Imprimir acórdão
Processo n.º 101/05
1.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos de recurso vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que
é recorrente A. e recorrido o Instituto de Solidariedade e Segurança Social, foi
proferida decisão sumária, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, nº 1, da Lei
de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), por
se ter entendido que não podia conhecer-se do objecto do recurso, interposto ao
abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alíneas b) e g), da mesma Lei.
Foi decidido, por um lado, que a decisão recorrida não aplicou norma que
anteriormente o Tribunal Constitucional tivesse julgado inconstitucional (quanto
à referência à alínea g) do nº 1 do artigo 70º da LTC) e, por outro, que não foi
suscitada, durante o processo, a inconstitucionalidade de qualquer norma
aplicada pela decisão recorrida (no que concerne à alínea b) do mesmo preceito).
1.1. Quanto à interposição de recurso ao abrigo daquela alínea g), é o seguinte
o teor da decisão sumária:
“O recurso previsto no nº 5 do artigo 280º da Constituição da República
Portuguesa (CRP) e na alínea g) do nº 1 do artigo 70º da LTC cabe de decisões
dos tribunais que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional ou
ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional. Conforme acima ficou transcrito,
declarou a recorrente interpor recurso (também) ao abrigo desta alínea,
sustentando, tanto quanto é possível depreender do requerimento original de
interposição de recurso para este Tribunal e do aperfeiçoamento que lhe sucedeu,
que o Supremo Tribunal de Justiça aplicou na decisão recorrida uma norma (o
artigo 6º da Lei nº 7/2001, de 11 de Maio) que o Tribunal Constitucional havia
julgado inconstitucional pelo Acórdão nº 88/2004.
Sucede, porém, que a decisão do Tribunal Constitucional referida pela recorrente
(Diário da República, II Série, de 16 de Abril de 2004) não versou sobre o
aludido preceito, mas antes sobre “a norma que se extrai dos artigos 40º, nº 1 e
41º, nº 2, do Estatuto das Pensões de Sobrevivência do Funcionalismo Público,
quando interpretada no sentido de que a atribuição da pensão de sobrevivência
por morte de beneficiário da Caixa Geral de Aposentações, a quem com ele
convivia em união de facto, depende também da prova do direito do companheiro
sobrevivo a receber alimentos da herança do companheiro falecido, direito esse a
ser invocado e reclamado na herança do falecido, com o prévio reconhecimento da
impossibilidade da sua obtenção nos termos das alíneas a) a d) do art. 2009º do
Código Civil”.
Ora, a decisão recorrida não aplicou os preceitos referidos do Estatuto das
Pensões de Sobrevivência do Funcionalismo Público.
Acresce ainda – o que, de qualquer forma, não é relevante para aferir do
preenchimento dos pressupostos processuais do recurso previsto na alínea g) do
nº 1 do artigo 70º da LTC – que um dos artigos efectivamente utilizados para
fundamentar a decisão recorrida (o artigo 8º do Decreto-Lei nº 322/90, de 18 de
Outubro, referido pela recorrente no aperfeiçoamento do requerimento de
interposição de recurso e utilizado na fundamentação do acórdão da Relação –
fls. 126 e segs. – para o qual remete a decisão recorrida no seu ponto 3.) foi,
de facto, já objecto de apreciação pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão nº
195/03 (Diário da República, II Série, de 22 de Maio de 2003). No entanto, o
Tribunal veio então a decidir não julgar inconstitucional “a norma do artigo 8º,
nº 1, do Decreto-Lei nº 322/90, de 18 de Outubro, na parte em que faz depender a
atribuição da pensão de sobrevivência por morte do beneficiário da segurança
social, a quem com ele convivia em união de facto, de todos os requisitos
previstos no nº 1 do artigo 2020º do Código Civil”.
1.2. Relativamente à interposição de recurso ao abrigo da alínea b) do nº 1 do
artigo 70º da LTC, foi a seguinte a fundamentação:
“3. Como decorre da mera leitura da peça processual que a recorrente, face à
exigência contida na parte final do nº 2 do artigo 75º – A da LTC, identifica
como sendo aquela em que suscitou a questão de inconstitucionalidade (alegações
produzidas junto do Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do recurso de
revista), não foi ali suscitada, em passo algum, a inconstitucionalidade de
quaisquer disposições legais que tenham vindo a ser aplicadas pela decisão
recorrida.
3.1. Assim, por um lado, sustentou a recorrente então a inconstitucionalidade da
decisão do Tribunal da Relação de Lisboa:
“ao julgar improcedente a acção e, em consequência, ao absolver o réu/requerido
do pedido fez o Mº Juíz ‘a quo’ incorrecta interpretação da Lei e dos factos,
tendo violado, além do mais, os artigos 2020° do C. Civil, 6° e 3° al. e) da Lei
7/01, de 11 de Maio, 8° do DL 320/90 de 18 de Outubro e 2° e 3°do DR 1/94 de 18
de Janeiro, 2º, 18º, n.º 2, 36º, n.º 1, e 63º, n. ºs 1 e 3 da Constituição da
República Portuguesa”.
3.2. Por outro lado, referiu a recorrente no mesmo articulado que o Tribunal
Constitucional havia julgado inconstitucional, pelo Acórdão nº 88/04, os artigos
40º, nº 1 e 41º, nº 2 do Estatuto das Pensões de Sobrevivência:
“parece não ser de exigir a prova da verificação dos requisitos para a
atribuição de prestações sociais análogas, conforme se trate de interessados
ligados ao beneficiário pelo casamento, ou cuja titularidade aos referidos
benefícios resulte da existência de uma situação de união de facto.
Nesse sentido, entendeu o Tribunal Constitucional julgar insconstitucional, por
violação do princípio da proporcionalidade, a norma constante no Art. 40º n.° 1
e Art. 41 º n.º 2 do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, quando interpretada
no sentido de se fazer depender a atribuição da pensão de sobrevivência por
morte do beneficiário da prova da verificação dos requisitos exigidos pela lei
civil para a concessão da pensão de alimentos (cfr. Acórdão do T C. n.° 88/2004,
de 18 de Fevereiro)”.
4. Ora, no que concerne ao primeiro aspecto, importa ter presente que o recurso
de constitucionalidade é um recurso normativo: 'o controlo da
constitucionalidade é um controlo normativo incidente sobre normas e não sobre
decisões judiciais aplicadoras de normas (cf. Ac. TC 178/95, DR, II, 21-6-95 e
Ac. 674/98, DR, II, 25-2-2000) (...). Num plano prático, está vedado, por
exemplo, o recurso ao Tribunal Constitucional com fundamento em erros de
julgamento ou errada qualificação da matéria de facto' (Gomes Canotilho, Direito
Constitucional e Teoria da Constituição7, Almedina, p. 943. No mesmo sentido,
cf. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional. Inconstitucionalidade e
Garantia da Constituição, t. VI, Coimbra Editora, 2001, p. 201).
5. Quanto ao segundo passo do articulado, transcrito sob o ponto 3.2., este
demonstra que, no caso presente, não se verifica um outro requisito do recurso
de constitucionalidade que a recorrente pretendeu interpor: a aplicação, pela
decisão recorrida, da norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o
processo. De facto, o Supremo Tribunal de Justiça (como, aliás, a recorrente
parece vir a admitir no aperfeiçoamento ao requerimento de interposição de
recurso), não utilizou para fundamentar a decisão tomada os artigos 40º, nº 1, e
41º, nº 2, do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, cuja inconstitucionalidade
a recorrente havia suscitado (normas, aliás, não aplicáveis ao caso concreto).
Como se escreveu no Acórdão nº 284/94 (Diário da República, II Série, de 17 de
Junho de 1994, sublinhado aditado), “a apreciação das questões de
constitucionalidade por parte do Tribunal Constitucional no domínio dos
processos de fiscalização concreta, radiquem elas em decisões de rejeição ou de
aplicação de uma norma, está condicionada, consoante os casos, a uma efectiva
aplicação da norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o
processo, ou a uma potencialidade de aplicação dessa norma, isto é, não fora a
sua rejeição com base em inconstitucionalidade, a norma seria aplicável como
fundamento jurídico – normativo da decisão recorrida (cfr., inter alia, os
Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 318/90, 257/92 e 350/92, publicados no
Diário da República, II Série, de 15 de Março de 1991, de 18 de Junho de 1993 e
de 16 de Março de 1993, respectivamente)”.
6. Finalmente, decorre do exposto que em passo algum suscitou a recorrente,
durante o processo, a inconstitucionalidade da norma que, na resposta ao
despacho para aperfeiçoamento, identifica como sendo aquela cuja conformidade à
Constituição pretende que o Tribunal aprecie: o artigo 6º, da Lei nº 7/2001”.
2. Da decisão sumária vem agora a então recorrente reclamar para a conferência,
ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 78º-A da LTC, invocando o seguinte:
“1°
A Exmª Juíza Relatora decidiu sumariamente não tomar conhecimento do objecto
recurso, por considerar que não se encontram reunidos os pressupostos do
respectivo conhecimento.
2°
Isto porque, “o controlo da constitucionalidade é um controlo normativo
incidente sobre normas e não sobre decisões aplicadoras de normas (...)”; “não
se verifica (...) a aplicação, pela decisão recorrida, da norma cuja
inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo” e “(...) em passo algum
suscitou a recorrente, durante o processo, a inconstitucionalidade da norma que
(...) cuja conformidade à Constituição pretende que o Tribunal aprecie: Art.º 6°
da Lei n.º 7/2001.”
3°
Discordamos, com todo o respeito, desta decisão.
4°
Na verdade, nas alegações do recurso de revista apresentadas junto do Supremo
Tribunal de Justiça a recorrente alegou, em suma, que – no que se reporta à
atribuição das prestações decorrentes do decesso dos beneficiários do regime
geral de segurança social – não sendo exigível ao cônjuge do falecido demonstrar
a sua insuficiência económica, a insuficiência do acervo hereditário ou a
inexistência de familiares cuja situação económica seja susceptível de lhe
poderem prestar alimentos, parece carecer de sentido que se exija o cumprimento
desses requisitos para atribuição de prestações análogas quando estamos em face
de uma união de facto.
5°
Para corroborar a violação constitucional indiciada, a recorrente fez alusão ao
entendimento, seguido por esse Alto Tribunal no Acórdão n.º 88/2004, de 18 de
Fevereiro, de que a dependência da atribuição da pensão de sobrevivência por
morte do beneficiário da prova da verificação dos requisitos exigidos pela lei
civil para a concessão de alimentos é inconstitucional por violação do princípio
da constitucionalidade.
6°
Nele o Tribunal o Constitucional, partindo da autonomização do direito a
alimentos e do direito à pensão de sobrevivência, considerou que este surge
“mais do que como consequência do reconhecimento de uma necessidade de protecção
da família, fundada no artigo 67° da Constituição, como corolário do direito à
segurança social, previsto no artigo 63° também da Constituição” o que pode ser
“encarado como tradução de uma preocupação fundada na dignidade da pessoa
humana, referida no artigo 1°, e que resulta também do princípio do Estado de
Direito, consagrado no artigo 2°, ambos da Constituição”.
7°
Apesar do aludido Acórdão ter subjacente um regime jurídico diverso, certo é que
versa sobre uma questão de facto absolutamente análoga à do caso vertente.
8°
Note-se que o Art.º 6° da Lei 7/2001, de 11 de Maio, apresenta uma clara
similitude com o Art.º 41, n.º 2 do Estatuto das Pensões de Sobrevivência no
Funcionalismo Público.
Mas mais,
9º
Nas conclusões do recurso de revista a recorrente indicou as normas
constitucionais que considerou violadas (Art.ºs 2°, 18°, n.º 2, 36°, n.º 1 e
63°, n.ºs 1 e 3) com a interpretação do direito aplicável, designadamente do
Art.º 6° da Lei 7/2001, de 11 de Maio, operada pelo Tribunal da Relação de
Lisboa.
10º
Os Senhores Juízes Conselheiros conheceram da questão da inconstitucionalidade
suscitada. No entanto,
11°
Entenderam, apesar da consagração de novo entendimento por parte do Tribunal
Constitucional (Ac. 88/2004), não dever seguir tal jurisprudência.
12°
Face ao exposto resulta claro que a recorrente alegou a inconstitucionalidade da
norma constante do Art.º 6° da Lei 7/2001, de 11 de Maio, quando interpretada
(em conjugação com oArt.º 8° do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de Outubro e os
Art.ºs 2° e 3° do Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18 de Janeiro) no sentido de
que a atribuição da pensão de sobrevivência ao companheiro sobrevivo depende da
verificação dos requisitos exigidos pelos Art.ºs 2020° e 2009° do Código Civil e
ainda da alegação e prova da insuficiência do acervo hereditário do falecido
para lhe prestar socorro alimentar.
13°
O referido Art.º 6° da Lei 7/2001, de 11 de Maio, viola claramente o princípio
da proporcionalidade, ao restringir o direito constitucional à segurança social
e à protecção nas situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou
de capacidade para o trabalho.
14°
A garantia dos direitos fundamentais envolve o princípio da proporcionalidade, a
qual se eleva mesmo o verdadeiro princípio axiológico fundamental, sendo que
15°
As restrições aos direitos, liberdades e garantias devem “limitar-se ao
necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente
protegidos (Art.º 18°, n.º 2, 2ª parte da CRP).
16°
No caso sub judice, a norma restritiva em análise viola o princípio da
proporcionalidade, não só na vertente da proibição de excesso mas também a que
resulta do princípio geral do Estado de Direito (Art.º 2° da CRP).
Na verdade,
17°
“Estando em causa um direito consagrado na Constituição, o condicionamento
apontado não pode considerar-se legítimo, pois não respeita as exigências
Constitucionais: é, no mínimo, de muito duvidosa adequação ao fim que por
ventura visa atingir; não é indispensável e excede manifestamente o que seria
necessário. Deve, por conseguinte ser qualificado como desnecessário e
desproporcionado não respeitando, por isso, o princípio da proibição de excesso”
– in Ac.88/2004
18°
Escreve França Pitão: “Bastará, por isso, que se faça prova do preenchimento dos
requisitos legalmente impostos para a eficácia da união de facto, sendo
irrelevante nesta matéria, saber se o companheiro sobrevivo necessita ou não
dessas prestações para assegurar a sua sobrevivência ou como mero complemento
desta. Efectivamente, ao estabelecer-se o acesso a prestações sociais
pretende-se tão só permitir ao beneficiário um complemento para a sua
subsistência, decorrente do “aforro” que foi efectuado pelo seu falecido
companheiro, ao longo da sua vida de trabalho, mediante os descontos mensais
depositados à ordem da instituição de segurança social”. (União de Facto no
Direito Português, 2000, pág. 189 e 190).
19°
Concluindo, a recorrente invocou a inconstitucionalidade da norma cuja
constitucionalidade pretende ver apreciada.
20º
A referida questão de inconstitucionalidade foi suscitada aquando das alegações
do recurso de revista junto do Supremo Tribunal de Justiça.
21°
A referência ao Acórdão n.º 88/2004 do Tribunal Constitucional, constituiu
apenas um reforço jurisprudencial do entendimento versado pela recorrente
naquele articulado.
22°
Pois que o Art,º 41, n.º 2 do Estatuto das Pensões de Sobrevivência no
Funcionalismo Público apresenta uma clara similitude com o Art.º 6° da Lei
7/2001, de 11 de Maio (aplicável ao caso concreto).
23°
Apesar da similitude das normas e do facto do Tribunal Constitucional haver já
considerado inconstitucional a interpretação da lei no sentido de que a
atribuição da pensão de sobrevivência por morte do beneficiário, a quem com ele
convivia em união de facto, depende também da prova do reconhecimento da
impossibilidade de obtenção de alimentos nos termos das alíneas a) a d) do Art.º
2009° do Código Civil, o Supremo Tribunal Judicial fundamentou a decisão
recorrida tendo por base essa interpretação”.
3. Notificado ao recorrido o requerimento de reclamação para a conferência, não
foi apresentada qualquer resposta.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Antes de mais, importa assinalar, para efeitos de delimitação do objecto desta
reclamação, que a decisão relativa ao não conhecimento do objecto do recurso
interposto ao abrigo da alínea g) do nº 1 do artigo 70º da LTC não é questionada
pela reclamante. Do que resulta estar em causa apenas a parte da decisão sumária
que decidiu pela não verificação dos pressupostos do recurso interposto ao
abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC.
Para além de manter as referências ao Acórdão nº 88/2004, não utilizáveis no
caso em apreço, como agora é reconhecido nos artigos 7º, 8º, 21º e 22º da
reclamação, e de indicar por que razões, em seu entender, o artigo 6º da Lei nº
7/2001, de 11 de Maio, afronta a Constituição (artigos 13º a 18º da reclamação),
sustenta a reclamante ter suscitado, nas conclusões do recurso de revista, a
inconstitucionalidade deste artigo (artigos 9º a 12º, 19º e 20º da reclamação).
Importa sublinhar, no que concerne ao recurso ao abrigo da alínea b) do nº 1 do
artigo 70º da LTC, que a decisão sumária concluiu pelo não conhecimento do
objecto de recurso pelas seguintes razões: não suscitação, durante o processo,
da questão da inconstitucionalidade da norma contida no artigo 6º, da Lei nº
7/2001; imputação da inconstitucionalidade à decisão recorrida e não a qualquer
norma; e não aplicação, pela decisão recorrida, dos artigos 40º, nº 1, e 41º, nº
2, do Estatuto das Pensões de Sobrevivência.
Quanto a este último argumento, nada é referido pela reclamante. Relativamente
às restantes razões que fundaram a decisão sumária, do teor da reclamação nada
resulta que possa pôr em causa o anteriormente decidido, pois que a reclamante
continua a não demonstrar haver suscitado, durante o processo, uma questão de
constitucionalidade normativa, valendo inteiramente o que se escreveu nos pontos
3.1., 4. e 6. daquela decisão. A peça processual em que a reclamante indica
agora ter sido suscitada a questão de inconstitucionalidade é a mesma já ali
analisada e transcrita, não abalando a reclamação a conclusão a que então se
chegou: a recorrente afirmou a inconstitucionalidade da decisão, como o
demonstra, aliás, o facto de referir a violação simultânea de normas de direito
infra-constitucional e da Constituição:
“ao julgar improcedente a acção e, em consequência, ao absolver o réu/requerido
do pedido fez o Mº Juiz ‘a quo’ incorrecta interpretação da Lei e dos factos,
tendo violado, além do mais, os artigos 2020° do C. Civil, 6° e 3° al. e) da Lei
7/01, de 11 de Maio, 8° do DL 320/90 de 18 de Outubro e 2° e 3°do DR 1/94 de 18
de Janeiro, 2º, 18º, n.º 2, 36º, n.º 1, e 63º, n. ºs 1 e 3 da Constituição da
República Portuguesa” (sublinhado aditado).
Como se escreveu no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 489/04 (não
publicado), tal implica, de facto, o juízo de que tais normas estão em
consonância com a Constituição, sendo justamente a situação inversa que
justifica o recurso para este Tribunal: “se se utiliza uma argumentação
consubstanciada em vincar que foi violado um dado preceito legal ordinário e,
simultaneamente, violadas normas ou princípios constitucionais, tem-se por certo
que a questão de desarmonia constitucional é imputada à decisão judicial,
enquanto subsunção dos factos ao direito, e não ao ordenamento jurídico
infra-constitucional que se tem por violado com essa decisão, pois que se posta
como contraditório sustentar-se que há violação desse ordenamento e este é
desconforme com o Diploma Básico. Efectivamente, se um preceito da lei ordinária
é inconstitucional, não deverão os tribunais acatá-lo, pelo que esgrimir com a
violação desse preceito, representa uma óptica de acordo com a qual ele se
mostra consonante com a Constituição” (itálico aditado).
A recorrente nunca suscitou, pois, durante o processo, a inconstitucionalidade
da norma que identificou, no requerimento de interposição de recurso e no
aperfeiçoamento subsequente, como sendo aquela cuja conformidade constitucional
pretendia ver apreciada. Cumprindo apenas realçar que, face à regra expressa do
nº 2 do artigo 72º da LTC, tal momento não era já processualmente adequado para
a suscitação da questão de inconstitucionalidade.
Resta, pois, concluir pelo indeferimento da reclamação, com a consequente
manutenção da decisão de não conhecimento do objecto do recurso interposto para
o Tribunal Constitucional.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do
recurso.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia a reclamante.
Lisboa, 8 de Junho de 2005
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Artur Maurício