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Processo n.º 900/2004
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Bravo Serra
1. Pelo 2º Juízo do Tribunal de comarca de Leiria
intentou A. e contra B. acção na qual solicitou a anulação da partilha operada
nos autos de inventário facultativo ditos 68/92, que correram seus termos por
aquele Juízo e em que figuraram, como inventariados, C. e D. e, como cabeça de
casal, o indicado B., ou, caso assim se não entendesse, a revisão do processo de
inventário.
Para tanto, invocou, em síntese, que, sendo a autora e o
réu os únicos herdeiros dos inventariados, a primeira, que, então como agora,
residia na Bélgica, tão só foi citada para o inventário, não mais, até final do
processo, vindo a ser notificada nesses autos, assim desconhecendo a realização
da conferência de interessados e a licitação dos bens inventariados, por via da
qual estes foram adjudicados ao cabeça de casal, não lhe tendo sido notificada a
sentença homologatória da partilha e o respectivo mapa.
Tendo, por sentença proferida em 14 de Fevereiro de
2003, sido o réu absolvido do pedido de anulação da partilha, apelou a autora
para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 15 de Junho de 2004,
julgou procedente a apelação e, “por via disso” julgou “igualmente procedente o
recurso de revisão”, revogando na íntegra a sentença impugnada e declarando
nulos todos os termos do inventário em causa subsequentes ao despacho que
designou dia para a realização da conferência de interessados, devendo ser
designada nova data para tal realização, notificando-se todos os interessados.
Para assim decidir, o Tribunal da Relação de Lisboa
recusou a aplicação (estranhamente escreveu-se “decreta-se a
inconstitucionalidade”) da norma constante do nº 2 do artº 1330º do Código de
Processo Civil na redacção anterior à da entrada em vigor do Decreto-Lei nº
227/94, de 8 de Setembro, “quando interpretada com o sentido de não ser
obrigatória a notificação dos interessados no inventário caso os mesmos residam
fora da área da comarca em cujo processo está a correr termos e não tenham
constituído mandatário forense no processo”, por a considerar violadora “do
disposto no art.º 20º da Constituição”.
É deste acórdão que, pelo réu, ao abrigo da alínea a) do
nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, vem interposto recurso para
o Tribunal Constitucional.
2. Determinada a feitura de alegações, formulou o
recorrente as seguintes «conclusões» na por si apresentada:-
“ 1. O art.º 20 da Con[s]t. Repúb. Port. em vigor à data dos factos (1992/1993)
não contemplava o princ[í]pio ou direito ‘a um processo equitativo’, pelo que, a
ele não se pode aferir, quanto à constitucionalidade material, a norma do artº.
1.330 nº 2 do Cód. Proc. Civil, com a redacção do DL. 44129 de 28.12;
2. A recorrida A. foi citada para os termos do processo de inventário em apreço
e dele se alheou sponte sua, pelo que, não ficam postergados os princípios de
‘processo equitativo’ e do ‘julgamento justo’
3. A violação dos princípios da ‘proibição de enriquecimento ilegítimo’ e da
‘proibição do abuso de direito’, a que alude o artº. 334 do Cód. Civil, ao invés
da inconstitucionalidade, são antes causa de anulação da partilha, nos termos do
disposto no art.º 1.388 nº 2 do Có[d]. Proc. Civil;
4. Além do Mais não ficou provado nos autos a existência de um ‘enriquecimento
ilegítimo’ ou algum ‘procedimento com dolo ou má fé’, nem tal matéria foi
objecto do douto Acórdão recorrido;
5. Se assim se não entender, ou seja, se se optar pela invocada
inconstitucionalidade - o que só se admite por mera hipótese de raciocínio -
então sempre havia que ressalvar o caso julgado, e em consequência, manter-se a
douta sentença de 1ª instância que homologou a partilha, por força do disposto
no artº. 283 nº 2 da Const. Repúb. Port.
6. O Douto Acórdão recorrido decidindo contr[a]riamente violou, além do mais, o
disposto no artº. 1330 nº 2 do C.P.C. na redacção do DL. 44129 de 28.12, o artº.
20º da C.R.P. na redacção vigente em 1992/1993, o artº. 334 do C.C. o artº. 1388
nº 2 do C.P.C. e o artº. 283 nº 2 da C.R.P. na redacção actual”.
Por seu turno, a recorrida rematou a sua alegação do
seguinte modo:-
“A) A Interessada A. não foi notificada para a Conferência de Interessados no
Processo de Inventário Facultativo;
B) Apesar disso a Conferência de Interessados realizou-se, na data marcada, e
foram abertas licitações entre os presentes, neste caso entra o único
interessado;
C) A Interessada ausente (não notificada), não licitou quaisquer bens, sendo o
seu quinhão preenchido com tornas no valor de 46.666$67 (€ 232,77), que o
Recorrente depositou, muito tempo depois das licitações, pois estas
verificaram-se em 20/01/1993 e o depósito só foi efectuado em 14 de Maio de
2004.
D) Este valor é irrisório, considerando o valor real dos bens que ascendem a
124.699,47 €;
E) Bem sabia o Interessado B. que a outra Interessada se encontrava no
estrangeiro, e que o valor dos bens era muito superior ao das licitações, tendo
usado de dolo.
F) Os interessados devem estar presentes na Conferência de Interessados; as
licitações só devem ter lugar na falta de acordo;
G) Este só é possível se todos os interessados comparecerem ou se fizerem
representar;
H) E, a representação no acto só pode fazer-se por mandatário com poderes
especiais de acordo com o n.º 2 do artigo 1352º do C.P.C.,
I) Devendo pois: Decretar-se a inconstitucionalidade material, por violação do
disposto no art. 20º da Constituição da República Portuguesa e do n.º 1 do art.
6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (este aplicável ex vi art. 8º n.º
2 da mesma Constituição), do n.º 2 do art. 1330º do CPC, na redacção em vigor em
1992 e 1993, isto é, na sua redacção anterior à entrada em vigor do DL n.º
227/94 de 8 de Setembro, quando interpretad[o] com o sentido de que não é
obrigatória a notificação dos interessados no inventário caso os mesmos residam
fora da área da comarca em cujo Tribunal o processo está a correr termos e não
tenham constituído mandatário forense no processo.
J) Declarar nula a Conferência de Interessados que se realizou no processo de
inventário facultativo com o n.º 68/92 que correu termos pelo 2º Juízo do
Tribunal Judicial da Comarca das Caldas da Rainha, bem como todos os actos
subsequentes à abertura dessa Conferência, licitações sobre os bens que
constituíam o acervo de bens a partilhar nestes autos de inventário, incluindo
os efeitos jurídicos decorrentes desse acto, estejam ou não registados na
competente Conservatória do Registo Predial,
K) Determinar que se profira, nesse processo n.º 68/92, do 2.º juízo, novo
despacho que designe dia para realização da Conferência de Interessados, nos
termos e para concretização das finalidades previstas nos arts. 1352º, 1353º e
1363º do CPC.
L) Havendo, portanto, que designar nova data para concretização dessa
diligência, despacho esse que terá de ser notificado a todos os interessados,
sem excepção.
M) Julgar-se procedente o recurso de revisão interposto por A. e, revogando-se,
na íntegra, a sentença recorrida, decretar-se, em sua substituição, que são
nulos todos os termos do processo de inventário facultativo n.º 68/92, que
correu termos pelo 2.º Juízo do Tribunal Judicial da comarca das Caldas da
Rainha, subsequentes ao despacho que designou dia para realização da Conferência
de Interessados.
N) Deverá ser considerado improcedente o recurso apresentado pelo Interessado
B., e manter-se o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, com os efeitos
aí determinados”.
Cumpre decidir.
3. Preliminarmente deverá sublinhar-se que se não insere
minimamente nas competências deste Tribunal - postando-nos, como nos postamos,
no domínio de um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade
normativa - saber se, in casu, tendo em conta as regras do ordenamento jurídico
ordinário, a decisão constante do acórdão ora impugnado, na vertente da
procedência do formulado «pedido de revisão» (não se olvidando que a sentença
proferida na 1ª instância tão só decidiu do pedido de anulação da partilha
realizada no inventário facultativo de onde os presentes autos emergem), foi, ou
não, a mais correcta.
E, identicamente, naquelas competências não se insere,
quer o problema de saber se poderiam, ou não, ser atendidas eventuais questões
de um alegado procedimento doloso ou de má fé de banda de um dos interessados no
inventário, quer os pedidos de declaração de nulidade de actos processuais.
Isto posto, enfrentar-se-á o problema de
constitucionalidade normativa de que ao Tribunal Constitucional cabe curar.
4. Dispunha-se no artº 1330º do Código de Processo Civil
ao tempo em que correu seus termos o inventário cuja partilha foi peticionada na
acção de onde emergiu o vertente recurso de constitucionalidade
(consequentemente antes da vigência do Decreto-Lei nº 227/94, que introduziu
alterações ao Código Civil, Código de Processo Civil, Código das Custas
Judiciais, Código do Notariado, Tabela de Emolumentos do Notariado e Código do
Registo Predial):-
ARTIGO 1330.º
(Decisões que devem ser notificadas)
1. Além de serem citados nos termos do artigo anterior, os herdeiros
e o meeiro são notificados da sentença final e dos despachos que designem dia
para a conferência de interessados, licitações e sorteios e do que ordene o
exame do mapa de partilha.
Os legatários são notificados da sentença final e do despacho que
designe dia para a conferência destinada à aprovação das dívidas e forma do seu
pagamento, quando toda a herança for dividida em legados ou quando da aprovação
das dívidas resulte redução dos legados.
Os credores são notificados da sentença que atenda os seus créditos
e do despacho que marque dia para a conferência destinada à aprovação do
passivo.
2. Estas notificações fazem-se sempre que os notificandos residam na
área da comarca, ainda que não tenham domicílio nem constituam mandatário na sua
sede.
3. Fica salvo o disposto nos artigos 229.º, 253.º, 254.º e 255.º,
quanto à notificação de outros despachos.
Deverá notar-se que, na redacção então vigente,
determinava o nº 1 artº 1329º que, quando o inventário devesse prosseguir,
seriam citados para os seus termos o Ministério Público, as pessoas com
interesse directo na partilha e os seus cônjuges, os legatários, os credores da
herança e os donatários, igualmente sendo notificados do despacho que ordenasse
as citações o requerente do inventário e o cabeça de casal.
Por outro lado, resultava do artº 255º que, se a «parte»
não tivesse constituído mandatário nos termos do artº 253º, as notificações
ser-lhe-iam feitas nos termos estabelecidos para as notificações feitas aos
mandatários, ou seja, nos termos do 254º e com observância do disposto no
Decreto-Lei nº 121/76, de 11 de Fevereiro, sendo emitida carta registada para o
domicílio escolhido (já que não será, para este caso, aplicável a regra de
emissão de carta para o escritório), devendo-lhe ser, de todo o modo,
notificados todos os despachos que lhe pudessem causar prejuízo e devendo ainda
ser notificada oficiosamente quando, por virtude de disposição legal expressa,
pudesse responder a requerimentos, oferecer provas ou, de um modo geral, exercer
algum direito processual (cfr. a ressalva constante do nº 3 do artº 1330º e
números 2 e 3 do artº 229º.
5. Esgrime o recorrente com um argumento segundo o qual,
se bem se entende o que quis significar, atendendo à data dos factos sobre os
quais se pronunciou a decisão recorrida, haveria, no confronto da norma ora em
apreço com a Constituição, que ter em conta a redacção constante do artigo 20º
deste Diploma Fundamental na redacção vigente àquela data, ou seja, na redacção
emergente da Revisão Constitucional operada pela Lei Constitucional nº 1. E -
prossegue -, como naquele preceito não se fazia alusão ao direito que todos
desfrutam e segundo o qual a causa onde intervierem seja objecto de decisão
mediante processo equitativo, a um tal princípio não poderia ser aferido o
normativo consagrado no nº 2 do artº 1330º do Código de Processo Civil.
Diga-se, desde já, que não tem razão de ser a
sustentação de um tal ponto de vista.
Na verdade, o juízo de inconstitucionalidade material da
dimensão normativa constante do indicado nº 2 do artº 1330º repousou na
circunstância de tal dimensão violar o princípio do julgamento equitativo que já
se descortinava na versão da Lei Fundamental vigente em 1992 e decorria do seu
artigo 20º (citando-se até alguns arestos do Tribunal Constitucional que
apontariam em tal sentido), ainda que conjugado (o que até não seria
necessário), com o nº 1 do artº 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem,
muito embora a sua redacção, nessa época, fosse «pouco incisiva» referentemente
ao texto que adveio da Revisão Constitucional operada pela Lei Constitucional nº
1/97, de 20 de Setembro.
Vale isto por dizer que o acórdão ora impugnado teria
alcançado o mesmo juízo de desconformidade constitucional incidente sobre a
norma em apreço - por violação do princípio de que a decisão da causa seja
proferida mediante processo equitativo - ainda que no texto constitucional não
existisse um preceito expresso tal como o precipitado no actual nº 4 do artigo
20º da Lei Fundamental.
Sendo isto assim, não se torna sequer necessário
enfrentar a questão de saber em que condições e momento poderá ser aferida a
compatibilidade constitucional material de um normativo que, ao tempo da sua
edição e regulação de uma concreta situação, primo conspectu ainda se não
afigurava violadora de um texto constitucional posteriormente objecto de
alterações.
6. Igualmente brande o recorrente com um outro argumento
de acordo com o qual, tendo já passado em julgado a sentença homologatória do
mapa de partilha, haveria que ser ressalvado o caso julgado formado em face do
que se consagra no nº 3 do artigo 282º (crê-se que só por lapso refere “artº.
283º nº 2”) da Constituição.
Um tal argumento não tem a mínima consistência.
Na verdade, aquele preceito constitucional ressalva dos
efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força
obrigatória geral - salvo decisão em contrário tomada pelo Tribunal
Constitucional e se estiver em causa norma atinente a matéria penal, disciplinar
ou de ilícito de mera ordenação social e ela for de conteúdo menos favorável ao
arguido - os casos decididos com trânsito em julgado e que os foram à sombra da
norma sobre a qual recaiu aquela declaração.
Ora, como é a todos os títulos evidente, não se posta
aqui um processo regulado nos artigos 51º a 56º e 62º a 66º da Lei nº 28/82,
razão pela qual a invocação do nº 3 do artigo 282º da Constituição se mostra
desprovida de sentido.
7. Como resulta do relato supra efectuado, no aresto
ora em análise entendeu-se que o normativo em apreço ofendia a Lei Fundamental
no ponto em que implicava uma “proibição dos julgamentos mediante[ ] processos
não equitativos”.
Num primeiro passo, cumpre salientar que, in casu, e tão
somente perspectivando o direito ordinário vigente à data do processo de onde
emergiu o vertente recurso, a ora recorrida foi citada para o inventário.
E, partindo-se da verificação daquele facto (a
citação), - considerado provado pelo tribunal de 1ª instância e, dado igualmente
como assente, no acórdão do tribunal da Relação, o que este Tribunal, dados os
seus poderes cognitivos, não pode censurar - não poderá deixar de se entender
que, com ele, a ora recorrida não teria deixado, pelo menos, de ficar com o
conhecimento da propositura dos autos de inventário, isto é, da instauração de
um processo especial - no caso não obrigatório - destinado a pôr termo a uma
comunhão hereditária.
Não resultava das regras respeitantes à citação para os
termos do inventário que ao citando era dado conhecimento de que a ele, porque
residente no estrangeiro, na hipótese de não constituir mandatário ou de não ter
escolhido mandatário na área da comarca, não seria dado conhecimento dos
despachos determinativos da designação de dia para a realização da conferência
de interessados, licitações e sorteios e do exame do mapa da partilha.
É justamente este ponto - o de saber se a não
notificação de determinados actos do processo de inventário (nomeadamente a
realização da conferência de interessados e a notificação da sentença
homologatória da partilha) - que deve ser enfrentado pelo Tribunal, fim de se
analisar se uma tal dimensão interpretativa da norma do nº 2 do artº 1330º do
Código de Processo Civil enferma de incompatibilidade com o Diploma Básico, por
representar a preterição de um processo equitativo ou por diminuir o seu acesso
aos tribunais.
7.1. Tal ponto, inequivocamente, inculca, para o
interessado, o desempenho de um ónus consistente em, uma vez citado para o
inventário, constituir mandatário - num processo em que tal constituição não é
obrigatória - ou, então, escolher alguém, residente na área da comarca, que
recebesse as notificações dos actos processuais em causa.
Não está agora em causa, como evidente é, saber se a
regra em apreço representa um «bom direito» ou o «melhor direito»
(designadamente tendo em conta uma certa perspectiva de irrazoabilidade quando
se atente em que dadas notificações - que, verbi gratia, não sejam atinentes a
uma comparência pessoal do notificando - são efectuadas por via postal e,
justamente por isso, não relevará a residência do notificando dentro ou fora da
comarca) sabido como é, como tantas vezes tem sido assinalado pela
jurisprudência deste Tribunal, que a ele não compete censurar as soluções
legislativas a menos que as mesmas se mostrem conflituantes com o Diploma
Básico.
O que está, isso sim, é saber se o ónus decorrente para
o interessado representa algo de acentuadamente gravoso ou desproporcionado, de
molde a tornar excessivamente difícil a sua posição processual em termos de
poder ter conhecimento dos actos praticados num processo para o qual foi
devidamente citado e em termos de o seu não cumprimento acarretar, na prática, a
existência de um procedimento justo e leal.
A resposta a esta questão afigura-se como negativa.
Em primeiro lugar, há que convir que o cumprimento do
aludido ónus não se posta - ao menos no que tange à escolhe de alguém com
residência na área da comarca a quem seja dado o encargo de receber as
notificações para os actos em apreço - como a realização de uma penosa ou
difícil condição.
Por outro lado, não se poderá dizer que um processo de
inventário que siga os termos daquele de onde emergiu o vertente recurso de
constitucionalidade, seja, configurável como um processo que revista
características de «secretismo».
Na verdade, nesse processo especial, é acentuada a
intervenção do juiz como entidade imparcial e isenta e, por tal não estar
excluído da norma em apreciação, é facultado ao interessado o exame e vista do
processo após a apresentação da relação de bens e da efectivação da respectiva
descrição, nos termos dos artigos 1340º e seguintes e 1351º do Código de
Processo Civil.
Aliás, são figuráveis situações em que todos os
interessados (aqui se incluindo o os próprios requerentes do inventário) não
residam na área da comarca e tocantemente aos quais a normação agora em
apreciação impõe idênticos ónus.
O que é mister é que os interessados processuais tenham
conhecimento do feito judicial que é instaurado e que sejam gizados meios que,
de um modo que, na prática, possa ser ultrapassável, ou possa ser facilmente
ultrapassável, lhes confiram a possibilidade de ter acesso às vicissitudes
processuais, sendo certo que não é imposta pela Constituição uma parificação de
formas de obter essa possibilidade.
Ainda de outra banda, não se lobriga que o processo de
inventário, decorrido daquela sorte, se mostre como revestindo natureza não
equitativa ou redutora do acesso do acesso aos tribunais por parte dos
interessados em tal situação, pois que se possibilita toda uma intervenção dos
interessados em tais condições, com estipulação de um ónus não demasiadamente
gravoso.
Crê-se, aliás, que foi desiderato do legislador, com o
estabelecimento da regra em análise - ou seja, impondo o ónus em causa -
assegurar a localização dos interessados com vista a dar-lhes mais facilmente
conhecimento dos actos que lhes relevariam, o que, na sua perspectiva,
possivelmente não seria alcançado com mera notificação postal para local fora da
comarca (sendo certo que se não pode escamotear que, nomeadamente para efeitos
de comparência na conferência de interessados, não sendo a notificação efectuada
por via postal, teriam de ser levadas a efeito as formalidades prescritas no nº
1 do artº 260º da versão do Código de Processo Civil anterior à vigência do
Decreto-Lei nº 227/94).
Embora a outro título, vale a pena citarem-se aqui
determinados passos do Acórdão nº 356/99 deste Tribunal (publicado na II Série
do Diário da República de 2 de Março de 2000):-
“..........................................................................................................................................................................................................................................................................................................
5.1. O artigo 196º do Código de Processo Penal disciplina a aplicação da
medida de coacção de termo de identidade e residência, e integra-se no capítulo
dedicado às medidas de coacção aplicáveis ao arguido em processo penal. Esta
providência destina-se a garantir a possibilidade de localizar o arguido para
efeito de realização de quaisquer diligências processuais. Visa portanto
assegurar o bom andamento do processo.
5.2. O nº 3 do artigo 196º, é aplicável sempre que o arguido sujeito à medida
prevista no nº 1 do mesmo artigo (termo de identidade e residência) resida ou
pretenda residir fora da comarca onde o processo corre. Tal disposição tem
portanto como objectivo resolver o problema da notificação do arguido quando
este não resida dentro dos limites da comarca em que está instalado o tribunal.
Não se trata só de garantir a notificação pessoal do arguido – situação a que
alude o artigo 113º, nº 1, do Código de Processo Penal, e que ocorre na falta de
constituição de mandatário pelo arguido –, mas sobretudo de prover para que
alguém tome a responsabilidade de receber as notificações judiciais que lhe
forem dirigidas.
A concretização prática da exigência contida na norma do artigo 196º, nº 3, do
Código de Processo Penal é, assim, dupla: não só o arguido estará sempre
informado da marcha do processo – facto essencial para a realização do princípio
da plenitude das suas garantias de defesa, nomeadamente da salvaguarda do
contraditório (artigo 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa) –,
como a justiça penal ficará protegida contra eventuais atrasos derivados da
dificuldade de localização daquele – dado importante para a promoção de uma
célere administração da justiça no foro penal (artigo 32º, nº 2, in fine, da Lei
Fundamental).
............................................................................................................................................................................................................................................................................................................
8. Ora esta obrigação [a obrigação de indicar pessoa que receba as
notificações do tribunal] não deve considerar-se uma restrição desproporcionada
ao direito de escolher o defensor, consagrado nos artigos 20º, nº 2, e 32º, nº
1, da Constituição da República Portuguesa. Isto porque ela visa acautelar
valores de interesse público tais como o bom andamento do processo, como já se
referiu. E simultaneamente protege os interesses do arguido, que tem assim a
garantia de estar sempre a par da marcha do processo, facto essencial para a
garantia do princípio do contraditório.
Com efeito, ela não é nem desadequada, nem excessiva (cfr. artigo 18º,
nº 2, da Constituição da República Portuguesa). A indicação de uma pessoa que
resida na área da comarca acautela o interesse público da facilidade de
encontrar o arguido, e este não fica desproporcionadamente onerado com esta
obrigação, ainda que a pessoa indicada seja um profissional do foro, pois as
suas funções resumem-se, no caso, a esta tarefa, o que não implicará em geral
grandes despesas.
............................................................................................................................................................................................................................................................................................................
No entanto, os valores que atrás se referiram – nomeadamente o bom
andamento do processo, que pressupõe uma possibilidade de contacto constante com
o arguido –, são justificativos desta desigualdade de situações. O fundamento é,
portanto, objectivo e tem um interesse público constitucionalmente reconhecido,
o que afasta a alegação de violação do princípio da igualdade.
Acresce que a norma não impõe necessariamente a constituição de novo
advogado para o efeito pretendido, bastando-se com a indicação de pessoa que
resida na comarca.
11. Não resulta portanto da exigência contida no artigo 196º, nº 3, do Código
de Processo Penal, qualquer violação das ideias de igualdade, justiça e
confiança subjacentes ao princípio do Estado de direito democrático.
..........................................................................................................................................................................................................................................................................................................”
Em face do exposto, de concluir é que a norma constante
do nº 2 do artº 1330º da indicada versão do diploma adjectivo civil não se
mostra como violadora do artigo 20º da Constituição, designadamente
estabelecendo uma forma de regulação que contende com o direito a que os
interessados não residentes na área da comarca têm em obter uma decisão mediante
um processo equitativo.
8. Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso,
se determina a reforma do acórdão impugnado em consonância com o juízo ora
efectuado sobre a questão de constitucionalidade.
Lisboa, 6 de Abril de 2005
Bravo Serra
Gil Galvão
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (vencida, conforme declaração junta)
Vítor Gomes (vencido, nos termos da declaração de voto da Exª Conselheira Maria
dos Prazeres Beleza, para a qual, com a devida vénia, remeto)
Artur Maurício
Declaração de voto
Votei vencida, por considerar que a norma em apreciação neste recurso (cuja
vigência, após as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 242/85, de 9 de
Julho, no regime aplicável às notificações às partes que não constituíram
advogado poderia ser questionada) contraria o direito a um processo equitativo,
hoje consagrado no n.º 4 do artigo 20º da Constituição, e o princípio da
proporcionalidade (n.º 2 do artigo 18º, também da Constituição).
Em síntese, porque se trata de um processo em que por um lado, não é obrigatória
a constituição de advogado e em que, por outro, é particularmente relevante a
participação dos interessados em certos actos, como o revela o n.º 1 do artigo
1330º; porque, quando o interessado é citado para o inventário, não lhe é feita
qualquer advertência quanto às consequências do não preenchimento das condições
constantes do n.º 2 do artigo 1330º, não sendo exigível que as preveja; e porque
o confronto entre a desvantagem imposta ao mesmo interessado e a facilidade com
que as notificações poderiam ser feitas (naturalmente por via postal) revela a
imposição de um ónus que, a meu ver, carece de justificação.
Finalmente, não creio que se possa estabelecer qualquer paralelo com a norma
apreciada no acórdão n.º 356/99.
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza