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Processo n.º 248/07
1ª Secção
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Inconformado com a decisão do Tribunal Central Administrativo Sul que,
confirmando sentença proferida Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, lhe
indeferiu os pedidos de suspensão de eficácia de uma deliberação da Comissão de
Elaboração de Listas de Gestores e Liquidatários Judiciais do Distrito Judicial
de Évora (ora requerida), que não lhe renovou a sua inscrição nas listas de 2004
e cancelou definitivamente a sua inscrição, bem como a autorização provisória
para o exercício de funções, A. (ora requerente) pretendeu recorrer para o
Supremo Tribunal Administrativo que, por acórdão proferido em 21 de Dezembro de
2006 e nos termos do artigo 150º, nºs 1 e 5 do CPTA, não admitiu esse recurso,
decisão que fundamentou nos seguintes termos:
“[…] Nada alega quanto à admissibilidade da revista, limitando-se a citar o art.
150° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e a esgrimir
contra o acórdão do TCAS ao qual imputa errada interpretação do art. 713° n.º 5
do Código de Processo Civil (CPC) no tocante à respectiva fundamentação.
A entidade recorrida também nada disse relativamente á questão preliminar, pelo
que se passa a decidir.
O art. 150° n.º 1 do CPTA dispõe o seguinte:
“Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central
Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal
Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua
relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a
admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do
direito.”
A jurisprudência deste Supremo Tribunal, de forma contínua e uniforme, tem
sublinhado que a transcrita norma não veio consagrar um recurso generalizado de
revista - pois que das decisões dos TCAS proferidas na sequência de recurso de
apelação não cabe recurso para o STA - mas antes um recurso verdadeiramente
excepcional apenas admitido em casos muito restritos (cfr., entre muitos, os
acs. de 26.04.06, de 18.05.06 e de 7.06.06, proferidos, respectivamente, nos
procs. nos 340/06, 429/06 e 596/06).
Por outro lado tem-se também consolidado corrente jurisprudencial no sentido de
que este grau de exigência é particularmente reforçado nos casos em que a
questão que o recorrente pretende ver reapreciada não se reporta ao direito ou
interesse substantivo que o recorrente pretende fazer valer no processo
principal, mas apenas à tutela provisória desse direito ou interesse. Porque se
entende que a precariedade dessa tutela deverá ser compensada com um acréscimo
de rigor na apreciação dos respectivos pressupostos (neste sentido, os acs. de
27.04.6, de 18.05.06 e de 29.06.06, respectivamente, nos procs. n°s 340/06,
429/06 e 656/06).
Assim, só em casos excepcionalíssimos é que o recurso é, aqui, de admitir.
Estando em causa na situação presente em causa pedidos de suspensão de eficácia
de uma deliberação da CELGLJDJE e de autorização provisória de exercício das
funções de liquidatário judicial, pedidos que envolvem questões de relevo
jurídico e social limitado, não se vislumbrando necessidade premente de melhor
aplicação do direito, forçoso é concluir que não se verifica qualquer dos
pressupostos legais da revista”.
2. Na sequência desta decisão o ora requerente veio aos autos para, ao abrigo do
disposto nos artigos 668º, nº 1, als. a) e d) do Código de Processo Civil,
solicitar o seu esclarecimento, pedido que foi indeferido pelo acórdão de 31 de
Outubro de 2006. Novamente inconformado o ora requerente veio, ao abrigo dos
artigos 670º, nº 3, do CPC e 140º do CPTA, arguir a nulidade da decisão que não
admitiu a revista, requerimento que foi indeferido pelo acórdão de 20 de
Dezembro de 2006.
3. Foi nesta sequência que foi interposto o presente recurso de
constitucionalidade, através de um requerimento com o seguinte teor:
“[...] interpõe recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão desse Supremo
- que não admitiu o recurso de revista - e do acórdão do TCA então recorrido.
O presente recurso é interposto com base na norma da alínea b) do n°1 do artigo
70° da lei 28/82, de 15.11.
As normas cuja inconstitucionalidade se suscita são, respectivamente, as do
artigo 150º n°1 do CPTA e 668° n°1 b) do CPC - consoante a interpretação e
aplicação concreta desse STA - e as dos artigos 713º n°5, 660° n°2, 668° n°1, b)
e d) - segundo a interpretação e aplicação operada pelo TCA.
As regras fundamentais consideradas violadas são as dos artigos 20° n°1, 4, 5,
32°, 202° n°2, 205 n°1 e 2, 268° n°4 da CR.
A inconstitucionalidade imputada ao acórdão deste Supremo foi suscitada no
requerimento de esclarecimento e na arguição de nulidade subsequentes ao acórdão
de fls. 367.
A inconstitucionalidade do decidido pelas Instâncias vem sendo sucessivamente
invocada desde as alegações de recurso da segunda sentença do TAFB (2005.01.17)
registadas em 2005.09.19. Junta a prova do artigo 260°-A do CPC”.
4. Recebidos os autos neste Tribunal foi proferida pelo Relator do processo, ao
abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro,
na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão
sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso. É o seguinte, na
parte decisória, o seu teor:
“[…] Cumpre, antes de mais, decidir se pode conhecer-se do objecto do recurso,
uma vez que a decisão que o admitiu não vincula o Tribunal Constitucional (cfr.
art. 76º, nº 3 da Lei do Tribunal Constitucional - LTC).
No requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, que delimita
o respectivo objecto, afirma o recorrente que o mesmo vem interposto “do acórdão
desse Supremo - que não admitiu o recurso de revista - e do acórdão do TCA então
recorrido”. No primeiro caso, para apreciação da constitucionalidade “do artigo
150º n°1 do CPTA e 668° n°1 b) do CPC - consoante a interpretação e aplicação
concreta desse STA” e, no segundo, para apreciação “dos artigos 713º n°5, 660°
n°2, 668° n°1, b) e d) - segundo a interpretação e aplicação operada pelo TCA”.
Ora, como sumariamente se demonstrará já de seguida, é manifesto que se não pode
conhecer do recurso.
4.1. Não pode, desde logo, conhecer-se do recurso na parte em que o mesmo vem
interposto do “acórdão do TCA” para apreciação “dos artigos 713º n°5, 660° n°2,
668° n°1, b) e d)” do Código de Processo Civil. Na verdade, como resulta do
artigo 76.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, é ao tribunal que tiver
proferido a decisão recorrida que compete apreciar a admissão do respectivo
recurso. Ora, pretendendo o recorrente interpor recurso do acórdão do Tribunal
Central Administrativo, é a este Tribunal que competirá apreciar a
admissibilidade do recurso interposto para o Tribunal Constitucional do seu
acórdão. O que significa que, tendo o requerimento de interposição de recurso
sido endereçado, no Supremo Tribunal Administrativo, ao “Exmo Senhor Juiz
Conselheiro Relator”, sempre se haveria de concluir não só que a pretensão de
recurso teria sido dirigida a entidade incompetente, mas também, caso fosse de
entender que esse mesmo recurso fora admitido (situação de que, no caso
concreto, se pode legitimamente duvidar, uma vez que o despacho de admissão de
fls. 407 pode ser interpretado como referindo-se apenas ao recurso que vem
interposto do acórdão do próprio STA), que a sua admissão teria sido levada a
efeito a non domino. Ora, a ser assim, a solução não poderia deixar de ser a de
este Tribunal não tomar conhecimento do seu objecto, na sequência de
jurisprudência reiterada, resultante, nomeadamente, das Decisões Sumárias n.ºs
129/2003, 178/2004, 558/2004, 53/2005 e 109/2005 e dos Acórdãos n.ºs 613/2003,
129/2004, 622/2004, 176/2005 e 292/2005 (estes disponíveis na página Internet do
Tribunal em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/).
4.2. Refere ainda o recorrente que o recurso vem igualmente interposto “do
acórdão desse Supremo - que não admitiu o recurso de revista” para apreciação da
constitucionalidade “do artigo 150º n°1 do CPTA e 668° n°1 b) do CPC - consoante
a interpretação e aplicação concreta desse STA”. Mas, também nesta parte,
manifestamente não estão reunidos os pressupostos de admissibilidade do recurso.
Com efeito, como se estatui no artigo 72º, nº 2, da LTC, o recurso de
constitucionalidade previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º daquele diploma
só pode ser interposto “pela parte que haja suscitado adequadamente a questão da
inconstitucionalidade [...] de modo processualmente adequado perante o tribunal
que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela
conhecer”, o que, como o Tribunal tem reiteradamente afirmado, pressupõe, em
regra, que a questão de constitucionalidade seja suscitada antes de proferida a
decisão recorrida. Ora, no caso dos autos, é manifesto que tal não aconteceu,
reconhecendo o próprio recorrente que apenas suscitou a questão da
inconstitucionalidade dos artigos 150º, n°1, do CPTA e 668°, n°1, b), do CPC,
“no requerimento de esclarecimento e na arguição de nulidade subsequentes ao
acórdão de fls. 367”; ou seja, depois de proferida a decisão de que agora
recorre para o Tribunal Constitucional. Tanto basta, pois, para que se não
possa, também nesta parte, conhecer do objecto do recurso.
4.3. Acresce, porém, que, ainda que fosse possível admitir que a questão de
constitucionalidade pudesse ter sido suscitada em qualquer dos requerimentos
indicados pelo recorrente, ainda assim não seria possível conhecer do recurso. É
que, ao contrário do que o recorrente sustenta, também não é verdade que,
naqueles requerimentos, tenha sido suscitada, de modo processualmente adequado,
qualquer questão de constitucionalidade normativa susceptível de integrar o
recurso interposto. Como o Tribunal tem afirmado repetidamente, nada obsta a que
apenas seja questionada a constitucionalidade de uma determinada interpretação
ou dimensão normativa de certo preceito. Porém, quando for o caso, como parece
ser o dos presentes autos, o recorrente tem ainda o ónus de, de modo claro e
perceptível, identificar essa interpretação ou dimensão normativa. Como se
disse, nomeadamente, no Acórdão nº 21/2006 (disponível na página Internet do
Tribunal em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), “identificar uma
interpretação normativa é, no mínimo, indicar com precisão o sentido dado à
norma, para que o Tribunal, se vier a julgar inconstitucional essa mesma norma -
entendida nesse preciso sentido -, possa enunciar, na decisão que proferir, de
modo que todos os operadores jurídicos disso fiquem cientes, qual a
interpretação que não pode ser adoptada, por ser incompatível com a
Constituição.” Sendo certo que o incumprimento de tal ónus impossibilita,
sequer, que este Tribunal verifique se se encontram preenchidos outros
pressupostos de admissibilidade do recurso.
Ora, compulsados os autos, verifica-se que o recorrente não suscitou naqueles
requerimentos, ao menos nos termos claros e perceptíveis que vêem sendo exigidos
por este Tribunal, qualquer questão de constitucionalidade normativa,
limitando-se, no requerimento em que solicita o esclarecimento do acórdão ora
recorrido, a referir, no ponto 5. desse requerimento, único onde se refere à
Constituição, que “a mesma falta de clareza caracteriza o fundamento seguinte
[...] que parece enunciar uma incompreensível exclusão automática do acesso da
justiça cautelar ao recurso de revista, independentemente da relevância dos
direitos lesados e da eficácia da respectiva tutela à face da Constituição”; ou,
também no ponto 5. do requerimento de arguição da nulidade, igualmente único
desse requerimento em que é referida a Constituição, a acrescentar que, “Caso
seja identicamente vazia sobre os pressupostos “excepcionalíssimos” da revista
em procedimentos cautelares, em nada poderá tal jurisprudência “confortá-la” -
designadamente evitando a nulidade prevista no artigo 668° n°1 b) do CPC, à face
do direito consignado no artigo 205° da Constituição da República, segmento
integrante da garantia fundamental de acesso ao direito”, o que, manifestamente,
não é suficiente para que se possa considerar sequer suscitada, em termos
minimamente adequados, qualquer questão de constitucionalidade normativa
susceptível de integrar o recurso interposto.
4.4. Finalmente, ainda se acrescenta que, no que se refere à invocada
inconstitucionalidade do artigo 668° n.º 1, alínea b), do Código de Processo
Civil, sempre se poderá questionar se o acórdão recorrido, que, nos termos
indicados pelo recorrente, é o que não admitiu a revista, é decisão definitiva,
susceptível de ser objecto de recurso para este Tribunal, uma vez que sobre a
matéria da sua alegada nulidade se pronunciou posteriormente o acórdão de 20 de
Dezembro de 2006, que não é agora recorrido”.
5. Ainda inconformado, o recorrente vem de novo aos autos através de um
requerimento com o seguinte teor:
“O recorrente [...], nos termos do artigo 666° nº 2 do CPC, expõe e requer a V
Ex.ª o seguinte:
a) 4.1. da decisão sumária
1. Foi recusado o conhecimento do recurso que tem por objecto o acórdão do TCA
com o fundamento de a interposição ter sido dirigida a entidade incompetente ou
em última instância, porque a decisão do STA que o admitiu foi proferida a non
domino.
2. Não obstante, o regime geral do processual civil em matéria de incompetência
é dominado pelo princípio bem diverso do aproveitamento oficioso das excepções
dilatórias susceptíveis de sanação, como a incompetência, traduzido de forma
expressa nas normas dos artigos 265° n°2 e 288º nº2 CPC).
3. Face ao silêncio sobre os motivos da decisão sumária adoptada de sentido
oposto, importa esclarecer os motivos por que foi excluída por esse TC a sanação
pretendida pelo legislador, e promovida a remessa oficiosa do processo ao TCA
recorrido para admissão do recurso.
4. Por outro lado, tendo o recurso do acórdão do TCA sido recebido pelo STA nos
precisos termos em que foi interposto - sem suscitar a sua incompetência e
promover a sanação oficiosa legalmente definida - parece por demais legítima a
expectativa do seu recebimento até que o TC viesse exprimir outra posição.
5. Sendo assim haveria que assegurar previamente ao recorrente a oportunidade de
se pronunciar sobre a questão, em observância dos princípios do contraditório e
da cooperação requerendo a sanação que o STA não promoveu oficiosamente.
6. A omissão dessa audição preliminar implica que a presente decisão sumária
assuma a natureza de decisão-surpresa, vedada pelo preceito do artigo 3° n° 3 do
CPC e, por conseguinte, constitui urna nulidade que se comunica à decisão
sumária ora produzida (artigo 201º do mesmo diploma).
b) 4.2. da decisão sumária
7. Incumbe ao recorrente suscitar a questão da inconstitucionalidade “de modo
processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em
termos de este estar obrigado a dela conhecer - é o que dispõe a regra do artigo
72° nº 2 da LTC.
8. Parece redundante afirmar que da própria letra desta regra resulta que a
interpretação dos conceitos indeterminados da sua previsão devem ser
interpretados de forma harmónica com o espírito do sistema legal processual,
segundo as regras do artigo 9º do CC.
10. Bem como que a própria Constituição impõe aos tribunais o dever de julgar -
de acordo com os princípios gerais de direito, o diploma e a lei regra a que
nenhuma decisão - anterior ou posterior à decisão recorrida - se pode furtar.
11.Apura-se deste modo que qualquer decisão violadora de uma norma
constitucional é uma decisão nula e que a questão da sua inconstitucionalidade
pode sempre ser arguida junto do tribunal que (a) proferiu, em termos de este
estar obrigado a dela conhecer.
12. Não é portanto, curial que seja o diploma regulamentar desse mesmo controlo
pleno superiormente ordenado o instrumento de inutilização do respectivo efeito
útil, através de restrições estranhas à lógica processual do sistema.
13. Por outro lado, não se descortina fundamento racionalmente sustentável para
impor ao recorrente um dever de prognose e de argumentação antecipada sobre as
eventuais inconstitucionalidades em que a futura decisão recorrida possa vir a
incorrer.
14. Além de profundamente contrária ao espírito do sistema, a interpretação
restritiva do artigo 72° LTC defendida na decisão sumária carece de
fundamentação constitucionalmente bastante, uma vez que a vaga referência à
jurisprudência cio TC não satisfaz as exigências constitucionais dominantes
sobre a motivação judicial.
15. Consequentemente, o recorrente não tinha qualquer dever legal de conhecer o
entendimento ora subscrito sumariamente e de o acatar como se lei fosse.
16. Como tal deveria, pelo menos, ter disposto da faculdade de se pronunciar
sobre essa indefinida jurisprudência em momento anterior à própria decisão, sob
pena de nova nulidade, como se disse em a) 6. supra.
c) 4.3 da decisão sumária
17. Ainda de acordo com o espírito do sistema processual, qualquer tribunal ter
o dever de conhecer de todas as questões suscitadas, sem sujeição ao alegado
pelas partes sobre a interpretação e a aplicação do direito - conforme o
disposto nos artigos 660º n°2 e 664° do CPC.
18. As razões invocadas para sustentar a inadequação processual das questões
suscitadas contrariam, pois, as bases fundamentais do espírito do próprio
sistema para o qual o artigo 72º LTC expressamente remete.
19. Por outro lado, não se vislumbra base legal para que a actual jurisprudência
do TC ora motivadora divirja de modo extremado dos princípios do artigo 9º do CC
seguidos em jurisprudência anterior (cfr. por todas a interpretação do acórdão
TC 00004809, de 18.06.1994 – www.dgsi.pt)
20. Deste modo, é legalmente justificado exigir ao julgador que explicite de
forma suficiente os motivos de tão tamanha viragem jurisprudencial - que de tão
gravosa e cerceadora do direito fundamental ao recurso não pode deixar de
integrar o cerne do dever de fundamentação.
21. Também por esta razão se entende a decisão sub judice violou mais uma vez a
proibição de decisões-surpresa, enfermando de nulidade nos termos antes
descritos. [...]”.
6. Notificada a recorrida, nada disse. Dispensados os vistos, cumpre decidir.
II – Fundamentação
7. O presente requerimento deve ser decidido em conferência, nos termos do
artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, já que, como o Tribunal
tem reiteradamente afirmado, se considera a arguição de nulidade de uma decisão
sumária, proferida ao abrigo do disposto no n.º 1 do mesmo artigo, como
equivalente, para este efeito, a uma reclamação da decisão do relator (cf., por
último nesse sentido, os Acórdãos nºs 263/06 e 283/06, já disponíveis na página
Internet do Tribunal em www.tribunalconstitucional.pt). Assim se fará já de
seguida, antecipando-se, todavia, que o requerimento é manifestamente
improcedente.
7.1. Em primeiro lugar não só não procede como não se compreende sequer a
alegação de que não foram suficientemente explicados os motivos pelos quais se
entendeu não se poder admitir o recurso na parte em que o mesmo vinha interposto
do “acórdão do TCA” para apreciação “dos artigos 713º n°5, 660° n°2, 668° n°1,
b) e d)” do Código de Processo Civil. Com efeito, como então se explicitou, e
agora se reitera, é ao Tribunal que proferiu a decisão recorrida que compete,
num primeiro momento, pronunciar-se acerca da admissibilidade do respectivo
recurso (cf. artigo 76.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional), o que, como
é sabido, não aconteceu ainda no presente caso. E, assim sendo, não pode
conhecer-se de tal recurso. E menos se compreende, ainda, que o ora requerente
considere que, neste ponto, está perante uma qualquer decisão surpresa. Na
verdade, para o contrariar, esclarecendo-o, basta recordar-lhe que, nesta
matéria, a decisão sumária mais não fez do que reiterar a orientação que vem
sendo seguida pelo Tribunal em inúmeras decisões (nesse sentido citaram-se, e
agora recordam-se uma vez mais, as Decisões Sumárias n.ºs 129/2003, 178/2004,
558/2004, 53/2005 e 109/2005 e os Acórdãos n.ºs 613/2003, 129/2004, 622/2004,
176/2005 e 292/2005 (estes disponíveis na página Internet do Tribunal
Constitucional).
Finalmente, sempre quanto a este ponto, ainda se acrescenta, porque o recorrente
coloca expressamente essa questão, que a decisão sumária reclamada também não
enferma de qualquer nulidade por falta de audição das partes, uma vez que, não
impondo o artigo 78º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional - a norma
especial quanto à matéria, no domínio do processo constitucional - a sua audição
antes de ser proferida essa decisão, nenhum acto devido foi omitido (vide, neste
sentido, por exemplo, os acórdãos n.º 714/98, 402/2005, 420/2005, 124/2006 ou
263/2006, todos disponíveis na já mencionada página Internet do Tribunal, para
os quais se remete). Nem tão pouco, acrescenta-se ainda, o artigo 78º-A n.º 1 da
Lei do Tribunal Constitucional está, ao permiti-lo, inquinado de qualquer
inconstitucionalidade, como já se demonstrou de forma irrefutável, em casos
paralelos, nos acórdãos n.ºs 19/99 (publicado no Diário da República, II Série,
n.º 59, de 11 de Março de 1999, pág. 3609 e sgs.), 80/99, 550/99, 567/99,
223/01, 265/02, 266/02, 286/02, 456/02, 402/2005, 420/2005, 124/2006 e 263/2006
(todos igualmente disponíveis na página Internet do Tribunal acima indicada),
para os quais, neste ponto, igualmente se remete. Não existe, assim, a nulidade
invocada.
7.2. Em segundo lugar, é igualmente improcedente, agora no que se refere à parte
da decisão sumária em que se não admitiu o recurso que vinha interposto da
decisão do Supremo Tribunal Administrativo, a alegação de que “não se descortina
fundamento racionalmente sustentável para impor ao recorrente um dever de
prognose e de argumentação antecipada sobre as eventuais inconstitucionalidades
em que a futura decisão recorrida possa vir a incorrer”, de que a mesma é
“profundamente contrária ao espírito do sistema” ou de que “carece de
fundamentação constitucionalmente bastante, urna vez que a vaga referência à
jurisprudência do TC não satisfaz as exigências constitucionais dominantes sobre
a motivação judiciária”.
A exigência de suscitação antecipada da questão de constitucionalidade decorre,
inequivocamente, da alínea b) do n.º 1 do artigo 280º da Constituição, bem como,
consequentemente, do nº 2 do artigo 72º da Lei do Tribunal Constitucional, que
refere, expressamente, que o recurso de constitucionalidade previsto na alínea
b) do nº 1 do artigo 70º daquele diploma só pode ser interposto “pela parte que
haja suscitado adequadamente a questão da inconstitucionalidade [...] de modo
processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em
termos de este estar obrigado a dela conhecer”. Tal implica, em regra, como o
Tribunal tem reiteradamente afirmado, que a questão de constitucionalidade seja
suscitada antes de proferida a decisão recorrida, uma vez que, proferida esta,
fica, em princípio, esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da
causa (cf. art. 666º, nº 1, do Código de Processo Civil). E a razão de ser desta
exigência é óbvia e facilmente compreensível, tendo sido enunciada pelo Tribunal
Constitucional em incontáveis decisões: visa que o tribunal recorrido seja
confrontado com a questão de constitucionalidade da norma que aplica como
fundamento da decisão, em termos de estar obrigado a dela conhecer, de tal modo
que o Tribunal Constitucional apenas sobre tal questão se pronuncie por via de
recurso, não se substituindo ao tribunal recorrido no conhecimento, em primeiro
lugar, da referida questão de constitucionalidade.
É, por isso, absolutamente improcedente a alegação de que “o recorrente não
tinha qualquer dever legal de conhecer o entendimento ora subscrito
sumariamente”, pelo que “deveria, pelo menos, ter disposto da faculdade de se
pronunciar sobre essa indefinida jurisprudência em momento anterior à própria
decisão, sob pena de nova nulidade”. Alegação que é tanto mais incompreensível
quanto é certo que o recorrente está, desde o início do processo, representado
por profissional do foro, constituído mandatário judicial.
7.3. Finalmente, carece de qualquer sentido a alegação de que “não se vislumbra
base legal para que a actual jurisprudência do TC ora motivadora divirja de modo
extremado dos princípios do artigo 9º do CC seguidos em jurisprudência anterior
(cfr. por todas a interpretação do acórdão TC 00004809, de 18.06.1994
-www.dgsi.pt)”, pelo que se justificaria “exigir ao julgador que explicite de
forma suficiente os motivos de tão tamanha viragem jurisprudencial”. Ora, além
de se não se vislumbrar a que acórdão pretende o requerente referir-se, uma vez
que este Tribunal não tirou nenhum acórdão no dia 18 de Junho de 1994, o facto é
que, ao contrário do que afirma, tudo o que se invocou e concluiu na decisão
sumária reclamada não só não traduz qualquer viragem jurisprudencial, muito
menos “tamanha”, mas, precisamente, uma simples reiteração da orientação
jurisprudencial anterior quanto às questões que nela se decidiram.
7.4. Assim sendo, pelas razões já constantes da decisão reclamada, que mantêm
inteira validade e em nada são afectadas pelo requerimento apresentado pelo
requerente, está este Tribunal impossibilitado de conhecer do objecto do
presente recurso.
III - Decisão
Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do
recurso.
Custas pelo requerente, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 24 de Abril de 2007
Gil Galvão
José Borges Soeiro
Rui Manuel Moura Ramos