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Processo n.º 221/07
1ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
1. Por decisão sumária proferida a fls. 397 do processo, entendeu o
relator não conhecer do presente recurso, interposto ao abrigo da alínea b) do
n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro (LTC) por A., LDA, a
impugnar o acórdão proferido em 12 de Outubro de 2006 no Supremo Tribunal de
Justiça. A decisão tem o seguinte fundamento:
[...] Com efeito, a recorrente pretende incluir no objecto do recurso
directamente a decisão recorrida, na tarefa de aplicação concreta do direito, em
lugar de definir a norma geral e abstracta que, aplicada na decisão recorrida
como sua ratio decidendi, padeceria de desconformidade constitucional. Para além
disso, não foi suscitada perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida
qualquer questão de inconstitucionalidade normativa de que coubesse conhecer –
artigo 72º n.º 2 da LTC.
Assim, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da LTC, decide-se não
conhecer do recurso.[...]
2. Contra esta decisão reclama A., LDA, nos seguintes termos:
I
1. Baseia-se a decisão de V.Exa em dois considerandos:
– pretender a recorrente «incluir no objecto do recurso directamente a decisão
recorrida, na tarefa de aplicação concreta do direito, em lugar de definir norma
geral e abstracta que, aplicada na decisão recorrida como sua ratio decidendi,
padeceria de desconformidade constitucional»; e
– «não [ter sido] suscitada perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida
qualquer questão de inconstitucionalidade normativa de que coubesse conhecer».
2. Salvo o devido respeito, crê convictamente a recorrente que não é
assim — e que uma reanálise do teor das alegações por si produzidas por último
(neste tão longo e penoso processo que se viu forçada a pleitear), quer para o
Tribunal da Relação de Lisboa, quer para o Supremo Tribunal de Justiça, assim
como do acórdão sob recurso e do proferido por aquele outro Tribunal, bem o
permitirão mostrar. É essa reanálise, pois, que a recorrente vem solicitar a
V.EXª e à Conferência.
II
3. Começando pelo segundo dos mencionados considerandos, quer a
reclamante sublinhar, antes de mais, que está bem consciente da clara exigência
que a lei faz, como pressuposto específico do recurso para o Tribunal
Constitucional previsto na alínea b) do nº 1 da respectiva Lei (como é o caso do
presente recurso) — e exigência cujo cumprimento esse Venerando Tribunal
rigorosamente escrutina —, de que a inconstitucionalidade de uma norma há-de ter
sido invocada de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a
decisão recorrida, em termos de este ser obrigado a dela conhecer (artigo 72º,
nº 3).
Mas foi justamente isso o que, no caso, a recorrente fez.
4. Com efeito, no nº 5 da sua alegação para o Supremo Tribunal de
Justiça, e, portanto, no momento processual adequado, não deixou a ora
reclamante — apesar de estar colocada então na situação de recorrida e de,
portanto, não lhe ser exigível que figurasse todos os possíveis argumentos
contra uma decisão que lhe fora favorável, para os antecipadamente os
contrabater — apesar disso, não deixou a ora reclamante de acautelar que, a
decidir o Supremo Tribunal de Justiça de modo diverso do que fizera o Tribunal
da Relação de Lisboa, então (e transcreve-se)
sempre estaríamos perante a inconstitucionalidade invocada na Conclusão XXIII
das referidas alegações da ora Recorrida, que aqui se dá por reproduzida.
As alegações referidas no passo transcrito eram as apresentadas pela ora
reclamante ao Tribunal da Relação de Lisboa, em cuja Conclusão XXIII se lê
efectivamente, e por sua vez, o seguinte:
E interpretar o nº 1 do artigo 45º do Código de Processo Civil como pretendem o
digno Agente do Mº. Pº. e o Mº. Juiz “a quo” no sentido de que o título
executivo ter de ser cumprido à risca, sem possibilidade de recurso ao seu
espírito, e assim ser válida a cláusula 4º, parágrafo 1º, do contrato (só por
decisão unilateral do credor a taxa de juro remuneratória podia ser alterada) é
nitidamente INCONSTITUCIONAL, por ofensa àqueles aludidos preceitos da Lei
Fundamental, DESIGNADAMENTE QUANDO AS TAXAS BAIXASSEM.
5. Ora, é certamente incontroverso que se está aqui — nesta Conclusão da
alegação para o Tribunal da Relação — perante a invocação de uma
inconstitucionalidade normativa, já que a mesma se reporta inquestionavelmente a
uma norma — que se situa no art. 45º, nº 1, do Cód. Proc. Civil — numa dada
interpretação, interpretação que se enuncia e explicita. E não deixam, além
disso, de referir-se os fundamentos de tal inconstitucionalidade, ao remeter-se
para os preceitos constitucionais citados na Conclusão imediatamente anterior da
alegação, preceitos dos quais se retira a proibição do «abuso do direito» por
parte também do Estado.
Mas, se assim se está perante a invocação de uma inconstitucionalidade normativa
(e mais não será necessário acrescentar para mostrá-lo), então não poderá deixar
de concluir-se que também essa invocação foi feita perante o Supremo Tribunal de
Justiça — ou seja, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida — quando
a ora reclamante a retoma (a essa invocação) no passo supra transcrito da
alegação apresentada ao mesmo Supremo Tribunal, e expressamente a dá como aí
reproduzida.
E é assim, porque seguramente a «remissão» — uma remissão clara e precisa no seu
objecto, como no caso — para o que foi dito numa alegação anteriormente feita
nos autos e deles constante (alegação, por conseguinte, perfeita e facilmente
acessível ao tribunal ad quem) não pode deixar de constituir modo adequado de
suscitar uma certa questão perante esse tribunal, e de colocá-lo,
consequentemente, perante a obrigação de conhecer dela.
6. Eis por que a reclamante não pode deixar de concluir que suscitou de
modo processualmente adequado perante o Supremo Tribunal de Justiça — ou seja,
perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida — a inconstitucionalidade da
norma jurídica referida na Conclusão XXIII da sua contra-alegação para o
Tribunal da Relação de Lisboa, na interpretação aí enunciada e explicitada.
III
7. Passando agora ao primeiro dos considerandos da Decisão Sumária
reclamada, é antes de mais necessário — para sua completa apreciação — recordar
a questão de fundo que neste momento se discute no processo a que respeita o
presente recurso, pois tudo, naturalmente, aí radica: o que a recorrente e ora
reclamante põe em causa, na verdade, é a conformidade constitucional da norma do
ordenamento jurídico que permitiu ao Supremo julgar essa questão num certo
sentido, que lhe foi desfavorável. Pois bem:
8. Essa questão — cujo perfil e cujos termos podem ver-se sintetizados,
por último, no esclarecedor Parecer do Prof. Doutor M. Henrique Mesquita, junto
a fls.... dos autos — consiste em saber como devem ser calculados os juros
relativos à dívida de capital que o Estado, pela Direcção-Geral do Tesouro,
actuando como gestora do «Fundo de Apetrechamento da Indústria da Pesca» (em
liquidação), pretende cobrar da recorrente.
Tal dívida provém de um contrato de mútuo com hipoteca, celebrado entre o dito
Fundo e a «B., Lda», em 1979, cujo montante era destinado a custear as despesas
com as obras de transformação do navio «…».
Entretanto, em 1982, este navio — sobre o qual ficara justamente constituída a
hipoteca para garantia do Fundo mutuante — foi vendido à sociedade «A.», ora
recorrente, donde que, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 50º do Código de
Processo Civil, haja sido contra ela que foi instaurada (em 1990!) e que (ainda)
corre a execução para cobrança da dívida do capital e juros emergente do
mencionado contrato de mútuo (que é exactamente o processo sub judice, no qual
está em causa agora a «liquidação» dos juros, da qual a recorrente oportunamente
reclamou).
9. Ora, quanto aos juros, estabelecera-se na cláusula 4ª do contrato de
mútuo (e restringindo-nos ao que ora aqui interessa) que eles se venceriam à
taxa anual de 21% — «equivalente à taxa de um quarto por cento adicionada à taxa
de juro da Caixa Geral de Depósitos» —, mas acrescentou-se, no § 1º dessa
cláusula, o seguinte.
«A taxa poderá vir a ser alterada de acordo com os limites legais em vigor à
data do ajustamento, por decisão unilateral do credor, bastando para tal uma
simples comunicação escrita à devedora».
E mais se acrescentou depois, no § 2º da mesma cláusula, que «em caso de mora
serão devidos juros à mesma taxa que ao tempo vigorar para o contrato».
Por outro lado, e por força do artigo 7º do Decreto-lei nº 344/78, de 17 de
Novembro, em caso de mora acresceria a sobretaxa de 2%.
Como se sabe, as taxas de juro sofreram, desde 1979 para cá, acentuadas
variações, subindo até ao ano de 1983, e começando, dai em diante, a descer.
Em conformidade com essas variações, o Fundo mutuante foi promovendo, ao abrigo
da cláusula transcrita, sucessivas modificações da taxa de juro do contrato,
quer subindo-a sucessivamente, até Setembro de 1983, em que atingiu o valor de
31,75%, quer passando a descê-la, depois, também sucessivamente, e até 6 de
Março de 1988, em que a taxa foi fixada em 17,25%.
Só que, depois desta última data, e apesar de a taxa de juro ter continuado a
descer — e a descer abissalmente, de tal sorte que a taxa legal de juros, a que
se reporta o artigo 559º do Código Civil, está hoje em 4% (Portaria nº 291/2003,
de 8 de Abril —, apesar disso, não mais o mutuante accionou a cláusula do
contrato relativa à modificação da taxa de juro.
10. E aqui, justamente, radica a divergência central que nos autos vem opondo,
por último, a ora reclamante e o Estado, representado pelo Ministério Público:
— este último, fundado na circunstância de não mais haver sido accionada a
cláusula contratual relativa à alteração dos juros, entende que os mesmos juros
devem calcular-se à referida taxa de 17,5% (acrescida da sobretaxa moratória de
2% e perfazendo, assim, 19,5%), até integral pagamento da dívida;
— a ora reclamante, diversamente, sustenta que, pese essa inércia do mutuante, a
taxa de juro do contrato deve ter-se como automaticamente modificada e reduzida,
à medida que, depois de Março de 1988, foram sendo alteradas e reduzidas as
taxas de juro, e com base nessas sucessivas reduções (que, quanto à taxa legal,
foram de 15% para 10%, pela Portaria nº 1171/95, de 25 de Setembro, depois para
7%, pela Portaria nº 263/99, de 12 de Abril, e, por último, para os já
mencionados 4%, pela também já mencionada Portaria nº 291/2003). Doutro modo,
estar-se-ia perante um negócio usurário, cujo beneficiário seria o próprio
Estado, e negócio contrário ao próprio fim do contrato em causa — já que este,
em vez de se traduzir num instrumento de promoção e auxílio às empresas de
pesca, se volveria assim num obstáculo adicional à actividade destas.
Foi precisamente a questão jurídica traduzida nesta divergência que foi
decidida, como questão principal, pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa,
de 15 de Dezembro de 2005, e, depois, pelo acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça, de 12 de Outubro de 2006, de que agora se está a recorrer.
O Tribunal da Relação — em acórdão que só pode ilustrar os distintos
Desembargadores que o subscreveram, pela cuidada análise que nele é feita da
questão, pelo decidido abandono de qualquer literalismo e pelo apurado sentido
prudencial e de justiça nele revelado — acolheu a tese da ora reclamante, e
determinou o cálculo dos juros pela forma por ela defendida. Diversamente, o
Supremo Tribunal de Justiça — em acórdão que (perdoe-se o desabafo da
recorrente) não pode deixar de surpreender justamente pelo seu literalismo e
pela sua ligeireza — decidiu em contrário, revogando o entendimento da Relação.
E isso, pese mesmo o esclarecido e esclarecedor Parecer jurídico, atrás
referido, do ilustre Prof. Doutor Henrique Mesquita, convergente com o
entendimento da Relação, e posterior à decisão por esta proferida.
11. É assim nesta questão — que, nesta fase, é a «questão principal» posta nos
autos — que se enxerta a questão de constitucionalidade neles suscitada pelo ora
recorrente. Daí que o excurso antecedente — que se procurou limitar tão-só ao
essencial — fosse necessário para exactamente a apreender nos seus contornos.
12. Ora, a inconstitucionalidade que, no contexto descrito, a reclamante
suscitou foi a de uma interpretação das normas legais relativas à eficácia dos
títulos executivos — e, muito concretamente do artigo 45º, nº 1, do Código de
Processo Civil — que impusesse um entendimento absolutamente literal e estrito
dos mesmos títulos executivos, e de tal sorte que, na espécie, e face ao teor do
§ 1º da cláusula 4ª do contrato, impedisse a redução da taxa de juro fora do
caso em que o mutuante tomasse a correspondente iniciativa (ut supra, II).
Note-se, pois, que não foi qualquer eventual inconstitucionalidade da própria
cláusula contratual que se questionou — nem é ela que está em causa agora. De
resto, a reclamante não desconhece a orientação, há muito firmada na
jurisprudência desse Venerando Tribunal, de que uma semelhante questão
extravasaria o seu poder de jurisdição.
O que questionou, e o que está em causa, foi — insiste-se — a
inconstitucionalidade de uma norma (geral e abstracta) do ordenamento jurídico,
sediada em certo preceito legal, numa sua determinada interpretação.
Exactamente, pois, o que, segundo essa mesma jurisprudência, cabe ao Tribunal
Constitucional conhecer.
A única especialidade ou particularidade que pode aqui ocorrer é o facto de tal
norma legal se reportar à eficácia e, consequentemente, também à interpretação
de certos títulos: mas é claro que isso nada retira ao que antes se acabou de
dizer. Seguramente que é passível de exame pelo Tribunal Constitucional a
eventual (e aqui alegada) inconstitucionalidade dos critérios legais, explícita
ou implicitamente estabelecidos, de interpretação de cláusulas contratuais.
O que, relativamente a tais normas ou a tais critérios pode acontecer, é
simplesmente que o entendimento dado à cláusula legal, no caso, denuncie quais
foram esses critérios, qual foi a interpretação dada à norma que os contém
(explícita ou implicitamente) — e que, por aí, denuncie a inconstitucionalidade
dos mesmos critérios ou da mesma interpretação.
Mas, então, a esta função ou a este valor «heurístico» da interpretação da
cláusula, para a dilucidação da questão da inconstitucionalidade normativa, não
pode deixar de reconhecer-se toda a pertinência e toda a relevância.
E é isso o que também sucede no caso.
13. Na verdade — e como atrás se recordou — a ora reclamante começou por
suscitar a inconstitucionalidade da norma legal condicionadora do entendimento
dos títulos executivos em geral e, em particular, da cláusula contratual
relevante na espécie na sua alegação para o Tribunal da Relação de Lisboa.
E fê-lo — como expressamente diz no nº 38 da mesma alegação — por haver
concluído ser a interpretação estrita dessa norma que estava na base das
posições assumidas na 1ª instância, pelo Mº Pº e pelo Mº Juiz, relativamente à
liquidação de juros de que reclamava.
No Tribunal da Relação de Lisboa obteve a reclamante o vencimento da sua tese,
pois que o mesmo Venerando Tribunal não se teve por vinculado — por qualquer
critério legal, nomeadamente pelo artigo 45º, nº 1, do Código de Processo Civil
— a fazer uma interpretação literal da cláusula contratual questionada.. E isso,
não deixando — antes ao contrário — de levar em conta a alegação da recorrente
de que uma solução diversa constituiria «claro abuso do direito» (cfr. nº 11-4
do acórdão, último paragrafo), alegação essa em que ela alicerçara a arguição de
inconstitucionalidade.
O Representante de Mº Pº no Tribunal da Relação recorreu do assim decidido por
este Tribunal.
E — certamente não por acaso — invocou na respectiva alegação (n.º 4) justamente
o art. 45º, n.º1, do Código de Processo Civil, como fundamento da solução, por
que pugnava, da manutenção da taxa de juros de 19,5%, uma vez que nenhuma
alteração dessa taxa fora entretanto comunicada pelo mutuante. Textualmente.
«Assim, não comunicada qualquer alteração quanto à taxa de 19,25%, que era a
vigente aquando da instauração da acção executiva, e em obediência ao 45º- 1 do
C.P.C., esta mesma permanece como válida».
Isto, para depois concluir (nº 6), que «o douto acórdão carece, pois, de
revogação por violação dos referidos preceitos legais» [sublinhou-se] — entre
eles, por seguinte, a disposição citada da lei processual civil — «em conjugação
com a referida cláusula contratual».
Confrontado com este recurso, contra-alegou naturalmente a ora recorrente e
reclamante — e nessa peça processual não deixou de retomar (como acima se viu:
supra, nº II) a questão de constitucionalidade antes suscitada.
E tinha tanto mais de retomá-la — e de retomá-la nos termos em que inicialmente
a havia colocado —, quanto a sua contra-parte (o Mº Pº) também entendia (como
acabou de mostrar-se) que a norma sobre a eficácia e a definição do alcance dos
títulos executivos, sediada no artigo 45º, nº 1, do Código do Processo Civil, e
a respectiva interpretação, era determinante para a decisão:
— o Mº Pº, ao considerar que a decisão de que recorria violara essa norma,
sustentava, pois, que a interpretação que dela implicitamente fizera o Tribunal
da Relação devia ser rejeitada;
— a isto contrapôs a reclamante, de novo, que a adoptar-se outra interpretação
(a dita interpretação literalista e estrita) da mesma norma (com um diferente
reflexo sobre a cláusula contratual), essa outra interpretação seria
inconstitucional.
A dialéctica processual ficou, pois, claramente centrada, neste ponto decisivo,
sobre a interpretação de uma norma legal e a questão da sua conformidade
constitucional.
14. E o facto é que o Supremo Tribunal de Justiça, no seu subsequente acórdão,
de 12 de Outubro de 2006, não equacionou diferentemente o problema jurídico que
tinha diante de si — colocando-o clara e decisivamente também sob a égide do
artigo 45º, nº 1, do Código de Processo Civil.
É isso insofismável, como o mostra a invocação de tal preceito logo no início da
fundamentação decisória do aresto — e o confirma o discurso dessa fundamentação.
De sorte que não pode deixar de concluir-se que, no plano normativo, a ratio
decidendi do acórdão foi esse preceito legal, num seu dado entendimento.
É certo que, a seguir, o colendo Tribunal a quo ressalva que o disposto no
preceito em causa «não significa que a disposição que o integra [o título
executivo] não seja susceptível de interpretação nos termos do art. 236º nº 1 do
C.Civil»
Mas a verdade é que, apesar dessa afirmação, o Supremo não faz qualquer
interpretação mais flexível da cláusula contratual em causa.
A verdade é que o Supremo Tribunal de Justiça se ateve a uma interpretação
estritamente literal daquela cláusula contratual — o que é efectivamente
esclarecedor e iluminador. É que, com isso, o Supremo denotou que, apesar da
citada afirmação, considerou adstrito a adoptar um critério orientador dessa
interpretação em que a «letra» dos títulos é determinante.
E adstrito a isso, naturalmente, a partir e por força do disposto no artigo 45º,
n.º 1, do Código Processo Civil — que é (repete-se) a norma à luz da qual
decorre toda a fundamentação da decisão.
O que significa que, ratio decidendi do acórdão do Supremo foi, não apenas essa
norma processual civil, mas essa norma na interpretação segundo a qual os
títulos executivos têm de ser tomados literalmente — têm de ser «cumpridos à
risca», como, por outras palavras, mas significando exactamente o mesmo, a
reclamante disse ao suscitar a inconstitucionalidade dessa interpretação perante
o Tribunal da Relação, depois retomada perante o Supremo.
E tanto o foi, que, quase a concluir a fundamentação do seu aresto — e como que
o confessando — o Supremo Tribunal de Justiça não deixa justamente de dizer que
«o estipulado no título executivo em apreço deve ser interpretado e valer nos
seus precisos [termos]».
(Note-se que esta última palavra está omissa no acórdão — o que motivou um
pedido de aclaração do mesmo, que não foi atendido. Obrigada a reclamante,
assim, a suprir, ela própria, a ininteligibilidade de que, de outro modo, a
frase transcrita padeceria, não vê caiba fazê-lo senão nos termos em que a
completou).
15. Pois bem:
É a questão da validade constitucional — oportuna, reiterada e adequadamente
suscitada no processo — da interpretação da «norma geral e abstracta» do artigo
45º, nº 1, do Código de Processo Civil, assim feita (assim, ainda que só
implicitamente, insofismavelmente feita) na decisão recorrida, que a reclamante
pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional.
Com a devia vénia e respeito — e ao contrário do que se considerou na Decisão
Sumária reclamada — não quer, pois, «incluir no objecto do recurso directamente
a decisão recorrida, na tarefa de aplicação concreta do direito» (sublinhado
agora). O que inclui nesse objecto é tão-só a inconstitucionalidade da
interpretação da norma legal que foi ratio decidendi do aresto sob recurso. E o
que acontece — mas igualmente tão-só isso — é que a aplicação concretamente
feita dessa norma no caso revela de que interpretação se trata.
IV
Uma última nota:
16. Nas suas alegações, tanto para Tribunal da Relação do Porto como para o
Supremo Tribunal de Justiça, a questão de inconstitucionalidade suscitada pela
reclamante cingiu-se ao artigo 45º, n.º1, do Código de Processo Civil.
Continua ela a pensar — atento tudo quanto acabou de referir — que é essa a
questão de constitucionalidade que é relevante e que importa apreciar.
Não obstante, no requerimento de interposição do recurso para esse Venerando
Tribunal, não deixou a reclamante de alargar essa questão a uma interpretação do
artigo 6º do Decreto-Lei nº 344/78, de 17 de Novembro, no mesmo sentido em que
foi interpretada aquele preceito processual civil — ou seja, impondo, também
ela, um entendimento estrito e literal (como diz a reclamante: «o cumprimento à
risca») de convenções ou cláusulas contratuais.
Isto, aceitando que também uma interpretação em tais termos dessa norma haja
sido feita pelo Supremo, complementar ou adjuvantemente, no seu acórdão.
17. Continuando a admitir que — pese a ratio decidendi determinante do citado
artigo 45º, nº 1 — essa outra norma haja sido também directamente tida em conta
na decisão recorrida, a verdade é que o Supremo Tribunal de Justiça terá feito
dela, então, uma interpretação absolutamente insólita e inesperada para a
recorrente, nomeadamente à luz do entendimento que dela tivera o Tribunal da
Relação.
De facto, no artigo 6º do Decreto-Lei nº 344/78, veio dizer-se que «Quando no
decurso do prazo da convenção ocorra alteração legal da taxa de juro,
aplicar-se-á a nova taxa a partir da próxima contagem de juros, excepto quando
as partes hajam convencionado diversamente por escrito» (sublinhou-se agora,
evidentemente).
Ora, o Tribunal da Relação interpretou o inciso destacado como excluindo apenas
da obrigação de alterar os juros «os casos de acordo de vontades entre mutuante
e mutuário sobre a imodificabilidade da taxa de juros» (fls...). E é de facto a
única interpretação racional e razoável do preceito. Não faz nenhum sentido (e
muito menos no contexto que é o do respectivo diploma) que exclua também dessa
obrigação casos, como o da espécie, em que a cláusula contratual já prevê
justamente a alteração da taxa de juro por iniciativa e comunicação do credor.
Esta seria uma interpretação do preceito tomando em conta apenas — e mal — a sua
letra.
Só que, havendo a Relação ido buscar essa norma para a sua argumentação, tendo a
sua decisão sido favorável à ora reclamante, e ficando esta colocada na posição
de «recorrida», no recurso interposto pelo Mº Pº para o Supremo Tribunal de
Justiça, não lhe era razoavelmente exigível que antecipasse, não propriamente um
qualquer outro entendimento da norma ora em causa, mas um seu entendimento
perfeitamente implausível.
Exigível era que continuasse a acautelar e a questionar — como fez (e bem, pois
que essa foi a norma determinante para o Supremo) — a eventualidade de uma
interpretação do artigo 45º, nº 1, da lei de processo civil que «bloqueasse»,
não apenas o entendimento flexível da cláusula contratual, mas também o
entendimento racional dessa outra norma legal.
Ou seja: na medida em que deva também considerar-se relevante para a decisão do
Supremo a norma do artigo 6º do Decreto-Lei nº 344/77 — insiste-se: sem prejuízo
da relevância do artigo 45º, nº1, do Código de Processo Civil, mas ainda mesmo
que a prejudicasse — então, em face do que precede, e à luz de bem sedimentada
jurisprudência desse Venerando Tribunal, há-de considerar-se tempestivamente
suscitada pela recorrente, ainda que só no próprio requerimento de recurso sub
judicio, a questão da inconstitucionalidade dessa outra norma, na interpretação
que dela fez o Supremo Tribunal de Justiça.
À reclamante não era exigível, neste ponto, nenhuma diversa estratégia
processual: a que adoptou era a adequada.
18. De resto — e por último — a questão de inconstitucionalidade normativa
suscitada pela reclamante é essencialmente a mesma: é a inconstitucionalidade de
uma norma — ou da sua interpretação — que obsta a um entendimento, para além da
sua letra, de certos títulos ou das cláusulas deles constantes, mesmo quando daí
decorra uma situação de «abuso de direito». Qualquer que seja o preceito legal
onde essa norma se situe, trata-se sempre da mesma questão.
Ora, como esse Venerando Tribunal já decidiu — v., nomeadamente, o Acórdão nº
255/98 e, também, o Acórdão nº 239/02 (ambos em www.tribunalconstitucional.pt) —
importante e decisivo, ao menos em determinadas situações, é a norma e a questão
de inconstitucionalidade a ela respeitante, identificadas pelos recorrentes, e
não o preceito em que, em último termo, o tribunal a quo a tenha situado.
A presente situação — dado o perfil com que se apresenta — é certamente uma
dessas.
Assim, também por aqui, e em qualquer caso, se há-de ter como atempadamente
suscitada, mesmo com referência ao artigo 6º do Decreto-Lei nº 344/77, a questão
de inconstitucionalidade que a reclamante pretende ver examinada pelo Tribunal
Constitucional.
V
Em conclusão:
— porque o presente recurso tem por objecto, não a pura «decisão judicial», mas
a questão da inconstitucionalidade de uma norma jurídica por ela aplicada,
recte, da inconstitucionalidade dessa norma numa certa interpretação,
— e porque essa questão de inconstitucionalidade normativa foi adequadamente e
atempadamente suscitada no processo,
deve a presente reclamação ser julgada procedente e, em consequência,
substituída a decisão reclamada por acórdão que ordene o prosseguimento do
recurso.
O representante do Ministério Público neste Tribunal sustenta, em resposta, que
a reclamação é manifestamente improcedente.
3. Cumpre decidir.
O acórdão recorrido diz:
[...] I
Na execução ordinária para pagamento de quantia certa que o Fundo de Renovação e
de Apetrechamento da Indústria de Pesca moveu contra A. Lda., foi determinado
que se procedesse à liquidação da quantia exequenda, para tanto fazendo o
cálculo dos respectivos juros. Ordenou-se que a taxa para efeitos dessa
liquidação seria aquela constante do próprio título executivo
Recorreu a executada, tendo o Tribunal da Relação dado provimento ao agravo,
determinando que fosse proferido despacho que ordenasse a liquidação, tendo em
conta as taxas de juro aplicáveis, de acordo com as modificações legais
entretanto ocorridas em matéria de juros do tipo daqueles em causa.
Recorre agora o Mº Pº, o qual, nas suas alegações de recurso, apresenta as
seguintes conclusões:
1 A cláusula 4ª e seus §§, do contrato de mútuo, prevê a mera possibilidade de
alteração da taxa contratualizada (...poderá...).
2 Do que, à luz do artº 6º do DL 344/78 de 17.11, se infere a possibilidade de o
credor não alterar a taxa contratual em caso de alteração da taxa legal.
3 E, decorrentemente a sua imodificabilidade em caso de não comunicação escrita.
4 Assim, não comunicada qualquer alteração quanto à taxa de 19,25%, que era a
vigente aquando da instauração da acção executiva e em obediência ao artº 45º nº
1 do CPC, esta mesma permanece como válida.
5 Daí que a Decisão revogada pelo douto Acórdão agora recorrido se afigure não
ter violado qualquer preceito legal.
6 O douto Acórdão carece, pois, de revogação por violação dos referidos
preceitos legais em conjugação com a referida cláusula contratual.
7 Mostrando-se, assim, a liquidação efectuada com a taxa de juro efectivamente
aplicável.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II
Nos termos do artº 713º nº 6 do C. P. Civil, consignam-se os factos dados por
assentes, remetendo para o que consta de fls. 314 a 319.
III
Apreciando
A questão única a decidir é a de saber se a taxa de juros fixada no documento
que serve de título à execução é aquela que deve ser observada na liquidação da
quantia exequenda, ou se não se deverá atender antes às sucessivas modificações
das taxas dos juros legais.
Tendo em conta o que estipula o artº 45º n.º 1 do C. P. Civil quanto à
literalidade do título executivo, dir-se-ia, prima facie, que as taxas a atender
são aquelas ali fixadas.
Isto não significa que a declaração que o integra não seja susceptível de
interpretação nos termos do artº 236º nº 1 do C. Civil.
O Tribunal da Relação entendeu que o § 1º do artº 4º do contrato de mútuo em
causa, ao estipular que “A taxa poderá vir a ser alterada de acordo com os
limites legais em vigor à data do ajustamento, por decisão unilateral do credor,
bastando para tal uma simples comunicação escrita à devedora”, não podia ser
tido como consagrando a imodificabilidade da taxa de juro.
No essencial refere que isso iria contra a finalidade de fomento prosseguida
pelo Fundo.
Invoca ainda que o entendimento contrário estaria em desacordo com o artº 6º do
DL 344/78 que determina: “Quando no decurso do prazo da operação ocorra
alteração legal da taxa de juro, aplicar-se-á a nova taxa a partir da próxima
contagem de juros, excepto quando as partes hajam convencionado diversamente por
escrito”.
Quanto à questão de o Fundo estar a realizar com o empréstimo uma função de
apoio económico às pescas nacionais e não a exercer uma actividade lucrativa, há
a dizer que nas condições económicas concretas em que ocorreu o empréstimo ambas
as partes aceitaram, designadamente a executada, que o mesmo, com as taxas aí
clausuladas servia os interesses desta última, ou seja o desenvolvimento da sua
actividade. É este o momento que releva para considerar a realização pelo Fundo
da sua função de fomento e não aquele em que se põe o problema do não
cumprimento do contrato e da consequente execução do devido, quando já são
despiciendas quaisquer considerações sobre o bom efeito económico da operação de
financiamento realizada.
Por outro lado, não nos parece decisivo o apelo ao disposto no aludido artº 6º
do DL 344/78, dado que este ressalva a convenção em contrário, que no caso
existe.
Assim, o estipulado no título executivo em apreço deve ser interpretado e valer
nos seus precisos.
Nem se diga, como no Parecer junto aos autos, que atender às taxas fixadas no
contrato integraria um negócio usurário.
Esquece-se, salvo o devido respeito, que a usura determina-se face ao momento em
que é celebrado o respectivo negócio. Se este não era abusivo aquando da sua
celebração, não é o facto de os seus valores, posteriormente, poderem ser
considerados como usurários, que o vai penalizar retroactivamente.
Termos em que procede o recurso.
Pelo exposto, acordam em dar provimento ao agravo e revogam o acórdão recorrido,
determinando que a liquidação, da quantia executiva, quanto às taxas de juro, se
faça como determinado em 1ª instância.[...]
É contra esta decisão que a recorrente reage em requerimento assim formulado:
[...] não se conformando com o douto Acórdão de 12/10/2006, que concedeu
provimento ao agravo interposto pelo Estado (ex-Fundo de Renovação e de
Apetrechamento da Indústria de Pesca), pretende dele interpor para o Venerando
Tribunal Constitucional o competente recurso, que sobe imediatamente nos
próprios autos e com efeito suspensivo, nos termos dos artigos 6º., 49º., nº. 3,
69º., 70º., nº. 1,al. b), 75º., 75º-A, nºs. 1 e 2, 76º., nº. 1, e 78º da Lei do
Tribunal Constitucional (Lei nº. 28/82, de 15 de Novembro), porquanto:
1)- O presente recurso, como se viu, é interposto ao abrigo da alínea b) do nº.
1 do Artigo 70º da referida Lei.
2)- A inconstitucionalidade foi suscitada na conclusão XXIII das alegações
proferidas pela ora Recorrente perante o Venerando Tribunal da Relação que
revogou a decisão de 1ª Instância e que veio, por sua vez, a ser revogado pela
decisão ora recorrida: “E interpretar-se o n.º 1 do artigo 45º do Código de
Processo Civil como pretendem o digno Agente do Mº. Pº e o Mº. Juiz “a quo” no
sentido de que o título executivo tem de ser cumprido à risca, sem possibilidade
do recurso ao seu espírito, e assim ser válida a cláusula 4ª parágrafo 1º., do
Contrato (só por decisão unilateral, do credor a taxa do juro remuneratório
podia ser alterada) é nitidamente inconstitucional, por ofensa aos preceitos da
Lei Fundamental citados na Conclusão XXII e aos demais invocados nessa Conclusão
e na XXI, designadamente quando as taxas baixassem.
3)- Tal invocação de inconstitucionalidade voltou a ser repetida no nº. 5 da
resposta da ora Recorrente às doutas alegações do Digníssimo Mº. Pº no recurso
interposto por este para o Venerando Supremo Tribunal de Justiça que deu lugar à
decisão ora recorrida. – invocação que não tinha, aliás, que ser feita, pois a
ora Recorrente era ali simples recorrida, pelo que não era de prever tal
interpretação, mormente a tão radicalmente feita do artigo 6º do D.L. nº.
344/78, de 17 de Novembro, de que a referida cláusula 4ª., parágrafo 1º, do
contrato, é a concretização – (“Quando no decurso do prazo da operação ocorra
alteração legal da taxa de juros, aplicar-se-á a nova taxa a partir da nova
contagem de juros, excepto quando as partes hajam convencionado diversamente por
escrito”). Portanto,
4)- Tal como se invocou quanto ao nº. 1 do Artigo 45º do C.P.C. o mesmo se dirá
em relação ao Artigo 6º do D.L. nº. 344/78 quando interpretada naquele mesmo
sentido, como se fez no douto Acórdão recorrido, isto é, que a convenção em
contrário é absoluta e tem que ser cumprida à risca, mesmo que estejamos perante
abuso de direito ou enriquecimento sem causa, ou negócio usurário, nos termos
dos Artigos 334º., 1.146º., 282º., 283º., e 284º., do Código Civil e 226º do
Código Penal – interpretações, estas e aquelas, violadoras dos invocados
preceitos da Constituição da República, tais como os princípios da igualdade dos
cidadãos entre si e com o Estado, e o da proporcionalidade dos direitos e das
obrigações.
4. Neste requerimento de interposição de recurso a recorrente
circunscreve a 'questão de constitucionalidade' que quer ver apreciada no
Tribunal Constitucional ao n.º 1 do artigo 45º do Código de Processo Civil e ao
artigo 6º do Decreto-Lei n.º 344/78 de 17 de Novembro, ambos interpretados num
único sentido: o de que 'a convenção em contrário é absoluta e tem que ser
cumprida à risca, mesmo que estejamos perante abuso de direito, ou
enriquecimento sem causa, ou negócio usurário, nos termos dos artigos 334º,
1146º, 282º, 283º e 284º do Código Civil e 226º do Código Penal'.
Ora, colocada assim a questão, é patente que ela se reconduz directamente à
decisão recorrida, pois implica não só uma análise crítica do processo lógico de
aplicação concreta do direito aos factos, mas também a tarefa de apurar da
verificação, no caso em análise, 'do abuso de direito, ou enriquecimento sem
causa, ou negócio usurário, nos termos dos artigos 334º, 1146º, 282º, 283º e
284º do Código Civil e 226º do Código Penal', como alega a recorrente.
Além disso, a questão que é colocada ao Tribunal Constitucional só tem sentido
se o Tribunal puder determinar que, ao contrário do que decidiu o Supremo
Tribunal de Justiça, ocorre abuso de direito, ou enriquecimento sem causa, ou
negócio usurário, nos termos das citadas disposições legais.
Impor-se-ia, por isso, ao Tribunal verificar se o Supremo Tribunal de Justiça
decidira bem ao julgar que, no caso, era irrelevante o disposto no artigo 6º do
Decreto-Lei n.º 344/78 de 17 de Novembro, ou que se não estava perante um
negócio usurário.
Ora, é justamente esta a actividade que ao Tribunal Constitucional é vedado
exercer no âmbito do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da
LTC.
Acresce que para determinar a natureza normativa da questão que é colocada no
recurso não basta a referência feita pela recorrente a determinados preceitos de
lei, quando essa menção, ainda que sirva para identificar as disposições legais
que fundamentam a concreta solução jurisdicional perfilhada, é insuficiente ou
desadequada para retirar a determinação jurídica que se pretende que constitua o
objecto do recurso.
Aliás, o carácter não normativo da questão submetida a julgamento neste recurso
sobressai com plena evidência da identidade da 'norma' que é simultaneamente
retirada de dois preceitos distintos, quando se compara essa determinação
jurídica com o teor dos invocados n.º 1 do artigo 45º do Código de Processo
Civil e artigo 6º do Decreto-Lei n.º 344/78 de 17 de Novembro (diploma que
estabelece os critérios de classificação de prazos de vencimento de créditos
bancários).
O primeiro preceito diz: 'Toda a execução tem por base um título, pelo qual se
determinam o fim e os limites da acção executiva.'
O dito artigo 6º é do seguinte teor: 'Quando no decurso do prazo da operação
ocorra alteração legal da taxa de juro, aplicar-se-á a nova taxa a partir da
próxima contagem de juros, excepto quando as partes hajam convencionado
diversamente por escrito.'
Ora, afirmar que se pretende simultaneamente impugnar estas duas distintas
normas, aplicadas com o mesmo e único sentido 'de que o título executivo tem de
ser cumprido à risca, sem possibilidade do recurso ao seu espírito, e assim ser
válida a cláusula 4ª parágrafo 1.º do Contrato', é pretender contornar a
dificuldade criada pela exigência legal quanto ao carácter normativo do recurso;
com efeito, ao isolar uma determinação jurídica que não se reporta já ao valor
dogmático das normas em referência, mas a uma consequência que alegadamente
delas se extraiu, o que se está a impugnar é a solução do caso concreto.
5. Quer isto dizer, em suma, duas coisas: a primeira, é que o objecto
do recurso é constituído pela decisão recorrida e não por uma norma supostamente
nela aplicada; a segunda, é que a forma como a questão foi colocada ao Tribunal
recorrido não permite dar por verificado o requisito da prévia suscitação
adequada da questão, constante do n.º 2 do artigo 72º da LTC, pois a
recorrente não colocou ao Supremo Tribunal de Justiça um problema relacionado
com uma norma inconstitucional, mas, tal como agora, um problema que radica numa
solução jurisdicional alegadamente desconforme com a Constituição.
Improcede, nestes termos, a reclamação.
6. Em consequência, decide-se indeferir a reclamação, confirmando a
decisão sumária de não conhecimento do recurso.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 30 de Março de 2007
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos