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Processo nº 19/97
1ª Secção Rel. Cons. Monteiro Diniz
(Recurso interposto pelo Ministério Público a fls. 3601 e 3602. Exposição a que se reporta o artigo 78º-A, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional)
1 - No 1º Juízo do Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa, foi o arguido A. julgado como autor de um crime de corrupção passiva para acto ilícito, previsto e punido pelos artigos 4º e 16º, nº 1, da Lei nº 34/87, de 16 de Junho, 1º do Decreto-Lei nº 371/83, de 6 de Outubro, e 420º do Código Penal, vindo a ser absolvido por acórdão de 4 de Agosto de 1993.
Os autos subiram depois ao Supremo Tribunal de Justiça em ordem à apreciação de dois recursos interpostos pelo Ministério Público: o primeiro, por declaração na acta (fls. 2983), e reportado ao despacho proferido pelo presidente do tribunal que, deferindo um requerimento do arguido, decidiu a admissão e junção aos autos de diversos documentos então por ele apresentados; o segundo, da decisão final.
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2 - O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 10 de Fevereiro de 1994 (fls. 3462 a 3473), concedeu provimento ao primeiro recurso e, consequentemente: (a) declarou nulos todos os actos e termos do processo, desde a primeira sessão da audiência de julgamento até ao termo de remessa do processo ao Supremo Tribunal de Justiça, inclusivé; (b) determinou que se procedesse ao desentranhamento dos documentos apresentados pelo arguido a fim de lhe serem restituídos; (c) ordenou a repetição do julgamento do arguido, no mesmo tribunal que proferiu a decisão anulada, por não ser caso de reenvio conforme o disposto no artigo 426º do Código de Processo Penal.
Contra este acórdão invocou o arguido três nulidades processuais (fls. 3476 a 3488), que vieram a ser desatendidas por acórdão de 21 de Abril de 1994.
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3 - Socorrendo-se então das normas dos artigos 280º, nº 1, alínea b) da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, interpôs o arguido, do último acórdão, recurso de constitucionalidade para o Tribunal Constitucional, em ordem à apreciação da inconstitucionalidade da interpretação que aquele Alto Tribunal concedeu às normas dos artigos 416º e
427º e 407º do Código de Processo Penal.
Todavia, por despacho do senhor relator (fls. 3522 e ss.), não foi recebido o recurso para o Tribunal Constitucional, despacho esse depois confirmado por acórdão da conferência.
Formulada reclamação contra a não admissão do recurso, o Tribunal Constitucional, por acórdão de 17 de Abril de 1996, decidiu: (a) indeferir a reclamação quanto à norma do artigo 165º, nº 2, do Código de Processo Penal; (b) deferir a reclamação quanto à norma do artigo 34º, nº 1, do Código de Processo Penal; (c) deferir a reclamação quanto à norma do artigo 416º do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de não impor a notificação do arguido para responder quando, no visto, o Ministério Público se pronuncia pela anulação de julgamento absolutório da 1ª instância; (d) indeferir a reclamação quanto às normas dos artigos 407º e 427º do Código de Processo Penal.
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4 - Devolvidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça foi, em 7 de Junho de 1996, (fls. 3566 e 3567) proferido o seguinte despacho:
'Normalmente, quando o Tribunal Constitucional declara verificar-se uma inconstitucionalidade, há lugar a uma reunião do colectivo para se proceder à reformulação da decisão que tenha sido proferida e esteja ferida daquele vício, seja por ter aplicado lei violadora da Constituição, seja por ter feito uma interpretação de um dado dispositivo legal não conforme com a Lei Fundamental.
No caso dos autos, das diversas arguições de inconstitucionalidade invocadas pelo recorrente, o Tribunal Constitucional declarou ocorrerem duas:
- A respeitante à interpretação dada por este Supremo ao regime de junção de documentos na audiência de primeira instância;
- E a respeitante à decisão deste mesmo Supremo em relação aos termos do visto inicial do Exmº Procurador-Geral-Adjunto, quando o processo subiu a esta instância.
No que se refere à indicada em primeiro lugar, parece manifesto que a posição a assumir na sequência do decidido pelo Tribunal Constitucional tem de ter lugar através de uma decisão colectiva, em julgamento neste Supremo.
No que diz respeito à referida em segundo lugar, no entanto, e porque respeita a um acto de tramitação processual, prévio em relação à decisão que foi tomada pelo órgão colegial, e da competência originária do Relator, as consequências da declaração de inconstitucionalidade têm de ser retiradas pelo mencionado Relator, não obstante a assunção de não violação dos preceitos constitucionais que sobre ele foi tomada ter sido feita pelo Colectivo, no acórdão de fls. 3502 e seguintes.
Ora, se de acordo com o decidido pelo Tribunal Constitucional, a tramitação dos autos subsequente à apresentação do parecer do Exmº Procurador-Geral-Adjunto foi incorrecta, por se não ter assegurado o direito de resposta contraditória do arguido à expressão contida naquele de que o Ministério Público entendia que, a haver lugar a apreciação do fundo, o recurso deveria improceder, é óbvio que se terá cometido uma nulidade que nos termos legais, afectará todos os actos dela directamente decorram ou que directamente sejam afectados por ela.
Nessa medida, anulo o processado posterior à apresentação do parecer inicial do Ministério Público junto deste Supremo, com inclusão do ponto 3 do despacho de fls. 3460v (determinação da ida dos autos à conferência), e dos acórdãos de fls. a 3473, e de fls. 3502 a 3514, e atento o sentido expressamente indicado pelo Tribunal Constitucional para o comando do artigo 416º do Código do Processo Penal (cf. fls. 184 do volume da reclamação por ele apreciada), de que tal ar
tigo não é inconstitucional quando 'interpretado no sentido de que, se o Ministério Público, quando os recursos lhe vão com vista, se pronunciar em termos de poder agravar a posição dos réus (aliás, dos arguidos, na terminologia do Código actual, que veio substituir a designação de réus, do Código de 1929 por esta expressão), deve ser dada a estes a possibilidade de responderem', determino a notificação do recorrente para, em 5 dias (artigo 105º nº 1 do Código do Processo Penal), vir alegar, se quiser, relativamente à referida promoção do Exmº Procurador-Geral-Adjunto, de que entendia que, caso o recurso devesse prosseguir, o mesmo não deveria ter provimento'.
Insurgindo-se contra este despacho, veio o arguido suscitar a sua nulidade porquanto se trata de 'um acto praticado a non judice, de um acto de usurpação do poder jurisdicional que viola o caso julgado e é, por conseguinte, um acto juridicamente inexistente'.
E, em abono deste entendimento escreveu-se:
'15 - Assim, o despacho do Senhor Conselheiro Relator ao decidir sobre a
'matéria em causa', apesar do Acórdão, transitado em julgado, do Tribunal Constitucional, interpretou as normas constantes dos artºs 77º, nº 4 e 78º, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, e dos artºs 666º, nº 1, e 671º do CPC, como não impedindo o STJ, tribunal recorrido, de reapreciar o processo antes de decididos os recursos oportunamente interpostos para o Tribunal Constitucional.
16 - As normas em causa, na interpretação que lhes foi dada, violam os princípios constitucionais da 'obrigatoriedade das decisões dos tribunais', da
'hierarquia dos tribunais' e do 'respeito pelo caso julgado', consignados, respectivamente, nos artºs 208º, nº 2, 211º, nº 1, 212º, 225º e 280º, e 2º da CRP.
Termos em que deve o despacho em referência ser tido como inexistente, com todas as consequências legais.'
Por seu turno a senhora Procuradora-Geral Adjunta, em exercício de funções no Supremo Tribunal de Justiça, depois de ponderar que no acórdão do Tribunal Constitucional que decidiu sobre a reclamação, 'ainda não foi tomada qualquer decisão de fundo', requereu no sentido de 'ser dado cumprimento ao decidido, mandando subir os recursos em conformidade'.
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5 - Por despacho de 16 de Setembro de 1996 (fls. 3576 a
3580), o senhor relator indeferiu as arguições de nulidade opostas ao seu anterior despacho.
Vieram então aos autos, tanto o Ministério Público como o arguido, requerendo, nos termos do artigo 700º, nº 3, do Código de Processo Civil, que sobre a matéria ali decidida fosse tirado um acórdão pela conferência.
Fundamentando o seu requerimento (fls. 3582 a 3586), a senhora Procuradora-Geral Adjunta, no essencial, aduziu as razões seguintes:
'8º - Ao não ser acatada a decisão do Tribunal Constitucional que apenas decidiu em
sede de reclamação, admitiu recursos que o Supremo Tribunal de Justiça havia indeferido, são violados a Constituição (arts. 206º, 208º, 255º, nºs 1 e 3,
277º, nº 1 e 121º, nº 1) e a lei (art. 2º e 77º, nº 1 da Lei 28/82) pelos doutos despachos do Exmo. Conselheiro Relator.
9º - Independentemente da admissão dos recursos para o Tribunal Constitucional, terem sido proferidos pela secção (art. 77º, nº 1 da Lei 28/82) ou pelo Plenário, só em sede da decisão de recurso pode ser anulado o douto Acórdão final do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de Fevereiro de 1994 (fls.
3462 e segs.), por já se ter esgotado o poder jurisdicional deste Supremo Tribunal de Justiça (art. 666º, nº 1, do C.P.C.).
Por tudo isto se requer que em conferência e em obediência ao Acórdão do Tribunal Constitucional de 17 de Abril de 1994, seja decidido admitir os recursos interpostos por A. e remeter o processo ao Tribunal Constitucional para apreciação desses mesmos recursos (arts. 4º do C.P.P. e 700º, nº 3 do C.P.C., 223º, 255º, nºs 1 e 3, 277 da Constituição, 71º, 77º, nºs 1 e 4, 78º da Lei 28/82.
Por seu lado, reiterou o arguido a argumentação já desenvolvida aquando da arguição de nulidade, repetindo que o despacho em causa ao mandar prosseguir o processo no Supremo Tribunal de Justiça - 'anulando o processado' e 'notificando o recorrente para alegar' - em vez de dar cumprimento ao acórdão do Tribunal Constitucional que mandou admitir os recursos de constitucionalidade por ele interpostos, 'interpretou as normas constantes dos artºs 77º, nº 4 e 78º, da Lei nº 28/82, e dos artºs 659º, nº 2, 661º, nº 1,
666º, 668º, nº 1, al. e) e 671º do CPC, aplicáveis por força do disposto no artº
4º do CPC, como permitindo ao STJ, tribunal a quo, não cumprir a decisão do
Tribunal Constitucional, tribunal ad quem, e reapreciar o processo antes de decididos os recursos do arguido oportunamente interpostos e já admitidos pelo Tribunal Constitucional'.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 7 de Novembro de 1996 (fls. 3595 e 3596), considerando não assistir, do ponto de vista processual, razão aos requerentes, confirmou integralmente o despacho reclamado.
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6 - Contra o assim decidido foram então interpostos recursos para o Tribunal Constitucional pelo Ministério Público e pelo arguido.
A petição de recurso do Ministério Público constante de fls.
3601 e 3602, suportou-se nos artigos 280º, nº 1, alínea b) da Constituição e
70º, nºs 1, alínea b) e 2 da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, tendo por objecto a interpretação dada pela decisão recorrida 'aos artigos 666º e 700º, nº 3 do Código de Processo Civil e 77º, nºs 1 e 4 da Lei nº 28/82' interpretação essa violadora das 'normas dos artigos 205º a 208º, 212º, 223º e 225º nºs 1 e 3, da Constituição'.
De seu lado, no requerimento de interposição de recurso do arguido fez-se invocação dos artigos 280º, nº 1, alínea b) da Constituição e
70º, nº 1, alínea b) da Lei nº 28782, de 15 de Novembro, em ordem à apreciação da constitucionalidade, anteriormente suscitada, das normas dos artigos 668º, nº
1, alíneas e) e d) do Código de Processo Civil na interpretação que lhes foi dada na decisão recorrida, e dos artigos 280º, nº 1, alínea a) da Constituição e
70º, nº 1, alínea a) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, relativamente às normas dos artigos 666º, nº 1 do Código de Processo Civil e 74º, nº 4, da Lei nº 28/82, cuja aplicação teria sido implicitamente recusada na decisão recorrida.
Foram admitidos ambos os recursos, apresentando-se depois os autos no Tribunal Constitucional.
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7 - Ao ora relator, não se suscitam dúvidas quanto à verificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso interposto pelo arguido.
Outrotanto porém não sucede no tocante ao recurso intentado pelo Ministério Público, relativamente ao qual não se mostram reunidas todas as condições indispensáveis ao seu seguimento.
Dir-se-ão, de forma sumária, as razões deste entendimento.
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8 - Em conformidade com o disposto nos artigos 280º, nº 1, alínea b) da Constituição e 70º, nº 1, alínea b) da Lei nº 28//82, de 15 de Novembro, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem normas cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
A admissibilidade desta espécie de recurso - aquela a que se fez menção no requerimento do Ministério Público - acha-se condicionada, além do mais pela inverificação de um pressuposto essencial: a inconstitucionalidade da norma cuja apreciação se pretende ver sindicada em sede de fiscalização concreta há-de ter sido suscitada durante o processo pelo próprio recorrente por forma a poder ser tomada em consideração na decisão recorrida e na avaliação do quadro normativo que esta suportou.
O legislador constituinte elegeu como objecto típico da actividade do Tribunal Constitucional em matéria de fiscalização da constitucionalidade o conceito de norma jurídica, pelo que apenas estas (e não já as decisões judiciais em si mesmas consideradas), podem ser sujeitas a sindicância constitucional.
Como tem sido reiteradamente assinalado pela jurisprudência deste Tribunal, os recursos de constitucionalidade, sendo embora interpostos de decisões dos outros tribunais (decisões de provimento ou de rejeição) não visam impugnar a inconstitucionalidade de tais decisões, mas antes o juízo que nelas se contém sobre a inconstitucionalidade ou não inconstitucionalidade de normas relevantes para o julgamento da causa (cfr. por todos, os acórdãos nºs 128/84 e
274/88, Diário da República, II Série, de, respectivamente, 12 de Março de 1985 e 18 de Fevereiro de 1989).
Pertence assim aos recorrentes o ónus de suscitar, durante o processo, a questão de inconstitucionalidade das normas convocadas pela decisão da causa, havendo de fazê-lo de forma processualmente idónea, isto é, de modo directo, explícito e perceptível, através da indicação das disposições legais sobre que se faz recair a suspeita do vício de inconstitucionalidade, em ordem a que o tribunal da causa seja confrontado com tal questão e sobre ela possa proferir uma decisão de acolhimento ou de rejeição.
Ora, à luz destes princípios, pacificamente admitidos pela jurisprudência constitucional e pela doutrina, há-de dizer-se que no caso em apreço o Ministério Público não suscitou durante o processo, nomeadamente no requerimento de fls. 3582 a 3586, qualquer questão de constitucionalidade normativa.
Com efeito, não se questionou a inconstitucionalidade de qualquer norma ou de qualquer interpretação normativa aplicada ou ensaiada nos despachos reclamados, impugnando-se sim, e tão somente, estes despachos como violadores da Constituição e da Lei.
É certo que no requerimento de interposição do recurso se alude ao facto de a interpretação dada pela decisão recorrida aos artigos 666º e
700º, nº 3, do Código de Processo Civil e 77º, nºs 1 e 4 da Lei nº 28/82, implicar violação das normas dos artigos 205º a 208º, 212º, 223º e 225º, nºs 1 e
3 da Constituição; porém a inconstitucionalidade assim suscitada, sendo manifestamente extemporânea, tem de se considerar irrelevante e não operativa.
E assim sendo, por manifesta inverificação de um dos pressupostos essenciais à abertura da via de fiscalização de constitucionalidade, - a suscitação de inconstitucionalidade de norma aplicada como fundamento da decisão recorrida - propõe-se que não se tome conhecimento do recurso interposto pelo Ministério Público.
Cumpra-se o disposto no artigo 78º-A, nº 1, da Lei nº 28//82, de 15 de Novembro, aditado pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro.
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1ª Secção Rel. Cons. Monteiro Diniz
Acordam no Tribunal Constitucional:
1 - Nos presentes autos de fiscalização concreta de constitucionalidade provindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que figuram como recorrentes o arguido A. e o Ministério Público, entendendo o relator não poder tomar-se conhecimento do recurso interposto pelo Ministério Público procedeu, nos termos do artigo 78º-A, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional, à elaboração da exposição preliminar constante de fls. 3613 a 3624, cujos dizeres, na parte que aqui importa reter, são os seguintes:
'8 - Em conformidade com o disposto nos artigos 280º, nº 1, alínea b) da Constituição e 70º, nº 1, alínea b) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem normas cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
A admissibilidade desta espécie de recurso - aquela a que se fez menção no requerimento do Ministério Público - acha-se condicionada, além do mais pela inverificação de um pressuposto essencial: a inconstitucionalidade da norma cuja
apreciação se pretende ver sindicada em sede de fiscalização concreta há-de ter sido suscitada durante o processo pelo próprio recorrente por forma a poder ser tomada em consideração na decisão recorrida e na avaliação do quadro normativo que esta suportou.
O legislador constituinte elegeu como objecto típico da actividade do Tribunal Constitucional em matéria de fiscalização da constitucionalidade o conceito de norma jurídica, pelo que apenas estas (e não já as decisões judiciais em si mesmas consideradas), podem ser sujeitas a sindicância constitucional.
Como tem sido reiteradamente assinalado pela jurisprudência deste Tribunal, os recursos de constitucionalidade, sendo embora interpostos de decisões dos outros tribunais (decisões de provimento ou de rejeição) não visam impugnar a inconstitucionalidade de tais decisões, mas antes o juízo que nelas se contém sobre a inconstitucionalidade ou não inconstitucionalidade de normas relevantes para o julgamento da causa (cfr. por todos, os acórdãos nºs 128/84 e
274/88, Diário da República, II Série, de, respectivamente, 12 de Março de 1985 e 18 de Fevereiro de 1989).
Pertence assim aos recorrentes o ónus de suscitar, durante o processo, a questão de inconstitucionalidade das normas convocadas pela decisão da causa, havendo de fazê-lo de forma processualmente idónea, isto é, de modo directo, explícito e perceptível, através da indicação das disposições legais sobre que se faz recair a suspeita do vício de inconstitucionalidade, em ordem a que o tribunal da causa seja confrontado com tal questão e sobre ela possa proferir uma decisão de acolhimento ou de rejeição.
Ora, à luz destes princípios, pacificamente admitidos pela jurisprudência constitucional e pela doutrina, há-de dizer-se que no caso em apreço o Ministério Público não suscitou durante o processo, nomeadamente no requerimento de fls. 3582 a 3586, qualquer questão de constitucionalidade normativa.
Com efeito, não se questionou a inconstitucionalidade de qualquer norma ou de qualquer interpretação normativa aplicada ou ensaiada nos despachos reclamados, impugnando-se sim, e tão somente, estes despachos como violadores da Constituição e da Lei.
É certo que no requerimento de interposição do recurso se alude ao facto de a interpretação dada pela decisão recorrida aos artigos 666º e 700º, nº
3, do Código de Processo Civil e 77º, nºs 1 e 4 da Lei nº 28/82, implicar violação das normas dos artigos 205º a 208º, 212º, 223º e 225º, nºs 1 e 3 da Constituição; porém a inconstitucionalidade assim suscitada, sendo manifestamente extemporânea, tem de se considerar irrelevante e não operativa.
E assim sendo, por manifesta inverificação de um dos pressupostos essenciais à abertura da via de fiscalização de constitucionalidade, - a suscitação de inconstitucionalidade de norma aplicada como fundamento da decisão recorrida - propõe-se que não se tome conhecimento do recurso interposto pelo Ministério Público.'
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2 - Notificadas as partes para, no caso de assim ser havido por conveniente, se pronunciarem sobre aquela exposição, nada foi respondido pelo recorrente A.
Contrariamente, ofereceu o senhor Procurador-Geral Adjunto o requerimento de fls. 3626 a 3629, no qual começou por 'reconhecer que não pode considerar-se efectivamente suscitada, durante o processo, a questão de inconstitucionalidade normativa que surge delineada, apenas e pela primeira vez, no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade de fls.
3601//3602'.
E a seguir, depois de ponderar que 'a invulgar tramitação dos presentes autos no Supremo Tribunal de Justiça não poderá deixar de obrigar a enfrentar - e, porventura, a re--equacionar - a questão de saber quais são precisamente os poderes do Tribunal Constitucional para sindicar o modo como as suas decisões - transitadas em julgado - são ou não acatadas pelo tribunal 'a quo', escreveu assim:
'Na verdade, no caso dos autos, não se trata de sindicar o modo como o tribunal recorrido, através da aplicação do direito infra-constitucional pertinente, reformou o decidido, na sequência e em conformidade com o julgamento da questão que constituíu objecto do recurso de fiscalização concreta: é que a douta decisão recorrida terá, a nosso ver, afrontado directamente o caso julgado formal resultante de uma clara e inquestionável procedência da reclamação deduzida e decidida por este Tribunal - ao decidir-se pela declaração
'oficiosa' de uma alegada 'nulidade' por 'excesso de pronúncia na fundamentação' de acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional, em processo de reclamação - o qual, nos termos do nº 4 do artigo 77º da Lei nº 28/82, constitui inquestionavelmente caso julgado formal quanto à admissibilidade do recurso de fiscalização concreta interposto, que, no processo, se impõe, tanto ao Tribunal Constitucional, como, por maioria de razão, ao Supremo Tribunal de Justiça que, no caso, funciona como tribunal 'a quo'.
Ora - para além de ser naturalmente possível interpor da decisão do Supremo Tribunal de Justiça os novos e autónomos recursos de constitucionalidade que se configurem como pertinentes, desde que se mostrem preenchidos os pressupostos das diferentes alíneas do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 - não excluímos liminarmente que, na situação específica dos autos, seja também viável às partes, desde logo, suscitarem a questão do risco de formação de decisões contraditórias no mesmo processo, versando sobre a mesma questão concreta da relação processual, originando uma possível eclosão de casos julgados contraditórios - e devendo, consequentemente, cumprir-se a que passou em julgado em primeiro lugar, nos termos do artigo 675º do Código de Processo Civil.
Supomos, aliás, que - mais do que suscitar novas questões de inconstitucionalidade de normas ou interpretações normativas - seria este o sentido implícito no requerimento do Ministério Público de fls. 3583/3586, nomeadamente ao salientar que o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça 'não havia acatado' a decisão, transitada em julgado, proferida pelo Tribunal Constitucional no processo de reclamação.
Em suma: tendo transitado em julgado, nos termos do nº 4 do artigo
77º da Lei nº 28/82, a decisão que deferiu parcialmente a reclamação deduzida, deveria porventura - sem necessidade de suscitação e interposição de novos e autónomos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade - determinar-se, pura e simplesmente, nos termos do artigo 675º do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente em processo constitucional, o cumprimento da decisão que passou em julgado em primeiro lugar - e que é obviamente a proferida por este Tribunal Constitucional no processo de reclamação que lhe foi submetido'.
Foram dispensados os vistos, determinando-se a sua substituição pela entrega a todos os senhores Conselheiros que devam intervir no julgamento de cópia das peças processuais relevantes para a apreciação da matéria sub judice.
Cabe decidir.
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3 - É justo reconhecer o bem fundado das considerações desenvolvidas na resposta do senhor Procurador-Geral Adjunto, no que respeita ao obrigatório acatamento do caso julgado decorrente do artigo 77º, nº 4, da Lei do Tribunal Constitucional e outrossim à impositiva decorrência, na eventualidade de casos julgados contraditórios, do respeito devido pela decisão que primeiramente alcançou estatuto de definitividade.
Simplesmente, para impugnar o despacho do senhor relator de 16 de Setembro de 1996, e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de Novembro de 1996, que o confirmou, - cuja temática se pode vislumbrar sotoposta
àqueles princípios - seguiu o Ministério Público a via do recurso de constitucionalidade, sob a expressa invocação dos artigos 280º, nº 1, alínea b) da Constituição e 70º, nºs 1, alínea b) e 2, da Lei do Tribunal Constitucional.
E assim sendo, na concreta situação processual que agora se apresenta à decisão deste Tribunal, apenas cabe averiguar da existência ou inexistência dos pressupostos de admissibilidade que autorizam o accionamento da fiscalização concreta de constitucionalidade, havendo de concluir-se, pelo essencial das razões constantes da exposição do relator, no sentido dessa inverificação.
Nestes termos, decide-se não tomar conhecimento do recurso interposto pelo Ministério Público no requerimento de fls. 3601 e 3602.
Não são devidas custas.
Lisboa, 2 de Abril de 1997 Antero Alves Monteiro Diniz Alberto Tavares da Costa José de Sousa e Brito Armindo Ribeiro Mendes Messias Bento Maria da Assunção Esteves Fernando Alves Correia Vítor Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma Bravo Serra Luís Nunes de Almeida