretizam a incidência objectiva do tributo, assumida
pela norma tributária como seu critério de incidência subjectiva, o responsável
tributário não deixa, por virtude da concretização de outros pressupostos
elegidos pela lei para o investir na titularidade passiva da obrigação de
responsabilidade, de ficar constituído na obrigação de pagamento de imposto
gerada, originariamente, em relação a outrem.
Desde que, preenchidos estes outros pressupostos, o responsável
tributário cumpre a prestação tributária nos termos em que a mesma se constituiu
em relação ao devedor originário.
Assim sendo, há-de entender-se que a definição destes outros
pressupostos legais, por virtude de cuja ocorrência o responsável fica,
igualmente, obrigado ao cumprimento da prestação tributária, tornando-o “sujeito
passivo da relação tributária”, integram, ainda, o conceito de incidência,
relevado pela nossa Lei Fundamental como elemento essencial dos impostos para
efeitos de sujeição ao princípio da legalidade tributária, de reserva de lei
formal, na acepção já precisada.
Mas, independentemente de um tal entendimento, poderá ainda ver-se o
estabelecimento de um regime de responsabilidade tributária solidária ou
subsidiária pelas dívidas tributárias de outrem como implicando com as
“garantias dos contribuintes”, elevadas, igualmente, à categoria de elemento
essencial dos impostos pela norma constitucional e sujeitas ao mesmo princípio
da legalidade tributária.
Na verdade, a obrigação de responsabilidade tributária não deixa de
corresponder à imposição, sobre certo sujeito jurídico, de uma obrigação de
cumprimento de imposto a título solidário e subsidiário, afectando, pela via da
constituição de uma tal garantia patrimonial solidária ou subsidiária, o seu
património, em favor do credor tributário.
6.6 – O Decreto-Lei n.º 67/97, de 3 de Abril, em que se contém a
norma constitucionalmente impugnada, foi editado, segundo consta do mesmo, “no
uso da autorização legislativa concedida pela alínea d) do n.º 4 do art.º 30.º
da Lei n.º 52-C/96, de 27 de Dezembro, e no desenvolvimento do regime jurídico
estabelecido pela Lei n.º 1/90, de 13 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada
pela Lei n.º 19/96, de 25 de Junho”.
Dispõe o n.º 2 do art. 165.º da Constituição que “as leis de
autorização legislativa devem definir o objecto, o sentido, a extensão e a
duração da autorização, a qual não pode ser prorrogada”.
A problemática dos condicionamentos constitucionalmente
estabelecidos para as leis de autorização legislativa tem sido abordada, pelo
Tribunal Constitucional, por diversas vezes, a propósito dos mais variados
diplomas emitidos no uso dela.
Sobre tal matéria se debruçou profundamente, mesmo em termos de
direito comparado, o Acórdão n.º 358/92, publicado no Diário da República I
Série, de 26 de Janeiro de 1993.
Afirmou-se, então, aí:
«Quanto ao objecto da autorização, ele consiste na enunciação da
matéria sobre a qual a autorização vai incidir, enunciação essa que, sem
prejuízo das garantias de segurança do sistema jurídico, pode ser feita por
remissão e abranger inclusive mais do que um tema ou assunto. Como já se
escreveu, «a determinação do objecto definido pode ser feita de forma indirecta
ou até implícita, quer por referência a actos legislativos preexistentes (que a
delegação pretenda coordenar, refundir ou pôr em execução), quer por natural
decorrência dos princípios e critérios directivos aplicados a uma matéria
genericamente enunciada ou a matérias complexas (cf. António Vitorino, As
Autorizações Legislativas na Constituição Portuguesa, ed. pol., Lisboa, 1985, p.
231).
Por seu turno, a extensão da autorização especifica quais os
aspectos da disciplina jurídica da matéria em causa sobre que vão incidir as
alterações a introduzir por força do exercício dos poderes delegados.
O sentido da autorização legislativa, sendo algo mais do que a mera
conjugação dos elementos objecto (matéria ou matérias da reserva relativa de
competência legislativa da Assembleia da República sobre que incidirão os
poderes delegados) e extensão (aspectos da disciplina jurídica daquelas matérias
que integram o objecto da autorização que vão ser modificados), não constitui,
contudo, exigência especificada de princípios e critérios orientadores [...],
mas algo mais modesto ou de âmbito mais restrito, que deve constituir
essencialmente um pano de fundo orientador da acção do Governo numa tripla
vertente:
Por um lado, o sentido de uma autorização deve permitir a expressão
pelo Parlamento da finalidade da concessão dos poderes delegados na perspectiva
dinâmica da intenção das transformações a introduzir na ordem jurídica vigente
(é o sentido da óptica do delegante);
Por outro lado, o sentido deve constituir indicação genérica dos
fins que o Governo deve prosseguir no uso dos poderes delegados, conformando,
assim, a lei delegada aos ditames do órgão delegante (e o sentido na óptica do
delegado); e
Finalmente, o sentido da autorização deverá permitir dar a conhecer
aos cidadãos, em termos públicos, qual a perspectiva genérica das transformações
que vão ser introduzidas no ordenamento jurídico em função da outorga da
autorização (é o sentido da óptica dos direitos dos particulares, numa zona
revestida de especiais cuidados no texto constitucional - as matérias que
incluem a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da
República).
Temos, deste modo, que na definição do sentido da autorização
legislativa, a Assembleia da República pode ir mais ou menos longe, vinculando o
legislador delegado a adoptar soluções que podem transportar uma maior ou menor
pre-definição do regime jurídico adoptando e que, deste modo, podem, assim, ser
enunciadas por uma forma mais ou menos precisa, mais ou menos minuciosa e mais
ou menos completa – «já que resta sempre a possibilidade de apreciar
ulteriormente e corrigir, se necessário, a legislação governamental (art.º 169º
da CRP); e com isso fica também (sem que haja violação da Constituição) uma
margem maior ou menor para o Governo modelar, em definitivo, as soluções
normativas».
Como é evidente, a resposta a dar à questão de saber se o legislador
delegado se acha constitucionalmente habilitado a legislar nos termos em que o
fez não dispensa a interpretação da lei de autorização.
A alínea d) do n.º 4 do art. 30.º da referida Lei n.º 52-C/96 dispõe
que o Governo fica autorizado a “Harmonizar, em sede de IRC, os regimes
aplicáveis aos clubes desportivos e às sociedades desportivas nos termos da
legislação aplicável”.
Ora, sabido que, na interpretação deste preceito, se tem de partir
do princípio de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos
adequados (cf. art.º 9.º, n.º 3, do Código Civil), como é postulado pelo
princípio material do Estado de direito democrático, maxime, nas dimensões dos
seus subprincípios da segurança jurídica, da tutela da confiança e da boa fé,
não pode deixar de concluir-se, perante o respectivo discurso legislativo, que
dele não dimana qualquer autorização ao Governo no sentido de este poder
legislar, embora, por adaptação de institutos previstos na ordem jurídica para
outros sujeitos, sobre a obrigação de responsabilidade tributária pessoal,
ilimitada e solidária, dos referidos titulares dos órgãos dos clubes desportivos
que intervenham em competições profissionais e que não optem por constituir
sociedades desportivas.
A matéria a que se reporta a autorização parlamentar concedida ao
Governo – “harmonização do IRC devido por clubes desportivos e sociedades
desportivas” – é, totalmente, estranha ao estabelecimento do referido regime de
responsabilidade tributária pessoal dos dirigentes dos clubes desportivos pelas
dívidas de impostos, incluindo derivadas de IRC, ou pelas contribuições para a
segurança social.
Mas, como se referiu, o legislador do DL. nº 67/97 fundamenta ainda
a sua competência para legislar “no desenvolvimento do regime jurídico
estabelecido pela Lei n.º 1/90, de 13 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada
pela Lei n.º 19/96, de 25 de Junho”.
Verifica-se, porém, que o único preceito desta Lei de Bases do
Desporto que dispõe sobre matéria susceptível de ter alguma conexão com a
matéria fiscal em causa é o n.º 4 do art. 20.º que assim reza (transcreve-se
todo o artigo, acentuando-se a itálico o n.º 4 para efeitos de melhor
compreensão):
«Artigo 20.º
Clubes desportivos
1 - São clubes desportivos, para efeitos desta lei, as pessoas colectivas de
direito privado que tenham como escopo o fomento e a prática directa de
actividades desportivas.
2 - Os clubes desportivos que não participem em competições desportivas
profissionais constituir-se-ão, nos termos gerais de direito, sob forma
associativa e sem intuitos lucrativos.
3 - Por diploma legal adequado serão estabelecidos os termos em que os clubes
desportivos, ou as suas equipas profissionais, que participem em competições
desportivas de natureza profissional poderão adoptar a forma de sociedade
desportiva com fins lucrativos, ou o regime de gestão a que ficarão sujeitos se
não optarem por tal estatuto.
4 - O diploma referido no número anterior salvaguardará, entre outros
objectivos, a defesa dos direitos dos associados e dos credores de interesse
público e a protecção do património imobiliário, bem como o estabelecimento de
um regime fiscal adequado à especificidade destas sociedades.
5 - Mediante diploma legal adequado poderão ser isentos de IRC os lucros das
sociedades desportivas que sejam investidos em instalações ou em formação
desportiva no clube originário.
6 - Os clubes desportivos e sociedades desportivas que disputem competições
desportivas de carácter profissional terão obrigatoriamente de possuir
contabilidade organizada segundo as normas do Plano Oficial de Contabilidade,
com as adaptações constantes de regulamentação adequada».
Poderia, desde logo, questionar-se se o n.º 4 do art. 20.º da Lei de
Bases do Desporto, na redacção dada pela referida Lei n.º 19/96, cumpre a função
de lei de autorização legislativa que resulta do corpo e do n.º 2 do art. 165.º
da Constituição (de concessão ao Governo de poderes para legislar em matéria de
reserva relativa da Assembleia da República) e, a entender-se como tal, se ela
não ofenderia o último preceito constitucional, por falta do estabelecimento da
duração da autorização legislativa.
Não se afigura, porém, necessário resolver esse problema.
Embora a “Assembleia da República [possa] ir mais ou menos longe, vinculando o
legislador delegado a adoptar soluções que podem transportar uma maior ou menor
pre-definição do regime jurídico adoptando e que, deste modo, podem, assim, ser
enunciadas por uma forma mais ou menos precisa, mais ou menos minuciosa e mais
ou menos completa” as soluções normativas, há-de, todavia, convir-se ser
manifestamente excessivo inferir do referido preceito – no segmento em que prevê
que, “entre outros objectivos”, o legislador delegado deva salvaguardar a
“defesa dos direitos dos credores de interesse público” – o sentido de este
legislador ficar habilitado a estabelecer, de forma inovatória, um tal regime de
responsabilidade subsidiária pessoal, relativamente aos titulares dos referidos
órgãos sociais de clubes desportivos que participem em competições profissionais
quando optem por não constituir sociedades desportivas, e, mormente, de adoptar
um modelo de regime de incidência subjectiva específica fiscal diverso do
previsto no citado art.º 13.º do Código de Processo Tributário.
De resto, cumpre notar que a permissão de “estabelecimento de um
regime fiscal adequado”, constante da parte final do preceito, cuja relevação
poderia de algum modo servir de elemento potenciador da admissibilidade de uma
autorização com o sentido de abranger também essa hipótese, se refere apenas às
sociedades desportivas e não também à outra forma de gestão a que os clubes
estão sujeitos quando optem por não constituir sociedades desportivas.
Temos, pois, de concluir que a norma constitucionalmente impugnada
não encontra suporte bastante em precedente autorização legislativa e que versa
sobre matéria de incidência subjectiva específica fiscal, sofrendo, por isso, de
inconstitucionalidade orgânica.
C – Decisão
7 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional
decide:
a) Julgar inconstitucionais, por violação das disposições conjugadas
dos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da
República Portuguesa, as normas constantes dos números 1 e 2 do art.º 39.º do
Decreto-Lei n.º 67/97, na parte em que as mesmas admitem a responsabilidade
pessoal, ilimitada e solidária, pelo pagamento das dívidas fiscais ao credor
tributário das pessoas aí mencionadas;
b) Confirmar o juízo de inconstitucionalidade feito pela decisão
recorrida e, consequentemente, negar provimento ao recurso.
Lisboa, 16 de Maio de 2007
Benjamim Rodrigues
João Cura Mariano
Rui Pereira
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos