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Processo n.º 224/05
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O relator proferiu a seguinte decisão sumária:
“1. A., identificado nos autos, inconformado com o despacho do Vice-Presidente
do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20 de Janeiro de 2005, que indeferiu a
reclamação que deduziu contra o despacho do Juiz do Tribunal de Família e
Menores de Lisboa, de 25 de Maio de 2004, que não admitiu o recurso interposto
de decisão que o condenou em multa e custas do incidente, veio interpor recurso
para o Tribunal Constitucional, com fundamento na alínea b) do n.º 1 do artigo
70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo que se aprecie a
inconstitucionalidade das normas dos artigos 678.º, n.º 1 e 740.º, n.º 2, alínea
a), do Código de Processo Civil, por violação dos artigos 18.º, n.º 1, e 20.º,
n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
2. A decisão recorrida indeferiu a reclamação com fundamento no disposto no n.º
1 do artigo 678.º do Código de Processo Civil, nos seguintes termos:
“(...)
2. O que efectivamente está em causa é a condenação do reclamante no pagamento
de uma multa e das custas de um incidente que lhe foi imposto por decisão
judicial, É esta a sucumbência do reclamante naquela decisão.
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 678.º do Código de Processo Civil, não
é admissível recurso se o valor da sucumbência do recorrente não exceder metade
do valor da alçada do Tribunal que proferiu a decisão, ainda que o valor da
causa seja superior ao valor dessa mesma alçada.
No caso concreto é manifesto que o valor da multa e das custas do incidente em
que o reclamante foi condenado é muito inferior a metade da alçada do Tribunal
de que se recorre (1.ª instância).
Não está em causa saber se a reclamante tem ou não razão sobre a questão que
pretende impugnar. O que interessa saber é se aquela decisão admite ou não
recurso.
Em toda e qualquer decisão proferida numa acção se coloca a questão da correcta
interpretação e aplicação das normas substantivas ou adjectivas aplicáveis.
Mas a sua porventura incorrecta interpretação ou aplicação só pode ser atacada
por recurso quando a decisão o admita, nos termos gerais previstos no artigo
678.º do Código de Processo Civil ou especialmente previstos noutras situações.
Para efeitos de admissão de recurso de uma decisão, e salvo os casos
especialmente previstos na lei, a sucumbência não diz respeito à qualificação
jurídica ou aos argumentos jurídicos discutidos, mas mede-se pela utilidade
económica imediata que se obtém ou em que se decai na acção, nos termos do
disposto no artigo 305.º n.º 1 do Código de Processo Civil. E, no caso concreto,
a utilidade económica imediata em que a reclamante sucumbiu foi na multa e
custas fixadas da decisão recorrida. E tendo em conta aqueles montantes, resulta
que a decisão proferida é irrecorrível, nos termos do disposto no artigo 678.º
n.º 1 do Código de Processo Civil.
Invoca ainda o reclamante a inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 678.º n.º 1
do Código de Processo Civil por violação do artigo 20.º da Constituição da
República Portuguesa.
Esta questão tem vindo a ser levantada em algumas situações. Mas temos
entendido, e continuamos a entender, que o disposto no n.º 1 do artigo 678.º n.º
1 do Código de Processo Civil não viola o princípio constitucional do acesso ao
direito a todos os cidadãos nem viola a efectiva tutela jurisdicional.
Ao reclamante foi todo o pleno direito de ver discutida por um tribunal a sua
questão. O facto de não lhe ser permitido vê-la discutida numa outra instância
não respeita à violação do acesso ao direito mas de regras regulamentadoras
dessa discussão.
O direito ao recurso não é um direito absoluto. A lei geral regulamenta esse
acesso e em alguns casos limita esse direito atendendo a circunstâncias
concretas como é o caso do valor da acção ou da sucumbência. E, salvo o devido
respeito por opinião contrária, entendemos que tal não viola a norma
constitucional do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.”
3. Independentemente de saber se a decisão recorrida, além da norma do artigo
678.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicou também como ratio decidendi a
norma do artigo 740.º, n.º 2, alínea a), do mesmo código, que o recorrente
indica como integrante do presente recurso, certo é que o Tribunal
Constitucional já se pronunciou sobre a questão em apreço, o que justifica a
prolação de decisão sumária, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei do
Tribunal Constitucional.
4. Assim, com os fundamentos constantes do acórdão n.º 680/2004 (inédito, mas
disponível em www.tribunalconstitucional.pt), que aqui se reiteram, importa
concluir pela improcedência do recurso.
5. Nestes termos, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, nega-se provimento ao recurso.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 unidades de
conta. “
2. O recorrente reclamou para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do
artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, pretendendo a revogação da decisão sumária.
Em seu entender, um sistema baseado “nos princípios constitucionais do acesso à
justiça e à decisão justa” exige o duplo grau de jurisdição para assegurar a
possibilidade de defesa contra multas arbitrárias aplicadas pelos tribunais.
Aceitando-se a irrecorribilidade em função da sucumbência, é permitido aos
juízes graduar as multas sistematicamente abaixo de metade do valor da alçada,
justamente para impedirem a dupla apreciação judicial nestes casos. Uma
interpretação do n.º 1 do artigo 678.º do Código de Processo Civil que permita
que arbitrariedades vulgares se possam instalar sem debate atinge o princípio da
proporcionalidade consagrado pelo n.º 3 do artigo 18.º da Constituição.
Notificado para o efeito, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de que a
reclamação é “manifestamente infundada”.
3. A argumentação do recorrente não abala os fundamentos a que a
decisão sumária se amparou que são, por remissão, os do acórdão n.º 680/2004,
que recaiu sobre uma situação idêntica à apreciada nesse processo, também
protagonizada pelo ora recorrente, aliás à semelhança de vários outros que tem
recebido do Tribunal decisão semelhante. Os argumentos do recorrente já aí foram
ponderados.
As razões que o recorrente aduz – essencialmente, serem decisões
deste tipo mais permeáveis ao risco (ou à suspeita) de arbitrariedade – pode ser
um argumento mais para uma interpretação do direito infraconstitucional diversa
daquela que foi acolhida ou para qualificar a sujeição do recurso neste domínio
à regra da alçada ou da sucumbência como “mau direito”, mas não viola as
disposições conjugadas dos artigos 20.º, n.º 1 e 18.º, n.º 3 da Constituição.
Como se salientou no acórdão n.º 232/05, estando em causa uma multa imposta por
não acatamento de um despacho de mero expediente, não encontra o Tribunal
Constitucional razão para entender, até por confronto com as decisões de mérito
irrecorríveis pelo mesmo motivo, que o direito fundamental de acesso à justiça
exija a garantia de um duplo grau de jurisdição.
Confirma-se, assim, a decisão reclamada, pelas razões em que a mesma, por
remissão para o acórdão n.º 680/2004, assentou.
4. Nestes termos, indefere-se a reclamação, confirmando-se a decisão de não
provimento do recurso, por ser manifestamente infundado.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 ucs.
Lisboa, 14 de Junho de 2005
Vítor Gomes
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Artur Maurício