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Processo n.º 248/2005
2.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I
Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos
do Tribunal da Relação do Porto, em que figura como reclamante A. e como
reclamados o Ministério Público e B., o reclamado foi condenado pela autoria de
um crime de abuso de confiança agravado, por decisão da 4ª Vara Criminal do
Porto.
O arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto. Nas respectivas
alegações não suscitou qualquer questão de constitucionalidade normativa (cf.
fls. 535 e ss.).
O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 24 de Março de 2004, confirmou a
decisão recorrida.
2. Arguida a aclaração do acórdão de 24 de Março de 2004, foi a mesma
indeferida por acórdão de 27 de Outubro de 2004.
O arguido interpôs então recurso de constitucionalidade nos seguintes termos:
Nos autos à margem indicados em que é arguido
diz
A.
Que não se conformando com o aliás, Douto Acórdão por entender que o mesmo viola
o disposto no artigo 32 da Constituição da República Portuguesa dele pretende
interpor Recurso para o Tribunal Constitucional.
O Recurso é interposto nos termos do disposto nas alíneas b) e f) do artigo 70
da Lei do Tribunal Constitucional.
O recurso de constitucionalidade não foi admitido por despacho do seguinte teor:
O arguido apresentou requerimento do seguinte teor: não se conformando com o
Acórdão por entender que o mesmo viola o disposto no art.º 32º da Constituição
República Portuguesa dele pretende interpor recurso para o Tribunal
Constitucional.
O recurso é interposto nos termos do disposto nas alíneas b) e f) do artigo 70º
da LTC.
Liminarmente se dirá que não se mostram preenchidos os pressupostos de
admissibilidade do recurso.
Vejamos:
Art. 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro [Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional] :
1. Cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos
tribunais:
(...)
b) Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o
processo;
(...)
f) Que apliquem norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo
(...).
Não refere o recorrente, em inobservância clara do disposto no art.º 75º-A n.º 2
da lei n.º 28/82, a peça processual onde teria suscitado a questão da
constitucionalidade, o que poderia originar um convite do relator nos termos do
art.º 75º-A da LTC. Acontece que tal convite mostra-se inútil uma vez que
compulsados os autos, se verifica que nas alegações de recurso para a Relação -
momento oportuno para o fazer - não foi suscitada qualquer questão de
constitucionalidade de qualquer norma, mas apenas se deitou mão da alegação
genérica de que o arguido foi condenado com base em simples presunções que não
são meios de prova, mas simplesmente meios lógicos ou mentais que foram banidas
em processo penal pelo disposto no art.º 32º da Constituição.
E no recurso que agora interpõe, o que o recorrente sindica é a
constitucionalidade do Acórdão porque, no seu entender, o mesmo viola o disposto
no art.º 32º da Constituição da República. Ora o processo de fiscalização
concreta de constitucionalidade reporta-se a decisões que apliquem ou recusem a
aplicação em concreto de normas e não a decisões desligadas de qualquer norma.
Em suma não identifica o recorrente qualquer norma que reputa inconstitucional e
que tenha sido aplicada na decisão recorrida. Donde se conclui que o recorrente
não deu tempestivamente cumprimento ao ónus, previsto na alínea b) do n.º 1 do
art.º 70º e n.º 2 do art.º 72º da LTC, de suscitar de modo processualmente
adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida qualquer questão de
constitucionalidade, como nem agora o faz dado que o que sindica é a
constitucionalidade do acórdão, e não, como é pressuposto, de norma aplicada na
decisão recorrida, cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o
processo.
Conclui-se assim que não se mostram preenchidos os pressupostos de
admissibilidade do recurso, pelo que o mesmo vai indeferido, art.º 76º nºs 1 e 2
da LTC.
Decisão:
Não admito o recurso.
3. O arguido reclamou nos seguintes termos:
No Recurso Interposto para o Tribunal Constitucional
Vem
A.
Reclamar para Vossa Excelência da Douta Decisão proferida que não admitiu o
Recurso Interposto, nos termos do art. 405 do CPP e com os seguintes
Fundamentos:
Por Douta decisão de fls. não foi admitido o recurso interposto.
Pensamos, contudo, o mesmo é admissível.
Com efeito,
Para além da referencia extraída na Decisão em crise, no Recurso interposto para
o Venerando Tribunal da Relação, o ora reclamante e então recorrente pôs em
causa a interpretação que, segundo o seu ponto de vista, a Decisão em apreço, já
havia sido declarada inconstitucional , por ostensiva violação do dever de
fundamentar .- ut Ac TC 680/98 de 98-l2-02
Foi pois suscitada a inconstitucionalidade da norma tal como as Instâncias a
interpretaram.
Acreditamos, pois, que o recurso que não foi admitido viola o disposto no art.
70 b) e f) da Lei do Tribunal Constitucional.
Vossa Excelência, contudo, melhor decidirá.
O Ministério Público junto do Tribunal Constitucional emitiu o seguinte parecer:
A presente reclamação carece ostensivamente de fundamento sério, já que o
recorrente não suscitou, nem identifica, qualquer questão de constitucionalidade
normativa, idónea para servir de objecto ao recurso de fiscalização concreta
interposto.
Cumpre apreciar.
4. Sendo o recurso que o reclamante pretende ver admitido interposto ao abrigo
dos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da
Lei do Tribunal Constitucional, seria necessário, para que se pudesse tomar
conhecimento do seu objecto, que a questão de constitucionalidade tivesse sido
suscitada durante o processo.
O Tribunal Constitucional tem entendido este requisito num sentido funcional. De
acordo com tal entendimento, uma questão de constitucionalidade normativa só se
pode considerar suscitada de modo processualmente adequado quando o recorrente
identifica a norma que considera inconstitucional, indica o princípio ou a norma
constitucional que considera violados e apresenta uma fundamentação, ainda que
sucinta, da inconstitucionalidade arguida. Não se considera assim suscitada uma
questão de constitucionalidade normativa quando o recorrente se limita a
afirmar, em abstracto, que uma dada interpretação é inconstitucional, sem
indicar a norma que enferma desse vício, ou quando imputa a
inconstitucionalidade a uma decisão ou a um acto administrativo.
Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem igualmente entendido que a questão
de constitucionalidade tem de ser suscitada antes da prolação da decisão
recorrida, de modo a permitir ao juiz a quo pronunciar-se sobre ela. Não se
considera assim suscitada durante o processo a questão de constitucionalidade
normativa invocada somente no requerimento de aclaração, na arguição de nulidade
ou no requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade (cf., entre
muitos outros, o Acórdão nº 155/95, D.R., II Série, de 20 de Junho de 1995).
O reclamante pretende ver admitido um recurso interposto ao abrigo das alíneas
b) e f) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
No entanto, não identificou no requerimento de interposição do recurso para o
Tribunal Constitucional uma qualquer norma que considerasse inconstitucional ou
ilegal (nem mesmo na presente reclamação o fez) e não suscitou qualquer questão
de inconstitucionalidade ou de ilegalidade normativa susceptível de constituir
objecto do recurso previsto no artigo 70º, nº 1, alíneas b) e f), da Lei do
Tribunal Constitucional.
O recurso não podia, pois, ser admitido, já que não se verificam, de modo
manifesto, os respectivos pressupostos processuais.
Nessa medida, a presente reclamação será indeferida.
5. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente
reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs.
Lisboa, 12 de Abril de 2005
Maria Fernanda Palma
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos