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Processo n.º 1102/06
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. Por decisão sumária de fls. 260 e seguintes, não se tomou
conhecimento do recurso interposto para este Tribunal por A., pelos seguintes
fundamentos:
“[…]
8. No que se refere à primeira interpretação normativa identificada pela
recorrente na resposta ao despacho de aperfeiçoamento (supra, 7.) – e que se
reporta ao artigo 127º, n.º 1, alínea g), do Código de Processo Civil e às
decisões de 23 de Dezembro de 2005 e 15 de Setembro de 2006 (supra, 1. e 3.) –,
verifica-se que a mesma se confunde com a própria decisão que julgou
improcedente o pedido de suspeição, por não estar demonstrada de forma clara e
objectiva a inimizade grave entre o Juiz e os requerentes.
Dito de outro modo, a alegada interpretação normativa censurada pela recorrente
não o é verdadeiramente, traduzindo a subsunção dos factos ao direito, que é,
afinal, o que a recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie.
No entanto, como decorre das várias alíneas do n.º 1 do artigo 70º da Lei do
Tribunal Constitucional (e, concretamente, da alínea b), invocada pela
recorrente como fundamento do presente recurso de constitucionalidade), o
Tribunal Constitucional não tem competência para apreciar a conformidade
constitucional de decisões judiciais, em si mesmas consideradas, mas apenas de
normas ou interpretações normativas.
Não está, deste modo, preenchido um dos pressupostos processuais do recurso de
constitucionalidade, no que à mencionada interpretação normativa se refere, não
podendo, consequentemente, dela conhecer-se.
9. Quanto à segunda interpretação normativa especificada pela recorrente na
resposta ao despacho de aperfeiçoamento (supra, 7.) – e que se reporta ao artigo
129º, n.º 1, do Código de Processo Civil e às decisões de 23 de Dezembro de 2005
e 15 de Setembro de 2006 (supra, 1. e 3.) –, verifica-se, percorrendo o texto
destas decisões, que nenhuma referência é feita a tal preceito legal ou a tal
entendimento.
Assim, e independentemente da questão de saber se tal entendimento consubstancia
uma verdadeira interpretação normativa ou mais não traduz do que a subsunção dos
factos ao direito, impõe-se concluir que a mencionada interpretação normativa
não foi aplicada nas decisões referenciadas.
Ora, de acordo com o disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do
Tribunal Constitucional – preceito ao abrigo do qual o presente recurso foi
interposto (supra, 7.) –, constitui pressuposto processual deste recurso a
aplicação, na decisão recorrida, da norma ou interpretação normativa cuja
conformidade constitucional se pretende submeter ao julgamento do Tribunal
Constitucional.
Tal aplicação tem de resultar inequivocamente da decisão recorrida, não podendo
lógica e legalmente afirmar-se, como afirma a recorrente (supra, 6.), que pode
decorrer de recusa de pronúncia sobre a correspondente matéria.
Consequentemente, não pode conhecer-se da segunda interpretação normativa
indicada pela recorrente, por a mesma não ter sido aplicada nas decisões
recorridas.
10. A terceira interpretação normativa indicada pela recorrente (supra, 7.)
reporta-se ao artigo 130º, n.º 3, primeira parte, do Código de Processo Civil e
à decisão de 9 de Novembro de 2006 (supra, 5.).
Percorrendo, porém, o texto desta decisão, conclui-se que nenhuma referência
nele se encontra a um suposto entendimento segundo o qual certos despachos
(concretamente, os proferidos em 23 de Dezembro de 2005 e em 15 de Setembro de
2006 e já mencionados: supra, 1. e 3.), «sendo de uma entidade administrativa
designada para o cargo por eleição por um período determinado de tempo, e não
obedecendo a estritos critérios legais», não seriam recorríveis.
Impõe-se, portanto, concluir que tal interpretação não foi aplicada na decisão
recorrida, o que consubstancia a falta de preenchimento de um dos pressupostos
processuais do presente recurso (cfr. o artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do
Tribunal Constitucional), impedindo, consequentemente, o respectivo
conhecimento.
[…].”.
2. Notificada desta decisão sumária, veio A. deduzir reclamação,
invocando o disposto nos artigos 201º, n.º 1, do Código de Processo Civil e
78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, nos seguintes termos (fls. 279
e seguintes):
“[…]
I – NULIDADE PROCESSUAL
1. O despacho de 7.2.2007, ora sindicado, é nulo pelas razões que adiante se
explicitarão. Antes da sua prolacção, foi incumprido o disposto no artº 704º, nº
1, do CPC.
A norma do artº 78º-A, nº 3, da LTC, pressupõe a existência de um despacho que
não se encontra ferido da nulidade do artigo 201º, nºs 1 e 2, do CPC.
A decisão de não tomar conhecimento do recurso, constante de tal despacho,
encontra-se sujeita à tramitação do artº 704º, nº 1, do CPC, ex vi o disposto no
69º da LTC. No mesmo sentido, o disposto no artº 3º, nº 3, do dito código.
Quer a norma do artº 704º, nº 1, quer a do artº 3º nº 3, concretizam, no plano
da lei ordinária, a garantia do artº 20º, nº 4, da Constituição da República
Portuguesa (CRP), no que concerne ao processo equitativo na sua vertente de
garantia do contraditório prévio. Assim, foi omitido um acto cuja prática a lei
prescreve como meio indispensável à concretização do direito fundamental ao
contraditório prévio constitucionalmente garantido, e que influiu no exame e na
decisão de 7.2.2007, pois que os vícios de que enfermam são determinantes do
sentido decisão final, como adiante melhor se demonstrará.
Nos termos do disposto no artº 201º, nº 2, do CPC, a decisão constante do
despacho ora sindicado depende absolutamente do facto omitido. Pelo que,
- por determinação da lei, sendo nulo o processado, tem de ser anulada a decisão
que dele depende.
Sublinha-se: não está em causa apenas a omissão de um acto processual cuja
prática é imposta pela lei ordinária – está em causa o respeito por um direito
fundamental constitucionalmente consagrado.
Aos tribunais, sem excepção, incumbe, na administração da justiça, assegurar a
defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (cf. artº
202º, nº 2, e 221º da CRP, conjugadamente interpretados). Enquanto nulidade
processual, o seu suprimento cumpre apenas ao Relator. É o que se requer.
II – NULIDADE DO DESPACHO DE 7.2.2007
Começa o dito despacho por fazer transcrição parcial do despacho do Presidente
da Relação de Lisboa, de 23.12.2005, a fls 193-195.
2. Desse modo, o sindicado despacho deixou de pronunciar-se sobre a dimensão
normativa do artº 127º, nº 1, alínea g), do CPC, invocada no requerimento de
14.10.2005, em que se integra o requerimento de 6.10.2005, com que se iniciou o
incidente de suspeição, e sobre os factos integrantes da respectiva previsão,
que lhe servem de fundamento. Com efeito, é nesses requerimentos que se inicia a
identificação dos factos integrantes da previsão da dita norma. Com a devida
vénia, dá-se aqui por reproduzido o seu teor integral.
Sem conhecimento desses factos, não é possível determinar qual a norma que o
Presidente da Relação de Lisboa aplicou no seu despacho de 23.12.2005 de cujo
texto foi feita escolha selectiva.
De acordo com o disposto no artº 660º, nº 2, do CPC, aplicável ex vi o disposto
no artº 69º da LTC, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham
submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada
pela solução dada a outras.
In casu, nenhuma solução dada a outra questão, antes ou depois daqueles
requerimentos de 6.10.2005 e 14.10.2005, prejudica o conhecimento dos factos
integrantes da previsão do artº 127º, nº 1, alínea g), do CPC, cuja conformidade
constitucional é sindicada nos autos.
Quando o tribunal deixa de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, o
respectivo despacho/sentença é nulo por determinação do disposto no artº 668º,
nº 1, al. d), do CPC.
Nos termos do disposto no seu nº 4, pode o Relator suprir a nulidade do despacho
ora sindicado.
3. Do mesmo modo, o sindicado despacho deixou de pronunciar-se sobre a dimensão
normativa do artº 129º, nº 1, do CPC, suscitada no requerimento de 28.10.2005,
cujos factos integram a previsão da norma sindicada.
Com a devida vénia, dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do dito
requerimento.
Os factos nele descritos integram também a previsão da norma do artº 127º, nº 1,
alínea g), do CPC. A esse título, sublinha-se, especialmente, o teor dos nºs 30
e 31 do dito requerimento: o pedido de Vista dos autos ao Ministério Público
para efeito do disposto nos artºs 549º, nº 4, do CPC, e 365º e 369º do Código
Penal (por lapso evidente, cuja rectificação se pede ao abrigo do disposto no
artº 249º do Código Civil, escreveu-se 356º).
Face ao disposto nos artºs 202º, nº 2, e 203º da CRP, a denúncia caluniosa em
que incorreu o juiz titular do processo, contra o advogado dos autores, integra
a previsão da norma do artº 127º, nº 1, alínea g), do CPC.
O ter o despacho ora sindicado, deixado de pronunciar-se sobre a dimensão
normativa do artº 129º, nº 1, do CPC, nos termos efectivamente aplicados nos
despachos recorridos, é cominada de nulidade pelas disposições conjugadas dos
artºs 660º, nº 2, e 668º, nº 1, alínea d), do CPC.
Atento o disposto no nº 4 deste último, pode o Relator suprir a nulidade do
despacho ora sindicado.
4. Antes do texto transcrito no despacho ora sindicado, seleccionado do despacho
do Presidente da Relação de Lisboa, de 23.12.2005, escreveu este:
- No essencial, e em resumo, alegam os requerentes que entre eles e o Exmo Juiz
existe inimizade grave face a um «Visto» aposto pelo Exmo Juiz no requerimento
por eles apresentado.
É evidente que tal texto «escamoteia» consciente e deliberadamente, o fundamento
do requerimento de suspeição, consubstanciado nos requerimentos de 6.10.2005 e
14.10.2005, e contém recusa, contra direito, de pronúncia sobre a suscitada
questão de inconstitucionalidade do artº 127º, nº 1, alínea g), do CPC, nos
termos seguintes:
- Em conformidade com o disposto no artº 72º, nº 2, da Lei nº 28/82, de 15.11,
os requerentes arguem a inconstitucionalidade da norma extraída do artº 127º, nº
1, al. g), do CPC, que exclua da inimizade grave nela prevista a inimizade para
com o mandatário em virtude de tal interpretação restringir:
a) o direito das partes de escolherem livremente os seus representantes, em
violação dos direitos que lhe são conferidos pelo artº 20º, nºs 1 e 4, da
Constituição, concretizados no artº 62º, nº 2, da Lei nº 15/2005, de 26 de
Janeiro,
b) a garantia do artº 208º da Constituição concretizada nos artºs 114º da Lei nº
3/99, de 13 de Janeiro, e 64º da Lei nº 15/2005, de 26 de Janeiro,
- Implicar violação das garantias consignadas no artº 18º, nº 2, da
Constituição.
Tendo, o despacho de 23.12.2005, sido arguido de nulidade por requerimento de
19.12006, e este indeferido por despacho de 15.9.2006, as questões de
inconstitucionalidade normativa nele omitidas, têm de ser objecto de
conhecimento no âmbito do recurso interposto para o Tribunal Constitucional
(TC), por determinação das disposições conjugadas dos artºs 660º, nº 2, e 668º,
nº 1, alínea d), do CPC.
Mas, ele tem de ser objecto de tal conhecimento, também porque a omissão de
pronúncia do Presidente da Relação de Lisboa, integra a suscitada questão da
inconstitucionalidade da norma do artº 130º, nº 3, do CPC, na medida em que
expressa exercício de função não jurisdicional, e decisão proferida sem
subordinação a critérios estritamente legais.
A omissão de conhecimento, por parte do Relator, das questões de
inconstitucionalidade não apreciadas, em violação do disposto nos artºs 660º, nº
2, do CPC, e 72º, nº 2, da LTC, é cominada de nulidade pelo disposto no artº
668º, nº 1, alínea d), do CPC.
Tal nulidade pode ser suprida ao abrigo do disposto no nº 4, deste último.
5. No texto transcrito, extraído do despacho de 23.12.2005, diz-se:
- «Invocam os requerentes uma inimizade grave entre eles próprios e o Exmo Juiz.
Mas, como único fundamento para tal inimizade apenas invocam o facto de o Exmo
Juiz ter aposto um ‘Visto’ num seu requerimento e daí retiram várias conclusões
que não passam de meras suposições».
A alteração consciente e deliberada e contra direito, da realidade dos textos
dos requerimentos de 6.10.2005, 14.10.2005 e 28.10.2005, é de tal modo
ostensiva, que não pode o Relator deixar de lhe negar a dignidade de ficar a
constar de um texto desse Alto Tribunal.
Atento o disposto no artº 660º, nº 2, segunda parte, do CPC, e a dignidade da
justiça constitucional, a apreciação de tal texto, feita para fundamentar a
interpretação de que a alegada inconstitucionalidade do artº 127º, nº 1, alínea
g), do CPC,
- «se confunde com a própria decisão que julgou improcedente o pedido de
suspeição, por não estar demonstrada de forma clara e objectiva a inimizade
grave entre o Juiz e os requerentes»,
é cominada de nulidade pelo disposto no artº 668º, nº 1, alínea d), do CPC.
O suprimento de tal nulidade pode ser feita pelo Relator ao abrigo do disposto
no nº 4, do dito artº 668º.
6. Diz o despacho ora sindicado, que houve arguição de nulidade do despacho de
23.12.2005. Mas, não transcreve nem refere nenhum fundamento dessa arguição.
Com a devida vénia, dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do
respectivo requerimento.
Atenta a relevância do nele arguido sobre os factos integrantes da questão da
alegada inimizade grave – reduzida, consciente e deliberadamente contra direito,
pelo Presidente da Relação de Lisboa, a uma questão de «Visto» – transcrevem-se
os textos seguintes:
- «tal despacho é absolutamente falho de conteúdo jurisdicional»,
- «O dito juiz cometeu as infracções, documentadas nos autos, seguintes:
- «Por despacho exarado no apenso 71-E/99, ordenou a extracção de certidões de
peças do proc. nº 71/99 e do seu apenso 71-A/99, para efeito de instruir
participação criminal e disciplinar contra o advogado dos autores»
- «Desse despacho foi feita notificação às partes»,
- «Concretizadas aquelas participações, e realizada a competente investigação
pelo Ministério Público e pelo Conselho de Deontologia de Lisboa da Ordem dos
Advogados, foram os respectivos processos arquivados por falta de indícios da
prática de qualquer ilícito por parte do advogado mandante dos autores»,
- «Dessas decisões foi o juiz recusado devidamente notificado»,
- «Dessas notificações e do respectivo conteúdo, não fez o juiz recusado,
espontaneamente, qualquer menção nos processos de cujas peças havia ordenado
extracção de certidões para instruir as respectivas participações criminal e
disciplinar»,
- «Tendo os autores e o seu mandatário, alegando o direito à defesa do bom nome
e reputação deste, requerido que os autos de cujas peças haviam sido extraídas
as referidas certidões e em que fora exarado o despacho que as ordena, fossem
documentados com as decisões finais do Ministério Público e da Ordem dos
Advogados, proferidas sobre as respectivas participações criminal e disciplinar,
o juiz recusado recusou-se a fazê-lo»,
- «Outra questão que o tribunal tem de conhecer é a da arguida
inconstitucionalidade do artº 127º, nº 1, al. g), do CPC, cuja dimensão
normativa exclua a inimizade grave para com o mandatário das partes”.
A omissão de conhecimento deste texto e de pronúncia sobre a respectiva questão
de inconstitucionalidade, é cominada de nulidade pelas disposições conjugadas
dos artºs 660º, nº 2, primeira parte, e 668º, nº 1, alínea d), do CPC.
O Relator pode suprir tal nulidade ao abrigo do disposto no nº 4, do dito artº
668º.
7. O despacho ora sindicado, em vez de conhecer das questões reiteradas no
requerimento de 19.1.2006, de arguição de nulidade do despacho de 23.12.2005,
volta a transcrever texto em que, conscientemente e contra direito, se repete:
- «Os requerentes querem extrair de um Visto aposto pelo Juiz do processo uma
série de conclusões que conduziriam à justificação da recusa»,
- «Mas, como se diz na decisão reclamada, nenhuma daquelas situações resulta
provada ou sequer indiciada».
É claro que, tal texto, desprovido de dignidade jurisdicional, é inidóneo para
figurar numa peça desse Alto Tribunal.
O conhecimento dele é cominado de nulidade pelo disposto no artº 668º, nº 1,
alínea d), do CPC, atento o disposto no art. 660º, nº 2, segunda parte, do CPC.
O suprimento de tal nulidade, pelo Relator, pode ser feito ao abrigo do disposto
no nº 4, daquele artº 668º.
8. Refere o despacho ora sindicado, que houve recurso para o STJ, por
requerimento de fls 218 e seguinte. Mas, omite:
a) a parte em que é invocada a prática de denúncia caluniosa por parte do Juiz
Titular do Processo, contra o advogado dos autores,
b) a parte em que é invocada a prática, pelo dito Juiz, de factos denunciados no
processo como integrantes do crime de denegação de justiça,
c) que o recurso interposto para o STJ, o foi ao abrigo dos artºs 20º, nºs 1 e
4, e 268º, nº 4, da CRP.
As questões das alíneas a) e b) relevam para efeito da suscitada
inconstitucionalidade da norma do artº 127º, nº 1, al. g), do CPC.
A questão da alínea c) releva para efeito da suscitada inconstitucionalidade da
norma do artº 130º, nº 3, do CPC.
O ter deixado de conhecer de tais questões é cominado de nulidade pelas
disposições conjugadas dos artºs 660º, nº 2, e 668º, nº 1, alínea d), primeiras
partes, do CPC.
O suprimento de tal nulidade pode ser feito pelo Relator ao abrigo do disposto
no nº 4 deste último.
III – APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO DISPOSTO NO ARTIGO 78º-A DA LTC
9. As nulidades acima arguidas – processual e de sentença – são suficientes para
que, por efeito do seu suprimento, seja alterado o teor da parte II do despacho
ora sindicado, abrindo-se a fase de produção de alegações.
Era o que teria acontecido se tivesse sido cumprido o disposto no artº 704º, nº
1, do CPC: a colaboração então prestada pela recorrente, teria evitado os vícios
de que enferma o despacho de 7.2.2007, ora sindicado.
Prevenindo-se, porém, a hipótese de se entender que tais vícios não se
verificam, cumpre reclamar erros manifestos na apreciação das questões de
inconstitucionalidade normativa suscitadas.
A) - ERRO NA PERCEPÇÃO DOS FACTOS DO PROCESSO
10. Contrariamente ao declarado no número 8 do despacho sindicado, inexiste
«confusão» entre a interpretação normativa identificada pela recorrente, e a
decisão que julgou improcedente o pedido de suspeição, pelas razões seguintes:
10.1. Desde logo por inexistir decisão jurisdicional, em virtude de impedimento
constitucional orgânico. Com efeito, o órgão presidente das Relações não integra
a função jurisdicional do Estado definida nos termos do disposto no artigo 202º,
nºs 1 e 2, da CRP. É um órgão de administração dos tribunais – da Relação e dos
respectivos Distritos Judiciais.
Os Tribunais são órgãos de soberania. A formação, a composição, a competência e
o funcionamento dos órgãos de soberania são os definidos na Constituição (cf.
artigo 110º).
O órgão presidente das Relações nem sequer é definido na Constituição.
A República Portuguesa é um Estado de direito democrático baseado na separação
de poderes, e os órgãos de soberania devem observar a separação estabelecida na
Constituição (cf. artigos 2º e 111º, nº 1).
A lei só pode institucionalizar instrumentos e formas de composição de conflitos
que não sejam jurisdicionais (cf. 202º, nº 4). O julgamento da independência e
da imparcialidade dos juízes para proferir decisões jurisdicionais, integra o
conflito de interesses públicos e privados a que se refere o artº 202º, nº 2, da
CRP.
Os titulares de funções jurisdicionais são inamovíveis e a sua nomeação compete
ao Conselho Superior da Magistratura (cf. artigos 216º, nº 1 e 217º, nº 1). Os
titulares da presidência das Relações são eleitos por um colégio eleitoral por
um período delimitado de tempo.
É corrente os presidentes das Relações delegarem nos seus vice-presidentes, os
poderes que a lei ordinária lhes confere – como é o caso do presidente da
Relação de Lisboa.
10.2. Depois, inexiste decisão jurisdicional por impedimento constitucional
material. Com efeito, o presidente da Relação decide sem subordinação a
critérios legais. Enquanto os juízes, no exercício da função jurisdicional estão
sujeitos à lei, o presidente da Relação decide segundo critérios de conveniência
e oportunidade, e com manifesta parcialidade, como o expressam os documentos de
23.12.2005 e 15.9.2006.
As normas dos artigos 20º, nºs 1 e 4, 202º, nº 2, e 203º da CRP, impõem o
conhecimento dos factos alegados, a apreciação das provas oferecidas, e a
aplicação da norma jurídica em cuja previsão aqueles se subsumem.
In casu, o presidente, instado a fazer aplicação da norma do artigo 127º, nº 1,
alínea g), do CPC, na sua dimensão normativa conforme à Constituição,
interpretou-o no sentido de os factos alegados e as provas oferecidas, serem
meras «suposições» e «situações» não provadas insusceptíveis de integrarem a sua
previsão.
A existência, nos autos, de um acórdão do Conselho de Deontologia de Lisboa da
Ordem dos Advogados e de um Despacho do Magistrado do Ministério Público dando
como não provados indícios de infracção disciplinar e criminal imputadas pelo
Juiz recusado ao mandatário dos autores, não é, na interpretação feita daquele
artigo, pelo presidente, suficiente para revelar «inimizade grave» do juiz
recusado que o torne alvo de suspeição.
É, pois, evidente, que os despachos de 23.12.2005 e 15.9.2006, não são
materialmente jurisdicionais, por violarem as normas dos artºs 20º, nºs 1 e 4,
202º, nº 2, e 203º da CRP.
10.3. Os actos do Presidente da Relação de Lisboa, praticados nos autos, são
inidóneos para se integrarem na relação processual civil em causa. Com efeito,
não provindo de órgão jurisdicional nem tendo conhecido dos factos alegados e
das provas oferecidas, com ostensiva parcialidade, os actos de 23.12.2005 e
15.9.2006, são inidóneos para integrarem a relação processual decorrente da
aplicação das normas dos artigos 127º, nº 1, alínea g), 129º, nº 1, e 130º, nº
3, do CPC. Eles são juridicamente inexistentes.
10.4. Caso se entenda que, aos actos do Presidente da Relação de Lisboa, de
23.12.2005 e 15.9.2006, pode ser reconhecido algum valor jurídico positivo, o
que deles se extrai é uma norma inconstitucional. Com efeito:
10.4.1. Diz-se no documento de 23.12.2005:
- essa eventual inimizade grave não pode consubstanciar-se apenas em meras
suposições ou em decisões desfavoráveis para os requerentes,
- as meras suposições de nada adiantam se não forem comprovadamente
demonstradas.
Tais considerações respeitam à interpretação do artigo 127º, nº 1, alínea g), do
CPC, no que concerne à alegação e prova dos factos integrantes da respectiva
previsão.
Segundo essa interpretação,
a) os factos alegados relativos à denúncia caluniosa feita pelo juiz recusado
contra o mandatário dos autores, são, à luz da previsão daquela norma, meras
suposições ou decisões desfavoráveis,
b) para prova dos factos alegados integrantes da alegada inimizade grave, não
são suficientes os documentos juntos com os requerimentos de 6.10.2005
reproduzido nos autos, e de 14.10.2005 e 28.10.2005.
Tal norma infringe os princípios e as normas dos artºs 2º e 20º, nºs 1 e 4, e
202º, nº 2, e 203º da CRP.
Com efeito, ela infringe:
a) o princípio do Estado de direito democrático na medida em que a garantia da
efectivação dos direitos fundamentais dos cidadãos, e de aprofundamento da
democracia participativa, impõe aos órgãos jurisdicionais do Estado, que tomem
conhecimento e apreciem os factos perante eles alegados;
b) as normas que conferem o direito de acesso ao direito e aos tribunais, e
impõem aos órgãos jurisdicionais do Estado o conhecimento e apreciação dos
factos perante eles alegados, e as provas oferecidas, integrantes da previsão de
normas jurídicas que tutelam os direitos e interesses dos cidadãos;
c) a norma que confere o direito a que uma causa seja julgada mediante processo
equitativo, que implica igualdade de tratamento das partes no conhecimento e
apreciação dos factos alegados e das provas oferecidas;
d) a norma que impõe aos tribunais a incumbência de, na administração da
justiça, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos
cidadãos mediante apreciação dos factos alegados e das provas oferecidas com
sujeição às normas substantivas e processuais vigentes;
e) a norma que impõe aos tribunais a incumbência de, na administração da
justiça, reprimir a violação da legalidade democrática, em que se inclui a
legalidade substantiva e processual;
f) a norma que garante a sujeição dos tribunais à lei.
10.4.2. Diz-se no documento de 15.9.2006:
a) Os requerentes querem extrair de um Visto aposto pelo Juiz do Processo uma
série de conclusões que conduziriam à justificação da recusa,
b) Nenhuma daquelas situações resulta provada ou sequer indiciada.
Tais considerações respeitam à interpretação do artigo 127º, nº 1, alínea g), do
CPC, no que concerne à alegação e prova dos factos integrantes da respectiva
previsão.
Segundo essa interpretação os factos alegados e as provas oferecidas com os
requerimentos de 14.10.2005, instruído com o de 6.10.2005, e respectivos
documentos, e de 28.10.2005 e documentos que os integram, não são suficientes
para indiciar e provar a inimizade grave.
Tal norma infringe os princípios e as normas constitucionais supra referidos (nº
10.4.1).
10.5. O que existe, efectivamente, nos documentos de 23.12.2005 e 15.9.2006, é
uma interpretação do artigo 127º, nº 1, alínea g), do CPC, segundo a qual na
previsão da respectiva norma não cabem os factos alegados nem as provas
documentais oferecidas.
Muito embora o Presidente da Relação de Lisboa não tivesse enunciado tal norma,
pode inferir-se, a contrario, que, segundo ela, a prova dos factos alegados terá
de ser feita por documento autêntico, e que os factos integrantes da «inimizade
grave» terão de consubstanciar agressão física do mandatário dos autores,
sequestro, ou, quiçá, homicídio não consumado, cometido pelo juiz titular do
processo.
11. Contrariamente ao declarado no nº 9 do despacho ora sindicado, há no
documento de 23.12.2005 referências à norma do artº 129º, nº 1, do CPC.
É o que se verifica nos textos seguintes:
- No caso concreto, e de acordo com os elementos de que dispomos, consideramos
que, em rigor, se não pode dizer que os requerentes tenham agido com dolo ou
negligência grave;
- É certo que a sua conduta não é certamente a mais adequada na medida em que,
em nosso entender, não souberam ou não puderam fundamentar devidamente a sua
pretensão, tendo em vista os requisitos exigíveis para a procedência do
incidente de suspeição estabelecidos no artigo 127º do Código de Processo Civil.
Ora,
11.1. Dispõe-se no artigo 129º, nº 1, do CPC: o recusante indicará com precisão
os fundamentos da suspeição e, autuado o requerimento por apenso, é este
concluso ao juiz recusado para responder.
Esta norma não diz expressamente que, depois da resposta do juiz recusado os
recusantes podem exercer o contraditório relativamente a questões novas postas
na dita resposta.
Mas, ela tem de ser objecto de interpretação sistémica, e de ser integrada pelo
disposto no artigo 3º, nº 3, do CPC, em concretização do disposto no artigo 20º,
nºs 1 e 4, da CRP.
Face a essa norma, na sua dimensão conforme à CRP, o Presidente da Relação não
só tinha de apreciar o requerimento de 14.10.2005, instruído com o de 6.10.2005
e os seus documentos, como tinha de apreciar o de 28.10.2005, e as provas com
ele oferecidas. Só depois, se podia pronunciar sobre se os requerentes souberam
ou puderam indicar com precisão os fundamentos da suspeição.
11.2. A pronúncia do documento de 23.12.2005, acima transcrita, é,
implicitamente, de rejeição do teor dos requerimentos de 6.10.2005 e de
28.10.2005, e dos documentos com eles oferecidos.
Uma tal forma de rejeição não deixa de consubstanciar a aplicação da norma do
artº 129º, nº 1, do CPC, na dimensão normativa arguida de inconstitucionalidade.
Ela, constitui, aliás, o cometimento de dupla ilicitude: recusa de pronúncia
sobre os factos e provas integrantes da norma do artº 127º, nº 1, alínea g), do
CPC, e da suscitada questão de inconstitucionalidade da norma do artº 129º, nº
1, do mesmo código.
Quem age consciente e deliberadamente para obter um certo resultado, obedece
sempre a uma norma de conduta. Quando essa norma de conduta preside à prática de
um acto decisório, seja ele administrativo ou jurisdicional, ela é uma norma
jurídica. Se o acto é jurisdicional, tal norma até pode ser produzida nos termos
do disposto no artigo 10º, nº 3, do Código Civil. Segundo este:
- a situação é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se
houvesse de legislar dentro do espírito do sistema.
11.3. A declaração de que «verifica-se, percorrendo o texto destas decisões, que
nenhuma referência é feita a tal preceito legal ou a tal entendimento» enferma,
pois, de lapso manifesto nos termos previstos no artigo 669º, nº 2, alínea b),
do CPC, que permite a reforma do despacho ora sindicado.
Tal reforma impõe-se ainda com maior premência no domínio da administração da
justiça constitucional, do que na processual civil. Com efeito, os valores
jurídicos que levaram o legislador ordinário a consagrar tal instrumento de
realização do direito e da justiça no domínio processual civil, subsidiariamente
aplicável ao processo penal, têm fundamento constitucional. Para o ilustrar,
transcreve-se, com a devida vénia, o que aquele legislador sublinhou no
Preâmbulo do Dec. Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro:
- sempre na preocupação de realização efectiva e adequada do direito material e
no entendimento de que será mais útil, à paz social e ao prestígio e dignidade
que a administração da justiça coenvolve, corrigir que perpetuar um erro
judiciário insustentável, permite-se, embora em termos circunscritos e com
garantias do contraditório, o suprimento do erro de julgamento mediante a
reparação da decisão de mérito pelo próprio juiz decisor...
À luz desta preocupação de realização do direito, e de salvaguarda do prestígio
e dignidade da administração da justiça constitucional, impõe-se a reforma do
despacho ora sindicado.
12. Contrariamente ao declarado no nº 10 do despacho ora sindicado, os textos de
23.12.2005 e 15.9.2006, encontram-se recheados de referências ao entendimento de
que eles «sendo de uma autoridade administrativa designada para o cargo por
eleição por um período determinado de tempo» não são recorríveis.
Com efeito, é essa a condição do autor de tais textos, produzidos ao abrigo e
para efeito do disposto no artº 130º, nº 3, do CPC. Pelo que,
- cada frase, palavra, sinal de pontuação ou acento gráfico neles inscritos,
constitui aplicação da norma transcrita.
Sobre a natureza administrativa do órgão em causa, dá-se aqui por reproduzido
tudo quando acima foi alegado sobre a inexistência de decisão jurisdicional por
impedimento constitucional orgânico.
Sobre a não subordinação das decisões do órgão em causa, a estritos critérios
legais, dá-se aqui por reproduzido tudo quanto acima foi alegado sobre a
inexistência de decisão jurisdicional por impedimento constitucional material.
B) - VIOLAÇÃO DAS NORMAS DOS ARTIGOS 202º, Nº 2, E 221º DA CONSTITUIÇÃO
13. O suprimento das nulidades arguidas, e a reforma do despacho sindicada por
virtude de lapsos manifestos na apreciação dos textos de 23.12.2005 e 15.9.2006,
impõem que seja aberta a fase de alegações tendo em vista o conhecimento do
objecto do recurso, dando sem efeito o despacho ora sindicado.
Se tal não acontecer, será violada a garantia constitucional plasmada nos
artigos 202º, nº 2, e 221º da CRP. Com efeito, a Constituição incumbe o Tribunal
Constitucional, no domínio da administração da justiça em matérias de natureza
jurídico-constitucional, de assegurar que não sejam aplicadas pelos tribunais,
normas inconstitucionais.
Na vigência do regime constitucional iniciado em 1976, o CPC já foi objecto de
várias «reformas» sem que o legislador ordinário se tivesse apercebido de que é
incompatível com o Estado de direito democrático, e com a função jurisdicional
do Estado, a vigência de normas como as dos artºs 130º, nº 3, 668º, nº 1, e
689º, nºs 1 e 2.
Cumpre ao Tribunal Constitucional dar provimento às iniciativas dos cidadãos que
visam impedir aplicação em processos judiciais, de normas que constituem
excrescências de uma época em que os tribunais e os magistrados judiciais eram
usados para servir interesses estranhos à administração da justiça.
A soberania dos tribunais e a dignidade da administração da justiça, exige que
os «Presidentes» dos tribunais de recurso deixem de ser chamados a impor
«decisões» aos juízes dos tribunais inferiores.
Sendo as suas decisões não vinculativas para os tribunais de recurso, também o
não são para os tribunais recorridos, nem para as partes.
As decisões susceptíveis de apreciação por um tribunal superior têm de ser
decididas nos mesmos, pela conferência.
Enquanto órgãos administrativos dos tribunais, as decisões dos presidentes das
Relações são recorríveis por força do disposto no artº 268º, nº 4, da CRP.
[…].”.
3. O Banco BPI, S.A. respondeu, pugnando pela improcedência da
reclamação (fls. 301 e seguintes); o mesmo fez a Orbitur – Intercâmbio de
Turismo, S.A. e a Orbiworld, S.G.P.S., S.A. (fls. 304 e seguinte).
Cumpre apreciar e decidir, admitindo que o requerimento
apresentado configura a reclamação para a conferência prevista no artigo 78º-A,
n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional.
II
4. Alega a reclamante, antes de mais, a nulidade processual da
decisão sumária, decorrente da preterição do disposto no artigo 704º, n.º 1, do
Código de Processo Civil.
Não tem, porém, razão a reclamante: nos recursos de
constitucionalidade interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da
Lei do Tribunal Constitucional, a decisão sumária de não conhecimento do objecto
do recurso é proferida sem prévia audição das partes (cfr. artigo 78º-A, n.º 1,
da Lei do Tribunal Constitucional), sendo às partes facultado, depois de
proferida a decisão, o contraditório sobre a questão que determinou esse não
conhecimento (cfr. artigo 78º-A, n.º 3, da mesma Lei).
Não foi, assim, cometida qualquer nulidade processual, porque
não foi preterido qualquer acto devido nem desrespeitado o contraditório (cfr.
artigo 201º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
5. Alega ainda a reclamante a nulidade da decisão sumária, por falta
de pronúncia:
a) “sobre a dimensão normativa do artº 127º, nº 1, alínea g), do CPC,
invocada no requerimento de 14.10.2005, em que se integra o requerimento de
6.10.2005, com que se iniciou o incidente de suspeição, e sobre os factos
integrantes da respectiva previsão, que lhe servem de fundamento” (fls. 280);
b) “sobre a dimensão normativa do artº 129º, nº 1, do CPC, suscitada
no requerimento de 28.10.2005, cujos factos integram a previsão da norma
sindicada” (fls. 280-281);
c) sobre “a omissão de pronúncia do Presidente da Relação de Lisboa”
(fls. 281-282);
d) sobre a “alteração consciente e deliberada e contra direito, da
realidade dos textos dos requerimentos de 6.10.2005, 14.10.2005 e 28.10.2005”
(fls. 282);
e) sobre o texto da “arguição de nulidade do despacho de 23.12.2005”
(fls. 282-283);
f) sobre as “questões reiteradas no requerimento de 19.1.2006, de
arguição de nulidade do despacho de 23.12.2005” (fls. 283-284);
g) sobre as questões referenciadas a fls. 284 da própria reclamação.
Não tem, porém, razão a reclamante.
A decisão sumária reclamada só poderia ter omitido pronúncia sobre questões de
que devesse conhecer (cfr. artigo 668º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo
Civil), e essas questões naturalmente apenas poderiam ser as que haviam sido
colocadas ao Tribunal Constitucional no requerimento de interposição do presente
recurso de constitucionalidade – requerimento posteriormente mandado aperfeiçoar
e a que a reclamante respondeu.
As questões que a reclamante agora coloca não foram colocadas no requerimento de
interposição do recurso (nem, aliás, a reclamante faz qualquer alusão à sua
identificação neste requerimento), pelo que, quanto a elas, não pode logicamente
ter havido omissão de pronúncia.
Não é, assim, nula a decisão sumária reclamada.
6. Relativamente ao alegado pela reclamante acerca do erro na
percepção dos factos do processo e, bem assim, acerca da violação das normas dos
artigos 202º, n.º 2, e 221º, da Constituição (fls. 284 e seguintes e fls. 290 e
seguintes), verifica-se que a correspondente argumentação não se reporta, em
termos minimamente explícitos, a qualquer questão que tenha sido ou devesse ter
sido decidida na decisão sumária reclamada, nem à fundamentação utilizada nessa
decisão: recorde-se que, na decisão sumária, se apreciou a questão de saber se
um dos objectos do recurso integrava uma interpretação normativa (cfr. ponto 8.
dessa decisão) e, bem assim, se certas interpretações normativas haviam sido
aplicadas na decisão recorrida (cfr. pontos 9. e 10. da decisão sumária).
Assim sendo, há que concluir que não houve efectiva impugnação
do decidido na decisão sumária quanto à impossibilidade de conhecimento do
objecto do presente recurso de constitucionalidade, pelo que nenhuma razão há
para alterar essa decisão.
Finalmente, não se vislumbra em que medida pode a manutenção da
decisão ora reclamada violar o disposto nos artigos 202º, n.º 2, e 221º da
Constituição, pois que a circunstância de ao Tribunal Constitucional competir
zelar pela não aplicação de normas inconstitucionais não implica que os recursos
de constitucionalidade não estejam submetidos a pressupostos processuais, aos
quais o próprio texto constitucional faz, aliás, referência (cfr. artigo 280º da
Constituição).
III
7. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, indefere-se a
presente reclamação, mantendo-se a decisão sumária reclamada de fls. 260 e
seguintes, que não tomou conhecimento do recurso.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (
vinte ) unidades de conta.
Lisboa, 30 de Março de 2007
Maria Helena Brito
Carlos Pamplona de Oliveira
Rui Manuel Moura Ramos