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Processo n.º 914/04
.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. Nuns autos de expropriação por utilidade pública de parcela
necessária à construção da obra VICEG – Via de Cintura Externa da Guarda, em que
era expropriante o ICOR – Instituto para a Construção Rodoviária e expropriados
A. e mulher, B., interpuseram estes, junto do Tribunal Judicial da Comarca da
Guarda, recurso da decisão arbitral que, classificando a parcela expropriada
como “solo apto para outros fins” – por ser qualificada, “segundo o PDM, como
área de salvaguarda estrita RAN/REN” –, lhes fixara a indemnização em
4.826.000$00. No recurso pediram que lhes fosse atribuída uma indemnização de €
579.120,00, actualizada nos termos do artigo 24º do Código das Expropriações
(fls. 60 e seguintes).
Na resposta ao recurso (fls. 140 e seguintes), o ICOR – Instituto
para a Construção Rodoviária concluiu do seguinte modo:
“[...]
1ª- A parcela expropriada, embora constituída por solo considerado apto para a
construção, nos ternos do art. 25° do CE/99, não pode ser efectivamente
utilizado para esse fim em face dos regimes jurídicos da RAN e da REN, em que se
inclui, devendo pois isso ser avaliada pelo respectivo valor venal, numa
situação normal de mercado (art. 23°, n.° 5, do CE), valor esse que
inevitavelmente reflectirá a impossibilidade da sua utilização para a
construção, ou seja, deverá corresponder ao que resultar da sua capacidade
agrícola;
2ª- Só assim não sucederia, nos termos do n.° 12 do art. 26° do CE, quando,
cumulativamente, se verificasse que:
a) A impossibilidade edificativa resultava da sua classificação em plano
municipal de ordenamento do território como zona verde ou de lazer ou da sua
destinação para a instalação de infraestruturas e equipamentos públicos;
b) A última aquisição da parcela tivesse ocorrido antes da entrada em vigor
desse plano.
3ª- No caso, não ocorre a «condição» prevista na alínea a) da conclusão
anterior, visto que o PDM classifica a parcela como RAN e REN;
4ª- Pelo que na avaliação da parcela dos autos não pode considerar-se qualquer
edificabilidade própria, visto estar excluída pela lei e pelo Regulamento do
PDM, nem a edificabilidade na faixa envolvente, porque inaplicável.
[...].”
2. Efectuou-se a avaliação legalmente exigida, tendo o laudo dos peritos
designados pelo tribunal e pelo expropriante classificado os solos da parcela
como “aptos para outros fins, já que não se enquadram em qualquer das alíneas do
n.º 2 do artigo 25º do CE99, enquadrando-se, portanto, no n.º 3 do mesmo artigo”
e fixado o montante indemnizatório em € 30.162,50 (os peritos designados pelo
tribunal) e € 24.130,00 (o perito designado pelo expropriante) (fls. 202 a 207),
enquanto o laudo do perito designado pelos expropriados classificou o solo como
“apto para a construção de acordo com o que dispõe o n.º 2 do art. 25º do C. E.
aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro” e propôs a indemnização de €
1.083.632,00 (fls. 183 a 192).
A. e mulher deduziram reclamação contra o laudo de peritagem
apresentado pelos peritos designados pelo tribunal e pelo expropriante (fls. 221
e seguintes).
Na sequência de tal reclamação, foi ordenada a notificação dos
peritos designados pelo tribunal e pelo expropriante “para esclarecerem e
fundamentarem as suas respostas nos termos requeridos pelos expropriados” (fls.
231 e 231 v.º).
Os peritos prestaram esclarecimentos e juntaram, entre outros
documentos, cópia do “Regulamento do Plano Director Municipal da Guarda”,
publicado no Diário da República, I Série-B, n.º 166, de 20 de Julho de 1994
(fls. 241 e seguintes).
Foram ainda produzidas alegações: os expropriados concluíram que a
parcela expropriada deve ser avaliada como “solo apto para construção” e,
procedendo à ampliação do pedido, requereram que o valor do terreno fosse fixado
nos termos propostos no laudo do perito por eles designado, ou seja, em €
1.083.632,00 (fls. 286 e seguintes); o IEP – Instituto das Estradas de Portugal
(que sucedeu ao ICOR – Instituto para a Construção Rodoviária) sustentou que a
justa indemnização a atribuir aos expropriados deve ser fixada nos termos
propostos pelos peritos designados pelo tribunal, ou seja, em € 30.162,50 (fls.
352).
3. Por sentença de 24 de Outubro de 2003, o juiz do Tribunal Judicial da
Comarca da Guarda julgou parcialmente procedente o recurso interposto pelos
expropriados, fixando a indemnização a atribuir aos expropriados em € 30.162,50,
actualizado nos termos do artigo 24º do Código das Expropriações (fls. 354 e
seguintes).
Lê-se na sentença do Tribunal da Guarda, para o que aqui importa
considerar:
“[...]
[...] os expropriados (recorrentes) discordam da decisão arbitral, que
classificou a parcela em causa como «solo para outros fins» e fixou a justa
indemnização em 4.826.000$00 (Quatro milhões, oitocentos e vinte e seis mil
escudos).
Recorreram para este tribunal, defendendo, no essencial, que o solo da parcela
em causa deve ser classificado como solo «apto para construção» nos termos do
n.º 2 do artigo 25° do CE e indemnizado de acordo com os critérios estabelecidos
no n.º 12 do artigo 26° do mesmo diploma legal.
A expropriante sustenta a classificação do terreno expropriado como solo «apto
para outros fins», alegando tratar-se de terreno integrado em Reserva Agrícola
Nacional e Reserva Ecológica Nacional, pelo que não podia, por lei e regulamento
(Dec-Lei n.° 196/89, de 14 de Junho, Dec-Lei n.° 93/90, de 19 de Março, e PDM –
Regulamento, D.R., 1ª n.º 166, de 1994-07-20) nele construir-se, concluindo,
pois, tratar-se de solo para outros fins, nos termos do n.° 3 do art. 25° do
Código das Expropriações, pelo que a sua avaliação obedeceu aos critérios
fixados no n.º 1 e 3 do artigo 27°.
Independentemente da injustiça que representa ou pode representar para os
interessados a inclusão dum terreno em zona de reserva, com a consequente
desvalorização em expropriação para construção de vias de comunicação (fim
diferente do que presidiu àquela inclusão), cremos que não assiste razão aos
recorrentes, que nas suas alegações finais, e para suportar a sua tese,
«lançaram mão» do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 267/97, 2ª Secção,
publicado no DR II Série, de 21 de Maio de 1997.
Com efeito, este acórdão julgou inconstitucional a norma do n.° 5 do artigo 24º
do Código das Expropriações de 1991, «enquanto interpretada por forma a excluir
da classificação de ‘solo apto para a construção’ os solos integrados na RAN,
expropriados justamente com a finalidade de neles se edificar para fins
diferentes de utilidade pública agrícola».
Na situação então discutida e decidida, estava em causa uma parcela de terreno,
que fazia parte da RAN, mas que dela fora desafectada para o efeito de ser
expropriada, tendo-se entendido que não poderia ser avaliada como terreno apto
para construção, ainda que dotada de todas as infra-estruturas, sendo a
expropriação exactamente destinada à construção de um quartel de bombeiros.
No julgamento de inconstitucionalidade, então efectuado, teve-se em conta a
importantíssima circunstância de a parcela em questão ter sido desafectada da
RAN, para o mencionado fim, de tal modo que o direito de edificar não podia
deixar de ser considerado no cômputo de indemnização de expropriação.
Acresce que, por esse motivo, nesse processo, o Tribunal detectou um
comportamento da Administração que implicitamente considerou estar próximo da
figura do «abuso de direito», isto porque se reconhece ter havido alguma
tentativa «de manipulação das regras urbanísticas por parte da Administração»,
traduzidas na «classificação dolosa» de um terreno como zona verde (ou reservada
a uso agrícola), «desvalorizando-o, para mais tarde o adquirir, por
expropriação, pagando por ele um valor correspondente ao de solo não apto para
construção», quando o que se ia fazer era exactamente construir.
Ora, esta situação é completamente distinta daquela que estamos a tratar nestes
autos, ou também daquela que tratou o acórdão n.º 20/2000 [...], sendo que este
último concluiu não ser inconstitucional a norma constante do n.º 5 do artigo
24° do Código das Expropriações de 1991, «interpretada por forma a excluir da
classificação de ‘solo apto para a construção’ solos integrados na Reserva
Agrícola Nacional expropriados para implantação de vias de comunicação».
[...]
Em suma, existe uma grande diferença entre os casos que estiveram na origem dos
citados acórdãos nos 267/97 e 20/2000, como também existe essa distinção entre a
situação descrita no acórdão 267/97, que é invocado pelos expropria[dos], e
aquela que está em causa nestes autos, isto porque a declaração de
inconstitucionalidade constante do acórdão n.º 267/97 tem um sentido muito
preciso e delimitado, que é o de impedir que a Administração, depois de ter
integrado um determinado terreno na RAN – integração essa de que resulta uma
proibição de construção, mas que não é acompanhada de indemnização, já que tal
proibição é uma mera consequência da vinculação situacional da propriedade que
incide sobre os solos integrados na RAN, isto é, um simples produto da situação
factual destes, da sua inserção na natureza e na paisagem e das suas
características intrínsecas –, venha, posteriormente, a desafectá-lo, com o fim
de nele construir um equipamento público, pagando pela expropriação um valor
correspondente ao de solo não apto para a construção.
Podemos, por isso, concluir que o que fundou o juízo de inconstitucionalidade da
não qualificação do terreno como «solo apto para a construção» para efeitos
indemnizatórios não foi a circunstância de o terreno deixar de ter utilização
agrícola ou florestal, nem a circunstância de nele se vir a construir uma via de
comunicação ou um acesso a um equipamento público, ou, mesmo, de tal acesso
dever ser considerado ainda funcionalmente integrado neste equipamento.
Foi, antes, como, aliás, também se referiu no Acórdão n.º 20/2000, a
circunstância de a inexistência de uma muito próxima ou efectiva aptidão
edificativa, pressuposta na qualificação do solo como apto para outros fins (que
não a construção), ser contrariada pelo próprio destino que o expropriante
concretamente lhe dá, ao utilizá-lo para construção.
E isto é assim porque, caso não se considerasse esta utilização, e se admitisse
a indemnização do expropriado como se o solo não fosse apto para construção,
estar-se-ia a dar a possibilidade de «manipulação» das regras urbanísticas por
parte da Administração.
[...]
É certo que o Código das Expropriações, na sua actual redacção, eliminou a
previsão do n.º 5 do art. 24°, supressão essa que, todavia, no nosso entender,
não altera a filosofia deste acórdão, já que a inclusão dos terrenos em área RAN
ou REN mantém-se e o novo diploma não trouxe alterações a este nível.
Nem se diga, como o fazem os recorrentes, que o solo aqui em causa terá de ser
classificado de «solo apto para construção», dado que reúne todos os requisitos
a que alude o artigo 25° n.º 2 do CE.
Na verdade, consideramos que assim não é, pelos motivos que passaremos também a
expor.
Resultou, efectivamente, provado que a parcela dispõe das seguintes
infra-estruturas: estrada pavimentada, rede de abastecimento domiciliário de
águas, rede de saneamento ligado a uma estação depuradora, rede de distribuição
de energia eléctrica e rede telefónica.
No entanto, não poderá, em nosso entender, ser classificada como «solo apto para
construção», pois embora disponha destas infra-estruturas, previstas na alínea
a) do n.º 2 do artigo 25º, estas não existem, como é exigido também neste
preceito, para servir quaisquer edificações construídas ou a construir, porque,
como já referimos, a parcela está situada totalmente em área abrangida pela
Reserva Ecológica Nacional (REN) e parcialmente em área abrangida pela Reserva
Agrícola Nacional (RAN), o que é só por si um impedimento à construção.
Ou seja, o recorrente parte do pressuposto de que basta a parcela de terreno ter
as infra-estruturas previstas na alínea a) do n.º 2 do art. 25º, para se poder
considerar terreno apto para construção, mas no nosso entender é necessário em
primeiro lugar averiguar se é possível ou não a construção designadamente se
existe algum impedimento à mesma, e só depois verificar se existem as
infra-estruturas previstas na alínea a) já referida, ou se, tendo apenas parte
das infra-estruturas, integra-se em núcleo urbano existente.
Quanto a nós, apenas em dois casos pode um terreno integrado na RAN ou na REN
ser considerado apto para construção:
1- Se o proprietário do terreno demonstrar que excepcionalmente foi autorizada a
construção de edifício na parcela em causa.
2- Se a expropriação da parcela visa a construção de prédios urbanos (neste
sentido Ac. da Relação do Porto de 2001/08/28 in www.dgsi.pt).
Acresce que, ao abrigo das normas constitucionais sobre a justa indemnização por
expropriação, temos que considerar que é legitimo estabelecer restrições legais
e regulamentares para o reconhecimento da aptidão edificativa de um terreno, sob
pena de, não se exigindo uma prévia qualificação do terreno como solo apto para
construção, ou, inversamente, se não houvesse que considerar uma proibição legal
de construção para tal qualificação, o resultado seria, certamente, ter de
reconhecer-se essa aptidão, em termos puramente naturalísticos, a quase todos os
terrenos, pois, em teoria, seria, de facto, possível construir em todos os
solos, mesmo que incluídos na RAN ou na REN, e mesmo sem observar os respectivos
planos municipais de ordenamento de território, ou, até, sem obediência a regras
de loteamento ou de construção.
De qualquer modo, no caso concreto em apreço, o destino a dar ou dado pelo
expropriante à parcela expropriada não visa a construção de prédios urbanos, ou
seja, não visa efectivar a sua potencialidade construtiva, mas apenas a
construção de uma estrada, sendo esta diferença que, como já salientámos, assume
enorme relevância e justifica também, mesmo a nível jurisprudencial (maxime da
jurisprudência do TC, que já citámos), tratamento diferente a situações que são,
de facto, diferentes.
Assim, parece-nos que nunca se poderia pôr, in casu, a questão da violação do
principio da igualdade e da justa indemnização, questão esta que só seria
pertinente se a parcela de terreno fosse destinada pela entidade expropriante à
edificação.
Posto isto, diremos que condição essencial para se classificar um solo como
«solo apto para construção» é que se possa nele legalmente construir
designadamente de acordo com o PDM.
Não concordando com este entendimento, vieram os recorrentes dizer que a
eliminação do n.º 5 do art. 24º, com a entrada em vigor do Cód. de Exp. de 99,
trouxe consigo duas normas fundamentais a saber: o art. 25º n.º 3, norma
semelhante à do art. 24º n.º 4 de 91, que define como solo apto para outros fins
o que não se encontra em qualquer das situações previstas no número anterior e o
n.º 12 do art. 26°, que preceitua [...].
A lei veio, neste caso, manter a solução de os terrenos que foram em abstracto
classificados como solo apto para construção, mas que não podem em concreto ser
utilizados para esse fim, por estarem abrangidos por uma zona verde ou de lazer,
ou por estarem destinados à instalação de infra-estruturas e equipamentos
públicos pelo plano municipal em vigor, não serem susceptíveis de ser avaliados
em função de um potencial construtivo próprio, que desde o início se encontrava
excluído pelas normas urbanísticas.
Assim, de acordo com o n.° 5 do art. 23º, o seu valor corresponde ao preço de
venda num mercado a funcionar em situação de normalidade, preço que reflectirá a
circunstância objectiva de não poderem ser utilizados na construção, o que
equivale a dizer que devem ser avaliados pela sua aptidão agrícola.
Contudo, e apelando a razões de justiça, que estão ligadas à tutela das
legítimas expectativas dos proprietários que adquiriram os terrenos antes d[e o]
plano entrar em vigor, a lei determina, excepcionalmente, que, em tais
circunstâncias, a respectiva avaliação tenha por base o valor médio das
construções existentes, ou que seja possível edificar numa área envolvente cujo
perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada.
Acontece que o n.º 12 do art. 26º não abrange a parcela em questão nestes autos,
isto porque, de acordo com o PDM, os solos da parcela situam-se totalmente em
área abrangida pela Reserva Ecológica Nacional (REN) e parcialmente em área
abrangida pela Reserva Agrícola Nacional (RAN), o que não é o mesmo que Zona
Verde.
Esta última é uma classificação distinta das primeiras, já que também não se
trata de solo de lazer, como não se trata de solo para instalação de
infraestruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do
território.
Deste modo, não podemos fazer uma aplicação directa do n.º 12 do art. 26º ao
caso dos autos, e sendo esta uma norma excepcional, não pode, de acordo com as
regras de interpretação das normas, ser aplicada por analogia.
Daí que um terreno integrado na RAN ou na REN ou em ambas, como é o caso, com as
inerentes limitações do jus edificandi, não confere ao proprietário qualquer
expectativa de edificação (não existe, assim, uma muito próxima ou efectiva
potencialidade edificativa) que possa ser avaliada, para efeitos de indemnização
por expropriação, como solo apto para construção. Salienta-se, aliás, que, na
situação em apreço, o fim da expropriação é, como já vimos, precisamente, uma
das formas lícitas de utilização de solos integrados na RAN (artigo 9° n.° 2
alínea d) do DL n.° 196/89, de 14 de Junho), o que não revela qualquer aptidão
edificativa do solo.
Impondo o princípio da justa indemnização que as indemnizações devidas por
expropriação constituam uma compensação da desigualdade entre os cidadãos
(perante os encargos públicos) determinada pela expropriação e assegurem uma
adequada restauração da lesão patrimonial sofrida pelo expropriado – o que se
obtém pelo critério do valor de mercado do bem expropriado – nenhuma destas
exigências constitucionais é posta em causa quando o terreno expropriado,
integrado numa zona em que, por lei, não é lícita a construção, é avaliado de
acordo com a sua aptidão (agrícola) conforme à norma do n.° 1 e 3 do artigo 27°
do CE.
Ora, no caso dos autos, provou-se que a parcela de terreno situa-se em «Área
Rural – Área de mato e uso florestal a manter», como também em «Área de
salvaguarda estrita», nos termos do PDM do Concelho da Guarda, e também de
acordo como o PDM, os solos da parcela situam-se totalmente em área abrangida
pela Reserva Ecológica Nacional (REN) e parcialmente em área abrangida pela
Reserva Agrícola Nacional (RAN).
Atento tudo o que deixámos já referido, da análise da situação descrita nos
autos e de toda a problemática que envolve a classificação destes solos e a que
já aludimos, temos, pois, por assente, que a indemnização a atribuir partirá da
classificação deste solo como «apto para outros fins».
Baseamos esta nossa posição, essencialmente, na circunstância de o expropriado
não ser titular, anteriormente à expropriação, de expectativas legítimas
relativas à potencialidade edificativa do terreno, já que bem sabia (ou devia
saber) que, segundo o Plano Director Municipal, já nele não podia construir.
Não tendo o proprietário expectativa razoável de ver o terreno desafectado e
destinado à construção, não poderia invocar o princípio da «justa indemnização»,
de modo a ver calculado o montante indemnizatório com base numa potencialidade
edificativa dos terrenos que era para ele legalmente inexistente, e com a qual
não podia contar.
Em face da factualidade que apuraram e da localização da parcela, os peritos
nomeados pelo tribunal e pela expropriante entenderam também que a parcela seria
de classificar como solo «apto para outros fins», já que não se enquadra em
qualquer das alíneas do n.º 2 do art. 25º do CE. de 1999, enquadrando-se antes
no n.º 3 do mesmo artigo.
No relatório dos peritos nomeados pelo Tribunal e pelo expropriante, os peritos,
socorrendo-se também do teor do auto de vistoria «ad perpetum rei memoriam», bem
como da observação dos terrenos envolventes, verificaram que os solos da parcela
poderão ter aptidão agrícola em especial para pastoreio directo, tal como foi
observado nos terrenos confiantes.
O valor dos solos para outros fins será calculado tendo em atenção o seu
rendimento efectivo ou possível no estado existente à data da declaração de
utilidade pública, a natureza do solo e do subsolo, a configuração do terreno e
as condições de acesso, as culturas predominantes e o clima da região, os frutos
pendentes e outras circunstâncias objectivas susceptíveis de influírem no
respectivo cálculo.
[...].”.
4. Desta sentença foi interposto recurso de apelação pelos expropriados
A. e mulher (fls. 384), que, nas alegações respectivas (fls. 391 e seguintes)
formularam, entre outras, as seguintes conclusões:
“[...]
14ª - É certo e indesmentível que ocorrem todos os índices do art. 25°-1-a) e 2
CExp., pelo que não pode negar-se à Parcela a natureza de solo apto para
construção.
15ª - E a isso nada obsta o facto de a Parcela, no todo ou em parte, estar
incluída na REN ou na RAN ou estar incursa em zona classificada para não
construir no PDM.
16ª - Deste modo, pretender-se – como fizeram com acrimónia os Srs. Peritos do
Tribunal e da Exp.te – como fez também a douta sentença, que, por força da
classificação em zona de RAN/REN no PDM da Guarda da Parcela n.° 23. agora
expropriada, deve esta ser classificada como «solo para outros fins», que não o
de «para construção», uma de três:
17ª - Ou isso resulta de uma interpretação do art. 25°-3 CExp. 99 manifestamente
inconstitucional – até porque equivaleria a atribuir-se-lhe, por si só, uma
interpretação equivalente à manutenção da revogada norma do art. 24°-5 do CExp.
de 91;
18ª - Ou isso resulta de uma interpretação restritiva do art. 26°-12 CExp. 99,
ao não considerar equivalente, ou equiparado a «zona verde e de lazer» a que
provém da sua classificação em PDM na área como restrita de RAN/REN, quando a
razão de ser da norma é exactamente a mesma, assim sendo feita uma interpretação
também inconstitucional daquela norma;
19ª - Ou isso resulta de uma interpretação restritiva do mesmo art. 26°-12 CExp.
99, ao não admitir que nela se contém a referência a solos (ora expropriados),
que, estando incluídos por PDM em zona restrita de RAN/REN, dela tiveram de ser
retirados, por natureza e para o fim da expropriação, para a construção de uma
infra-estrutura ou equipamento público como é uma estrada, tal como o é a VICEG
– Via de Cintura Externa da Guarda, assim sendo também feito uma interpretação
inconstitucional daquela norma.
20ª - Certo é que em qualquer dos casos referidos nas conclusões 17ª a 19ª
ocorreria, como ocorreu, na douta sentença, violação dos princípios do direito
de e à propriedade, da justa indemnização, da igualdade, da proporcionalidade,
da justiça e da imparcialidade, em violação dos [...] arts. 13°, 62°-1 e 2 e
266°-1 e 2 CRP.
Deste modo:
21ª - Sendo indubitável que estamos perante solo apto para construção, todo ele,
o seu valor «calcula-se por referência à construção que nele seria possível
efectuar se não tivesse sido sujeito a expropriação, num aproveitamento
económico normal, de acordo com as leis e os regulamentos em vigor» (CExp. art.
26°-1).
22ª - Reitera-se, então, que, «sendo necessário expropriar solos classificados
como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos
públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz,
cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor, o valor de tais solos será
calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja
possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro
exterior se situe a 300m do limite da parcela expropriada» (CExp. art. 26°-12).
[...]
26ª - Finalmente, verificando-se que o Laudo do Sr. Perito dos Exp.dos chegou a
um valor de indemnização superior àquele que estes tinham peticionado no recurso
da Decisão Arbitral, os apelantes procederam nas suas alegações à ampliação do
seu pedido, pois que é manifesto que se trata de mero desenvolvimento do pedido
primitivo (CPCiv., art. 273°-2) – e é esse o valor que deve ser fixado, ou seja,
o de € 1.083.633,00.
27ª - Decidindo diferentemente, a douta sentença violou, salvo o devido
respeito, os arts. 25° e 26° (em especial n.° 12) do CExp. de 99 e ainda,
designadamente face a interpretações inconstitucionais dos arts. 25°-3 e 26°-12
do mesmo Código, os arts. 13°, 62°-1 e 2 e 266°-1 e 2 CRP, nos termos atrás
descritos.
[...].”.
Nas contra-alegações (fls. 474 e seguintes), sustentou o
expropriante que o recurso não merecia provimento.
5. Por acórdão de 15 de Junho de 2004, o Tribunal da Relação de Coimbra
negou provimento à apelação, confirmando a sentença recorrida quanto à fixada
indemnização de € 30.162,50 (fls. 516 e seguintes).
O Tribunal da Relação de Coimbra fundamentou assim a sua decisão:
“[...]
[...] não é pelo facto de o actual Código da Expropriações não reproduzir a
norma do art. 24º n.º 5 do CExp./91, que um terreno inserido na RAN ou REN
adquire «aptidão edificativa» e como tal deva ser levada em conta para a «justa
indemnização».
Por isso, apesar de o CExp./99 não conter um preceito similar ao revogado art.
24º n.º 5 do CExp./91, deve continuar a aplicar-se a tese nele subjacente (cf.,
neste sentido, Pedro Elias da Costa, Guia das Expropriações por Utilidade
Pública, 2ª ed., pág. 284).
Assim o impõe a unidade do sistema jurídico, face ao regime jurídico da RAN e da
REN, e ao princípio geral contido no art. 23º n.º 1 conjugado com a norma do
art. 26º n.º 1 do CExp./99, corroborados pela jurisprudência constitucional.
Com efeito, segundo o princípio geral plasmado no n.° 1 do art. 23º do CExp./99,
a justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade
expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da
expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu
destino efectivo ou possível numa utilização económica normal à data da
publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as
circunstâncias e condições de facto existentes naquela data» [...].
E o n.º 1 do art. 26º do CExp./99, prescreve que «O valor do solo apto para a
construção calcula-se por referência à construção que nele seria possível
efectuar se não tivesse sido sujeito a expropriação, num aproveitamento
económico normal, de acordo com as leis e os regulamentos em vigor» [...].
Acresce que a própria redacção da al. a) do n.° 2 do art. 25° reforça a
interpretação defendida, ao exigir que o acesso rodoviário e demais
infra-estruturas nela referidas tenham «as características adequadas para servir
as edificações nele existentes ou a construir» [...].
Deste modo, não podem ser classificados como aptos para construção, apesar de
reunidos os requisitos do n.º 2 do art. 25º do CExp./99, os solos inseridos na
RAN/REN.
Isto porque, verificadas estas condições, os proprietários dos respectivos
terrenos não poderão ter expectativas legalmente fundadas quanto «à sua muito
próxima ou efectiva potencialidade edificativa».
[...]
A proibição de construir sobre os solos integrados na RAN/REN é, segundo a
jurisprudência do Tribunal Constitucional, uma consequência da «vinculação
situacional» da propriedade que incide sobre os solos com tais características.
[...]
Com efeito, a impossibilidade de construir na RAN/REN é determinada por razões
de interesse público (reservar para a produção agrícola os terrenos que, para
tal, tenham melhor aptidão ou garantir o equilíbrio ecológico e a protecção de
ecossistemas fundamentais), encontra justificação constitucional,
respectivamente, no artigo 93º da Constituição, que consagra como objectivos da
política agrícola o aumento da «produção e a produtividade da agricultura» e a
garantia de um «uso e gestão racionais dos solos», e no artigo 66° também da
Constituição, que prevê a criação de reservas para «garantir a conservação da
natureza». A proibição de construir em terreno integrado na Reserva Agrícola
Nacional, imposta pela natureza intrínseca da propriedade, nada mais é, assim,
do que «uma manifestação da hipoteca social que onera a propriedade privada do
solo» (cfr. Acórdão n.º 329/99, DR II série, de 20 de Julho de 1999).
Por isso, no caso de expropriação de terrenos integrados na RAN/REN, não há que
considerar, para efeitos de cálculo do valor da indemnização, a pagar ao
expropriado, qualquer potencialidade edificativa que não existe, nem nasce com a
expropriação.
Não estamos aqui perante as chamadas «expropriações de plano» já que a ineptidão
para a edificação é anterior ao plano e assenta na «vinculação social» ou na
«vinculação situacional» da propriedade sobre aquele terreno (cf. Alves Correia,
O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, 1998, pág. 517).
Consideram, no entanto, os Apelantes ser de aplicar aqui a norma do art. 26º n.º
12 do CExp./99 [...].
Ao contrário da RAN e da REN, a afectação destes terrenos não revela, por si só,
ausência de aptidão edificativa, pois um dos pressupostos da aplicação desta
norma é que os solos sejam previamente classificados como aptos para construção,
deixando de o ser por força de um posterior plano municipal de ordenamento do
território.
Como sublinha Alves Correia, a razão de ser da norma é evitar as «classificações
dolosas do solo ou a manipulação das regras urbanísticas por parte dos planos
municipais», pelo que só pode abarcar «aqueles solos que, se não fosse a sua
classificação como zona verde ou de lazer» (e, agora, também a sua reserva para
a implantação de infra-estruturas e equipamentos públicos) por um plano
municipal de ordenamento de território, teriam de ser considerados como solos
«aptos para construção», atendendo a um conjunto de elementos certos e
objectivos, relativos à localização dos próprios terrenos, às suas
acessibilidades, ao desenvolvimento urbanístico da zona e à existência de
infra-estruturas urbanísticas, que atestam uma aptidão ou uma vocação objectiva
para a edificabilidade» (RLJ ano 133, pág. 53 e 54).
Porém, esta norma não pode ser usada, extensiva ou analogicamente, para atribuir
aptidão construtiva a solos inseridos na RAN/REN e a consequente valorização
pelos critérios estatuídos no n.º 12 do art. 26º do CExp./99.
É que nos casos em que um plano municipal de ordenamento do território (art. 9°
n.º 2 do DL 48/98 de 11/8) classifica certos solos como zona verde ou de lazer
ou os insere em espaços-canais (corredores para a instalação de infra-estruturas
e equipamentos públicos), o expropriado tinha uma justificada expectativa de ver
o terreno desafectado destinado à construção, o que não sucede, pelas razões já
expostas, a propósito dos terrenos inseridos na RAN/REN (cf., neste sentido,
Pedro Elias da Costa, loc. cit., pág. 286 a 291).
Também por isso, não cremos que haja uma discriminação negativa que afronte o
princípio constitucional da igualdade (maxime no âmbito da relação interna da
expropriação), visto serem realidades diferentes.
Ora, o princípio da igualdade, nesta vertente, não consente que particulares
colocados numa situação idêntica recebam indemnizações quantitativamente
diversas ou que sejam fixados critérios distintos de indemnização que tratem
alguns expropriados mais favoravelmente que outros, devendo o legislador
estabelecer critérios uniformes de cálculo, mas já se observou não são idênticas
as situações.
De resto, a pretensão indemnizatória dos Apelantes, com base na qualificação do
terreno expropriado como «solo apto para construção», sem potencialidades
edificativas, devido ao impedimento da RAN/REN, é que, salvo o devido respeito,
violaria o princípio constitucional da igualdade, conforme a recente
jurisprudência do Tribunal Constitucional, proferida no Acórdão n.º 275/04, de
20/4/04 [...].
[...]
Em resumo, não obstante as doutas alegações dos apelantes, tal como se concluiu
na sentença recorrida, a parcela de terreno expropriada terá que ser
classificada, para efeitos do cálculo indemnizatório, como «solo para outros
fins» (arts. 25º n.º 3 e 27º do CExp./99).
[...].”
6. A. e mulher vieram então interpor recurso para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70° da Lei
do Tribunal Constitucional, através do requerimento de fls. 555 e seguintes, em
que dizem, entre o mais:
“[...]
5. As normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Venerando Tribunal
Constitucional aprecie são:
a) uma interpretação do art. 25°-3 CExp. 99 manifestamente inconstitucional,
equivalente a atribuir-se-lhe o equivalente à manutenção da revogada norma do
art. 24°-5 do CExp. de 91;
b) uma interpretação restritiva do art. 26°-12 CExp. 99, ao não considerar
equivalente ou equiparado a «zona verde e de lazer» a que provém da sua
classificação em PDM na área como restrita de RAN/REN, quando a razão de ser da
norma é exactamente a mesma, assim sendo feita uma interpretação também
inconstitucional daquela norma;
c) uma interpretação restritiva do mesmo art. 26°-12 CExp. 99, ao não admitir
que nela se contém a referência a solos (ora expropriados), que, estando
incluídos por PDM em zona restrita de RAN/REN, dela tiveram de ser retirados,
por natureza e para o fim da expropriação, para a construção de uma
infra-estrutura ou equipamento público como é uma estrada, tal como o é a VICEG
– Via de Cintura Externa da Guarda, assim sendo também feito uma interpretação
inconstitucional daquela norma;
d) ocorrendo na douta sentença a violação dos princípios do direito de e à
propriedade, da justa indemnização, da igualdade, da proporcionalidade, da
justiça e da imparcialidade, em violação dos [...] arts. 13°, 62°-1 e 2 e 266°-1
e 2 CRP;
e) e a violação dos arts. 25° e 26° (em especial n.° 12) do CExp. de 99 e ainda,
designadamente face a interpretações inconstitucionais dos arts. 25°-3 e 26°-12
do mesmo Código, os arts. 13°, 62°-1 e 2 e 266°-1 e 2 CRP.
6. Os princípios constitucionais e as normas considerados violados foram os
princípios constitucionais do direito de e à propriedade, da justa indemnização,
da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade – com esta
indicação se cumprindo o primeiro pressuposto do art. 75°-A-2 da mesma Lei n.º
28/82.
7. As peças processuais em que os recorrentes oportunamente suscitaram as ditas
questões da inconstitucionalidade foram as das suas alegações de 1ª Instância
(nos termos do art. 64° CExp.) e das suas alegações de apelação da sentença (v.
conclusões 8ª a 12ª, 17ª a 20ª e 27ª, cfr. Art. 684° C.P.C.).
[...].”.
O recurso foi admitido por despacho de fls. 560.
7. Nas alegações que apresentaram neste Tribunal concluíram os
recorrentes A. e mulher (fls. 569 e seguintes):
“[...]
20ª - Não pode dizer-se que, pela integração do terreno na RAN, o particular não
tivesse uma «expectativa razoável» de ver o terreno desafectado e destinado à
construção, pelo que não poderia invocar o princípio da «justa indemnização»,
pois que isso esquece a «expectativa razoável» que, antes da integração do
terreno na RAN/REN, o particular tinha em que o seu terreno fosse classificado
como «solo apto para construção», porque, dadas as características do solo, face
aos requisitos do art. 25°-2 CExp., o seu terreno, na 1ª fase, sempre seria
classificado como «solo apto para construção».
21ª - Deste modo, não pode colocar-se a situação do e no terreno somente a
partir da sua afectação a solo RAN/REN, desprezando a sua efectiva e primitiva
natureza, até porque o particular não tem «culpa» alguma na afectação do solo a
RAN/REN, feita por exclusiva e unilateral iniciativa da Administração, a qual
foi quem, em 2ª fase, afectou a área a RAN/REN, retirando ao solo a capacidade
construtiva, o que significa que, se a retirou, é porque a tinha antes,
seguramente em busca, então, do interesse público (o que não está em causa, tal
como não o está numa DUP).
22ª - Deste modo também, quando a seguir, na 3ª fase, a Administração procede à
desafectação e/ou aplicação para já poder construir (aqui para infra-estrutura,
a via de cintura externa da cidade da Guarda), age, mais uma vez, segundo as
suas próprias vantagens, certamente, no caso, para bem de outro interesse
público, concretizado tanto na construção de uma importante via pública, tanto
como na DUP.
23ª - É seguro, porém, que em todas estas fases só o solo se manteve
inalterável, ou seja, manteve-se sempre com todos os requisitos do art. 25°-2
CExp. para poder, e dever, ser «classificado» como de «solo apto para
construção», pelo que a justa expectativa do particular, no caso dos
expropriados, foi sempre a mesma, enquanto a Administração se permitia
manipulá-la, de acordo com a sua definição do interesse público.
24ª - Admitir, portanto, que o raciocínio sobre a «justa expectativa» do
particular tenha ponto de partida numa «fase» intermédia, não permitindo que ele
recupere a justa expectativa primitiva, é consentir uma dupla penalização ou
sacrifício em função da variação a cada momento do(s) interesse(s) público(s),
contra o mais evidente princípio da igualdade.
25ª - Também é indiferente aquilo que resulta do regime específico da RAN, ou da
REN, a respeito da possibilidade de construir infra-estrutura viária sobre a
área classificada, pois que a questão está «a montante» dessa, e é a da efectiva
aplicação do solo à construção daquela infra-estrutura, resolução essa da
Administração, que restaura a capacidade construtiva sobre o solo,
designadamente por força do art. 26°-12 CExp., que precisamente quis evitar
situações dúbias e de manifesto prejuízo para os particulares.
26ª - Também não pode dizer-se que subsista uma intolerável desigualdade em
relação a todos os «restantes proprietários» de terrenos integrados em RAN/REN
que não tenham sido expropriados,
27ª - pois que o que acontece quanto aos «restantes proprietários», é que, pelo
menos, nem todos terão passado por todas as fases que os aqui recorrentes, e
estes é que não podem ser vítimas disso, ou seja:
a) ou os outros terrenos (agora integrados em RAN/REN) nunca possuíram, em
antes, todos os requisitos do art. 25°-2 CExp. para que pudessem ser
classificados como «solos aptos para construção», o que jamais lhes conferiu
qualquer «justa expectativa»;
b) ou, tendo possuído esses requisitos (1ª fase) e passado à fase da RAN/REN (2ª
fase), a Administração nunca passou à 3ª fase, por não ter pretendido, agora,
afectar esses terrenos à construção (de infra-estruturas, por exemplo), do que
os recorrentes igualmente não têm culpa.
Em consequência:
28ª - Deste modo, pretender-se, como fez o douto acórdão, que, por força da
classificação em zona de RAN/REN no PDM da Guarda da Parcela n.° 18.1. agora
expropriada, deve esta ser classificada como «solo para outros fins», que não o
de «para construção», uma de três:
29ª - Ou isso resulta de uma interpretação do art. 25°-3 CExp. 99 manifestamente
inconstitucional – até porque equivaleria a atribuir-lhe, por si só, uma
interpretação equivalente à manutenção da revogada norma do art. 24°-5 do CExp.
de 91;
30ª - Ou isso resulta de uma interpretação restritiva do art. 26°-12 CExp. 99,
ao não considerar equivalente, ou equiparado a «zona verde e de lazer» a que
provém da sua classificação em PDM na área como restrita de RAN/REN, quando a
razão de ser da norma é exactamente a mesma, assim sendo feita uma interpretação
também inconstitucional daquela norma;
31ª - Ou isso resulta de uma interpretação restritiva do mesmo art. 26°-12 CExp.
99, ao não admitir que nela se contém a referência a solos (ora expropriados),
que, estando incluídos por PDM em zona restrita de RAN/REN, dela tiveram de ser
retirados, por natureza e para o fim da expropriação, para a construção de uma
infra-estrutura ou equipamento público como é uma estrada, tal como o é a VICEG
– Via de Cintura Externa da Guarda, assim sendo também feito uma interpretação
inconstitucional daquela norma.
32ª - Certo é que em qualquer dos casos referidos ocorreria, como ocorreu, no
douto acórdão, violação dos princípios do direito de e à propriedade, da justa
indemnização, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da
imparcialidade, em violação dos [...] arts. 13°, 62°-1 e 2 e 266°-1 e 2 CRP.
Deste modo:
33ª - Sendo indubitável que estamos perante solo apto para construção, todo ele,
o seu valor «calcula-se por referência à construção que nele seria possível
efectuar se não tivesse sido sujeito a expropriação, num aproveitamento
económico normal, de acordo com as leis e os regulamentos em vigor» (CExp. art.
26°-1).
34ª - E, então, «sendo necessário expropriar solos classificados como zona
verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos
por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja
aquisição seja anterior à sua entrada em vigor, o valor de tais solos será
calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja
possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro
exterior se situe a 300m do limite da parcela expropriada» (CExp. art. 26°-12).
[...].”.
8. Por sua vez, a EP – Estradas de Portugal, Entidade Pública
Empresarial (que resultou da transformação do IEP – Instituto das Estradas de
Portugal) formulou as seguintes conclusões (fls. 699 e seguintes):
“1ª - Não viola qualquer norma ou princípio constitucional a interpretação dada
ao n.° 2 do art. 25° do Código das Expropriações pela decisão recorrida, no
sentido de que a parcela de terreno dos autos não pode ser considerada solo apto
para a construção, para efeitos de fixação da indemnização devida ao
expropriado, em consequência de, desde momento anterior à declaração de
utilidade pública, se encontrar incluída na REN, devidamente delimitada no PDM
da Guarda, e, por força do regime legal dessa Reserva, não poder ser utilizada
para a construção pelo seu proprietário;
2ª - A desafectação da REN para a implantação da estrada não restitui à parcela
expropriada a classificação como terreno de construção;
3ª - Não tem essa parcela valor como solo apto para a construção, pois, nas
circunstâncias existentes à data da publicação da declaração de utilidade
pública, nenhum comprador medianamente prudente a adquiriria como tal no mercado
imobiliário, não podendo ser paga como solo apto para a construção apenas porque
sobre ela recaiu a expropriação;
4ª - A interpretação restritiva do n.° 2 do art. 25° do Código das Expropriações
pretende garantir a justiça da indemnização, que, sem ela, seria afectada na
perspectiva do expropriante, razão por que se conforma totalmente com o n.° 2 do
art. 62° da CRP;
5ª - O n.° 12 do art. 26° do Código das Expropriações não visa obstar em geral
aos efeitos de uma qualquer classificação dos solos impeditiva da construção,
uma vez que não se aplica a todos os imóveis nessas circunstâncias, mas tutelar
a expectativa de quem, tendo adquirido um dado prédio que podia ser utilizado
para a construção no momento da aquisição e eventualmente pago um preço de
compra resultante desse destino, vê essa expectativa ulteriormente frustrada
pela entrada em vigor de um plano urbanístico que classifica o terreno como zona
verde ou de lazer, ou para a instalação de infra-estruturas ou equipamentos
[...] públicos;
6ª - O dano correspondente a essa frustração de expectativa, indemnizável nos
termos do n.° 12 do art. 26° do Código das Expropriações, não é causado pela
expropriação e apenas se concretiza com esta;
7ª - Na medida em que o n.° 12 do art. 26° do Código das Expropriações obsta à
concretização do prejuízo decorrente de uma classificação urbanística que
valoriza os terrenos envolventes à custa do [...] expropriado, assegura a
justiça da indemnização exigida pelo n.° 2 do art. 62° da CRP;
8ª - O n.° 12 do art. 26° do Código das Expropriações tem natureza excepcional
em face da regra geral do n.° 1 do art. 23°, reafirmada especificamente, para os
solos aptos para a construção, nos n.ºs 1 e segs. do próprio art. 26°;
9ª - A classificação urbanística da parcela expropriada, de acordo com o PDM da
Guarda, não é nenhuma das mencionadas no n.° 12 do art. 26° do Código das
Expropriações e dela não resulta qualquer vantagem específica para os terrenos
envolventes, o mesmo sucedendo com a sua inclusão na REN e na RAN, que antes
aproveita em geral à colectividade;
10ª - Existe, assim, uma diferença essencial entre a situação dos terrenos que
um plano municipal de ordenamento do território classificou como zona verde ou
de lazer, ou para a instalação de infra-estruturas ou equipamentos públicos, e a
de terrenos abrangidos pela delimitação da RAN e da REN e pela classificação
como «Área Rural – Área de Mato e Uso Florestal a Manter» e como «Área de
Salvaguarda Estrita», no PDM da Guarda.
[...].”.
9. A fls. 716 e seguintes, foi ordenada a notificação do despacho em que
a relatora admite como plausível o não conhecimento do recurso quanto à norma do
artigo 26º, n.º 12, do Código das Expropriações, pelas seguintes razões:
“[...]
Tendo o recurso sido interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do
artigo 70º da LTC, o Tribunal Constitucional apenas pode dele conhecer se o
recorrente tiver suscitado, durante o processo, a inconstitucionalidade das
normas que vem submeter à fiscalização do Tribunal (ou de determinada
interpretação dessas normas) e se essas normas (ou as normas, com essa
interpretação) tiverem sido aplicadas na decisão recorrida, como seu fundamento
normativo, não obstante a acusação de inconstitucionalidade que lhes foi feita.
Ora, afigura-se como plausível que o Tribunal Constitucional venha a proferir
uma decisão de não conhecimento do recurso quanto à norma n.º 12 do artigo 26º
do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro.
Na verdade, segundo o entendimento da relatora, a decisão constante do acórdão
recorrido quanto à classificação da parcela de terreno expropriada como «solo
para outros fins» e quanto à fixação do valor indemnizatório a atribuir aos
expropriados assentou exclusivamente nos artigos 25º, n.º 3, e 27º do Código das
Expropriações de 1999. Por outras palavras, a decisão recorrida – o acórdão do
Tribunal da Relação de Coimbra, de 15 de Junho de 2004 – não aplicou a norma
contida no n.º 12 do artigo 26º do Código das Expropriações.
Tendo os expropriados, ora recorrentes, sustentado no processo a aplicabilidade
de tal norma (cfr., designadamente, fls. 418 e seguinte e 22ª conclusão das
alegações apresentadas no recurso de apelação), o Tribunal da Relação de Coimbra
entendeu que a mesma era inaplicável, afirmando expressamente que «esta norma
não pode ser usada, extensiva ou analogicamente, para atribuir aptidão
construtiva a solos inseridos na RAN/REN e a consequente valorização pelos
critérios estatuídos no n.º 12 do art. 26º do CExp./99» (cfr. fls. 546). E o
acórdão concluiu, quanto a este ponto: «Em resumo, não obstante as doutas
alegações dos apelantes, tal como se concluiu na sentença recorrida, a parcela
de terreno expropriada terá que ser classificada, para efeitos do cálculo
indemnizatório, como ‘solo para outros fins’ (arts. 25º n.º 3 e 27º do
CExp./99)» (cfr. fls. 550).
Não pode assim, na opinião da relatora, constituir objecto do recurso de
fiscalização concreta de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do
artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional a norma contida no artigo 26º, n.º
12, do Código das Expropriações de 1999 e não pode consequentemente este
Tribunal apreciar as dimensões interpretativas enunciadas nas alíneas b) e c) do
requerimento através do qual foi interposto o presente recurso.
[...].”.
Os recorrentes responderam através do requerimento de fls. 728 e
seguintes, em que concluíram:
“[...]
4. A simples transcrição integral, ainda com o alerta dos destaques a escuro,
são suficientes para verificar que:
* não se trata de uma pura não consideração da norma do artº 26º-12 CExp.;
* não se trata de uma pura desaplicação, ou não aplicação daquela norma;
* trata-se, sim, da decisão de não aplicar essa norma, por força da
interpretação que o Tribunal da Relação lhe atribui.
5. Está, pois, em causa, isso sim, uma ou mais interpretações da norma do artº
26-12 CExp.
6. E é a interpretação, ou são as interpretações, da referida norma que a
Relação arreda ao não considerá-la aplicável com a(s) interpretação(ões) que lhe
suscita(m) os apelantes, que estes qualificam de inconstitucionais.
7. Estamos, pois, reitera-se, perante matéria que o venerando Tribunal
Constitucional deve apreciar na sede correcta em que os Recorrentes a colocam –
para além, obviamente, da outra questão de inconstitucionalidade que foi objecto
do mesmo actual recurso.
[...].”.
Cumpre apreciar e decidir.
II
10. Através do presente recurso, e tendo em conta a delimitação feita no
respectivo requerimento de interposição (supra, 6.), os recorrentes pretendem
que o Tribunal Constitucional aprecie a conformidade constitucional das
seguintes normas:
“a) uma interpretação do art. 25°-3 CExp. 99 manifestamente inconstitucional,
equivalente a atribuir-se-lhe o equivalente à manutenção da revogada norma do
art. 24°-5 do CExp. de 91;
b) uma interpretação restritiva do art. 26°-12 CExp. 99, ao não considerar
equivalente ou equiparado a «zona verde e de lazer» a que provém da sua
classificação em PDM na área como restrita de RAN/REN, quando a razão de ser da
norma é exactamente a mesma, assim sendo feita uma interpretação também
inconstitucional daquela norma;
c) uma interpretação restritiva do mesmo art. 26°-12 CExp. 99, ao não admitir
que nela se contém a referência a solos (ora expropriados), que, estando
incluídos por PDM em zona restrita de RAN/REN, dela tiveram de ser retirados,
por natureza e para o fim da expropriação, para a construção de uma
infra-estrutura ou equipamento público como é uma estrada, tal como o é a VICEG
– Via de Cintura Externa da Guarda, assim sendo também feito uma interpretação
inconstitucional daquela norma.”.
De acordo com a perspectiva dos recorrentes, tais normas violariam
“os princípios constitucionais do direito de e à propriedade, da justa
indemnização, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da
imparcialidade”, consagrados nos artigos 13°, 62°, n.ºs 1 e 2, e 266°, n.ºs 1 e
2, da Constituição da República Portuguesa.
11. Importa antes de mais delimitar o objecto do recurso.
Tendo o recurso sido interposto ao abrigo do disposto na alínea b)
do n.º 1 do artigo 70º da LTC, o Tribunal Constitucional apenas pode dele
conhecer se o recorrente tiver suscitado, durante o processo, a
inconstitucionalidade das normas que vem submeter à fiscalização do Tribunal (ou
de determinada interpretação dessas normas) e se essas normas (ou as normas, com
essa interpretação) tiverem sido aplicadas na decisão recorrida, como seu
fundamento normativo, não obstante a acusação de inconstitucionalidade que lhes
foi feita.
11.1. Ora, como se disse já no despacho da relatora de fls. 716 e seguintes,
a decisão recorrida – o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 15 de
Junho de 2004 – não aplicou a norma contida no n.º 12 do artigo 26º do Código
das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro.
Na verdade, tendo os expropriados, ora recorrentes, sustentado no
processo a aplicabilidade de tal norma (cfr., designadamente, fls. 418 e
seguinte e 22ª conclusão das alegações apresentadas no recurso de apelação,
supra, 4.), o Tribunal da Relação de Coimbra entendeu que a mesma era
inaplicável, afirmando expressamente que “esta norma não pode ser usada,
extensiva ou analogicamente, para atribuir aptidão construtiva a solos inseridos
na RAN/REN e a consequente valorização pelos critérios estatuídos no n.º 12 do
art. 26º do CExp./99” (cfr. fls. 546).
Convém recordar todas as razões que conduziram à decisão do Tribunal
da Relação de Coimbra de não aplicar ao caso dos autos a norma do n.º 12 do
artigo 26º do Código das Expropriações, tal como constam do acórdão recorrido
(supra, 5.):
“[...]
Consideram, no entanto, os Apelantes ser de aplicar aqui a norma do art. 26º n.º
12 do CExp./99 [...].
Ao contrário da RAN e da REN, a afectação destes terrenos não revela, por si só,
ausência de aptidão edificativa, pois um dos pressupostos da aplicação desta
norma é que os solos sejam previamente classificados como aptos para construção,
deixando de o ser por força de um posterior plano municipal de ordenamento do
território.
Como sublinha Alves Correia, a razão de ser da norma é evitar as «classificações
dolosas do solo ou a manipulação das regras urbanísticas por parte dos planos
municipais», pelo que só pode abarcar «aqueles solos que, se não fosse a sua
classificação como zona verde ou de lazer» (e, agora, também a sua reserva para
a implantação de infra-estruturas e equipamentos públicos) por um plano
municipal de ordenamento de território, teriam de ser considerados como solos
«aptos para construção», atendendo a um conjunto de elementos certos e
objectivos, relativos à localização dos próprios terrenos, às suas
acessibilidades, ao desenvolvimento urbanístico da zona e à existência de
infra-estruturas urbanísticas, que atestam uma aptidão ou uma vocação objectiva
para a edificabilidade» (RLJ ano 133, pág. 53 e 54).
Porém, esta norma não pode ser usada, extensiva ou analogicamente, para atribuir
aptidão construtiva a solos inseridos na RAN/REN e a consequente valorização
pelos critérios estatuídos no n.º 12 do art. 26º do CExp./99.
É que nos casos em que um plano municipal de ordenamento do território (art. 9°
n.º 2 do DL 48/98 de 11/8) classifica certos solos como zona verde ou de lazer
ou os insere em espaços-canais (corredores para a instalação de infra-estruturas
e equipamentos públicos), o expropriado tinha uma justificada expectativa de ver
o terreno desafectado destinado à construção, o que não sucede, pelas razões já
expostas, a propósito dos terrenos inseridos na RAN/REN (cf., neste sentido,
Pedro Elias da Costa, loc. cit., pág. 286 a 291).
Também por isso, não cremos que haja uma discriminação negativa que afronte o
princípio constitucional da igualdade (maxime no âmbito da relação interna da
expropriação), visto serem realidades diferentes.
Ora, o princípio da igualdade, nesta vertente, não consente que particulares
colocados numa situação idêntica recebam indemnizações quantitativamente
diversas ou que sejam fixados critérios distintos de indemnização que tratem
alguns expropriados mais favoravelmente que outros, devendo o legislador
estabelecer critérios uniformes de cálculo, mas já se observou não são idênticas
as situações.
De resto, a pretensão indemnizatória dos Apelantes, com base na qualificação do
terreno expropriado como «solo apto para construção», sem potencialidades
edificativas, devido ao impedimento da RAN/REN, é que, salvo o devido respeito,
violaria o princípio constitucional da igualdade, conforme a recente
jurisprudência do Tribunal Constitucional, proferida no Acórdão n.º 275/04, de
20/4/04 [...].
[...]
Em resumo, não obstante as doutas alegações dos apelantes, tal como se concluiu
na sentença recorrida, a parcela de terreno expropriada terá que ser
classificada, para efeitos do cálculo indemnizatório, como «solo para outros
fins» (arts. 25º n.º 3 e 27º do CExp./99).
[...].”
Depois de analisar os pressupostos de aplicação do artigo 26º, n.º
12, do Código das Expropriações (“que os solos sejam previamente classificados
como aptos para construção, deixando de o ser por força de um posterior plano
municipal de ordenamento do território”) e a razão de ser do preceito (“evitar
as «classificações dolosas do solo ou a manipulação das regras urbanísticas por
parte dos planos municipais»”), o Tribunal da Relação de Coimbra decidiu que a
mesma norma “não pode ser usada, extensiva ou analogicamente, para atribuir
aptidão construtiva a solos inseridos na RAN/REN e a consequente valorização
pelos critérios estatuídos no n.º 12 do art. 26º do CExp./99”. Afastando a
alegação de “discriminação negativa que afronte o princípio constitucional da
igualdade [...], visto serem realidades diferentes”, o Tribunal da Relação
concluiu que “a parcela de terreno expropriada terá que ser classificada, para
efeitos do cálculo indemnizatório, como «solo para outros fins» (arts. 25º n.º 3
e 27º do CExp./99)”, depois de ter verificado que, “de resto, a pretensão
indemnizatória dos Apelantes, com base na qualificação do terreno expropriado
como «solo apto para construção», sem potencialidades edificativas, devido ao
impedimento da RAN/REN, é que, salvo o devido respeito, violaria o princípio
constitucional da igualdade, conforme a recente jurisprudência do Tribunal
Constitucional, proferida no Acórdão n.º 275/04, de 20/4/04”.
Face a tudo o que acaba de ser exposto, não pode a norma contida no
artigo 26º, n.º 12, do Código das Expropriações de 1999 constituir objecto do
recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade interposto com
fundamento na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional
e não pode consequentemente este Tribunal apreciar as dimensões interpretativas
enunciadas nas alíneas b) e c) do requerimento de interposição do presente
recurso.
11.2. Resulta claramente dos autos que as decisões proferidas no presente
processo (quer a sentença da 1ª instância quer o acórdão recorrido) assentaram
nos artigos 25º, n.º 3, e 27º do Código das Expropriações de 1999: tendo a
parcela expropriada sido classificada como “solo para outros fins”, nos termos
do artigo 25º, n.º 3, do Código das Expropriações de 1999, o seu valor foi
calculado de acordo com o disposto no artigo 27º do mesmo Código.
Na verdade, afirma-se, a concluir, no acórdão do Tribunal da Relação
de Coimbra: “Em resumo, não obstante as doutas alegações dos apelantes, tal como
se concluiu na sentença recorrida, a parcela de terreno expropriada terá que ser
classificada, para efeitos do cálculo indemnizatório, como «solo para outros
fins» (arts. 25º n.º 3 e 27º do CExp./99)” (cfr. fls. 550).
Assim sendo, só a norma do artigo 25º, n.º 3, do Código das
Expropriações de 1999 pode constituir objecto do presente recurso, uma vez que
quanto a ela se encontram preenchidos os requisitos previstos na alínea b) do
n.º 1 do artigo 7º da Lei do Tribunal Constitucional: foi aplicada, como ratio
decidendi, no acórdão recorrido e foi quanto a ela suscitada uma questão de
inconstitucionalidade durante o processo.
12. O artigo 25º do Código das Expropriações de 1999 dispõe como segue:
“Artigo 25º
Classificação dos solos
1. Para efeitos do cálculo da indemnização por expropriação, o solo
classifica-se em:
a) Solo apto para a construção;
b) Solo para outros fins.
2. Considera-se solo apto para a construção:
a) O que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de
energia eléctrica e de saneamento, com características adequadas para servir as
edificações nele existentes ou a construir;
b) O que apenas dispõe de parte das infra-estruturas referidas na alínea
anterior, mas se integra em núcleo urbano existente;
c) O que está destinado, de acordo com instrumento de gestão territorial, a
adquirir as características descritas na alínea a);
d) O que, não estando abrangido pelo disposto nas alíneas anteriores, possui,
todavia, alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da
declaração de utilidade pública, desde que o processo respectivo se tenha
iniciado antes da data da notificação a que se refere o n.º 5 do artigo 10º.
3. Considera-se solo para outros fins o que não se encontra em qualquer das
situações previstas no número anterior.”.
No acórdão recorrido, o Tribunal da Relação de Coimbra entendeu que
“os solos inseridos na RAN/REN” “não podem ser classificados como aptos para a
construção”, devendo antes ser classificados como “solos para outros fins”,
fundamentando a sua decisão na consideração de que “os proprietários dos
respectivos terrenos não poderão ter expectativas legalmente fundadas quanto «à
sua muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa»”.
É este entendimento, reportado à norma do artigo 25º, n.º 3, do
Código das Expropriações de 1999, que constitui o objecto do presente recurso,
em confronto com “os princípios constitucionais do direito de e à propriedade,
da justa indemnização, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da
imparcialidade”, consagrados nos artigos 13°, 62°, n.ºs 1 e 2, e 266°, n.ºs 1 e
2, da Constituição da República Portuguesa.
13. O Tribunal Constitucional teve já oportunidade de se pronunciar sobre
a questão de constitucionalidade que constitui objecto do presente recurso,
embora a propósito de norma contida no anterior Código das Expropriações – a
norma do artigo 24º, n.º 5, do Código das Expropriações, aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro.
No acórdão n.º 20/2000 (publicado no Diário da República, II série,
n.º 99, de 28 de Abril de 2000, p. 7539 ss), aliás amplamente citado nas
decisões proferidas neste processo, o Tribunal Constitucional decidiu “não
julgar inconstitucional a norma do n.º 5 do artigo 24º do Código das
Expropriações vigente, interpretada por forma a excluir da classificação de
«solo apto para a construção» solos integrados na Reserva Agrícola Nacional
expropriados para implantação de vias de comunicação”.
Disse então o Tribunal, depois de referir uma decisão de
inconstitucionalidade constante de anterior acórdão do Tribunal Constitucional
(o acórdão n.º 267/97, publicado no Diário da República, II série, nº 117, de 21
de Maio de 1997, p. 5861 ss, invocado como precedente pelos recorrentes no
presente processo):
“[...]
12. Deve, pois, concluir-se que o acréscimo de contribuição dos expropriados
para a prossecução do interesse público, que, segundo se decidiu no Acórdão
citado [o acórdão n.º 267/97], os coloca em situação de desigualdade perante os
demais cidadãos, resulta do concurso da expropriação para a finalidade de
construção de um prédio urbano, sem indemnização como «solo apto para
construção» com a anterior imposição da proibição de construção, pela integração
do terreno na RAN.
Mas tal desigualdade já não se verifica se a expropriação visa prosseguir, não a
finalidade cujo afastamento estava subjacente à exclusão da qualificação como
«solo apto para construção», mas sim uma outra, como a implantação de uma via de
comunicação.
Recorde-se, na verdade, que o proprietário de prédio integrado na RAN não tinha
qualquer expectativa de poder vir a valorizar o solo para finalidades
edificativas, pois ele próprio não podia construir, nem desafectar o solo da
RAN, e a aptidão edificativa não é sequer confirmada pela utilização visada com
a expropriação.
Se a expropriação é justamente para edificação de prédio urbano, então mostra-se
que a integração na RAN não poderia excluir a qualificação como «solo apto para
construção» para efeitos de indemnização, pois a potencialidade edificativa do
prédio é justamente confirmada pela utilização dada pelo expropriante – para
mais, se o prédio foi anteriormente desanexado da RAN, como acontecia na
situação do Acórdão n.º 267/97.
Já não será assim, porém, numa situação como a dos presentes autos, em que a
expropriação levada a efeito pela Brisa se destina exclusivamente a um sublanço
da auto-estrada Famalicão-Guimarães, não se destinando, pois, à edificação de
construções urbanas, ainda que de interesse público, em terrenos com presumida e
essencial vocação agrícola. Verifica-se, como bem notou o Ministério Público,
que a parcela de terreno expropriada não passou a deter, supervenientemente ao
acto expropriativo, qualquer aptidão edificativa, sendo mesmo que a especial
afectação de parcela à construção de tal via pública de comunicação se revela
também (como a utilização agrícola) incompatível com qualquer vocação
edificativa de construções urbanas no terreno expropriado.
13. Já se vê, pois, que não pode considerar-se relevante para conduzir a um
juízo de inconstitucionalidade o argumento de que a construção de uma
auto-estrada, pela sua imponência, meios e quantidade de materiais empregues,
área envolvida e impacto ambiental emergente, destrói a utilização agrícola do
terreno e altera radicalmente a afectação das áreas envolventes.
Repete-se que a alteração da destinação agrícola, só por si, não impõe uma
indemnização como «solo apto para construção», pois não baseia a existência de
uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa. Da construção da
auto-estrada não resulta, na verdade, a potencialidade edificativa de
construções urbanas, relevante para a qualificação como «solo apto para
construção», como resultaria se a expropriação, com desafectação da RAN, fosse
para construção de um prédio urbano.
Aliás, cumpre notar que a construção de vias de comunicação é justamente uma das
finalidades não agrícolas para que podem ser utilizados solos integrados na RAN
– veja-se o artigo 9º, n.º 2, alínea d), do Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de
Junho, onde se prevê que tal utilização não agrícola pode fundar o parecer
favorável das comissões regionais da reserva agrícola.
E, portanto, no presente caso poderá, mesmo, não existir – ao contrário do que
acontecia no caso do Acórdão n.º 267/97 – desafectação do terreno da RAN, mas
antes um uso não agrícola de solo nesta integrado. Como se nota nas alegações do
Ministério Público neste Tribunal, nada impede que terrenos dotados de especial
vocação agrícola – que se mantém intocada – sejam atravessados por vias de
comunicação. Mas isso não legitima a conclusão de que passaram, sem mais, a ter
aptidão edificativa – o atravessamento de um terreno rústico por uma
auto-estrada não significa que tal terreno tenha passado a ter qualquer aptidão
para a construção pelo particular que dele era proprietário.
Assim, estando o valor do prédio expropriado limitado em consequência da
existência de uma legítima restrição legal ao jus aedificandi, e não tendo o
proprietário qualquer expectativa razoável de o ver desafectado e destinado à
construção por particulares, não pode invocar-se também o princípio da justa
indemnização para pretender ver reflectido no montante indemnizatório arbitrado
ao expropriado uma potencialidade edificativa dos terrenos, legalmente
inexistente e que não foi confirmada pela finalidade dada aos solos depois da
expropriação (que não foi a edificação de construções urbanas, mas sim a
construção de uma auto-estrada).
14. Nem se diga que a indemnização a arbitrar ao expropriado não pode em
qualquer caso, para ser justa, basear-se em critérios de edificabilidade
resultantes de condicionamentos impostos pelo Estado, como é o caso da
integração na RAN – ou seja, que não é suficiente indemnizar o proprietário com
base na viabilidade de utilização que o terreno tinha até ao momento da
expropriação, face aos condicionamentos que o Estado impunha.
Na verdade, a aptidão para construção é, em variados aspectos, decisivamente
moldada (por exemplo, logo na elaboração dos planos de ordenamento do
território) por actuações da Administração, o mesmo acontecendo com a integração
na RAN. E a consideração da limitação edificativa resultante desta integração
ocorre, por exemplo, sempre que um prédio integrado na RAN é expropriado, mesmo
sendo mantido dentro desta Reserva, não podendo tal consideração omitir-se para,
como é exigido, se dar conta do valor real do imóvel, ligado à sua aptidão
edificativa, que não é apenas natural, mas resulta igualmente de
condicionamentos jurídicos. O argumento provaria, pois, demais, e logo por isso
deve ser rejeitado.
Da mesma forma, aliás, não pode acolher-se, como fundamento para a imposição de
uma indemnização com base na qualificação do terreno como «solo apto para
construção», o argumento de que a exploração da mesma auto-estrada é entregue a
uma entidade de fins lucrativos cuja alta rentabilidade é notória e publicamente
conhecida. A avaliação da potencialidade edificativa do terreno e correspondente
qualificação como «solo apto para construção» ou «solo apto para outros fins»,
são relevantes para efeitos de determinação dos critérios de avaliação do dano
sofrido pelo expropriado, e, consequentemente, da justa indemnização, que é
constitucionalmente exigida, e não para uma compensação do benefício sofrido
pelo expropriante. Como se pode ler agora no artigo 23º, n.º 1, do Código das
Expropriações de 1999 (mas já valia anteriormente, para a exigência
constitucional de justa indemnização), «a justa indemnização não visa compensar
o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que
para o expropriado advém da expropriação (...)».
15. Não se vislumbra, aliás, no caso dos autos, qualquer indício de actuação
pré-ordenada da Administração, traduzida em manipulação das regras urbanísticas,
para desvalorizar artificiosamente um terreno reservado ao uso agrícola e mais
tarde o adquirir por um valor degradado, destinando-o então à construção de
edificações urbanas de interesse público. Sendo, pois, que também neste aspecto
o presente caso se afigura distinto do decidido pelo Acórdão n.º 267/97, onde se
notou que a Administração classificou o terreno, «bem ou mal (...) como terreno
de utilidade pública agrícola e, por isso, integrou-o na RAN» e que
«desvalorizado, a Câmara de Chaves adquire-o, pagando por ele um valor
correspondente ao de solo não apto para construção (e note-se que a sua
apropriação ocorreu apenas a uma semana da publicação da Portaria n.º 380/93,
que veio libertar da RAN todo o terreno em que se situava a referida
parcela)».
Antes – repete-se –, destinando-se a expropriação de terreno integrado na RAN
exclusivamente à implantação de uma via de comunicação – e não à transformação
de prédio até então legalmente «rústico» em «urbano» com edificação de
construções urbanas –, a parcela de terreno expropriada não passou a deter
supervenientemente ao acto expropriativo aptidão edificativa.
16. Concluindo: não tendo o proprietário dos terrenos integrados na RAN
expectativa razoável de os ver desafectados e destinados à construção ou
edificação, e não tendo a finalidade da expropriação (construção de uma
auto-estrada) confirmado a existência de uma potencialidade edificativa excluída
pela qualificação como «solo para outros fins», que não a construção, não são
invocáveis os princípios constitucionais da igualdade e da justa indemnização
para obrigar à avaliação do montante indemnizatório com base nessa
potencialidade edificativa. E, por conseguinte, a norma do n.º 5 do artigo 24º
do Código das Expropriações vigente, interpretada com o sentido de excluir da
classificação de «solo apto para a construção» solos integrados na RAN
expropriados para fins diversos, quer da utilidade pública agrícola, quer da
edificação de construções urbanas – como é o caso da construção de vias de
comunicação – não é inconstitucional.
[...].”.
O mesmo entendimento quanto à não inconstitucionalidade da norma
contida no n.º 5 do artigo 24º do Código das Expropriações de 1991 fundamentou a
decisão proferida pelo Tribunal Constitucional em diversos acórdãos posteriores,
de que se citam como mais significativos os acórdãos n.ºs 219/2001 (Diário da
República, II série, n.º 155, de 6 de Julho de 2001, p.11248 ss), 243/2001
(Diário da República, II série, n.º 153, de 3 de Julho de 2001, p. 11119 ss),
172/2002 (Diário da República, II série, n.º 127, de 3 de Junho de 2002, p.
10488 ss), e ainda os acórdãos n.ºs 247/2000, 346/2003, 347/2003 e 425/2003,
todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt.
14. A fundamentação constante dos acórdãos mencionados é inteiramente
transponível para a discussão do problema de constitucionalidade suscitado no
presente recurso.
Tendo-se dado como provado nos autos que a parcela de terreno a
expropriar se situa em “Área Rural – Área de mato e uso florestal a manter”,
como também em “Área de salvaguarda estrita”, nos termos do PDM do Concelho da
Guarda (totalmente em área abrangida pela Reserva Ecológica Nacional (REN) e
parcialmente em área abrangida pela Reserva Agrícola Nacional (RAN)), não tinham
os proprietários qualquer expectativa de valorização do solo para finalidades
edificativas, uma vez que eles próprios não podiam construir nem desafectar o
solo da zona de reserva em que se encontrava. Aliás, a aptidão edificativa não é
sequer confirmada pela utilização visada com a expropriação em litígio – a
construção de uma via de comunicação.
Um terreno integrado na RAN ou na REN, ou em ambas, como é o caso,
com as inerentes limitações do jus edificandi, não confere aos proprietários
qualquer expectativa de edificação que possa ser avaliada, para efeitos de
indemnização por expropriação, como solo apto para construção, porque não existe
“uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa”.
Estando o valor do terreno expropriado limitado em consequência da
existência de uma legítima restrição legal ao jus aedificandi, e não tendo os
proprietários qualquer expectativa razoável de ver o terreno desafectado e
destinado à construção por particulares, não pode invocar-se o princípio da
justa indemnização para pretender ver reflectido no montante indemnizatório
arbitrado aos expropriados uma potencialidade edificativa dos terrenos,
legalmente inexistente e que não foi confirmada pela finalidade dada aos solos
depois da expropriação (que, repete-se, não foi a edificação de construções
urbanas, mas sim a construção de uma via de comunicação).
Pelos fundamentos, mais amplos, utilizados nos acórdãos antes
referidos, para os quais se remete, conclui-se que a norma impugnada nestes
autos não viola “os princípios constitucionais do direito de e à propriedade, da
justa indemnização, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da
imparcialidade” invocados pelos recorrentes.
III
15. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional
decide:
a) Não tomar conhecimento do objecto do recurso quanto à
norma do n.º 12 do artigo 26º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º
168/99, de 18 de Setembro;
b) Não julgar inconstitucional a norma do n.º 3 do artigo
25º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de
Setembro, interpretada com o sentido de excluir da classificação de “solo apto
para a construção” solos integrados na Reserva Agrícola Nacional ou na Reserva
Ecológica Nacional expropriados para implantação de vias de comunicação;
c) Consequentemente, negar provimento ao recurso, nesta
parte, confirmando o acórdão recorrido no que respeita a questão de
constitucionalidade.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em vinte
unidades de conta.
Lisboa, 14 de Julho de 2005
Maria Helena Brito
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos (vencido quanto à alínea a) da decisão nos termos da
declaração de voto junta)
Artur Maurício (vencido quanto à alínea a) da decisão nos termos da declaração
que junto)
Declaração de voto
Não acompanhei a decisão que fez vencimento na medida em que esta exclui do
objecto do recurso de constitucionalidade a norma do nº 12 do artigo 26º do
Código das Expropriações de 1999. Fundou-se o Tribunal para assim decidir na
circunstância de o tribunal recorrido, após ter analisado os pressupostos de
aplicação desta norma e a sua razão de ser, ter entendido que aquela disposição
não sustentava a pretensão dos requerentes. E de ter ademais acrescentado que o
reconhecimento de uma tal pretensão, reclamada pelo entendimento dos
requerentes, é que seria inconstitucional. Ora tanto basta, a meu ver, para não
poder deixar de concluir-se que foi com base numa dimensão normativa que o
tribunal recorrido considerou o sentido mais correcto do artigo 26º, nº 12 do
Código das Expropriações (entendimento este que não cabe ao Tribunal
Constitucional apreciar) que aquele órgão jurisdicional excluiu a consequência
jurídica pretendida pelos requerentes (a valorização dos solos decorrente dos
critérios constantes daquele preceito). Ao ter pois mobilizado aquela dimensão
normativa para através dela dar por improcedente a pretensão dos requerentes, o
tribunal recorrido não está a fazer outra coisa que a aplicá-la, ainda que para
concluir pela insubsistência do pedido. Ora, como o resultado da aplicação de
uma norma não é de molde a excluir a realidade dessa aplicação in concreto, não
podemos deixar de concluir que o tribunal recorrido aplicou de facto as
dimensões normativas questionadas pelos requerentes (e que estes reconduzem ao
referido artigo 26º, nº 12) para com base nelas excluir o resultado jurídico por
estes pretendido.
Daí que não possamos acompanhar o acórdão quando este conclui que a decisão
recorrida “não aplicou a norma contida no nº 12 do artigo 26º do Código das
Expropriações”. Pelo contrário, a evidência de uma tal aplicação resulta ainda
do facto de, a ser considerada inconstitucional a dimensão acolhida na decisão
atacada, que conduz à exclusão da consequência jurídica do artigo 26º, nº 12,
por alegada falta de preenchimento da sua hipótese legal, tal teria óbvios
efeitos na decisão sindicada, que deixaria de se poder basear, como
presentemente sucede, para inviabilizar a pretensão dos requerentes, na
insusceptibilidade de fundamentar naquela disposição a valorização, pelos
critérios nela estatuídos, de solos inseridos na RAN/REN.
Dissentindo assim da decisão expressa na alínea a), tomaríamos conhecimento do
recurso também quanto à norma aí mencionada, na qual porém não vemos traços de
desconformidade constitucional, como resulta do Acórdão nº 145/05, que
subscrevemos, e da declaração de voto que apusemos ao Acórdão nº 114/05.
Rui Manuel Moura Ramos
Declaração de Voto
Entendo que o fundamento jurídico assenta, positivamente, no disposto nos
artigos 25º n.º 3 e 27º do CExp99; mas, também, pugnando os recorrentes pela
subsunção do caso ao disposto no artigo 26 n.º 12 do mesmo Código, numa
determinada interpretação deste preceito que o tornaria insusceptível de
abranger a situação sub judicio – aplicável aos casos de solos previamente
classificados como aptos para construção que o deixam de ser por força de
posterior plano de ordenamento do território, ele não poderia ser usado
extensiva ou analogicamente para atribuir aptidão construtiva a solo inserido na
RAN/REN.
Independentemente da justeza desta pronúncia, no estrito plano do direito
infraconstitucional, a verdade é que os recorrentes questionaram a
constitucionalidade de tal interpretação e ela não deixa de ser, agora em termos
negativos, fundamento do decidido.
Conexionado o pressuposto constante do artigo 70º n.º 1 alínea b) da LTC –
aplicação da norma questionada em termos de constitucionalidade como ratio
decidendi da decisão recorrida – com a instrumentalidade do recurso de
constitucionalidade em fiscalização concreta, inequívoco é que um eventual juízo
de inconstitucionalidade sobre a aludida interpretação teria incidência no
julgado, não podendo, ao menos, repetir-se a concreta fundamentação que conduziu
ao afastamento da situação em causa do âmbito de aplicação do artigo 26º n.º 12
do CExp99.
Deveria, pois, ser conhecida a questão de constitucionalidade suscitada pelos
recorrentes relativamente à interpretação dada àquele preceito.
Artur Maurício