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Processo n.º 714/2006
Plenário
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional
1.
A. recorreu para o Tribunal Constitucional – ao abrigo do disposto na alínea b)
do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro (LTC) – dos acórdãos
proferidos no Supremo Tribunal de Justiça em 1 de Março e em 3 de Maio de 2006.
Por decisão sumária lavrada em 8 de Janeiro de 2007 (fls. 10578), o relator
decidiu não conhecer do objecto destes recursos.
O recorrente reclamou contra esta decisão, mas a conferência a que alude o n.º 3
do artigo 78-A da LTC confirmou em 27 de Fevereiro de 2007 – Acórdão n.º
139/2007 – a decisão de não conhecimento dos recursos.
Pretendeu, então, o interessado recorrer deste último aresto para o plenário do
Tribunal, invocando para o efeito o disposto no artigo 79.º-D da LTC (fls.
10787). Mas o pedido foi indeferido, em 22 de Março de 2007, por despacho do
seguinte teor:
“Tem sido entendimento constante deste Tribunal, espelhado, por exemplo, no
Acórdão n.º 393/93, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, que o recurso
previsto no artigo 79º-D da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro apenas cabe das
decisões que apreciem a questão de inconstitucionalidade que é objecto do
recurso; tal não acontece nos casos – como o presente – em que o recurso,
interposto com fundamento em inconstitucionalidade normativa, não chega a ser
conhecido por falta de pressupostos.
Em consequência, não admito o recurso que o recorrente A. pretende interpor do
Acórdão 139/2007 para o plenário do Tribunal, com fundamento na aludida norma”.
É deste despacho que o mesmo recorrente reclama para o plenário deste Tribunal,
dizendo:
- Pelo Acórdão 139/2007 foi decidido indeferir a reclamação para a Conferência,
mantendo-se a anterior decisão de não conhecer do recurso interposto.
- Inconformado com tal decisão, pretendeu o ora reclamante recorrer do mesmo
para o Plenário deste Tribunal.
- Pese embora o entendimento de que tal recurso só é admissível quando o
Tribunal “vier a julgar a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade em
sentido divergente do anteriormente decidido...” a decisão “liminar” de não
conhecimento do recurso não deixa de ser na verdade, um julgamento sobre a
questão das inconstitucionalidades suscitadas pelo recorrente no seu
requerimento de interposição de recurso, as quais deixam de ser apreciadas pelo
Tribunal.
- O Tribunal Constitucional tem-se pronunciado efectivamente em vários acórdãos
pela inconstitucionalidade de várias normas e também pela interpretação
inconstitucional que alguns tribunais têm feito de algumas normas que aplicam
nas suas decisões,
- Razão pela qual o recorrente, usando do seu direito ao recurso, garantido
constitucionalmente no Artigo 32º, n.º 1 da C.R. Portuguesa, pretendeu que a
interpretação de determinadas normas fosse sindicada por este Tribunal.
- Acontece porém que o Acórdão recorrido ao decidir o não conhecimento do
recurso, impediu o reclamante de ver apreciadas as questões das
inconstitucionalidades suscitadas, sendo que o fundamento para o não
conhecimento do recurso assentou, essencialmente, no facto do reclamante não ter
questionado a conformidade constitucional de normas jurídicas aplicadas na
decisão recorrida.
- Contudo o recorrente ora reclamante entende que tal foi efectuado.
- Efectivamente o recorrente, dando cumprimento ao despacho de aperfeiçoamento,
esclareceu quais as normas jurídicas aplicadas pelo Tribunal recorrido que se
encontravam interpretadas de forma inconstitucional.
- Tais desconformidades constitucionais encontram-se contudo vertidas nos
Acórdãos da 1ª e 2ª Instâncias, tendo sido sufragadas pelo Acórdão do STJ sob
recurso.
- Com efeito ao longo do processo e já na motivação do seu recurso para a
Relação, o recorrente afirmava na sua conclusão 33ª:
“A falta do exame crítico das provas constitui interpretação materialmente
inconstitucional do art. 74º, n.º 2 do CPP, por infringir o Art. 205º, nº 1 da
CRP, conjugado com o Art 32º, n.º 1 da CRP.
- E na conclusão 38ª:
“As normas consagradas nos artigos 433 e 410, n.º 2 e 430, n.º 1 infringem o
duplo grau de jurisdição consagrados no Art. 32º, n.º 1 da CRP.”
- Também na sua motivação de recurso para o STJ, o recorrente questionava a
conformidade constitucional das normas jurídicas aplicadas quer no Acórdão da
1.ª Instância quer no Acórdão da Relação e pela forma seguinte:
Conclusão 5ª: “Se for esta a Interpretação dos Artigos 430 e 410, n.º 2 citados,
então estão feridos de inconstitucionalidade.”
Conclusão 8ª: “As normas consagradas nos artigos 433, 430, n.º 2 e 430, n.º 1
todos do CPP são inconstitucionais por violação do disposto no Art. 32º, n.º 1
da CRP.
Conclusão 12ª: Se se entender que o Artigo 347º, n.º 2 do CPP não exige o exame
crítico das provas em relação aos factos que justificam a condenação (e que
foram considerados provados), então tal norma está ferida de
inconstitucionalidade, por violar o disposto no Artigo 205º, n.º 1 e Art. 32º,
n.º 1, ambos da CRP.”
- A questão que se coloca é a de saber se das citadas conclusões e do conteúdo
do seu requerimento de interposição de recurso para este Tribunal Constitucional
e bem assim da resposta ao despacho de aperfeiçoamento sobre as normas que o
recorrente pretendia ver apreciadas, o recorrente questionou ou não de forma
expressa e inequívoca, a conformidade constitucional das citadas normas
jurídicas aplicadas na decisão como ratio decidendi.
- Como já foi decidido no Acórdão deste Tribunal n.º 415/2006, o essencial é que
da “comunidade das palavras e enunciados” do recorrente, resulte uma clara
afirmação da violação de interpretação desconforme à Constituição feita pelos
tribunais recorridos das normas jurídicas que serviram de ratio decidendi.
- Ora o recorrente, ao longo do processo, por várias vezes declarou de forma
expressa que a interpretação de determinadas normas feita quer pelo acórdão da
1ª Instância quer da 2ª Instância eram desconformes à Constituição.
- Tais afirmações feitas pelo recorrente por variadíssimas vezes são suficientes
à luz do decidido no citado Acórdão 415/2006, para concluir que o recorrente
questionou por diversas vezes a conformidade constitucional de várias normas
jurídicas aplicadas nas decisões — 1ª Instância, 2ª Instância e STJ.
- Por outro lado, o Tribunal Constitucional, nos termos do disposto no artigo
76-C da citada Lei 28/82, não está obrigado a apreciar apenas à apreciação
[assim no texto] da inconstitucionalidade com base nos fundamentos do
recorrente, “podendo fazê-lo com fundamento na violação de normas ou princípios
constitucionais ou legais, diverso daquele cuja violação foi invocada.”
- Este poder dever do Tribunal Constitucional impõe a apreciação das
inconstitucionalidades suscitadas pelo recorrente, mesmo com fundamentos
diferentes dos invocados pelo recorrente.
- Assim sendo, e porque o Tribunal Constitucional tem este poder dever de
apreciação das violações das normas e princípios constitucionais, e porque os
Acórdãos recorridos — 1ª e 2ª Instância e STJ, procederam a interpretações
verdadeiramente inconstitucionais de diversas normas que consubstanciam a
violação de normas e princípios constitucionais, nomeadamente o disposto no
artigo 205º, n.º 1 e artigo 32º, n.º 1, ambos da CRP, tendo-se violado o
princípio do legislador.
- Também por esta razão o recurso deveria ter sido admitido, a fim do tribunal
se poder pronunciar nos termos referidos.
- Porém não admitido o recurso, o recorrente ficou impedido de ver o Tribunal
Constitucional apreciar as citadas inconstitucionalidades, por razões meramente
processuais.
- Se uma interpretação inconstitucional feita por um determinado tribunal, deixa
de ser apreciada por razões de menor rigor do competente requerimento de
interposição de recurso, apesar de ser notória a desconformidade constitucional
da interpretação feita por esse tribunal na decisão recorrida, então o arguido
não tem efectivamente asseguradas todas as garantias de defesa que estão
contempladas no artigo 32º, n.º 1 da CRP.
- Essas, “todas as garantias de defesa”, parece poderem ser asseguradas em sede
de recurso constitucional, mesmo oficiosamente nos termos do citado artigo 79º-C
da Lei 28/82.
- Quem melhor que o Tribunal Constitucional poderá assegurar a filtrar [assim no
texto] as interpretações inconstitucionais de decisões de Tribunais de
instâncias inferiores?
- Caberá pois, ao Tribunal Constitucional oficiosamente essa tarefa de guardião
da correcta interpretação das normas aplicadas pelos Tribunais inferiores em
processo penal, por forma a que aos cidadãos seja assegurada efectivamente a sua
defesa.
- Porque a decisão do não conhecimento do recurso impediu o recorrente de ver
apreciadas as suscitadas inconstitucionalidades, e porque o entendimento que
fundamentou tal decisão pode ser divergente do decidido em outros Acórdãos deste
Tribunal, nomeadamente no Acórdão 415/2006, e porque tal não conhecimento do
recurso, impede a defesa do recorrente que é um direito de natureza processual
nos termos do artigo 20º da Constituição, viola-se o disposto no n.º 1 do artigo
32º da Constituição,
- Pelo que deverá ser apreciada a suscitada desconformidade constitucional das
normas aplicadas nas decisões recorridas, feitas pelo recorrente, decidindo-se
pela admissão do seu recurso.
- Devendo consequentemente ser julgada procedente a Presente Reclamação,
admitindo se o recurso para o Plenário, a fim de ser decidida a admissibilidade
do recurso constitucional interposto e não admitido.
- A Presente Reclamação é legalmente admissível nos termos do disposto no artigo
688º do CPC, aplicável ex vi do artigo 69º da Lei 28/82 de 15 de Novembro.
O representante do Ministério Público, ouvido sobre a reclamação, disse:
1.º – A presente reclamação carece manifestamente de fundamento sério.
2.º – Na verdade, a argumentação do reclamante assenta em evidente e
indesculpável desconhecimento acerca da funcionalidade e pressupostos do recurso
destinado à uniformização de jurisprudência pelo Tribunal Constitucional.
Cumpre decidir.
2.
É clara a improcedência da reclamação.
Efectivamente, o acórdão de que pretende o reclamante recorrer decidiu não
conhecer do recurso por ele interposto para este Tribunal ao abrigo da alínea b)
do n.º 1 do artigo 70º da LTC dos acórdãos proferidos no Supremo Tribunal de
Justiça em 1 de Março e em 3 de Maio de 2006.
Através desta decisão o Tribunal Constitucional recusou-se a apreciar qualquer
questão de inconstitucionalidade normativa, por entender que se não verificavam
os pressupostos que condicionam a admissibilidade de tal recurso.
Não pode, por isso, ter aplicação o disposto no artigo 79.º-D da referida LTC,
norma que prevê recurso para o plenário da decisão que julgar a questão da
inconstitucionalidade ou da ilegalidade em sentido divergente do anteriormente
adoptado, quanto a essa norma, por qualquer das secções do Tribunal.
Como se sublinhou no despacho ora em reclamação, apenas cabe tal recurso das
decisões que conheçam da questão de inconstitucionalidade ou ilegalidade que é
objecto da impugnação, o que não é o caso.
Não tem, aliás, o mínimo apoio legal a alegação de que cabe ao Tribunal
Constitucional a tarefa de sindicar oficiosamente as decisões dos tribunais
proferidas 'em processo penal', com vista a que 'aos cidadãos seja assegurada
efectivamente a sua defesa'.
Para além disso, é manifesto que, reservando este recurso para os casos em que o
Tribunal haja efectivamente decidido a questão da inconstitucionalidade (ou da
ilegalidade) em sentido divergente do anteriormente adoptado, o legislador não
desprotege as garantias de defesa dos arguidos em processo penal.
Indefere-se, em suma, a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 16 de Maio de 2007
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Ana Maria Guerra Martins
Rui Pereira
Mário José de Araújo Torres
Maria Lúcia Amaral
Vítor Gomes
Carlos Fernandes Cadilha
Benjamim Rodrigues
João Cura Mariano
José Borges Soeiro
Rui Manuel Moura Ramos