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Processo n.º 31/03
1.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos de recurso, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em
que é recorrente A. e são recorridos o Ministério Público e B., foi interposto
recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº
1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional (LTC).
2. Em 6 de Junho de 2005, foi proferida decisão sumária, nos termos do artigo
78º-A, nº 1, da LTC, pela qual se entendeu não conhecer do objecto do recurso.
É a seguinte a fundamentação constante desta decisão:
«O recurso previsto na alínea b) do n.1 do artigo 70º da LTC tem carácter
normativo, nele apenas se compreendendo a impugnação de normas, acusadas de
inconstitucionais durante o processo e, apesar disso, aplicadas na decisão
recorrida como ratio decidendi. O legislador optou, assim, por não permitir que
neste tipo de recurso seja sindicada a decisão recorrida enquanto tal, não
sendo, por isso, criticável o processo lógico de selecção dos factos relevantes,
a escolha das regras aplicáveis ao caso, e a solução jurídica da questão, tarefa
que constitui a actividade típica dos tribunais.
Impõe-se, portanto, que o recorrente indique com precisão – cabe-lhe definir o
âmbito do recurso – a regra jurídica geral e abstracta que foi aplicada na
decisão recorrida, não obstante ter sido anteriormente suscitada a questão da
sua desconformidade constitucional.
Ora, a verdade é que o recorrente nunca suscitou no processo uma qualquer
questão de inconstitucionalidade normativa, pois, quer na alegação do recurso
interposto para a Relação de Lisboa, quer no requerimento de interposição do
presente recurso, toda a crítica foi dirigida à decisão jurisdicional de não
pronúncia em si mesma considerada; assim se explica a dificuldade do recorrente
em enunciar as normas desconformes com a Constituição que, numa particular
interpretação, terão sido aplicadas na decisão recorrida.
Em suma, o objecto do presente recurso não consiste em norma cuja
inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, conforme se exige
na citada alínea b) do n.1 do artigo 70º da LTC, antes visa a própria decisão
jurisdicional, ainda que com referência genérica a determinados preceitos, que
nela teriam [sido] aplicados de forma 'inconstitucional' ».
3. Desta decisão vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo
do disposto no artigo 78º-A, nº 3, da LTC, alegando que:
«(...) Parece ao recorrente que a decisão objecto da presente reclamação não
curou de conhecer o objecto peticionado, tendo feito uma leitura apressada e
incorrecta do objecto do recurso.
Vejamos.
Primeiro, o recorrente indicou concretamente, ou melhor, especificadamente,
quais foram as normas jurídicas que, no decorrer do processo foram acusadas de
inconstitucionais e, apesar disso, foram aplicadas na decisão recorrida como
ratio decidendi:
Foi o artigo 180° do Código Penal;
Foi o artigo 183° do Código Penal
Foi o artigo 184° do Código Penal
Foi o artigo 308° do Código do Processo Penal
Basta reler o requerimento de interposição de recurso e requerimento de fls.
para se verificar que o recorrente suscitou perante este tribunal a impugnação
de normas jurídicas dos Código Penal e Processual Penal e não qualquer outra
realidade.
Segundo, a inconstitucionalidade dessas normas, em especial quanto ao art° 180°
do CP (que é, naturalmente, o cerne da questão), foi levantada durante o
processo, conforme decorre da leitura dos autos.
Passamos a transcrever umas passagens das alegações de recurso:
“O escrito ultrapassa todos os limites impostos pelo respeito dos valores,
constitucional e legalmente assegurados, da personalidade do Assistente,
nomeadamente o direito a não ser lesado na sua honra, dignidade e consideração
social.”
“Andou igualmente mal a decisão recorrida na parte em que afirma que a liberdade
de opinião não tem limites, quando aplicada a políticos, pois que o direito à
crítica conhece limites, constitucionais e ordinários”
“Desde logo, só será de admitir (e logo de não punir), a imputação de factos
ofensivos da honra e consideração quando a mesma se move no domínio da
realização de um interesse público e legítimo, o que não acontece no caso dos
autos, pois que o cronista actua em domínio da crítica e de ataque pessoal, e
quando esse ataque se baseia em falsidades”
“O exercício da liberdade de expressão, por cotejo com o direito ao bom nome e
reputação do Assistente, pressupõe que a alegada função pública do Arguido,
enquanto comentador político, seja exercida Como “função educativa, regeneradora
e sociabilizadora”, não sendo de aceitar, pela não pronuncia, as acções do
Arguido que ultrapassam o exercício desta função”
“Viola igualmente a lei a decisão recorrida quando esquece que o direito de
informar e de emitir crítica livre não permite o recurso ao insulto pessoal,
ainda que mascarado sob a capa de ataque político, sob pena de subversão dos
valores fundamentais da vida em democracia, por o recurso ao insulto, à injúria,
ou à difamação, excederem os limites constitucionais do direito de crítica e
violarem o bem do direito dos cidadãos ao bom nome e reputação, também
constitucionalmente admitidos no nosso sistema jurídico».
“Mesmo que o insulto tivesse sido dirigido ao político, e não ao cidadão – o que
não é o caso – a verdade é que «qualquer termo usado que seja objectivamente
injurioso, ainda que dirigido a membros do Governo no âmbito da apreciação
crítica de actos governamentais» é considerado injúria para efeitos de submissão
à previsão do crime de difamação”
“É tudo menos exacta a firmação do douto despacho recorrido de que a liberdade
de expressão não encontra limites se confrontada com o direito à honra e
consideração de políticos. Mesmo que fosse o caso – o Assistente ter sido
criticado enquanto político – mister era que a lei não consignasse o direito ao
bom nome, honra e consideração, até com dignidade e protecção constitucional,
mesmo dos políticos.”
“Dizer que a crítica não tem limites é dizer que esse direito pessoal ao bom
nome, honra e consideração não existe, quando confrontado com o outro direito à
liberdade de expressão, interpretação que a CRP ou a lei Penal não consentem, e
é, até, uma leitura inconstitucional das normas respectivas”
“Existindo uma colisão de direitos, devem naturalmente os seus titulares ceder
na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito sem
maior detrimento para qualquer das partes.
“Mais. Face ao disposto nos artigos 1, 25 e 26 da Constituição, o direito ao bom
nome e à honra está acima do direito de liberdade de expressão e de informação,
em princípio”
Terceiro, é manifesto da leitura dos autos que o recorrente suscitou no processo
várias questões de inconstitucionalidade normativa, pois que quer na alegação de
recurso interposto para a Rel Lisboa quer no requerimento de interposição do
presente recurso, dirigiu a sua crítica (e recurso) à interpretação que o
Tribunal recorrido fizera (em especial) do disposto no art° 180° do CP.
Repare-se.
As questões levantadas durante o processo dizem essencialmente respeito à
leitura do regime do art° 180° do CP, concretamente à leitura que dele foi feita
pela decisão recorrida e aos limites que esta mesma decisão lhe traçou por
cotejo com outros direitos de igual ou superior dignidade e acolhimento legal e
constitucional.
Ao longo do processo o recorrente, para além de atacar a decisão em si, atacou a
interpretação que o tribunal recorrido havia feito do sentido, alcance e limites
do artº 180º do CP, precisamente em função da interpretação que se impõe a esta
norma em função de algumas normas e princípios constitucionais.
Concretamente, atacou, por inconstitucional, a interpretação que o tribunal
recorrido fez desta norma: o tribunal recorrido disse que o direito à crítica,
liberdade de expressão consentiam a emissão de palavras, afirmações e juízos
como os proferidos pelo arguido; o recorrente veio dizer que os direitos
constitucionais ao bom nome, honra... impunham limites, que, neste caso foram
ultrapassados, violando a Constituição a interpretação que o Tribunal recorrido
fizera do regime jurídico do art° 180º (...)
A questão trazida a este Tribunal, é precisamente um pedido de apreciação sobre
aquela interpretação feita...
Veja-se.
O Arguido recorrido afirmou (textualmente) que o Recorrente:
· não é um homem digno,
· não tem moral,
· mente,
· que desrespeita sistematicamente a lei
· que desrespeita as suas obrigações legais de Ministro do Governo
da República,
· que desrespeita e viola contratos públicos e administrativos
· que desrespeita e viola acordos públicos
· que usa abusivamente e desvia fundos públicos
· que desvia fundos públicos para o orçamento do seu ministério, que
controla como quer, a seu bel-prazer,
· que abusa da posição de ministro
· que gasta superfluamente dinheiro para seu próprio benefício
pessoal
· que é um ministro desonesto, corrupto e hábil para provocar
benefícios ilegítimos
· que é uma pessoa velhaca
· que é mal educado
· que é grosso de pensamento, sem modos ou educação
· .que é um vaidoso
· que é rasca
· que tem sotaque parisiense suburbano
· que é um pavão.”
A sentença recorrida disse que, face ao artº 180º do CP, este era um exercício
legalmente isento de mácula.
O recorrido disse:
“Porém, o escrito ultrapassa todos os limites impostos pelo respeito dos
valores, constitucional e legalmente assegurados, da personalidade do
Assistente, nomeadamente o direito a não ser lesado na sua honra, dignidade e
consideração social.”
“Ora, segundo critérios de normalidade, definidos em função do senso comum,
deveria a decisão recorrida ter considerado que todas as expressões assinaladas
na acusação objectivamente ofendem a honra e consideração do Assistente”.
“Também é manifesto do que atrás se disse – e, portanto, também aí não tem razão
a decisão recorrida – que todas estas afirmações do Arguido não são mera
tradução do exercício do direito à crítica, como manifestação directa do direito
à liberdade de expressão. A liberdade de expressão não enquadra o ataque
pessoal, como o que é feito no texto dos autos, deixando o escrito transparecer
que o Arguido (ou interposta pessoa) tem uma questão pessoal mal resolvida com o
Assistente que motivou este ataque.
“Andou igualmente mal a decisão recorrida na parte em que afirma que a liberdade
de opinião não tem limites, quando aplicada a políticos. É que o direito à
crítica conhece limites, constitucionais e ordinários!”
Desde logo, só será de admitir (e logo de não punir), a imputação de factos
ofensivos da honra e consideração quando a mesma se move no domínio da
realização de um interesse público e legítimo, o que não acontece no caso dos
autos, pois que o cronista actua em domínio da crítica e de ataque pessoal, e
quando esse ataque se baseia em falsidades.
Repare-se que a lei penal exige ao Arguido como condição da sua não punibilidade
que (cumulativamente),
a) não só aja dentro do exercício do direito à crítica
(política)
b) mas também que prove a verdade das suas afirmações.
“Mais. Viola igualmente a lei (ordinária e constitucional) a decisão recorrida
quando esquece que o direito de informar e de emitir crítica livre não permite o
recurso ao insulto pessoal, ainda que mascarado sob a capa de ataque político,
sob pena de subversão dos valores fundamentais da vida em democracia, por o
recurso ao insulto, à injúria, ou à difamação, excederem os limites
constitucionais do direito de crítica e violarem o bem do direito dos cidadãos
ao bom nome e reputação, também constitucionalmente admitidos no nosso sistema
jurídico».
“Como nos parece evidente, é tudo menos exacta a firmação do douto despacho
recorrido de que a liberdade de expressão não encontra limites se confrontada
com o direito à honra e consideração de políticos. Mesmo que fosse o caso – o
Assistente ter sido criticado enquanto político – mister era que a lei não
consignasse o direito ao bom nome, honra e consideração, até com dignidade e
protecção constitucional, mesmo dos políticos.
“Dizer que a crítica não tem limites é dizer que esse direito pessoal ao bom
nome, honra e consideração não existe, quando confrontado com o outro direito à
liberdade de expressão, interpretação que a CRP ou a lei Penal não consentem, e
é, até, uma leitura inconstitucional das normas respectivas.”
“Reconheça-se que na constituição é consagrado o direito de liberdade de
expressão, de informação e de imprensa, mas que igualmente é consagrado o
direito à integridade moral, ao bom nome e reputação das pessoas. Existindo uma
colisão de direitos, devem naturalmente os seus titulares ceder na medida do
necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito sem maior detrimento
para qualquer das partes”
“Não é, portanto, verdade que o direito de crítica não tenha limites. Tem.
Precisamente onde começam os direitos ao bom nome e consideração dos visados...”
“Mesmo que o Arguido se tivesse exclusivamente movido no domínio do exercício do
direito de crítica – o que não aconteceu – «considerando o conteúdo, o núcleo
essencial de ambos os direitos em presença, temos para nós, face ao disposto nos
artigos 1, 25 e 26 da Constituição, que o direito ao bom nome e à honra está
acima do direito de liberdade de expressão e de informação, em princípio.”
Dizemos em princípio, porque se o direito ao bom nome e reputação fosse um
direito absoluto ele impediria o exercício do direito, também fundamental, de
informação e da própria liberdade de imprensa. É preciso não esquecer que a
imprensa exerce uma função pública, cabendo-lhe o importante papel de formar a
opinião pública nas diversas vertentes da cidadania: política, económica,
social, cultural. E só através da liberdade de expressão esta finalidade pública
da imprensa pode ser alcançada. Assim, se a imprensa se mantiver dentro destes
limites, a possível ofensa ao bom nome e reputação de uma figura pública, desde
que indispensável àquela função pública e feita em termos razoáveis, isto é,
desde que não configure um abuso do direito, deixa de ser ilícita, porque
efectuada no exercício de um direito»
“Ora, simplesmente a decisão recorrida (na interpretação feita do regime legal
do crime em causa) esquece estas imposições legais”.
“É igualmente absolutamente criticável a ideia do despacho recorrido de que
«pouco interessa se as opiniões do arguido são válidas, se tinha ou não razão na
crítica que fez...está na sua esfera de liberdade fazê-la (...). E criticável
porque a lei tem entendimento diverso.
Constitui valor basilar da nossa civilização, devidamente traduzido em lei, que
as afirmações que, em si mesmo, consubstanciam uma ofensa à honra e consideração
devidas a qualquer cidadão apenas não serão puníveis se e quando o autor provar
a sua veracidade.”
“E é este ónus de prova da veracidade das afirmações que nos distingue... da
selva, onde tudo pode ser dito, tudo pode ser afirmado e nada, nem ninguém, pode
ser responsabilizado.
Porque pouco importa «se as opiniões do arguido são válidas, se tinha ou não
razão na crítica que fez...».Compreende-se que o Arguido gostasse que assim
fosse. Compreende-se que o despacho recorrido pense que assim é. Só que não é o
que o artº 180º do CP prevê.
Isto é.
Para além de um ataque à decisão em si – que, reconheça-se, merece à evidências
sérios e graves reparos –, o recorrente não deixou de levantar a questão de
constitucionalidade normativa: a decisão recorrida traça limites ao regime do
artº180º do CP que a CRP (crê o recorrido) não consente.
4. A crítica também foi dirigida à decisão jurisdicional de não pronúncia em si
mesmo considerada. Mas a crítica do recorrido foi para além disso – o que a
decisão objecto da presente reclamação obnubila – pois discutiu a
constitucionalidade da leitura feita naquela decisão dos limites que a CRP impõe
à leitura (mormente) do art° 180° do CP .
Fazendo a sentença recorrida uma leitura do artigo 180° do CP legitimadora da
acção do arguido porque enquadrada no exercício do direito à crítica e à
liberdade de expressão, disse então o recorrente que tal leitura era
inconstitucional enquanto a Constituição impunha uma outra leitura (menos ampla)
dos limites da liberdade de expressão em face do direito à honra.
Mais.
Ficou claro que a questão discutida – e trazida a recurso - diz também respeito
à interpretação do regime do crime da difamação face à colisão de direitos com
acolhimento constitucional: o direito à crítica, liberdade de expressão, e o
direito ao bom nome, honra e consideração.
Questões que naturalmente se levantam e levantaram a propósito da leitura do
regime penal proposto.
Estas questões, que o recorrente pretende ver discutidas neste Tribunal
Constitucional, são, apenas e só, questões de constitucionalidade normativa.
5. Mais.
No requerimento de interposição de recurso o recorrente peticionou textualmente:
“Pretende-se que o Tribunal Constitucional aprecie a interpretação e aplicação
feita pela douta sentença recorrida do disposto nos artigos 180º, 183°, 184, do
C.Penal, e 308° do C.Processo Penal, à luz das normas dos arts. 1º, 2°, 3°, 13°,
18°, 25°, 26°, 37° e 38° da CRP , assim violadas.”
Parece evidente ao recorrente que haveria outras (e seguramente melhores)
formulações a usar no exercício proposto.
Mas, mesmo que exista alguma debilidade na escrita do Mandatário, e sem qualquer
generosidade intrepertativa do Tribunal, é de reconhecer que nas palavras do
Mandatário do recorrente existe pelo menos um mínimo: ainda que de modo
imperfeitamente expresso, o recorrente peticionou uma inconstitucionalidade
normativa. Que este Tribunal de recurso deve conhecer.
6. É certo que o recorrente poderia ter dito de forma mais clara ao que vinha.
Mas na essência disse tudo:
“O presente recurso visa pedir e provocar uma apreciação de não conformidade
constitucional da interpretação e aplicação feitas pelo Tribunal recorrido das
normas constantes dos artigos 180°, 183°, 184°, do C.Penal, e 308° do C.Processo
Penal, à luz das normas e princípios constitucionais previstos dos arts. 1°, 2°,
3°, 13°, 18°, 25°, 26°, 37° e 38° da CRP. Assim, o presente recurso foi
interposto ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do art° 70º da Lei do TC, e a
questão da inconstitucionalidade foi suscitada pelo menos a fls. , no recurso
interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa do despacho de não pronúncia”
“Considerou o recorrente violadora da Constituição a interpretação adoptada pelo
Tribunal recorrido para os arts.180º, 183° e 184° do C.Penal e 308° do CPP”
“Desconsidera a sentença recorrida que o disposto nos arts. 1º, 2°, 3°, 13°,
18°, 25°, 26°, 37º e 38° da CRP impõem limites à liberdade de expressão, limites
que, no caso dos autos, foram ultrapassados, esquecendo que as ofensas à pessoa
do recorrente e imputações gravíssimas de diversas condutas ilegais, ilegítimas
e criminosas são ilegítimas e ilegais face aos arts. arts.180°, 183° e 184° do
C.Penal, especialmente quando decorre daquelas normas constitucionais a
existência de limites constitucionais impostos ao recorrido pelo respeito dos
valores da personalidade do Recorrente, nomeadamente o direito a não ser lesado
na sua honra, dignidade e consideração social.”
“A interpretação feita daquelas disposições do C Penal viola as mesmas
disposições da CRP ao considerar que...”
“A liberdade de expressão não permite o recurso ao insulto, gratuito, e pessoal,
ainda que mascarado sob a capa de ataque político, sob pena de subversão dos
valores fundamentais da vida em democracia, por o recurso ao insulto, à injúria,
ou à difamação, excederem os limites constitucionais do direito de crítica e
violarem o bem do direito dos cidadãos ao bom nome e reputação, também
constitucionalmente admitidos no nosso sistema jurídico, quer se dirijam à
pessoa ou aos políticos.”
“A decisão recorrida infra-gradua o direito do recorrente à sua honra e
consideração pessoal quando os arts 2º, 13°, 25° e 26° da CRP não consentem
qualquer uma infra-graduação da honra e consideração do assistente por o
assistente ser político e porventura culto, ter elevada craveira intelectual ou
ter sido ministro ou, de outro modo, consentem maior liberdade ao arguido de
atacar o assistente por ele, recorrido, ser (ou poder ser) culto, ser pessoa de
craveira intelectual ou ser ex-ministro”
“A decisão recorrida exclui a aplicação do tipo legal do crime por o facto de o
artigo ser publicado no jornal o que é indiferente para o exercício uma vez que
os 2°, 13°, 25° e 26° e 37º da CRP não consentem qualquer justificação ou as
acções do arguido devem (podem) ser degradadas pela qualidade do jornal”
“A decisão recorrida exclui a aplicação do tipo legal do crime pelo facto de o
texto visar também terceiros, e primacialmente terceiros, o que é irrelevante
pois que os referidos arts. 2º, 13°, 25° e 26° da CRP não consentem
interpretação normativa dos arts. 180º e 183° do CP que ilibe o arguido quando
num escrito este ofenda a honra e consideração não de uma mas de mais pessoas...
“A sentença recorrida desvaloriza a conduta do arguido, reconhecendo-lhe um
estatuto legal inexistente de Senador da República, e disso tirou consequências
jurídicas ao aceitar que o arguido tem “uma acrescida liberdade de opinião,
decorrente da própria autoridade que lhe é atribuível.”, sendo que o artº 13°,
25° e 26° da CRP não consentem este tipo de interpretações.
Os arts. 2° e 13° da CRP , e ainda o princípio da separação de poderes, impedem
o TRL de criar distinções entre cidadãos que não decorram da constituição e da
lei, e muito menos compete ao TRL criar categorias de cidadãos e criar estatutos
legais para essas (novas) categorias.
“A decisão recorrida exclui a aplicação do tipo legal do crime desconsiderando
que é admissível a repressão dos abusos da liberdade de expressão pois que o
artigo 37º da Constituição aponta no sentido de que se não devem permitir
limitações a liberdade de expressão para além das que forem necessárias a
convivência com outros direitos, nem impor sanções que não sejam requeridas pela
necessidade de proteger os bens jurídicos que, em geral, se acham a coberto da
tutela penal.
“A interpretação feita do art. 180º esquece que quando a liberdade de expressão
convive com o direito a integridade moral (artigo 25, n. 1, da Constituição) e o
direito ao bom nome e reputação e a reserva de intimidade da vida privada e
familiar (artigo 26, n. 1, da Constituição), haverá que limitar-se em termos de
deixar que esses outros direitos encontrem também formas de realização, o que a
sentença recorrida negou, tendo sentenciado uma verdadeira ablação destes
direitos.”
“Faltando uma norma de colisão de dois direitos com igual força constitucional,
procura-se proteger o núcleo de cada um deles através da aplicação simultânea de
vários princípios, como a ponderação de bens, a proporcionalidade, a
concordância prática e o efeito recíproco, ao que a sentença recorrida
desatendeu.”
“A sentença recorrida defendeu como única harmonização possível a ... desarmonia
do sistema constitucional: comprimiu, até à supressão, a dignidade humana, v
.g., o direito a integridade moral e o direito ao bom nome e reputação e a
reserva de intimidade da vida privada e familiar para defesa do direito à
liberdade de expressão sem limites.. Solução que, obviamente, é
inconstitucional.”
“A decisão recorrida exclui a aplicação do tipo legal do crime olvidando que a
liberdade de expressão, para ser legítima, deve ser exercida com discrição,
moderação, ponderação e adequação, quando o escrito ultrapassa os limites de
objectividade, exactidão, moderação, ponderação, civismo e adequação à forma de
comunicação, não tem rigor e objectividade, moderação e ponderação na forma de
transmitir a crítica e nem sequer existe qualquer utilidade pública na
publicitação das opiniões do arguido comentador sobre características pessoais
que diz do recorrente, sendo que a liberdade de expressão não pode ser exercida
nestes termos, de forma a lesar direitos, identicamente fundamentais, de outrém,
por directa cominação dos arts 25°, 26° e 37° da Constituição, de onde decorre o
princípio da proporcionalidade.”
“As ofensas apenas não seriam puníveis se e quando o autor provasse a sua
veracidade, o que nem indiciariamente foi feito, não tendo permitido detectar
qualquer erro sobre a ilicitude ou falta de culpa ou a verificação de uma causa
de justificação da ilicitude (art° 31/2/als. b) e c) do CP), sendo que a
interpretação feita na sentença recorrida destas normas viola os referidos arts.
13°, 26°e 37º da CRP . A interpretação feita igualmente proporcionou um juízo
inconstitucional da referida lei processual penal, quando estavam, afinal,
verificados todos os pressupostos para a dedução de acusação. Que não foi
deduzida, por recurso à interpretação feita das normas substantivas.”
7. Ainda que assim não fosse, a verdade é que, ainda assim, este tribunal de
recurso deveria conhecer a questão.
Com efeito, o Tribunal de Primeira Instância decidiu não pronunciar o arguido
pelos crimes de que era acusado, decisão que veio a ser objecto de recurso pelo
Assistente para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Ora, é bem verdade que os reclamantes produziram alegações de recorridos.
Nessas alegações de recurso, relativamente a algumas questões não tratadas na
sentença de 1ª Instância, o recorrente apenas poderia suscitar a questão da
inconstitucionalidade por antecipação, isto é, para a hipótese de o Tribunal da
Relação, não vir a dar provimento ao recurso, o que parece ao reclamante
constituir ónus processual não previsto na lei.
Com efeito, parece ónus significativamente oneroso da parte dever antecipar e
suscitar, por antecipação, todas as questões de constitucionalidade que possam
vir a suscitar-se por um acórdão que, por definição, ainda não foi proferido.
Esse acórdão pode, em tese, vir a suscitar as mais diversas (em natureza e
extensão) questões de constitucionalidade pois nele pode ser feita a aplicação
de quaisquer normas jurídicas, de qualquer natureza, cuja interpretação pode não
vir a ser feita de acordo com as normas e princípios constitucionais.
Ora, ao decidir como decidiu, o douto despacho de fls. onera processualmente os
ora reclamantes em termos tais que, na prática, fica vedado o recurso a esse
Alto Tribunal e, por essa via, fica precludida esta instância jurisdicional.
Pretende o ora reclamante suscitar esta questão perante V. Excelências, não só
porque tem convicção no direito que lhes assiste mas porque acredita que esse
Alto Tribunal não deixará de ponderar que, tendo o reclamante sido, quanto a
diversos aspectos, apenas confrontados com a interpretação da norma havida por
inconstitucional quando lhes foi notificado o acórdão da Relação de Lisboa, «não
lhes era exigido, no caso concreto, um qualquer juízo de prognose relativo à sua
aplicação, em termos de se antecipar ao proferimento da decisão, suscitando logo
a questão de inconstitucionalidade» (Ac. TC nº 61/92, de 11.2.1992, Acs. TC, 21,
p. 761).
4. Notificado desta reclamação, o Ministério Público junto deste Tribunal
considerou-a “manifestamente improcedente”:
«2 – Na verdade, o recorrente não logrou definir qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa, idónea para servir de base ao recurso
interposto, autonomizando – como lhe cumpria – um critério normativo,
susceptível de ser aplicado a uma pluralidade de situações, da específica e
peculiar configuração da situação dos autos.
3 – Não o tendo feito, nem “durante o processo”, nem sequer no requerimento de
interposição do recurso (e respectivo aperfeiçoamento), em que confunde os
planos da específica e peculiar decisão (e subsunção) de certa situação concreta
à norma incriminadora e da inconstitucionalidade de uma interpretação normativa,
destacável de tais particularidades».
Notificado o outro recorrido, respondeu concluindo que “deve ser indeferida a
reclamação, mantendo-se a decisão de não conhecimento do recurso”.
II. Fundamentação
É bem certo – o recorrente não o nega – que o Tribunal Constitucional ao
executar a tarefa que lhe é imposta pelo artigo 280º, nº 1, alínea b), da
Constituição da República Portuguesa e pela alínea b) do nº 1 do artigo 70º da
LTC não pode conhecer das decisões recorridas, em si mesmo consideradas, pois
apenas lhe é lícito apreciar, sob o prisma da sua conformidade constitucional,
as normas jurídicas aplicadas nessas decisões, desde que anteriormente acusadas
de inconstitucionais no tribunal recorrido.
O recurso deve, por isso, visar a determinação contida em regra jurídica geral e
abstracta aplicada na decisão recorrida como ratio decidendi, ficando de fora o
juízo concretizador da norma, ou seja, a valoração que no caso concreto e mercê
das particulares circunstâncias da situação, o tribunal comum aplicou.
É também essencial – face ao requisito imposto no já referido nº 2 do artigo 72º
da LTC – que o recorrente tenha suscitado perante o tribunal recorrido, e em
termos de este estar obrigado a dela conhecer, a questão de constitucionalidade.
Essa questão tem, mais uma vez, como objecto a regra jurídica geral e abstracta
aplicada, cuja apreciação deve ser autonomamente pedida em confronto com a
Constituição. Neste capítulo, o Tribunal tem entendido que o recorrente apenas
fica desonerado do ónus de suscitação prévia – que aliás é imposto pela
Constituição no aludido artigo 280º, nº 1, alínea b) – quando de todo lhe não
foi dada oportunidade processual para o fazer.
Ora, conforme salienta o Ministério Público junto deste Tribunal, o recorrente
não logrou definir qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, idónea
para servir de base ao recurso interposto, autonomizando - como lhe cumpria - um
critério normativo, susceptível de ser aplicado a uma pluralidade de situações,
da específica e peculiar configuração da situação dos autos. Com efeito, a
questão que o recorrente pretende suscitar prende-se com a solução concreta dada
ao caso pelo tribunal recorrido, com a avaliação que no caso concreto e mercê
das particulares circunstâncias da situação, o tribunal comum adoptou.
Aliás, o recorrente continua a não lograr definir a regra geral e abstracta
inconstitucional que a Relação de Lisboa terá aplicado ao seu caso, pois insiste
em querer ver apreciado o julgamento desse Tribunal quanto a 'limites ao regime
do artigo 180º do Código Penal que a Constituição não consente', ou quanto 'à
interpretação do regime do crime da difamação face à colisão de direitos com
acolhimento constitucional: o direito à crítica, liberdade de expressão, e o
direito ao bom nome, honra e consideração', sem reparar que estes enunciados não
correspondem à formulação de uma qualquer norma jurídica, antes apontam
argumentos que, no caso concreto, devem, em dada opinião, conduzir o tribunal de
julgamento a julgar num determinado sentido.
Impõe-se, assim, reafirmar que o recorrente não suscitou adequadamente nos autos
qualquer questão de inconstitucionalidade normativa e que o recurso não tem por
objecto norma aplicada na decisão recorrida acusada de inconstitucional, antes
visa a própria decisão recorrida em si mesmo considerada.
Perante esta conclusão, perde qualquer relevo tudo o que o reclamante invoca a
propósito da não suscitação da questão de constitucionalidade. Na verdade,
seria, pelo menos, necessário que se descortinasse no objecto do presente
recurso uma questão de inconstitucionalidade normativa, para que a questão
relacionada com o cumprimento do ónus da sua suscitação prévia pudesse ser
analisado. Ora, a verdade é que se constatou já que o recurso não pode
prosseguir por lhe faltar objecto idóneo, sendo assim indiferente saber se
ocorreu motivo justificativo para a não suscitação da questão.
Impõe-se, assim, o indeferimento da reclamação deduzida, com a consequente
manutenção da decisão de não conhecimento do objecto do recurso interposto para
o Tribunal Constitucional.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do
recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 2 de Novembro de 2005
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Artur Maurício