Imprimir acórdão
Processo n.º 865/2005
Plenário
Relator: Conselheiro Bravo Serra
1. Em 24 de Outubro de 2005 deu entrada na secretaria do
Tribunal de comarca de Gondomar um requerimento apresentado por António Rocha
Rodrigues, que se intitula como mandatário do Partido Socialista para as
eleições dos órgãos das autarquias locais no concelho de Gondomar, requerimento
esse consubstanciando petição de recurso contencioso do “indeferimento de
anterior reclamação, apresentada para apreciação de irregularidade verificada no
apuramento geral dos resultados relativos à Assembleia de Freguesia de Rio
Tinto”.
Nessa petição, em síntese, foi alegado: –
– que em 13 de Outubro de 2004 foi publicado o edital
contendo os resultados eleitorais que resultaram dos trabalhos da assembleia de
apuramento geral, do mesmo constando, quanto à Assembleia de Freguesia de Rio
Tinto, a distribuição de dezanove mandatos;
– porém, em 17 dos mesmos mês e ano, foi afixado novo
edital, embora datado de 13, deste constando, referentemente a tal Assembleia, a
distribuição de vinte e um mandatos;
– que, no entendimento do impugnante, em face do que se
dispõe no artº 5º da Lei nº 169/99, de 18 de Setembro, e atendendo ao número de
eleitores recenseados na dita freguesia – 38.585 –, o número máximo de mandatos
a distribuir deveria ter sido o de dezanove;
– que, assim, foi «irregular» a distribuição dos
mandatos constante do edital afixado em 17 de Outubro de 2005, tendo o
recorrente apresentado reclamação no sequente dia 18, reclamação essa que, na
sua perspectiva, era necessária, sendo que a mesma veio a ser indeferida por
despacho lavrado em 20, também do dito mês de Outubro, pelo Juiz do indicado
Tribunal, despacho esse sobre o qual incide o vertente recurso.
Em 25 de Outubro de 2005 aquele Juiz proferiu despacho,
que assim reza: –
“O recurso contencioso respeitante às questões relacionadas com o
apuramento eleitoral é interposto directamente ‘perante o Tribunal
Constitucional’, como decorre dos arts. 158º e 159º da Lei n.º 1/2001, de 14/08.
Assim, desentranhe-se o expediente de fls. 2186 a 2199 e remeta-o
para o Tribunal Constitucional, enviando, para melhor compreensão, cópia do
presente despacho e da decisão recorrida de fls. 2182 a 2184.
Após, dê conhecimento do presente despacho ao
recorrente.”
Do expediente remetido a este Tribunal, que aqui foi
recebido em 31 de Outubro de 2005, consta o requerimento de interposição de
recurso e vários documentos, de entre eles relevando a cópia do aludido despacho
de 20 de Outubro de 2005, o qual tem o seguinte teor: –
“Reclamação de fls. 2143 a 2149:
Começa-se desde logo por esclarecer que o referido nos arts. 3° a 5°
do requerimento não corresponde à verdade, pois que nunca no edital em causa
constou a atribuição de 19 mandatos.
Apenas, e como se pode constatar do documento impresso junto a fls.
2177, no edital ficou a constar a atribuição de 20 (vinte) mandatos, por
manifesto lapso de não consideração da necessidade de os mandatos atribuídos
serem em número ímpar, como decorre do art. 5°, n° 3, da Lei n° 169/99, de
18/09.
E em face de tal situação o edital foi rectificado, acrescentando-se
no mesmo o mandato que faltava, para que o resultado fosse ímpar, como impõe a
norma acabada de referir.
Efectivamente sempre se entendeu que a interpretação mais
consentânea com o espírito e a letra da lei, do teor da norma contida no n° 2 do
art. 5° da referida Lei n° 169/99, é aquela que entende que o acréscimo de um
membro ocorre a partir da existência de cada 10.000 eleitores para além do
número de 20.000 eleitores, pois que a não ser assim, a diferença de mandatos
apenas ocorreria na prática a partir dos 40.000 eleitores.
Na verdade, segundo o entendimento propugnado pelo reclamante, o
número de membros da assembleia de freguesia seria de 19 desde os 20.001
eleitores até aos 39.999 eleitores, o que significa que só a partir de uma
diferença de cerca de 20.000 eleitores haveria o acréscimo de mais um mandato.
Quer dizer, só a partir de 40.000 eleitores haveria mais um eleitor
relativamente aos 20.000 eleitores.
Ora, referindo-se o normativo em apreço especificamente às
‘freguesias com mais de 30.000 eleitores’, afigura-se-nos que o que se pretendeu
distinguir, em termos de proporcionalidade entre o número de mandatos a
atribuir, foram as freguesias até 30.000 eleitores das freguesias com mais de
30.000 eleitores, ou seja com um número de eleitores a partir de 30.001.
E a ser aquela a interpretação tal distinção não se verifica, pois
só ocorre relativamente às freguesias com um número de eleitores a partir de
40.000.
Aliás, e como diz o próprio reclamante, assim também foi entendido
nas anteriores eleições autárquicas, tendo sido atribuídos 21 mandatos, sem que
tenha havido, ao que parece, qualquer reclamação então do número de mandatos
atribuídos.
Daí que, seguindo o entendimento que entendemos correcto e já
referido e acrescentando aos 19 mandatos um mandato pelos 10.000 eleitores que
na freguesia em causa existem acima do número de 20.000, se chegou ao número de
20 mandatos, tendo tal número passado logo para o edital sem a consideração do
mandato que deveria acrescer para transformar o resultado em ímpar, conforme
supra se esclareceu.
Significa tudo quanto se acabou de expor que desde o início houve o
entendimento de que o número de mandatos na freguesia de Rio Tinto era superior
a 19, ocorrendo já tal hipotética ‘irregularidade’ (segundo a interpretação do
reclamante) aquando da realização da Assembleia de Apuramento Geral e aquando da
elaboração do edital logo no dia 13 de Outubro com a indicação inicial de 20
(vinte) mandatos (como decorre do documento já aludido de fls. 2177).
Ora, nos termos do art. 156°, n° 1, da Lei n° 1/2001, de 14/08, ‘as
irregularidades ocorridas (...) no apuramento (...) geral podem ser apreciadas
em recurso contencioso desde que hajam sido objecto de reclamação ou protesto no
acto em que se verificaram’.
Sendo que os representantes das candidaturas concorrentes podem
assistir aos trabalhos da assembleia de apuramento geral e aí apresentar
reclamações, de acordo com o art. 143° da Lei n° 1/2001.
E, nos termos do art. 102°, n° 1, da Lei Orgânica do Tribunal
Constitucional, é possível recorrer, em sede de contencioso eleitoral, ‘das
decisões sobre reclamações ou protestos relativos a irregularidades ocorridas no
decurso das votações e nos apuramentos parciais ou gerais’ respeitantes a
eleições nomeadamente para órgãos do poder local.
O que significa que em primeira linha é necessário reclamar perante
a própria assembleia de apuramento geral e só depois recorrer contenciosamente
para o Tribunal Constitucional da decisão desta sobre tal reclamação, sendo a
existência de reclamação prévia perante a assembleia ‘condição imperativa’ do
recurso contencioso (cfr. Maria de Fátima Abrantes Mendes e Jorge Miguéis, Lei
Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais anotada, 2005, pág. 146, e Acórdãos
do T.C. aí citados).
Resulta tudo quanto acabou de se expor que a presente reclamação não
foi apresentada no momento próprio, ou seja na assembleia de apuramento geral,
sendo que era esta (e não este Tribunal), enquanto se mantivesse em
funcionamento, quem tinha, ademais, competência para decidir a reclamação em
causa.
Donde, não pode a mesma ser deferida.
E de todo o modo sempre seria de indeferir, mesmo quanto à questão
de fundo, por se entender que a interpretação dada pela assembleia de apuramento
geral é a correcta em face do espírito e da letra da lei.
Pelo que, em face do exposto, indefere-se a reclamação em causa.
Notifique.
Recurso Contencioso de fls. 2158 a 2166:
Simultaneamente com a reclamação acabada de apreciar, foi
apresentado pelo mesmo requerente o presente recurso, interposto directamente do
mesmo facto da atribuição de 21 mandatos na composição da Assembleia de
Freguesia de Rio Tinto.
Como decorre de tudo quanto já se explanou na decisão que antecede e
dos normativos aí citados, não é possível recurso directo da irregularidade que
se invoca para o Tribunal Constitucional sendo sempre necessário em primeiro
lugar apresentar reclamação, pois que o recurso é admissível mas da decisão que
se pronunciar sobre a reclamação.
E no caso concreto, mesmo do ponto de vista invocado pelo recorrente
de ulterioridade da ocorrência da irregularidade (que, todavia, não ocorre de
facto, como se viu supra), sempre aquele teria primeiro de apresentar reclamação
(como efectivamente apresentou) e recorrer em seguida, em caso de a decisão da
reclamação lhe ser desfavorável – pois que nessa situação não pode fazer-se
apelo ao prazo previsto no art. 158° da Lei n° 1/2001, dado que este pressupõe
as situações ocorridas na própria assembleia de apuramento geral, não se
coadunando com uma situação que se assemelhasse à que é invocada pelo
recorrente.
Donde, pelo exposto, não é de admitir o presente recurso, nos moldes
concretos em que o mesmo foi apresentado, ou seja recorrendo-se directamente da
invocada irregularidade.
Não se admite, pois, tal recurso.
Notifique.”
2. Como se extrai da petição de recurso, entende o
impugnante que configura uma «irregularidade» a distribuição, quanto à
Assembleia de Freguesia de Rio Tinto, de vinte e um mandatos, constante do
edital que teria sido afixado em 17 de Outubro de 2005, pretendendo, por isso,
que este Tribunal anule o despacho de 20 de Outubro de 2005, em consequência
determinando a distribuição dos mandatos que constavam do edital primitivamente
afixado.
De acordo com o relato supra efectuado, e admitindo que,
efectivamente, ocorreu uma outra afixação de edital em 17 de Outubro de 2005
(note-se que o despacho sub iudicio não refere a data da afixação desse edital,
que apelida de «rectificado»), que efectuou a distribuição de vinte e um
mandatos (ao invés de, ao que tudo indica – cfr. o despacho impugnado –, vinte,
constantes do «anterior» edital, e não dezanove, como o sustentado pelo
impugnante), a, na óptica do recorrente, «irregularidade» deparada naquela
distribuição teria de ser objecto de recurso para o Tribunal Constitucional no
dia seguinte ao da sua ocorrência, nos termos do artº 158º da lei eleitoral dos
órgãos das autarquias locais aprovada pela Lei Orgânica nº 1/2001, de 14 de
Agosto.
E, mesmo que porventura se entendesse que essa
«irregularidade» teria ainda de ser objecto de reclamação [do que francamente se
duvida, já que nada indica que a afixação do edital (ou da «rectificação»
deste), supostamente ocorrida em 17 de Outubro de 2005, teria decorrido de uma
decisão tomada pela assembleia de apuramento geral ainda em desempenho de
funções], o que é certo é que, de todo o modo, sobre tal reclamação incidiu o
despacho de 20 de Outubro seguinte.
Neste juízo de admissão, e ainda que a notificação
daquele despacho tivesse ocorrido em data tal que levasse a que se se devesse
considerar como termo do prazo a que se reporta o citado artº 158º o dia em que
efectivamente foi presente no Tribunal de comarca de Gondomar a petição de
recurso, o que é indubitável é que tal petição deveria ser apresentada no
Tribunal Constitucional (cfr. o referido artigo), nesse mesmo dia, e até à hora
do encerramento ao público da respectiva secretaria.
O que não sucedeu, pois que, como se viu, o petitório de
recurso deu entrada na secretaria do Tribunal de comarca de Gondomar em 24 de
Outubro de 2005 (data em que igualmente ali teria dado entrada a «reclamação»
deduzida pelo agora recorrente), vindo esse petitório, e tão só por força do
despacho de 25 seguinte, a dar entrada na secretaria do Tribunal Constitucional
em 31 de Outubro.
É, assim extemporâneo o recurso, pelo que do mesmo se
não toma conhecimento.
Lisboa, 2 de Novembro de 2005
Bravo Serra
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Maria Helena Brito
Paulo Mota Pinto
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Maria Fernanda Palma
Mário José de Araújo Torres
Vítor Gomes
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos
Gil Galvão
Artur Maurício