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Processo n.º 181/05
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O relator proferiu a seguinte decisão sumária:
“1. Na 3ª Vara Criminal de Lisboa, em processo comum, foram julgados os arguidos
A., B., C., D. e E., todos melhor identificados nos autos, tendo sido
condenados, por acórdão do tribunal colectivo de 3 de Dezembro de 2003, o
arguido A., pela prática de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes
agravado, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º1, e 24.º, alíneas b) e c),
do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 10 anos de prisão, a
arguida B., pela prática de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes,
previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1, do mesmo diploma, na pena de 4 anos
e 8 meses de prisão, e os arguidos C. e D., pela prática em co-autoria do mesmo
ilícito, cada um, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão. O arguido E. foi
absolvido.
Inconformados, recorreram os arguidos A. e D. para o Tribunal da Relação de
Lisboa que, por acórdão de 1 de Junho de 2004, julgou improcedentes os dois
recursos.
De novo inconformados, os mesmos arguidos recorreram para o Supremo Tribunal de
Justiça, formulando na motivação do recurso as seguintes conclusões [segue
transcrição]:
“1- Os recorrentes sustentaram (pelo silêncio) sempre e desde o primeiro
interrogatório desconhecer qualquer tipo de prática de actividade ilícita.
2- Sempre negaram a prática de qualquer tipo de ilícito, nomeadamente quanto a
tráfico de produto estupefaciente.
3- Daí repudiarem liminarmente que lhes seja imputada a venda, oferta, guarda ou
qualquer promoção em nome de terceiros o fornecimento de produto estupefaciente.
4- O tribunal a quo e confirmou a RELAÇÃO, AS PENAS de prisão (dez anos ao
primeiro e seis anos e seis meses ao segundo) sem ponderar minimamente nas
circunstancias atenuantes, que a favor deles militam de forma a eventualmente
lhes aplicar uma pena mais conforme com o eventual grau de culpa que se lhes
determine.
5- O tribunal a quo deu como provados alguns dos factos da acusação imputados ao
recorrente sobre os quais não se fez prova em audiência de julgamento nem sobre
eles os ora recorrentes alguma vez se tenham pronunciado
6- Assim o tribunal a quo ao fundamentar EXCLUSIVAMENTE a decisão recorrida nas
declarações dos agentes policiais em grande peso se fundamentam para as suas
prognoses em ... conversas informais ..., faz uma incorrecta interpretação da
prova.
7- O Tribunal a quo viola desta forma o critério de aplicação e medida da pena
dos art. 70° a 74° do CP
8- Mais clamoroso é o facto do tribunal a quo não considerar nunca o princípio
da aplicação do tratamento mais favorável ao arguido (in dubio pro reo)
9- Deve ainda ser devolvida a viatura automóvel X. apreendida nos autos e
propriedade do arguido D. Bens apreendidos n° 1, art. 35° DL15/93 de 22-l
VIOLAÇÃO DO ART 347° Nº 3 AL C) CPP
10- Deve ser concedido o BENEFICIO DE APOIO JUDICIÁRIO ao arguido A. na
Modalidade de Dispensa Total do Pagamento de Preparos e Custas Lei 30-E/200 de
22 de Janeiro.”
2. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 24 de Novembro de 2004, decidiu
rejeitar o recurso por manifesta improcedência, com os seguintes fundamentos
[segue transcrição da parte do acórdão com interesse para a presente decisão]:
“[...]
III. Como é jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal, o objecto do recurso
é delimitado pelas conclusões, sem prejuízo do conhecimento oficioso de outras
questões. Assim, importa tomar posição sobre a impugnação da matéria de facto (
conclusões l.ª, 2.ª, 3.ª, 5.ª, 6.ª e 8.ª), a medida da pena (conclusões 4.ª e
7.ª) e a restituição do veículo declarado perdido a favor do Estado (conclusão
9.ª).
1.ª Questão
Os recorrentes, embora na fundamentação do recurso refiram que o mesmo se
restringe à matéria de direito, controvertem a apreciação da prova nas
conclusões 1.ª, 2.ª, 3.ª, 5.ª, 6.ª e 8.ª, dizendo designadamente que o tribunal
deu como provados alguns factos sobre os quais não se fez prova em audiência de
julgamento e que fez «uma incorrecta interpretação da prova» .
Sabido que este Supremo Tribunal conhece exclusivamente de direito, sem prejuízo
do conhecimento oficioso dos vícios a que alude o artigo 410.º, n.º 2, do Código
de Processo Penal, não pode constituir fundamento do recurso a decisão sobre a
matéria de facto (artigos 428.º, n.º 1, 432.º, alíneas c) e d), e 434.º, do
Código de Processo Penal). Consequentemente, o recurso terá de improceder nesta
parte.
2.ª Questão
Os recorrentes limitaram-se a invocar na conclusão 4.ª que a Relação confirmou
as penas de prisão «sem ponderar minimamente nas circunstancias atenuantes, que
a favor deles militam de forma a eventualmente lhes aplicar uma pena mais
conforme com o eventual grau de culpa que se lhes determine» e na conclusão 7.ª
que foi violado «o critério de aplicação e medida da pena dos art. 70° a 74 do
CP».
Na fundamentação a alegação limita-a às passagens que em seguida se transcrevem:
«A pena aplicada é excessiva deve ser reduzida para o mínimo legal. No que
concerne ao primeiro dos recorrentes caso não se pugne pela sua absolvição.
Quanto ao segundo a pena deverá ser total revogada sendo este absolvido ou então
sendo a mesma reduzida para o mínimo legal.»
Constata-se assim que os recorrentes não explicitam as razões concretas da sua
discordância quanto à matéria da determinação das penas a que se procedeu no
acórdão recorrido, de forma a, ao menos, tentar demonstrar ao tribunal de
recurso que, segundo os preceitos legais aplicáveis, as penas aplicadas são
excessivas, envolvendo um erro de julgamento.
A impugnação das decisões judiciais por via dos recursos não pode quedar-se pela
simples manifestação de discordância em relação ao decidido. Destinando-se os
recursos a corrigir defeitos das decisões, os recorrentes terão de indicar quais
os vícios existentes, para que o tribunal de recurso, apreciando os fundamentos
invocados, mantenha ou altere o decidido.
Tem pois necessariamente de se concluir que os recorrentes não impugnaram a
decisão recorrida de forma a permitir a censura da mesma por este Supremo
Tribunal.
Consequentemente, o recurso não poderá veicular a apreciação da decisão
recorrida quanto à matéria das penas.
Todavia, sempre se dirá, de forma breve, que, por um lado, o acórdão da Relação
se pronunciou sobre todas as circunstâncias relevantes para a determinação da
medida das penas (atenuantes e agravantes), como se alcança de fls. 4048, 4049,
4053 e 4054, e, por outro, que as penas não se mostram excessivas, face à medida
da culpa, que é elevada em relação a qualquer dos recorrentes, e às prementes
exigências de prevenção especial e geral neste tipo de criminalidade.
O A. foi condenado pela prática de um crime de tráfico ilícito de
estupefacientes agravado previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º,
alíneas b) e c), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 10 anos
de prisão. Sendo a moldura penal de prisão de 5 a 15 anos, de harmonia com a
redacção dada ao artigo 24.º pela Lei n.º 11/2004, de 27 de Março, e
considerando designadamente a natureza do estupefaciente objecto do tráfico
(cocaína), a quantidade em causa (mais de 27 quilogramas no total) e a forma de
execução do crime (com a participação de várias pessoas e obedecendo a um plano
cuidadosamente elaborado), sendo duas as operações de tráfico, na ausência de
circunstâncias atenuantes, atento o disposto no artigo 71.º do Código Penal, não
merece reparo a pena aplicada.
O D. foi condenado pela prática de um crime de tráfico ilícito de
estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21°, n.º 1, do Decreto-Lei n.º
15/93, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão. Numa moldura penal de 4 a 12 anos
de prisão, atendendo principalmente à natureza do estupefaciente (cocaína), à
elevada quantidade do mesmo objecto do tráfico (24,100 quilogramas), à forma de
execução crime (mediante plano prévio bem elaborado) e à ausência de
antecedentes criminais como única circunstância atenuante, também não merece
reparo a pena aplicada.
3.ª Questão
[...]”
Notificado deste aresto, veio então o arguido A. pedir a aclaração do mesmo, nos
seguintes termos [segue transcrição parcial]:
“[...]
a) A fls. 6 do douto acórdão proferido por este Colendo Supremo Tribunal de
Justiça, explana o douto acórdão, no seu 2° parágrafo (relativo à 18 questão),
que:
'[ . . ] Sabendo que este Supremo Tribunal conhece exclusivamente de direito,
sem prejuízo de conhecimento oficioso dos vícios a que alude o art.º 410º, n.º
2, do Código de Processo Penal, não pode constituir fundamento do recurso a
decisão sobre matéria de facto[...].'
b) A fls.. 7 do douto acórdão proferido por este Colendo Supremo Tribunal de
Justiça, explana o douto acórdão, no seu 2° parágrafo, que:
' [. . .] Constata-se assim que os recorrentes não explicitam as razões
concretas da sua discordância quanto À matéria da determinação das penas a que
se procedeu no acórdão recorrido [ ...]”
Continuando no seu 4° parágrafo referindo que:
'[...] Tem pois necessariamente de se concluir que os recorrentes não impugnaram
a decisão recorrida de forma a permitir a censura da mesma por este Supremo
Tribunal.
Consequentemente, o recurso não poderá veicular a apreciação da decisão
recorrida quanto à matéria das penas [...]”
Face ao exposto, o arguido não entende o sentido que se deverá dar ao douto
acórdão ora visado nos seguintes parâmetros ( e respectivamente às supracitadas
alíneas):
a) atendendo a que o recorrente colocava em causa a sindicância de determinados
aspectos da matéria de facto provada e não provada, se da referência ao possível
conhecimento oficioso dos vícios a que alude o art.º 410°, n.º 2, do Código de
Processo Penal, se deverá concluir pela inexistência de tal vicio, uma vez que
nos parece conclusão plausível que o recorrente ao colocar em crise a matéria de
facto da forma como o fez fazia de alguma forma referencia à insuficiência para
a decisão da matéria de facto dada como provada (al. a) do n.º 2 do art.º 410°
do Cód. Processo Penal);
b) se pelo descrito no douto acórdão ora visado, por inclusão se conclui pela
desnecessidade de convite ao aperfeiçoamento das conclusões de recurso, em
detrimento da amplitude reconhecida ao direito de defesa do arguido - art.º 32°,
n.º 1, da Constituição -, tal como resulta do sentido de alguma jurisprudência
do Tribunal Constitucional e deste Supremo Tribunal, podendo assim resultar
desproporcionado o não conhecimento do recurso (podendo esse mesmo entendimento
ser ferido de inconstitucionalidade do referido n.º 1 do art.º 32° da
Constituição;
Ou se deverá ser dada outro sentido ao explanado no douto acórdão e agora
considerado em causa nos referidos pontos.”
Na sua resposta o Ministério Público pronunciou-se pela inexistência de qualquer
dúvida no acórdão, pugnando pelo indeferimento do pedido.
3. Por acórdão de 2 de Fevereiro de 2005 o Supremo Tribunal de Justiça
indeferiu a reclamação, fundamentando-se no seguinte:
“[...]
No caso, antes de mais, depara-se a dificuldade em perceber quais as
obscuridades que o requerente pretende imputar ao acórdão.
Nas conclusões da motivação do recurso para este Supremo Tribunal, o requerente,
que pretendeu impugnar a decisão da matéria de facto, não invocou a existência
de qualquer dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo
Penal.
No acórdão considerou-se que este Supremo Tribunal conhece apenas de direito,
sem prejuízo do conhecimento oficioso desses vícios. E daí, de forma muito
clara, concluiu-se, necessariamente, pela improcedência do recurso nessa parte.
No que concerne à desnecessidade do convite ao recorrente para aperfeiçoar as
conclusões do recurso, é matéria não abordada no acórdão e não tinha de o ser -
pelo que não se alcança o pedido de aclaração.
Refira-se, aliás, que, não obstante a falta de explicitação das razões concretas
da discordância do recorrente quanto à matéria da determinação das penas, tal
matéria foi abordada de forma abreviada.
Em conclusão: não se vislumbra a existência de qualquer obscuridade no acórdão.”
4. Notificado deste aresto veio o arguido A. interpor o seguinte recurso para o
Tribunal Constitucional:
“O presente recurso funda-se no disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 70° da Lei
Orgânica do Tribunal Constitucional, por inconstitucionalidade material dos
art.º 430.º n.º 1 e 410° n.º 2, ambos do Código de Processo Penal, que ao
colocarem limitações no direito ao recurso pelo arguido incorrem na violação do
disposto no n.º 1 do art.º 32° da Constituição da República Portuguesa,
inconstitucionalidades essas invocadas previamente no seu recurso.”
5. No caso em apreço, o recorrente não concretizou no requerimento de
interposição de recurso qual a interpretação dada às normas dos artigos 430.º,
n.º1, e 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, que reputa de
inconstitucional, nem identificou expressamente a decisão de que pretende
interpor recurso, e também não disse qual a peça processual em que suscitou a
questão em apreço, o que legitimaria o convite ao aperfeiçoamento do
requerimento, nos termos do n.º 5 do artigo 75.º-A da Lei do Tribunal
Constitucional.
Mas, quer se entenda que o recurso vem interposto do último acórdão de que o
recorrente foi notificado – o de 2 de Fevereiro de 2005, que indeferiu o pedido
de aclaração do acórdão de 24 de Novembro de 2004 – quer se entenda que o
recurso visa ambos os arestos, é inútil lançar mão do referido convite pois,
independentemente da concretização que viesse a ser efectuada, sempre seria de
proferir decisão sumária de não conhecimento do recurso, nos termos do n.º 1 do
artigo 78.º-A do mesmo diploma, o que se passa a fundamentar.
6. O presente recurso de constitucionalidade foi interposto ao abrigo do
disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, o
que implica, para que possa ser admitido e conhecer-se do seu objecto, a
congregação de vários pressupostos, entre os quais a aplicação pelo tribunal
recorrido, como ratio decidendi, de norma cuja inconstitucionalidade haja sido
suscitada durante o processo, considerada esta norma na sua totalidade, em
determinado segmento ou segundo certa interpretação, mediatizada pela decisão
recorrida.
Assim, competindo ao recorrente o ónus de suscitação, deverá este cumpri-lo,
referenciando-o normativamente, pondo, desse modo, em causa, por alegada
violação de preceito ou de princípio constitucional, o critério jurídico
utilizado na decisão ao aplicar a norma jurídica questionada. E, nesta medida,
quando se discuta uma dimensão interpretativa, deverá fazê-lo não só
atempadamente mas de forma clara e perceptível, em termos de o Tribunal
recorrido saber que tem essa questão para resolver e não subsistam dúvidas
quanto ao sentido da mesma.
7. No caso dos autos, o recorrente suscitou a inconstitucionalidade das normas
dos artigos 430.º, n.º 1, e 410.º, n.º2, do Código de Processo Penal no recurso
que interpôs do acórdão do Colectivo da 1ª Instância para o Tribunal da Relação
de Lisboa, entendendo que “o sistema de recursos perfilhado pelo CPP impede
quanto aos limites cognitivos, que o Tribunal da Relação reexamine a matéria de
facto”, “não permitindo deste modo a aplicação do princípio do duplo grau de
jurisdição”, concluindo pela sua inconstitucionalidade material por violação do
artigo 32.º, n.º1, da Constituição (cfr. conclusões. 1ª a 3ª da respectiva
motivação), não tendo este entendimento sido sufragado pelo acórdão daquela
Relação de 1 de Junho de 2004.
Porém, no recurso que interpôs, conjuntamente com o co-arguido D., para o
Supremo Tribunal de Justiça o recorrente não suscitou a inconstitucionalidade de
qualquer norma [nem as conclusões da motivação do recurso para o Supremo
Tribunal de Justiça, que se transcreveram, nem o texto da motivação referem
qualquer problema de constitucionalidade].
Na verdade, só aludiu, ainda que de modo deficiente, dada a falta de clareza do
seu requerimento, a uma eventual problemática de inconstitucionalidade com
referência à norma do artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, no
pedido de esclarecimento do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de
Novembro de 2004, e apenas no caso de o Supremo professar um dado entendimento
normativo que o recorrente indica naquele requerimento.
Ora, como se sublinhou, entre outros, no acórdão nº 269/94 (publicado no Diário
da República, II Série, de 18 de Junho de 1994), a questão de
constitucionalidade só se suscita de forma clara e perceptível, quando se
indica, além da norma (ou segmento dela ou uma dada interpretação da mesma) que
se tem por inconstitucional, em termos de que, se este Tribunal o vier a julgar
desconforme com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir, por
forma a que o tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros
destinatários daquela e os operadores jurídicos em geral, saibam qual o sentido
da norma em causa que não pode ser adoptado, também o porquê dessa
incompatibilidade com a Lei Fundamental
Porém, dado o modo como está redigido o requerimento não se apreende qual a
interpretação da norma que o recorrente pretende impugnar, já que não
questionando este as restantes normas aplicadas na decisão recorrida que
delimitam a competência do Supremo Tribunal de Justiça e referindo este Supremo
que dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal conhece
oficiosamente, não faz sentido a referência à omissão de um eventual convite
para aperfeiçoamento nesta matéria.
Deste modo, e independentemente de se averiguar se o pedido de esclarecimento é
ainda o momento oportuno para suscitar a questão de constitucionalidade,
entende-se não ter sido adequadamente suscitada uma questão de
constitucionalidade normativa, por forma a que o Supremo, ao apreciar o recurso,
soubesse que tinha de conhecer dela.
8. Ainda que assim se não entendesse e se concebesse uma interpretação da norma
em causa no sentido de que sindicando o recorrente determinados aspectos da
matéria de facto que [no seu entender] conduziriam à questão da “insuficiência
para a decisão da matéria de facto dada como provada”, a que se reporta a alínea
a) do n.º2 do citado artigo 410º, o Tribunal não podia rejeitar o recurso sem
previamente convidar o recorrente “ao aperfeiçoamento das conclusões de
recurso”, então, nesta hipótese, não se poderia conhecer do seu objecto, porque
o acórdão recorrido não aplicou a norma com essa interpretação.
Na verdade, quer do texto do acórdão de 24 de Novembro de 2004, quer do acórdão
que desatendeu o pedido de esclarecimento, de 2 de Fevereiro de 2005, que se
transcreveu, resulta que o Supremo perfilhou o entendimento de que o recorrente,
embora na fundamentação do recurso refira que o recurso se restringe à matéria
de direito, controverte a apreciação da prova nas conclusões 1.ª, 2.ª, 3.ª, 5.ª,
6.ª e 8.ª, dizendo designadamente que o tribunal deu como provados alguns factos
sobre os quais não se fez prova em audiência de julgamento e que fez «uma
incorrecta interpretação da prova e que, “sabido que este Supremo Tribunal
conhece exclusivamente de direito, sem prejuízo do conhecimento oficioso dos
vícios a que alude o artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não pode
constituir fundamento do recurso a decisão sobre a matéria de facto (artigos
428.º, n.º 1, 432.º, alíneas c) e d), e 434.º, do Código de Processo Penal)”.
Ou seja, o Supremo entendeu que a matéria constante daquelas conclusões
constituía impugnação da matéria de facto que não lhe competia conhecer,
invocando, para isso, o disposto nos artigos 428.º, n.º 1, 432.º, alíneas c) e
d) e 434.º, do Código de Processo Penal, sem prejuízo do conhecimento oficioso
dos vícios a que alude o artigo 410.º, n.º 2, do mesmo Código. E, acrescentou-se
no último aresto que o recorrente não invocou a existência de qualquer dos
vícios previstos neste preceito.
Não há, pois coincidência entre a questão interpretativa enunciada pelo
recorrente e a efectivamente aplicada pelo Supremo Tribunal de Justiça nos
arestos recorridos, sendo certo que não cabe no âmbito do recurso de
constitucionalidade, que, como se sabe é um recurso normativo, a questão de
saber se a matéria constante das supra mencionadas conclusões constitui
impugnação da matéria de facto ou se se reconduz à situação de “insuficiência
para a decisão da matéria de facto provada”, prevista na alínea a) do n.º 2 do
artigo 410.º, por tal constituir impugnação da decisão, em si mesma considerada,
e dos seus fundamentos.
Acresce que a norma do artigo 430.º, n.º 1 do Código de Processo Penal,
mencionada pelo recorrente no requerimento de interposição de recurso para o
Tribunal Constitucional, não foi aplicada pelas decisões recorridas e, por isso,
também dela não se pode conhecer.
9. Para o caso de se entender que a questão que o recorrente pretende ver
apreciada também engloba a apreciação da problemática referente à discussão da
medida da pena, tratada pelo Supremo na parte respeitante à “2ª Questão”, então,
além do que acima ficou dito, importa acrescentar que seria inútil a prolação de
qualquer decisão pois, ainda que o recorrente lograsse obter vencimento quanto à
questão de constitucionalidade, a decisão recorrida sempre se manteria
inalterável, já que o acórdão de 24 de Novembro de 2004 se pronunciou sobre a
medida da pena.
10. Nestes termos, ao abrigo do disposto no n.º1 do artigo 78.º-A da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, decide-se não tomar conhecimento do objecto do
recurso.
Custas a cargo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 unidades de conta.”
2. O recorrente reclamou para a conferência, ao abrigo do disposto
no n.º 3 do artigo 78º-A da LTC, sustentando o seguinte:
“(...)
Refira-se que
* A invocação de inconstitucionalidade, segundo o que resulta da lei, bastará
ter sido invocada em qualquer fase do processo (e não apenas imediatamente no
acto anterior àquele de que se recorre para o Tribunal Constitucional).
* desde que seja perceptível ao tribunal (de cuja decisão se recorre para o
Tribunal Constitucional) que se propalou pela inconstitucionalidade de uma
determinada norma quando interpretada em determinado sentido.
* tendo esse mesmo tribunal interpretado essa normas dessa forma que se pugnou
pela inconstitucionalidade.
8º
Certo é que o Colendo Supremo Tribunal de Justiça, ao apreciar dos recursos dos
então recorrentes da decisão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, não
apenas terão analisado esses recursos (sob pena de insipiência), como também
terão analisado, entre outros, o douto acórdão então proferido pelo Tribunal da
Relação de Lisboa.
9º
Pelo que, ainda que essa inconstitucionalidade houvesse sido suscitada no
recurso da 1ª instância para o Tribunal da Relação, logo o Supremo Tribunal de
Justiça teria conhecimento dessa arguição ao analisar o douto acórdão do
Tribunal da Relação de Lisboa (o qual faz referência a essa arguição de
inconstitucionalidade).
10º
sabendo assim o Supremo Tribunal de Justiça que havia já sido arguida uma
inconstitucionalidade, pelo que ainda que não tivesse que apreciar a mesma,
sempre teria que não enveredar pelo raciocínio de que se tinha arguido a
inconstitucionalidade.
11º
sob pena de eventual recurso para o Tribunal Constitucional uma vez que tal
entendimento inconstitucional havia já sido pugnando e tendo o STJ conhecimento
disso através da leitura do acórdão do TRL.
12º
Certo é que:
*O reclamante havia já durante o processo arguido inconstitucionalidade de norma
jurídica.
*O Supremo Tribunal de Justiça sempre teria conhecimento dessa arguição pela
simples leitura do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (leitura essa
obrigatória para decidir acerca dos recursos dos arguidos interpostos do TRL
para o STJ).
*Pelo que o STJ sempre teria conhecimento de já ter sido arguida a
inconstitucionalidade de determinada norma mediante determinada interpretação,
pelo que também seria óbvio que embora não tivesse o STJ no seu acórdão de
apreciar essa inconstitucionalidade, também não deveria pugnar pela aplicação
dessa norma com essa interpretação que se pugnou inconstitucional sob pena de
recurso para o Tribunal Constitucional, tal como sucedeu.
*Inegável é também que no seu recurso do Tribunal da Relação de Lisboa para o
Supremo Tribunal de Justiça, pugnava o ora reclamante por determinadas
interpretações processuais que se ligavam directamente à inconstitucionalidade
que já havia arguido, decidindo o STJ em sentido por que o arguido havia já
pugnado pela inconstitucionalidade.
Termos em que:
1- É admissível o recurso interposto para o Tribunal Constitucional da douta
decisão do Supremo Tribunal de Justiça por ter este último sufragado
entendimento que já se havia pugnado como inconstitucional.
2- Tendo esse entendimento a ver com a apreciação da matéria de facto, embora ao
Supremo Tribunal de Justiça apenas fosse questionado o entendimento em termos de
direito sobre como haveria de ser enquadrado aquele entendimento da matéria de
facto.
3- Pelo que a haver incorrecções, inexactidões ou imperfeições no recurso do ora
reclamante para o Tribunal Constitucional, sempre haverá este que ser convidado
a suprir essas irregularidades através do aperfeiçoamento, nos termos do n.º 5
do art.º 75.º-A da LTC.”
O Ministério Público responde que:
“1- A presente reclamação carece manifestamente de fundamentos, por
inverificação dos pressupostos do recurso interposto.
2- Na verdade – e como reconhece o reclamante – “abandonou”, no recurso
interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, a questão de constitucionalidade
que havia colocado perante a 2ª instância, o que, só por si, inviabiliza o
presente recurso.
3- Na verdade, não suscitou o recorrente, no Tribunal que proferiu a decisão
recorrida, em termos processualmente adequados, de modo a este estar obrigado a
conhecer da questão suscitada, qualquer questão de inconstitucionalidade
normativa, idónea para servir de base ao recurso que interpôs para este Tribunal
Constitucional.”
3. A reclamação assenta numa única ideia: a de que, para efeito de
interposição do recurso ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC,
basta que, em qualquer fase do processo, se tenha suscitado a questão de
constitucionalidade, desde que seja perceptível ao tribunal que proferiu a
decisão recorrida que se tem determinada norma, quando interpretada em certo
sentido, por inconstitucional e que esse tribunal faça aplicação da norma com
esse sentido. Concretizando: quem suscitou, sem sucesso, perante o Tribunal da
Relação, a inconstitucionalidade de determinada norma, pode interpor recurso do
acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que faça aplicação da mesma norma com o
sentido questionado, ainda que no recurso continuado para este último tribunal
não reedite a questão de constitucionalidade.
Sem necessidade de enumerar outros obstáculos que já resultariam das
regras gerais em matéria de recursos, este entendimento colide com o texto do
n.º 2 do artigo 72.º da LTC que dispõe expressamente que os recursos previstos
na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º “só podem ser interpostos pela parte que
haja suscitado a questão da inconstitucionalidade ( ...) de modo processualmente
adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este
estar obrigado a dele conhecer”. Passou a exigir-se expressamente que a parte
que interpõe recurso para o Tribunal Constitucional haja suscitado a questão
perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida e não somente durante o
processo como ainda poderia ser levado a pensar quem se ficasse pela leitura da
alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º.
Aliás, mesmo antes da redacção conferida ao n.º 2 do artigo 72.º da LTC pela Lei
n.º13-A/98, de 26 de Fevereiro, onde havia divergência jurisprudencial, a que
esta alteração pôs termo, era sobre um aspecto diferente do problema. Aquilo que
então se discutia era se, a quem litigava na posição de recorrido no tribunal
que proferiu a decisão impugnada, era exigível que suscitasse ou mantivesse
expressamente a questão de inconstitucionalidade, a título subsidiário, para a
hipótese de o tribunal ad quem vir a revogar a decisão recorrida (Cf., por
exemplo, Acórdão n.º 396/2001, publicado no Diário da República, II Série, de 14
de Fevereiro de 2001).
Por outro lado, como se disse na decisão reclamada, estando o
seguimento do recurso irremediavelmente comprometido por não ter sido cumprido o
ónus de suscitar a questão de constitucionalidade perante o tribunal a quo, o
convite previsto no n.º 6 do artigo 75.º-A da LTC seria acto inútil.
Tanto basta para julgar improcedente a reclamação e confirmar a
decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso, pelo essencial dos
seus fundamentos.
4. Decisão
Pelo exposto, acordam em indeferir a reclamação e condenar o
recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 6 de Abril de 2005
Vítor Gomes
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Artur Maurício