Imprimir acórdão
Processo n.º 982/04
2.ª Secção Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. A. e B. vêm reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro
(LTC), da decisão sumária do relator, de 13 de Dezembro de 2004, que decidira, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 do mesmo preceito, não conhecer do objecto do presente recurso.
1.1. A decisão sumária reclamada é do seguinte teor:
“1. A. e B. interpuseram recurso de agravo do despacho de 14 de Fevereiro de 2001 do juiz do Tribunal Judicial de Vieira do Minho, que indeferira arguição de irregularidade processual alegadamente ocorrida na conferência de interessados em processo de inventário, e recurso de apelação da sentença de 4 de Outubro de 2002, que homologou a partilha.
Por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 9 de Julho de
2003, foi negado provimento ao agravo e confirmada a sentença apelada.
Contra este acórdão interpuseram os mesmos interessados «recurso de agravo/revista», que foi admitido, pelo Desembargador Relator, como recurso de revista.
No Supremo Tribunal de Justiça (STJ), o Conselheiro Relator, entendendo «que o recurso interposto pelos requerentes do inventário não é admissível», determinou, em 9 de Março de 2004, a notificação dos interessados para, no prazo de dez dias, se pronunciarem, querendo, nos termos do artigo
704.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC).
Em resposta, os recorrentes remeteram, em 22 de Março de 2004, requerimento a solicitar a rectificação de eventual lapso contido nesse despacho por omitir os fundamentos pelos quais se considerava que o recurso não era admissível, e, se assim se não entendesse, a arguir a nulidade do mesmo despacho por falta de fundamentação.
Em 15 de Abril de 2004, o Conselheiro Relator do STJ proferiu despacho a indeferir a referida nulidade e a julgar inadmissível o recurso interposto, com a seguinte fundamentação:
«Em boa verdade, o requerimento apresentado pelos recorrentes é perfeitamente anómalo, quiçá traduzindo uma antiquada leitura do preceituado no artigo 704.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (cujo conteúdo, com evidente intenção simplificadora, foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro).
Com efeito, o despacho a que nessa norma se alude, que antes da Reforma de 1995 estabelecia dever o relator, se entendesse não poder conhecer-se do recurso, fazer a exposição escrita do seu parecer, passou, na actual redacção, a revestir a natureza de mero despacho de expediente tão-só destinado a garantir o contraditório e a evitar a confrontação das partes com uma decisão surpresa.
Ora, é óbvio que, como despacho de expediente, não carecia o referido despacho de qualquer fundamentação que não fosse a simples referência à norma ao abrigo da qual foi proferido.
É, por isso, manifestamente desajustada qualquer arguição de nulidade por falta de fundamentação.
Quanto ao recurso propriamente dito, impõe-se, antes de mais, esclarecer que o despacho que o admitiu não vincula o tribunal superior (artigo
687.º, n.º 4, do Código de Processo Civil).
Continuando, o fundamento específico da revista – recurso que cabe do acórdão da Relação que decida do mérito da causa – é a violação da lei substantiva, que pode consistir tanto no erro de interpretação ou de aplicação, como no erro de determinação da norma aplicável; acessoriamente, pode alegar-se, porém, alguma das nulidades previstas nos artigos 688.º e 716.º (artigo 721.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
E, sendo o recurso de revista o próprio, pode o recorrente alegar, além da violação da lei substantiva, a violação da lei de processo, quando desta for admissível o recurso, nos termos do artigo 754.º, n.º 2, de modo a interpor do mesmo acórdão um só recurso (artigo 722.º, n.º 1, do citado Código).
Quer isto dizer que só a preterição do direito substantivo fundamenta o recurso de revista.
Ora, no acórdão recorrido não se conheceu do mérito da causa, nem nele se apreciou a eventual violação de normas de direito substantivo. Apenas foi sindicada a aplicação de preceitos adjectivos, de normas processuais. Como, aliás, no próprio recurso unicamente se pretende a análise de normas daquela natureza (como das alegações se infere – mesmo sem a formulação de conclusões – os recorrentes, ademais da arguição de nulidade do acórdão recorrido, apenas lhe imputam a violação dos artigos 690.º, n.º 4, 1353.º, n.º 5, 1362.º, n.ºs 1 e
3, e 1373.º, n.° 3, do Código de Processo Civil).
Consequentemente, e de acordo com o disposto no artigo 754.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a ser admissível recurso do acórdão impugnado, o recurso teria que ser de agravo de 2.ª instância.
Todavia, segundo preceitua o n.º 2 do mencionado artigo 754.º, ‘não
é admitido recurso do acórdão da Relação que confirme, ainda que por diverso fundamento, sem voto de vencido, a decisão proferida na primeira instância, salvo se o acórdão estiver em oposição com outro, proferido no domínio da mesma legislação pelo Supremo Tribunal de Justiça ou por qualquer Relação e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 732.°-A e 732.º-B, jurisprudência com ele conforme’.
Deste modo, e porque a decisão concretamente impugnada pela recorrente – que desatendeu a arguição de nulidade das licitações – se não enquadra em qualquer dos preceitos do artigo 678.º, n.ºs 2 e 3, ou do artigo
734.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, e foi confirmada pela Relação por unanimidade, não é admissível o recurso (de agravo) interposto.
Sem embargo, e ainda que se pudesse sustentar que o recurso é de revista, mesmo assim não seria o mesmo admissível.
Na verdade, os recorrentes impugnam o acórdão em crise com exclusivo fundamento na violação de normas de processo. Donde, mesmo nessa situação, a lei de processo não poderia ser invocada autonomamente já que, como vimos, o recurso de agravo não seria admissível, atento o estabelecido no artigo 754.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (cfr. artigo 722.º, n.º 1). Situação que sempre conduziria a que se não pudesse conhecer do recurso interposto.
Pelo exposto, decido considerar não admissível o recurso interposto pelos recorrentes A. e B. e, em consequência, nos termos do artigo 700.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil, julgo extinta a instância pelo seu não conhecimento.»
Notificados deste despacho, os recorrentes remeteram, em 29 de Abril de 2004, ao Conselheiro Relator do STJ o seguinte requerimento:
«1. Conforme se alcança a fls. ... dos autos, os recorrentes, em 23 de Setembro de 2003, interpuseram recurso de ‘Agravo/Revista para o Supremo Tribunal de Justiça, com subida imediata, nos próprios autos, com efeito suspensivo’, do douto acórdão da Relação de Guimarães, de 9 de Julho de 2003.
2. Esse recurso veio a ser admitido – na Relação de Guimarães – como de Revista.
3. Agora chegados os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, no douto despacho em referência pondera-se que: ‘(...) a ser admissível recurso do acórdão impugnado, o recurso teria que ser de Agravo de 2.ª instância’, que não de Revista.
4. Daí que, nos termos do preceituado no artigo 702.°, n.º 1, do CPC, sempre deverão os termos subsequentes do recurso processar-se conforme a espécie que venha a ser julgada adequada – in casu o Agravo de 2.ª instância.
5. De contrário, a ser denegado nestas circunstâncias o direito ao recurso dos recorrentes tal configuraria uma inconstitucionalidade por violação do princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva consagrada no artigo 20.° da Constituição, que aqui se invoca.
Pelo que precede, deverá o recurso ser admitido e dado cumprimento ao preceituado no artigo 702.° do CPC, seguindo-se os ulteriores termos do Agravo de 2.ª instância.»
Sobre este requerimento recaiu o seguinte despacho do Conselheiro Relator do STJ, de 17 de Junho de 2004:
«O requerimento apresentado pelos recorrentes é claramente improcedente, além de anómalo, já que não constitui forma de impugnação de despachos conhecida em juízo.
Por isso, e por força do princípio da economia processual, prescinde-se de acerca dele ouvir a contraparte.
Julgada extinta a instância do recurso pelo seu não conhecimento, este não pode prosseguir, nem como recurso de revista, tal como fora recebido na Relação de Guimarães, nem como de agravo, espécie na qual se enquadraria.
Não vejo, aliás, qualquer ofensa ao princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional, afirmação que os recorrentes fazem, a meu ver, a preparar fundamento – que nunca terão – para justificar a intervenção do Tribunal Constitucional.
Em consequência, indefiro o requerimento de fls. 311 e 312, condenando os recorrentes nas custas do incidente que provocaram, e fixando a taxa de justiça em 6 UCs.»
Notificados deste despacho, vieram então os recorrentes deduzir reclamação para a conferência, com os seguintes fundamentos:
«1. Notificados os recorrentes, ora reclamantes, do douto despacho de 9 de Março de 2004, para se pronunciarem nos termos do artigo 704.º, n.º l, do CPC, os recorrentes fizeram-no através do requerimento de fls. ..., cujo teor aqui se dá por transcrito, tendo então requerido a rectificação desse douto despacho quanto à ausência de fundamentação, a fim de os recorrentes se poderem pronunciar nos termos do artigo 704.°, n.º l, do CPC – e ainda arguido a nulidade do mesmo.
2. Seguidamente foram os recorrentes notificados do douto despacho de 15 de Abril de 2004, de fls. ..., que, não se havendo pronunciado acerca da arguição de nulidade, desenvolve a fundamentação da posição anunciada no douto despacho de 9 de Março de 2004.
3. Com a notificação desse douto despacho de 15 de Abril de 2004, então sim, vieram os recorrentes pronunciar-se – nos termos do artigo 704.°, n.º 1, do CPC – através do seu requerimento de fls. ..., que aqui nesta sede se dá por integralmente reproduzido.
4. Notificados agora do douto despacho de 17 de Junho de 2004, de fls. 315, os recorrentes/reclamantes, ressalvado o devido respeito, manifestam o seu espanto quando aí se afirma que ‘o requerimento apresentado pelos recorrentes é claramente improcedente, além de anómalo, já que não constitui forma de impugnação de despachos conhecida em juízo’.
5. Ora, como se referiu, os recorrentes/reclamantes exerceram o contraditório apenas quando o puderam fazer, isto é, quando lhes foi notificado o douto despacho de 15 de Abril de 2004, que continha a fundamentação requerida pelos recorrentes através do seu primeiro requerimento, de fls. ... dos autos.
6. Assim, claramente se afigura que a instância do recurso não está
(ainda) extinta, pois que o douto despacho de 15 de Abril de 2004 não transitou em julgado.
7. Deverão assim os termos subsequentes do recurso processar-se conforme a espécie que venha a ser julgada adequada – ao abrigo do disposto no artigo 702.º, n.º 1, do CPC – isto é, in casu, o Agravo de 2.ª instância.
8. De contrário, o artigo 704.°, n.º l, do CPC é/seria inconstitucional na interpretação de que para o exercício do contraditório aí previsto as partes não carecem de conhecer previamente a fundamentação, por violação do artigo 205.°, n.º 1, da Constituição e ainda do princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, consagrada no artigo 20.º da Constituição, que aqui se invoca.
Termos em que deverá ser revogado o douto despacho de 17 de Junho de
2004, proferido a fls. 315 dos autos, o qual vem na sequência e se integra nos doutos despachos de 9 de Março de 2004, de fls. 301, e de 15 de Abril de 2004, de fls. ... dos autos, e substituído este último por outro em que se admita o recurso e que,
Deverão os termos subsequentes do recurso processar-se conforme a espécie que venha a ser julgada adequada – ao abrigo do disposto no artigo
702.°, n.º l, do CPC – isto é, in casu, o Agravo de 2.ª instância.
De contrário, o artigo 704.°, n.º 1, do CPC é/seria inconstitucional na interpretação de que para o exercício do contraditório aí previsto as partes não carecem de conhecer previamente a fundamentação, por violação do artigo 205.°, n.º l, da Constituição e ainda do princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, consagrada no artigo 20.° da Constituição, que aqui se invoca.»
Esta reclamação foi indeferida por acórdão de 14 de Outubro de 2004, com a seguinte fundamentação:
«1. Dispunha o artigo 704.°, n.° 1, do Código de Processo Civil, na redacção anterior à Reforma de 1995 (Decreto-Lei n.° 329-A/95, de 12 de Dezembro), que ‘se entender que não pode conhecer do recurso, o relator faz a exposição escrita do seu parecer e mandará ouvir, por cinco dias, cada uma das partes, se estas ainda não tiverem alegado’.
A redacção deste preceito foi modificada: de facto, hoje dele consta que ‘se entender que não pode conhecer-se do objecto do recurso, o relator, antes de proferir decisão, ouvirá cada uma das partes, pelo prazo de 10 dias’.
Assim, actualmente, este artigo 704.º, n.° 1, deixando de exigir a elaboração de parecer por parte do relator, constitui mero despacho de expediente destinado a assegurar a normal tramitação do recurso, designadamente a respeitar o princípio do contraditório consagrado no artigo 3.° do Código de Processo Civil.
Tem por finalidade, pura e simplesmente, dar a conhecer à parte que o recurso poderá não ser conhecido, permitindo-lhe que se pronuncie sobre tal questão antes que a decisão do relator seja proferida.
Consequentemente, não tem o despacho do relator que ser fundamentado (artigos 156.°, n.° 4, do Código de Processo Civil e 205.°, n.°
1, da Constituição), a não ser com a simples referência ao preceito legal em que se baseia, de forma a, como se disse, respeitar o princípio do contraditório.
Não enferma, pois, como já foi decidido pelo próprio relator (fls.
307 verso), de qualquer nulidade por falta de fundamentação.
2. O princípio do contraditório – chamamento dos recorrentes para deduzirem oposição – foi devidamente respeitado na medida em que se ordenou (e fez) a sua notificação, nos termos do artigo 704.°, n.° 1, do Código de Processo Civil, para, em 10 dias, se pronunciarem, querendo.
Aliás, nos 10 dias que lhes foram assinalados, os recorrentes vieram efectivamente pronunciar-se, certo que arguindo apenas a nulidade do despacho que os mandara notificar.
E só em 3 de Maio, já depois de decorrido aquele prazo, que é peremptório, e mesmo já depois de julgada extinta a instância pelo não conhecimento do recurso, vieram sustentar que o recurso não podia ter sido assim decidido, já que, havendo lugar à alteração da espécie respectiva – de revista para agravo – deveria ter sido dado cumprimento ao disposto no artigo 702.° do Código de Processo Civil, ordenando-se que o recurso prosseguisse na espécie de agravo de 2.ª instância.
Notar-se-á, antes de mais, que a mera arguição da nulidade do despacho liminar do relator não impediu que o prazo concedido aos recorrentes para se pronunciarem acerca da admissibilidade do recurso haja continuado a correr (cfr. entre muitos, Acórdão do STJ de 13 de Maio de 2003, no Proc.
1065/03 da 1.ª Secção – Relator: Afonso Correia).
Desta forma, quando os recorrentes, enfim, vieram pronunciar-se, extemporaneamente, já a decisão que declarara extinta a instância do recurso tinha sido proferida e produzira os seus efeitos no âmbito do processo.
Donde, a pretensão dos recorrentes veiculada a fls. 311 era anómala, não tinha já razão de ser, não contendendo, de modo algum, com a decisão que julgara o recurso inadmissível.
3. Acresce que não havia que dar cumprimento ao disposto no artigo
702.° do Código de Processo Civil, na justa medida em que a questão não se situava na alteração da espécie do recurso (de revista para agravo), uma vez que tal alteração, que tem como consequência a rectificação da distribuição e o prosseguimento dos termos do recurso conforme a espécie que venha a ser julgada adequada, pressupõe que, previamente, o recurso seja considerado admissível e que dele se vá tomar conhecimento.
Situação que, evidentemente, não ocorreu in casu.
Na verdade, o que o relator decidiu foi que o recurso – a que corresponderia a espécie de agravo de 2.ª instância – não era admissível e que, portanto, dele não havia que conhecer.
Situou-se, assim, a decisão necessariamente na fase prévia da apreciação da admissibilidade do recurso, pelo que a respectiva espécie apenas foi considerada para concluir pela impossibilidade do seu conhecimento e nada mais.
Em consequência, caem pela base os argumentos em que os reclamantes fundamentam a sua reclamação, que assim há-de ser desatendida, mantendo-se, por adequado(s), o(s) despacho(s) exarado(s) pelo relator.»
Vieram então os recorrentes interpor recurso desse acórdão para o Tribunal Constitucional, sem indicar, no respectivo requerimento, nenhuma das menções exigidas pelo artigo 75.º-A, n.ºs 1 a 4, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC).
O recurso foi admitido pelo Conselheiro Relator do STJ, decisão que, como é sabido, não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3, da LTC).
Neste Tribunal, o relator convidou os recorrentes, ao abrigo do disposto no n.º 6 do artigo 75.º-A da LTC, a procederem às indicações exigidas no n.º 1 e, sendo caso, nos n.ºs 2, 3 e 4, do mesmo artigo, tendo os recorrentes, em resposta, mencionado que o recurso era interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, tendo por objecto a apreciação da inconstitucionalidade, por violação do artigo 205.º, n.º 1, da Constituição e do princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20.º da Constituição, da norma do artigo 704.º, n.º 1, do CPC, «na interpretação de que para o exercício do contraditório aí previsto as partes processuais não carecem de conhecer previamente a fundamentação», questão de inconstitucionalidade que teria sido suscitada no requerimento apresentado em
29 de Abril de 2004 e na reclamação para a conferência.
Entende-se que, assim delineado, o presente recurso é inadmissível, o que possibilita a prolação de decisão sumária de não conhecimento, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.
2. Tratando-se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.
Ora, no presente caso, o acórdão recorrido não fez aplicação, como ratio decidendi, da interpretação do artigo 704.º, n.º 1, do CPC que vem arguida de inconstitucional. É certo que nesse acórdão se começa por recordar que o próprio Conselheiro Relator do STJ já decidira não padecer de nulidade, por falta de fundamentação pretensamente exigida, o despacho, qualificado como
«de expediente», em que convidara os recorrentes a pronunciarem-se sobre a eventual inadmissibilidade do recurso interposto para o STJ. Mas a razão determinante do indeferimento da reclamação para a conferência, nessa parte, radicou antes no entendimento de que a arguição de nulidade daquele primeiro despacho não determinou a suspensão ou interrupção do prazo para os recorrentes se pronunciarem, só o vindo a fazer, extemporaneamente, não só depois de expirado o prazo peremptório que lhes havia sido cominado para o efeito, mas mesmo depois de proferido, em 15 de Abril de 2004, despacho a julgar extinta a instância pelo não conhecimento (por inadmissibilidade) do recurso, despacho este que se entendeu já ter produzido os seus efeitos no âmbito do processo, e, por isso, insusceptível de ser afectado pela apresentação do requerimento anómalo de fls. 311 (expedido pelo correio em 29 de Abril de 2004 e entrado na Secretaria do STJ em 3 de Maio de 2004).
Ora, relativamente às normas e princípios jurídicos que estão na base deste entendimento do acórdão recorrido – sobre cuja correcção, ao nível da interpretação e aplicação do direito ordinário, não cabe ao Tribunal Constitucional pronunciar-se – nenhuma questão de inconstitucionalidade foi suscitada pelos recorrentes.
O outro fundamento do acórdão recorrido respeita ao entendimento de que a norma do artigo 702.º do CPC, cujo incumprimento havia sido alegado pelos recorrentes/reclamantes, era inaplicável ao caso, por ela visar a alteração da espécie do recurso e, no caso, do que se tratava era de uma situação de inadmissibilidade do recurso. Ora, também quanto a este artigo 702.º do CPC nenhuma questão de inconstitucionalidade foi suscitada pelos recorrentes.
Em suma: os recorrentes não suscitaram, durante o processo, a inconstitucionalidade das normas e princípios jurídicos que constituíram a razão determinante da decisão impugnada e esta decisão não fez aplicação, como sua ratio decidendi, da dimensão normativa arguida de inconstitucional pelos recorrentes.
O presente recurso é, assim, inadmissível.”
1.2. A reclamação apresentada pelos recorrentes contra a decisão sumária do relator desenvolve a seguinte argumentação:
“1. A. e B., recorrentes nos autos à margem identificados, notificados da aliás mui douta Decisão Sumária de V. Ex.a, dela vêm reclamar para a conferência, nos termos do n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional, com os seguintes fundamentos:
I) Decidiu-se nessa douta Decisão:
– «(...) não conhecer do objecto do recurso».
Para tanto, considerou-se, em síntese, que:
«os recorrentes não suscitaram, durante o processo, a inconstitucionalidade das normas e princípios jurídicos que constituíram a razão determinante da decisão impugnada e esta decisão não fez aplicação, como sua ratio decidendi, da dimensão normativa arguida de inconstitucional pelos recorrentes».
Mas, salvaguardado o devido respeito por tal entendimento, não se partilha do mesmo, considerando-se antes que se verificam os pressupostos ou requisitos para o conhecimento por esse Alto Tribunal do recurso interposto.
II) Com efeito, ressalvado o devido respeito, afigura-se que a questão de inconstitucionalidade normativa do artigo 702.°, n.º l, do Código de Processo Civil – se bem que de forma indirecta – terá de considerar-se que acabou por ter sido também suscitada previamente perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, quando foi arguida, expressamente, a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 704.°, n.º l, do Código de Processo Civil.
Com efeito, se é certo que a suscitação da inconstitucionalidade normativa do artigo 702.°, n.º l, do Código de Processo Civil não foi feita de forma expressa, não o é menos certo de que tácita e implicitamente outra coisa não resulta da arguida inconstitucionalidade do artigo 704.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, pois que este normativo até pela ordem sistemática está interligado com o art. 702.°, n.º l, e é do cotejo de/entre ambos que o n.° 1 do artigo 704.° do Código de Processo Civil adquire significado e faz pleno sentido.
Desse modo, deverá considerar-se que a prévia suscitação da questão de constitucionalidade foi feita de modo processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida.
Termos em que deve ser atendida esta reclamação e, em consequência, ser decidido conhecer do objecto do recurso (artigo 78.º-A citado).”
1.3. Notificados da apresentação desta reclamação, os recorridos não apresentaram qualquer resposta.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2.1. Como resulta do relato das vicissitudes processuais feito na decisão sumária reclamada, o entendimento do Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça foi o de que, no caso dos presentes autos, o recurso interposto pelos recorrentes para aquele Supremo Tribunal era inadmissível, por, apesar de admitido como de revista, dever ser qualificado, não como revista (por falta do fundamento específico deste recurso – a violação de lei substantiva –, uma vez que o acórdão recorrido não conhecera do mérito da causa), mas como de agravo de 2.ª instância, e este ser, no caso, inadmissível, por força do artigo 754.º, n.º 2, do CPC, acrescentando ainda que, mesmo que fosse de manter a qualificação como revista, sempre o recurso seria inadmissível por se fundar exclusivamente em violação de lei de processo, em hipótese não contemplada no artigo 722.º, n.º 1, do CPC.
Mais se entendeu que a reforma processual civil de
1995/1996 introduziu alteração significativa na tramitação da decisão, pelo tribunal ad quem, de não conhecimento do objecto do recurso. Na redacção anterior a essa reforma, o artigo 704.º dispunha que “se entender que não pode conhecer-se do recurso, o relator faz a exposição escrita do seu parecer e mandará ouvir, por cinco dias, cada uma das partes, se estas ainda não tiverem alegado” (n.º 1), e que “em seguida, vai o processo com vista, por cinco dias, a cada um dos juízes imediatos, decidindo-se depois a questão prévia na primeira sessão” (n.º 2). Na redacção posterior a essa reforma, passou a referir-se que
“se entender que não pode conhecer-se do objecto do recurso, o relator, antes de proferir decisão, ouvirá cada uma das partes, pelo prazo de 10 dias” (n.º 1), tendo o Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça considerado que o despacho que determina esta audição, sendo de mero expediente, não tem de ser fundamentado com a explicitação das razões que apontam para o não conhecimento do objecto do recurso. Na base deste entendimento – sobre cuja correcção no plano da interpretação do direito ordinário não tem o Tribunal Constitucional que se pronunciar – estará a constatação de que, no regime anterior, ao
“parecer” do relator se seguia logo a decisão de não conhecimento, da competência da conferência, pelo que o cabal exercício dos direitos de contraditório e de defesa exigia que esse parecer fosse fundamentado, enquanto no actual regime a “audição” das partes, prevista no artigo 704.º, n.º 1, do CPC, precede uma primeira decisão de não conhecimento, da competência do relator, decisão esta última que, ela sim, terá de ser fundamentada, da mesma cabendo reclamação para a conferência, nos termos gerais do n.º 3 do artigo
700.º do mesmo Código, estando deste modo assegurado, através desta reclamação, o respeito pelo princípio do contraditório e pelo direito de defesa. [Anote-se, lateralmente, que o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 358/98, não julgou inconstitucional a norma do artigo 704.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redacção anterior à reforma de 1995/1996, interpretada em termos de permitir que, quando o recorrente já alegou, o tribunal possa tomar a decisão de não conhecer do recurso, com fundamento na sua inadmissibilidade, sem o ouvir sobre essa questão.]
2.2. O objecto do presente recurso de constitucionalidade – tal como ficou definido na resposta dos recorrentes ao convite nesse sentido formulado pelo relator no Tribunal Constitucional – consiste na questão da constitucionalidade da interpretação que teria sido feita da norma do artigo 704.º, n.º 1, do CPC, no sentido de que “para o exercício do contraditório aí previsto as partes processuais não carecem de conhecer previamente a fundamentação”.
Ora, relativamente à interpretação feita pelo Supremo Tribunal de Justiça da norma do artigo 704.º, n.º 1, do CPC, o que na decisão sumária ora reclamada se salientou foi que a ratio decidendi do acórdão recorrido assentou determinantemente na consideração de que os recorrentes não utilizaram de forma adequada e tempestiva os mecanismos processuais de que dispunham. Entendeu-se no acórdão recorrido, em primeiro lugar, que, notificados do convite do Conselheiro Relator, constante de despacho de 9 de Março de 2004, para se pronunciarem sobre a questão da inadmissibilidade do recurso, o requerimento “anómalo”, remetido em 22 de Março de 2004, de rectificação de eventual lapso e de arguição de nulidade desse despacho, não interrompeu nem suspendeu o prazo para se pronunciarem sobre tal questão. Em segundo lugar, entendeu-se que a expedição, em 29 de Abril de 2004, de requerimento a solicitar o prosseguimento do recurso como agravo não suspendeu nem interrompeu o prazo de reclamação do despacho do Relator, de 15 de Abril de 2004, que julgou o recurso inadmissível e a respectiva instância extinta. Consequentemente, quando, em 5 de Julho de 2004, deu entrada a reclamação para a conferência, já a decisão de extinção do recurso tinha “produzi[do] os seus efeitos no âmbito do processo”, como se consignou no acórdão ora recorrido.
Por isso se entendeu na decisão sumária ora reclamada que o acórdão recorrido não fez aplicação, como ratio decidendi, da interpretação do artigo 704.º, n.º 1, do CPC que os recorrentes reputam inconstitucional, e, por isso, se considerou inadmissível o presente recurso de constitucionalidade.
Esta parte da decisão sumária não é, em rigor, alvo de qualquer crítica dos recorrentes.
2.3. Mas nessa decisão sumária mais se consignou que outro fundamento do acórdão recorrido consistiu no entendimento de que era inaplicável ao caso o regime do artigo 702.º do CPC, contra cujo incumprimento os recorrentes se insurgiam, mas sem suscitarem a seu respeito qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
É a este respeito que, na presente reclamação, os recorrentes vêm sustentar que teriam suscitado de forma indirecta e implícita a inconstitucionalidade da norma do artigo 702.º, n.º 1, ao suscitarem a da norma do artigo 704.º, n.º 1, ambos do CPC, atenta a interligação entre os dois preceitos.
Não lhes assiste, porém, razão.
Os dois preceitos regulam duas situações bem distintas: o artigo 702.º a hipótese de ter havido erro na espécie de recurso (pressupondo obviamente que o mesmo é admissível); o artigo 704.º a hipótese de não se poder conhecer do objecto do recurso (designadamente – mas não exclusivamente – por inadmissibilidade do mesmo). O Supremo Tribunal de Justiça entendeu que não se podia conhecer do objecto do recurso e aplicou, em conformidade, a tramitação prevista no artigo 704.º, rotulando expressamente de inaplicável ao caso a tramitação regulada no artigo 702.º do CPC, por não se tratar de caso de mera alteração da espécie de recurso.
A propósito deste entendimento dado à norma do artigo
702.º do CPC, jamais os recorrentes suscitaram, durante o processo, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer” (n.º 2 do artigo 72.º da LTC) e, aliás, nem sequer identificaram essa norma, no requerimento complementar do de interposição do recurso, como integrando o seu objecto, referindo-se aí exclusivamente à norma do artigo 704.º, n.º 1, do CPC. Ora, é sabido que, delimitado o objecto do recurso no respectivo requerimento de interposição, os recorrentes podem posteriormente restringi-lo, mas nunca alargá-lo a normas nele não mencionadas.
Não pode, assim, merecer acolhimento a pretensão dos reclamantes.
3. Em face do exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 16 de Fevereiro de 2005
Mário José de Araújo Torres Paulo Mota Pinto Rui Manuel Moura Ramos