Imprimir acórdão
Processo n.º 420/05
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que figura
como recorrente A., foi proferido, em 14/10/2004, pelo Juiz do 2° Juízo Cível do
Tribunal Judicial de Comarca de Vila Nova de Famalicão, despacho com o seguinte
teor: “Atento o decidido no ponto 5 do despacho de fls. 622 e 623, no qual foram
julgadas prejudicadas as reclamações objecto dos apensos no. 40-A/2000 e
40B/2000, não há que ordenar o prosseguimento do presente apenso de reclamação”
– v. fls. 3”.
2. O recorrente, não se conformando, recorreu para o Tribunal da Relação do
Porto, afirmando que o recurso era de “agravo, a subir imediatamente nos autos e
ao qual se requer seja atribuído efeito suspensivo, não só por força do disposto
no n.º 1 do Art.º 740º, como ainda porque a não atribuição desse efeito causaria
ao agravante prejuízo de muito difícil reparação (art.º 740º, n.º 2, alínea d) e
740º, n.º 3, ambos do C.P.C.) em inobservância dos n.ºs 4 e 5 do Art.º 20º da
Constituição da República Portuguesa, com o consequente aumento de despesas para
o recorrente”. O recurso foi admitido como “de agravo, a subir com o primeiro
que, depois de ele ser interposto, haja de subir imediatamente nos autos
principais, com efeito meramente devolutivo”.
3. Veio, então, o recorrente reclamar para o Presidente do Tribunal da Relação
do Porto, tendo resumido a sua alegação do modo seguinte:
“[...], tendo sido notificado do Douto Despacho de V. Ex.a de fls. , proferido
em 12/11/23004, que não atribuiu o efeito suspensivo oportunamente requerido, e
não se conformando com o efeito meramente devolutivo e a subida deferida ali
atribuída - o que configura uma situação de retenção de Recurso, prevista no
no.1 do art. 688° do C.P.Civil - vem, porque está em tempo, nos termos e para os
efeitos do no.5 do art. 688° do C PC, impugnar por meio de Recurso aquela Douta
Decisão.”
Tal reclamação foi indeferida por despacho do Vice-Presidente do Tribunal da
Relação do Porto de 26 de Abril de 2005.
4. Inconformado, veio o recorrente, invocando ser beneficiário de apoio
judiciário, interpor recurso para este Tribunal, através de um requerimento do
seguinte teor:
“[...], não se conformando com a decisão que Vossa Excelência se dignou dar ao
problema posto da retenção ilegal do agravo, vem interpor recurso para o
Tribunal Constitucional, Recurso de Fiscalização Concreta Sucessiva, indicando
para o efeito, ter arguido a inconstitucionalidade dos Artºs 734º/2 e 740º/3,
ambos do C.P.C., no entendimento que Vossa Excelência lhe manteve, no
requerimento de interposição de recurso em Primeira Instância, confrontando esta
norma com o Princípio da Celeridade, corolário do Direito fundamental de acesso
à Justiça, segundo o Art.º 20º/4 e 5 da C.R.P. [...]”
5. Na sequência, foi proferida pelo Relator do processo neste Tribunal, ao
abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro,
na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão
sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso. É o seguinte, na
parte agora relevante, o seu teor:
“[...]5. Admitido o recurso no Tribunal da Relação do Porto, cumpre, antes de
mais, decidir se pode conhecer-se do respectivo objecto, uma vez que tal decisão
não vincula o Tribunal Constitucional (cfr. art. 76º, n.º 3 da LTC).
Deduz-se do requerimento de interposição de recurso que o mesmo é interposto com
fundamento na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal
Constitucional. Ora, o recurso previsto nessa alínea pressupõe, designadamente,
que o recorrente tenha suscitado, de modo processualmente adequado perante o
tribunal que proferiu a decisão recorrida, a inconstitucionalidade de
determinada norma jurídica - ou de uma sua dimensão normativa - e que, não
obstante, a decisão recorrida a tenha aplicado, como ratio decidendi, no
julgamento do caso. Importa, pois, começar por averiguar se o recorrente
suscitou, de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a
decisão recorrida, alguma questão de constitucionalidade normativa em termos que
lhe viessem a permitir interpor recurso de constitucionalidade para este
Tribunal.
É, porém, manifesto que o não fez. Para assim concluir, basta ler o requerimento
da reclamação para o Presidente do Tribunal da Relação do Porto que acima se
transcreveu na parte relevante.
Assim, não tendo o recorrente suscitado, de modo processualmente adequado
perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, qualquer questão de
constitucionalidade normativa, não lhe está aberta a via de recurso para este
Tribunal. O que, por si só, é suficiente para se concluir que se não pode
conhecer do objecto do presente recurso.
Afirma, porém, o recorrente “ter arguido a inconstitucionalidade dos Artºs
734º/2 e 740º/3, ambos do C.P.C., no entendimento que Vossa Excelência lhe
manteve, no requerimento de interposição de recurso em Primeira Instância,
confrontando esta norma com o Princípio da Celeridade, corolário do Direito
fundamental de acesso à Justiça, segundo o Art.º 20º/4 e 5 da C.R.P.” Ora, uma
eventual suscitação de uma questão de inconstitucionalidade em tal peça
processual sempre seria irrelevante para o presente recurso, uma vez que tal
questão não teria sido suscitada perante a entidade que proferiu a decisão
recorrida. Acontece, porém, que, no presente caso e ao contrário do que o
recorrente expressamente afirma no requerimento de interposição de recurso, nem
nessa peça está suscitada qualquer questão de constitucionalidade normativa
susceptível de abrir via de recurso para este Tribunal. Para assim concluir,
basta ler a peça, que acima também se transcreveu, onde o recorrente se limita a
afirmar que “a não atribuição desse efeito causaria ao agravante prejuízo de
muito difícil reparação (art.º 740º, n.º 2, alínea d) e 740º, n.º 3, ambos do
C.P.C.) em inobservância dos n.ºs 4 e 5 do Art.º 20º da Constituição da
República Portuguesa”, não imputando qualquer inconstitucionalidade a qualquer
norma, mas antes, quando muito, à própria decisão judicial então recorrida.
Em face do exposto, e sem necessidade de maiores considerações, inteiramente
inúteis no presente contexto, torna-se evidente que não pode conhecer-se do
recurso que o recorrente pretendeu interpor, por manifesta falta de, pelo menos,
um dos seus pressupostos legais de admissibilidade, a saber: não ter o
recorrente suscitado, de modo processualmente adequado perante o tribunal que
proferiu a decisão recorrida, como exige o n.º2 do artigo 72º da Lei do Tribunal
Constitucional, qualquer questão de constitucionalidade normativa que por este
Tribunal pudesse ser apreciada em recurso.
6. Inconformado com esta decisão, o recorrente veio “reclamar para a Conferência
da Decisão Singular que lhe acaba de ser notificada, nos termos e com os
fundamentos seguintes”, que se transcrevem:
“1 – Diz Vossa Excelência que a questão da Inconstitucionalidade não foi
suscitada, nem perante o Órgão que aplicou o Direito nem, em todo o caso,
confrontando-o com o modo aplicativo de uma determinada norma posta em crise de
desacerto com a Constituição.
2 – No entanto, a conjunção do requerimento de Interposição de Recurso com a
minuta de Reclamação para o Presidente da Relação e, sobretudo, a resposta que
este deu ao caso, demonstram, justamente o contrário.
3 – O Recorrente pediu o Julgamento imediato do Recurso por necessidade
Constitucional de Celeridade; a retenção contraria este efeito, e o Tribunal
Superior dá cobertura à morosidade.
4 – Bem nos basta o que basta! Não se instale no Tribunal Constitucional a
morosidade dos raciocínios burocráticos e formalistas, com raízes profundas na
Justiça Comum.
5 – Decerto que os argumentos não terão sido apresentados subitamente, em cada
momento, mas estão todos lá, e não podem ser ilididos numa leitura dialéctica
que é a que respeita ao Direito e à Justiça.
[...]
9 – O problema posto ao Tribunal Constitucional é não só um problema prático,
como uma questão que merece o contributo da reflexão Académica, ou, melhor dito,
da Prática-Teórica:
10 – Os Recorrentes [sic] esperam vê-lo tratado e serem convencidos, ou, pelo
contrário, fazerem vencimento, mas por Boas Razões (art.º 2º da C.R.P.), não por
decisão em Secretaria. [...]”
7. Notificados os recorridos, apenas respondeu o Ministério Público, que disse:
“1. A presente reclamação é manifestamente infundada.
2. Na verdade, as razões invocadas pelo reclamante em nada abalam os fundamentos
da decisão reclamada, no que toca à evidente inverificação dos pressupostos do
recurso interposto.”
Dispensados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
8. A decisão sumária reclamada considerou que se não podia conhecer do recurso
“por manifesta falta de, pelo menos, um dos seus pressupostos legais de
admissibilidade, a saber: não ter o recorrente suscitado, de modo
processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida,
como exige o n.º2 do artigo 72º da Lei do Tribunal Constitucional, qualquer
questão de constitucionalidade normativa que por este Tribunal pudesse ser
apreciada em recurso”.
O recorrente vem reclamar desta decisão, sustentando que “a conjunção do
requerimento de Interposição de Recurso com a minuta de Reclamação para o
Presidente da Relação e, sobretudo, a resposta que este deu ao caso, demonstram,
justamente o contrário” Não tem, contudo, qualquer razão, como, muito
sucintamente, se verá já de seguida.
De facto, por um lado, basta ler o teor da reclamação para verificar que o ora
reclamante em nada infirma os argumentos da decisão reclamada. Por outro lado,
basta ler qualquer das peças processuais atrás transcritas, nomeadamente a única
relevante, por ser a apresentada perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida, para verificar que nenhuma questão de constitucionalidade normativa
aí se encontra suscitada. Assim sendo, só por manifesto lapso ou por
desconhecimento se pode pretender, que, pelo recorrente, foi suscitada, como
exige o n.º 2 do artigo 72º da Lei do Tribunal Constitucional, de modo
processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, a
questão de constitucionalidade que pretende agora ver apreciada.
Pelas razões já constantes da decisão reclamada, que mantém inteira validade e
em nada é infirmada pela presente reclamação, é, assim, efectivamente de não
conhecer do objecto do recurso que o ora reclamante pretendeu interpor.
III - Decisão
Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do
recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.
Lisboa, 14 de Julho de 2005
Gil Galvão
Bravo Serra
Artur Maurício