Imprimir acórdão
Processo n.º 478/05
1.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos de recurso vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, em
que é recorrente A. e recorridos o Ministério Público e B., foi interposto
recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão daquele Tribunal, de 4 de
Abril de 2005.
Proferida decisão sumária, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, nº 1, da Lei
de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), vem
agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no nº 3
deste artigo.
2. Em 27 de Junho de 2005, foi proferida decisão sumária no sentido de que não
podia conhecer-se do objecto do recurso, com os seguintes fundamentos:
«Segundo o artigo 70º, nº 1, alínea b), da LTC, disposição ao abrigo da qual foi
interposto o presente recurso, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das
decisões que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada
durante o processo.
Importa, por isso, afastar, desde logo, quer a pretensão de ser verificada a
legalidade da interpretação dada aos artigos 364º, nº 1, do Código de Processo
Penal e 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, quer a de ser
verificada a constitucionalidade da interpretação dada àquele artigo da
Constituição.
Especificamente quanto ao requisito da suscitação da questão de
inconstitucionalidade normativa, durante o processo, de modo processualmente
adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este
estar obrigado a dela conhecer (artigos 70º, nº 1, alínea b), e 72º, nº 2, da
LTC), há que concluir que o recorrente não suscitou qualquer questão daquele
tipo, durante o processo, nos termos legalmente exigidos.
Com efeito, quando foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de
Guimarães, o recorrente não questionou, do ponto de vista
jurídico-constitucional, qualquer norma. Concluiu apenas que:
“A não se entender assim, não se asseguram todas as garantias de defesa ao,
arguido, violando-se o n° 1 do art. 32° da Constituição da República Portuguesa,
inconstitucionalidade que desde já se argui com todos os efeitos daí
decorrentes”.
E, assim sendo, bem se compreende que o acórdão do Tribunal da Relação de
Guimarães não tenha decidido qualquer questão de inconstitucionalidade
normativa, tendo-se limitado a concluir, quando confrontado com a violação do
artigo 32º, nº 1, da Constituição, que:
“O processo assegurou, em concreto, todas as garantias de defesa consagradas
constitucionalmente”.
De facto, é só no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional que o recorrente questiona a constitucionalidade da interpretação
dada no douto acórdão recorrido ao artigo 364º, nº 1, do Código de Processo
Penal, o que obsta a que se dê como verificado um dos requisitos do recurso de
constitucionalidade que o recorrente pretendeu interpor e justifica que seja
proferida decisão sumária, nos termos do disposto no nº1 do artigo 78º-A da
LTC».
3. Desta decisão vem agora o então recorrente reclamar para a conferência,
fazendo-o nos seguintes termos:
«(…) apesar de não ter sido invocada, no recurso para o Tribunal da Relação,
textualmente, a inconstitucionalidade da interpretação dada pelo meritíssimo
Juiz do Tribunal da primeira instância ao artº 364° do CPP., parece-nos resultar
claramente das conclusões que é essa a questão legal cuja reapreciação foi
solicitada ao referido Tribunal. Na verdade, julgamos ter ficado claro nas
conclusões do recurso para a Relação que o que é posto em causa é a
possibilidade de a gravação poder ser considerada válida só em parte e por isso
ser suficiente para poder considerar-se a audiência devidamente documentada. O
que de todo nos parece não ter sido a intenção do legislador ao definir a norma,
corporizada pelo artº 364° do C.P.P., que prevê a documentação da audiência que
visa servir fins de protecção do direito de sindicância, por parte do arguido ou
Ministério Público, de qualquer decisão baseada em matéria de facto apurada em
sede de audiência de julgamento.
Compreender-se-ia melhor o sentido do indeferimento ora reclamado se, de todo,
fosse imperceptível a posição sufragada no recurso no que diz respeito à
eventual inconstitucionalidade ocorrida na interpretação que foi dada à
legislação que permite a documentação em acta da audiência, o que julgamos não
ter acontecido.
Entendemos assim que, sendo o Tribunal Constitucional o garante supremo do
rigoroso cumprimento das normas e princípios essenciais da Constituição deverá
em estrito cumprimento pelos referidos princípios dar primazia à questão de
fundo e não à forma como é suposto poder conhecê-la. Pensamos que, conseguindo o
Tribunal compreender o que se pretende deverá pronunciar-se pela pertinência ou
não da posição sufragada pelo recorrente, não obstante existir o poder dever de
avaliar também a questão formal sem que tal avaliação possa ser impeditiva do
prosseguimento do processo.
Note-se de resto que, a existir deficiência na invocação da
inconstitucionalidade, a mesma teria ocorrido aquando da interposição do recurso
para o Tribunal da Relação, não se tendo pronunciado este último sobre a
validade formal e pertinência da pretensão do recorrente sobre a
inconstitucionalidade, pronunciando-se apenas embora de forma vaga sobre a
questão de fundo, no sentido de que não existiu qualquer inconstitucionalidade,
admitindo de resto o recurso posterior para o Tribunal Constitucional.
Não pode assim, haver, agora, lugar a aperfeiçoamento de conclusões o
articulados de alegações quanto ao referido recurso de forma a sanar aquilo que
chamaríamos uma irregularidade formal.
Assim, e apesar de considerarmos de grande interesse académico a decisão ora
reclamada pois indica num exemplo prático o procedimento formal rigoroso de como
se deve invocar a inconstitucionalidade num processo, entendemos porém, que ao
conseguir saber, por ser perceptível, que o que estava em causa era a
interpretação dada ao artº 364°, o Tribunal encontrava-se capaz de poder admitir
o recurso, conhecer e pronunciar-se sobre o mesmo, em nome de uma mais correcta,
célere e esclarecida administração da Justiça».
4. Notificados os recorridos, respondeu apenas o Ministério Público, que se
pronunciou pela manifesta improcedência da reclamação, face à evidente
inverificação dos pressupostos do recurso.
II. Fundamentação
Do conteúdo da presente reclamação não resulta nada que possa pôr em causa o
anteriormente decidido. Com efeito, o ora reclamante não demonstra a suscitação,
durante o processo, em termos processualmente adequados, da questão de
constitucionalidade (artigo 72º, nº 2, da LTC). Assim, e para além de se
reiterar o conteúdo da decisão sumária, importa apenas, face ao teor da
reclamação, assinalar duas notas.
Por um lado, em sede de recurso de constitucionalidade, “a norma sujeita a
fiscalização aparece sob a veste de um texto, de um preceito ou disposição
(artigo, base, número, parágrafo, alínea) e é a partir dessa forma verbal que
ela há-de ser encontrada, através dos métodos hermenêuticos” (Jorge Miranda,
Manual de Direito Constitucional, Coimbra Editora, vol. VI, 2ª edição, 2005, p.
166). Não pode, pois, no caso vertente, em que não houve sequer indicação do
preceito legal em causa, ter-se por observado o ónus de suscitação de uma
questão de inconstitucionalidade.
Por outro lado, e apesar de o tribunal recorrido ter admitido o recurso
posterior para o Tribunal Constitucional, importa ter presente que, como
expressamente decorre do disposto no artigo 76º, nº 3, da LTC, a decisão que
admite o recurso não vincula o Tribunal Constitucional.
Como o reclamante não contraria o sustentado na decisão sumária, resta concluir
pelo indeferimento da presente reclamação, mantendo a decisão de não
conhecimento do objecto do recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do
recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 14 de Outubro de 2005
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Artur Maurício