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Processo n.º 611/05
Plenário
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam em plenário no Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.O Ministro da República para a Região Autónoma dos Açores veio, nos termos do
disposto no n.º 2 do artigo 278.º da Constituição da República Portuguesa (em
conjugação com o n.º 1 do artigo 45.º da Lei Constitucional n.º 1/2004, de 24 de
Julho) e dos artigos 57.º e seguintes da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro,
requerer a apreciação preventiva da constitucionalidade das normas dos artigos
14.º, n.ºs 1 e 3, alínea c), 15.º, 19.º, 50.º, 51.º, n.º 2, 52.º, 53.º e 57.º do
“Regime Jurídico do Planeamento, Protecção e Segurança das Construções
Escolares”, aprovado pelo Decreto da Assembleia Legislativa da Região Autónoma
dos Açores n.º 23/2005. Essas normas têm a seguinte redacção:
“Artigo 14.º
Objectivos
1. A carta educativa visa assegurar a adequação da rede de estabelecimentos de
educação pré-escolar e do 1.º ciclo do ensino básico para que, em cada momento,
as ofertas educativas disponíveis a nível municipal respondam à procura efectiva
que ao mesmo nível se manifestar.
2. (...)
3. A carta educativa deve:
a) (...)
b) (...)
c) Garantir a coerência da rede educativa com a política urbana do município e a
articulação com a rede educativa dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e ensino
secundário, tendo em conta as infra‑estruturas existentes e as constantes dos
instrumentos regionais de planeamento, incluindo a carta escolar.”
“Artigo 15.º
Objecto
1. A carta educativa tem por objecto a identificação, a nível municipal, dos
edifícios e equipamentos educativos, e respectiva localização geográfica, bem
como das ofertas educativas da educação pré-escolar e do primeiro ciclo do
ensino básico, incluindo as suas modalidades especiais de educação, e da
educação extra-escolar.
2. A carta educativa incide sobre os estabelecimentos de educação pré‑escolar e
do primeiro ciclo do ensino básico das redes pública, privada, cooperativa e
solidária.”
“Artigo 19.º
Efeitos
Depois de aprovada e ratificada, a carta educativa constitui um instrumento de
orientação da gestão do sistema educativo, sendo responsabilidade da autarquia,
nos termos do n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, a
concretização dos investimentos nas infra-estruturas da educação pré-escolar e
do 1.º ciclo do ensino básico ali previstas, sem prejuízo do co‑financiamento
comunitário e regional a que haja lugar nos termos legais e regulamentares
aplicáveis.”
“Artigo 50.º
Construção
1. No âmbito dos investimentos previstos no domínio da construção de
infra-estruturas escolares, as autarquias adquirem os terrenos, elaboram o
projecto e constroem os edifícios escolares destinados ao funcionamento da
educação pré-escolar e ao 1.º ciclo do ensino básico que constem da carta
educativa por elas aprovada.
2. Compete à administração regional autónoma, supletivamente ao disposto no n.º
1 do artigo 19.º da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, a aquisição, projecto e
construção das instalações escolares destinadas aos 2.º e 3.º ciclos do ensino
básico e ao ensino secundário.
3. Supletivamente, e quando conste da carta escolar em vigor, pode a
administração regional autónoma projectar e construir ou ampliar instalações
escolares, propriedade da Região, destinadas ao funcionamento da educação
pré-escolar ou do primeiro ciclo do ensino básico quando:
a) Integradas em unidades orgânicas que englobem quaisquer dos outros níveis ou
ciclos de ensino;
b) Em situações excepcionais, decorrentes de calamidades ou outras similares, e
mediante deliberação do conselho do governo.”
“Artigo 51.º
Manutenção
1. (...)
2. Sem prejuízo de eventuais contratos de cooperação, celebrados ao abrigo do
disposto no Decreto Legislativo Regional n.º 32/2002/A, de 8 de Agosto, nos
termos do n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, cabem às
autarquias os investimentos na manutenção dos edifícios escolares destinados ao
funcionamento da educação pré-escolar e ao 1.º ciclo do ensino básico que sejam
sua propriedade, nomeadamente, suportando os custos com os consumos de
electricidade e água.”
“Artigo 52.º
Equipamento
1. Constitui encargo da administração regional autónoma a aquisição e manutenção
do mobiliário e equipamento escolar básico, do material didáctico e dos
equipamentos tecnológicos, lúdicos e desportivos necessários ao funcionamento
dos estabelecimentos de educação e de ensino da rede pública.
2. Os mobiliários e equipamentos escolares a que se refere o número anterior são
propriedade da Região, ficando integrados no património, sob administração da
unidade orgânica do sistema educativo em que o estabelecimento escolar se
insira.”
“Artigo 53.º
Transferência de património
Por resolução do Governo Regional, a solicitação da autarquia interessada, podem
ser transferidos para o património municipal imóveis escolares, propriedade da
Região, onde funcione em exclusivo a educação pré-escolar e o 1.º ciclo do
ensino básico.”
“Artigo 57.º
Infra-estruturas escolares da Região
1. Integram o património municipal, com dispensa de qualquer formalidade, os
estabelecimentos da educação pré-escolar e do 1.º ciclo do ensino básico que não
tenham ainda sido registados a favor da autarquia e se encontrem em qualquer das
seguintes categorias:
a) Tenham sido construídos ou adquiridos pelas autarquias ou a elas legados,
incluindo as antigas escolas paroquiais;
b) Tenham sido construídos na decorrência do Plano dos Centenários, aprovado em
Conselho de Ministros de 15 de Julho de 1941;
c) Tenham sido construídos ao abrigo do disposto na Lei n.º 2107, de 5 de Abril
de 1961, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º
49070, de 20 de Junho de 1969, pelo Decreto‑Lei n.º 299/70, de 27 de Junho, pelo
Decreto-Lei n.º 487/71, de 9 de Novembro, pelo Decreto-Lei n.º 675/73, de 20 de
Dezembro, e pela Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro;
d) Resultem da reconstrução, requalificação ou ampliação, mesmo quando executada
pela administração regional autónoma ou pelas extintas Juntas Gerais, de imóveis
que se integrem em qualquer das alíneas anteriores;
e) Tenham sido construídos pela autarquia em colaboração ou cooperação com a
administração regional autónoma, mesmo quando o terreno se encontre registado a
favor da Região ou das extintas Juntas Gerais.
2. Constituem património da Região os estabelecimentos da educação pré‑escolar e
do 1.º ciclo do ensino básico que se integrem em qualquer das seguintes
categorias:
a) Estejam registados a favor das extintas Juntas Gerais dos Distritos Autónomos
ou da Região, com excepção dos que se integrem em qualquer das categorias do
número anterior;
b) Integrem outros níveis ou ciclos de ensino, para além da educação pré-escolar
e do 1.º ciclo do ensino básico;
c) Foram ou venham a ser adquiridos ou construídos pela administração regional
autónoma em imóveis propriedade da Região.
3. O disposto no presente diploma constitui título bastante para efeitos de
registo de edifícios escolares a favor das autarquias ou da Região.
4. Até 60 dias após a entrada em vigor do presente diploma é publicada, por
despacho conjunto dos membros do Governo Regional competentes em matéria de
finanças e educação, a listagem dos imóveis afectos à educação pré-escolar e ao
1.º ciclo do ensino básico que são propriedade da Região.”
2.O pedido vem formulado nos seguintes termos:
«I
No dia 5 de Julho de 2005, foi recebido no Gabinete do Ministro da República
para a Região Autónoma dos Açores o Decreto da Assembleia Legislativa Regional
n.º 23/2005, que aprova o Regime Jurídico do Planeamento, Protecção e Segurança
das Construções Escolares (anexo), para efeitos de assinatura como decreto
legislativo regional, nos termos do n.º 2 do artigo 233.º da Constituição.
II
Sucede que as normas acima referenciadas – que, sublinhe-se, assumem uma posição
decisiva no que toca à repartição de competências, no domínio educativo, entre a
Região Autónoma dos Açores e os municípios nela sedeados – suscitam uma
importante questão de constitucionalidade, que interessa ver dissipada antes da
entrada em vigor do diploma em causa.
Com efeito, o regime que se extrai das diversas normas em apreciação afigura-se
de duvidosa conformidade com o disposto nos n.º s 1 e 2 do artigo 19.º da Lei
n.º 159/99, de 14 de Setembro – Lei-Quadro da Transferência de Atribuições e
Competências para as Autarquias Locais, pontualmente alterada pela Lei n.º
55-B/2004, de 30 de Dezembro –, que constitui não apenas um diploma emanado pela
Assembleia da República ao abrigo da sua reserva de competência legislativa em
matéria de “estatuto das autarquias locais”, como é também um diploma
directamente aplicável em todo o território nacional. É o que resulta, por um
lado, da alínea q) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição e, por outro lado,
do artigo 33.º da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, e da própria qualificação
desta como “lei geral da República” – qualificação que, não obstante ter
caducado com a revisão constitucional de 2004, não deixa de revelar a sua
aplicabilidade também no território insular.
Em consequência, a ser verdade que as normas acima referidas do Decreto da
Assembleia Legislativa Regional n.º 23/2005 dispõem de forma divergente em
relação a normas legais produzidas no âmbito da reserva relativa de competência
legislativa da Assembleia da República e vigentes nos Açores, significará isso
então que aquele órgão legislativo regional ultrapassou os parâmetros da sua
própria competência normativa, fixada no n.º 4 do artigo 112.º, nas alíneas a),
b) e c) do n.º 1 do artigo 227.º e no artigo 228.º da Constituição (bem como,
transitoriamente, no artigo 8.º do Estatuto Político‑Administrativo dos Açores).
Concretamente, ter-se-á violado o parâmetro negativo da competência legislativa
regional constituído pelas “matérias reservadas aos órgãos de soberania”.
III
É sabido que a revisão constitucional de 2004 alterou muito substancialmente os
tradicionais parâmetros da competência legislativa regional – “interesse
específico”, “matérias reservadas aos órgãos de soberania” e “princípios
fundamentais das leis gerais da República” –, o que fez fundamentalmente com o
propósito declarado de alargar essa mesma competência, mas também com o
objectivo de proporcionar às assembleias legislativas dos Açores e da Madeira um
maior índice de segurança jurídica no desempenho da respectiva actividade
normativa. Contudo, em vários aspectos, não é claro o exacto sentido da Lei
Constitucional n.º 1/2004, de 24 de Julho, no que toca à delimitação dos poderes
legislativos regionais.
A) Desde logo, no que respeita ao conceito de interesse específico, não é fácil
interpretar o seu completo “desaparecimento” das disposições da Lei Fundamental
respeitantes à configuração da competência legislativa regional – o n.º 4 do
artigo 112.º, as alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 227.º, e o n.º 1 do
artigo 228.º -, tendo aí sido substituída pela expressão “matérias enunciadas no
(...) estatuto político-administrativo”. Assim sucede porquanto, mais do que um
verdadeiro limite à legislação regional, o interesse específico sempre se
apresentou como o fundamento, por excelência, de todas as competências
legislativas regionais e, bem assim, de várias outras competências dos órgãos de
governo próprio dos Açores e da Madeira. Daí a utilização da expressão “limite
positivo” para designar o dito conceito de interesse específico – expressão de
há muito utilizada por Gomes Canotilho e, na sua senda, pela própria
Jurisprudência Constitucional –, que outra coisa não significa senão “fundamento
para uma legislação própria”, diferenciada da legislação nacional e, por isso,
melhor adaptada à realidade regional e às concretas necessidades de
desenvolvimento económico e social das Regiões Autónomas. Numa palavra, mais do
que um simples limite ao poder legislativo regional, o interesse específico
surgia, na arquitectura constitucional, como a pedra angular do edifício da
autonomia político‑administrativa dos Açores e da Madeira, nas suas diferentes
vertentes.
Em consequência da revisão constitucional de 2004, pelo menos duas grandes
alternativas hermenêuticas parecem hoje perfilar-se quanto ao destino do
conceito de interesse específico. De acordo com uma primeira alternativa, o
legislador de revisão constitucional terá eliminado definitivamente o conceito
de interesse específico como parâmetro fundante da competência legislativa
regional, fazendo tábua rasa de toda a elaboração dogmática e jurisprudencial
que, em torno de tal conceito, se tinha vindo a desenvolver desde 1976. O
legislador estatutário deverá, em consequência, adoptar na próxima revisão dos
estatutos político-administrativos um catálogo taxativo de matérias sobre as
quais as assembleias legislativas regionais poderão exercer a sua competência
sempre e em quaisquer circunstâncias.
Já de acordo com a segunda alternativa, o legislador de revisão constitucional
ter-se-á limitado a desconstitucionalizar o parâmetro positivo definidor da
competência legislativa regional, gozando agora o legislador estatutário – numa
veste especialmente qualificada, porque deliberando por maioria de 2/3 dos
deputados presentes na Assembleia da República, e após iniciativa legislativa
reservada das assembleias legislativas dos Açores e da Madeira (alínea f) do n.º
6 do artigo 168.º e n.º 1 do artigo 226.º - de uma significativa margem de
liberdade conformativa, para, considerando os dados jurídicos e fácticos já
conhecidos, optar entre diversas técnicas normativas de delimitação das
competências legislativas regionais (v.g., manutenção do conceito de interesse
específico como critério delimitador decisivo da competência legislativa
regional, fazendo-o acompanhar de uma listagem exemplificativa de matérias;
manutenção do conceito de interesse específico, embora apenas como critério
complementar de alargamento de um elenco de matérias fixado estatutariamente;
adopção de um critério material novo e mais amplo; fixação de um elenco taxativo
de matérias).
B) Por sua vez, o limite constituído pelas matérias reservadas aos órgãos de
soberania foi comprimido pela possibilidade de as assembleias legislativas
acederem, mediante autorização, a algumas das matérias da reserva relativa de
competência da Assembleia da República (artigo 165.º da Constituição).
Concretamente, em conformidade com a nova alínea b) do n.º 1 do artigo 227.º,
quando na posse de uma autorização legislativa, as assembleias legislativas
regionais podem hoje legislar sobre as matérias constantes das seguintes alíneas
do n.º 1 do artigo 165.º:
- segunda parte
da alínea d), referente ao regime geral dos actos ilícitos de mera ordenação
social e respectivo processo;
- alínea e),
relativa ao regime geral da requisição e expropriação por utilidade pública;
- alínea g),
sobre bases da protecção da natureza, do equilíbrio ecológico e do património
cultural;
- alínea h),
respeitante ao regime geral do arrendamento rural e urbano;
- alínea j),
relativa à definição dos sectores de propriedade dos meios de produção;
- alínea i),
sobre meios e formas de intervenção, expropriação, nacionalização e privatização
dos meios de produção e solos;
- primeira parte
da alínea m), que se refere ao regime dos planos de desenvolvimento económico e
social;
- alínea n),
incidente sobre as bases da política agrícola;
- alínea r),
relativa à participação das organizações de moradores no poder local;
- alínea u),
sobre estatuto das empresas públicas e das fundações públicas;
- alínea z),
concernente às bases dos ordenamentos do território e do urbanismo.
Não é fácil determinar qual terá sido o critério que presidiu à divisão em dois
grupos do conjunto das alíneas do n.º 1 do artigo 165.º. Não é líquido também se
as matérias acabadas de mencionar se encontram ipso jure abertas à intervenção
legislativa regional, bastando para tal a obtenção de uma lei de autorização
legislativa, ou se, pelo contrário, têm que ser previamente inseridas no âmbito
da “autonomia legislativa das regiões autónomas”, tal como este deve ser
definido, nos termos do n.º 1 do artigo 228.º, pelos respectivos estatutos
político-administrativos. Em todo o caso, independentemente da resposta que
couber a esta questão, é certo que a competência aqui em causa não é uma
verdadeira competência legislativa autorizada, semelhante à que o Governo exerce
no domínio relativamente reservado do Parlamento. Trata-se, isso sim, de uma
competência a meio caminho entre uma iniciativa qualificada e uma competência
legislativa partilhada, em que a iniciativa e o acto final de aprovação cabe às
assembleias legislativas regionais, mas a palavra decisiva cabe sempre à
Assembleia da República. De facto, tendo as assembleias legislativas regionais
que apresentar à Assembleia da República um anteprojecto de decreto legislativo
juntamente com a proposta de lei de autorização, nos termos do n.º 2 do artigo
227.º, não parece que, aprovada esta (com modificações), o texto do referido
anteprojecto possa sofrer posteriores alterações substantivas, para além
daquelas que se revelarem absolutamente necessárias ao cumprimento do disposto
na lei de autorização.
Em contrapartida, todas as demais matérias da reserva relativa (e absoluta) da
Assembleia da República que acima não foram referidas continuam, pois, excluídas
do poder legislativo regional. Ou seja, as matérias constantes das alíneas
exceptuadas na alínea b) do n.º 1 do artigo 227.º permanecem tão reservadas aos
órgãos de soberania como o eram antes da revisão constitucional de 2004, de
acordo com os três diferentes níveis desta reserva, não havendo razão para
qualquer redução do seu alcance ou abaixamento da sua intensidade: num primeiro
nível, todo o regime legislativo da matéria é da reserva do Parlamento – como
sucede, aliás, com a alínea q), sobre “estatuto das autarquias locais, incluindo
o regime das finanças locais”; num segundo nível, apenas o regime geral de certa
matéria se encontra reservado, abrindo‑se a possibilidade ao Governo e às
assembleias legislativas das regiões autónomas de disporem sobre eventuais
regimes especiais; num terceiro nível, menos exigente, tão-só as bases gerais
dos regimes jurídicos se encontram reservadas, o que significa, portanto, que
todo o desenvolvimento é concorrencial (Gomes Canotilho e Vital Moreira,
Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, Coimbra, 1993, pág.
670).
C) Por fim, a revisão da Constituição operada em 2004 trouxe também a eliminação
do limite de legalidade consubstanciado pelo dever de respeito pelos princípios
fundamentais das leis gerais da República.
Assim, para o futuro, não só os órgãos de soberania deixaram de poder qualificar
os diplomas que emanam como leis gerais da República, como as assembleias
legislativas regionais se libertaram do dever de respeito pelos princípios
basilares das leis e dos decretos-lei a que foi aposta aquela qualificação. Por
outras palavras, os diplomas legais emanados dos órgãos de soberania que no
passado foram qualificados como leis gerais da República (ou que, antes de 1997,
eram leis gerais da República “por natureza”), perderam em 2004 o valor
reforçado que até aí detinham. Não quer isto dizer, no entanto, que tenham
perdido vigência nas regiões autónomas dos Açores e da Madeira. Pelo contrário,
por força do n.º 2 do artigo 228.º - preceito que consagra hoje, de forma
expressa, o princípio da supletividade da legislação estadual –, os diplomas
qualificados antes de 2004 como leis gerais da República continuam a ter plena
aplicação no território das regiões autónomas, mas agora apenas como leis
ordinárias comuns e enquanto não for produzida legislação regional que os
afaste.
Assim, por exemplo, o Decreto-Lei n.º 7/2003, de 15 de Janeiro (alterado pela
Lei n.º 41/2003, de 22 de Agosto), que concretiza o disposto no artigo 19.º da
Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, e que se encontra qualificado como lei geral
da República, continua hoje a vigorar na Região Autónoma dos Açores, mas apenas
a título supletivo, não constituindo o regime dele constante um limite de
legalidade que se imponha à respectiva Assembleia Legislativa.
Já no que respeita ao passado – o mesmo é dizer, aos decretos legislativos
regionais emanados antes da entrada em vigor da lei de revisão de 2004 –, se
podem levantar problemas complexos de aplicação da lei constitucional no tempo.
Efectivamente, em face do princípio tempus regit actum, não é certo que a
modificação constitucional introduzida em 2004 tenha um efeito sanatório (ainda
que apenas para o futuro) de eventuais ilegalidades (orgânicas) de decretos
legislativos regionais originariamente emanados com desrespeito por princípios
fundamentais de leis gerais da República.
IV
A Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, estabelece um novo quadro de transferência
de atribuições e competências para as autarquias locais, bem como de delimitação
da intervenção da administração central (ou regional) e da administração local,
procurando assim concretizar os princípios constitucionais da descentralização
administrativa e da autonomia do poder local e, em última análise, como se
estabelece no n.º 2 do artigo 2.º, assegurar o respeito pelo princípio da
subsidiariedade.
A) Esta Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, enumera no seu capítulo II as
atribuições dos municípios e das freguesias em geral (artigos 13.º a 15.º),
contendo igualmente, no capítulo III, um conjunto de disposições que especificam
as diversas competências dos órgãos municipais na prossecução das referidas
atribuições, que cobrem amplas matérias desde o equipamento rural e urbano, a
energia e os transportes e comunicações, até à promoção do desenvolvimento,
ordenamento do território e urbanismo, polícia municipal e cooperação externa,
passando ainda pela educação, património, cultura e ciência, tempos livres e
desporto, saúde, acção social, habitação, protecção civil, ambiente e saneamento
básico (artigos 16.º a 31.º).
As atribuições e competências a transferir para os municípios são
tendencialmente universais, sendo efectuadas simultânea e indistintamente para
todos os municípios que apresentem condições objectivas para o respectivo
exercício. O artigo 6.º da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, admite, porém, que
as novas atribuições e competências não assumam natureza universal, podendo,
pois, ser efectuadas apenas para algum ou alguns municípios, através da
contratualização entre os departamentos da administração central (ou regional)
competentes e todos os municípios interessados.
Este novo quadro de atribuições e competências das autarquias locais em geral e
dos municípios em especial não é, no entanto, imediatamente aplicável. Pelo
contrário, nos termos do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 159/99, de 14 de
Setembro, “o conjunto de atribuições e competências estabelecido no capítulo III
desta lei-quadro será progressivamente transferido para os municípios nos quatro
anos subsequentes à sua entrada em vigor” – prazo, entretanto, prorrogado até ao
final de 2005 pela Lei n.° 55-B/2004, de 31 de Dezembro. O n.º 2 acrescenta que
“as transferências de competências, a identificação da respectiva natureza e a
forma de afectação dos respectivos recursos serão anualmente concretizadas
através de diplomas próprios, que podem estabelecer disposições transitórias
adequadas à gestão do processo de transferência em causa”.
B) A natureza da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, aproxima-se, por isso, da
natureza das leis de enquadramento. Sem dúvida que, como qualquer lei‑quadro,
assume em alguns aspectos uma estrutura próxima da das leis de bases, postulando
desdobramentos legislativos posteriores para se tornar exequível (ou plenamente
exequível), bem como apontando para a existência de regulamentações legais que
se estendem por diferentes níveis de concretização. Não obstante, ao contrário
do que sucede na generalidade das leis de bases, procura-se sobretudo recortar
de forma densificada, embora sem chegar ao nível da pormenorização, um conjunto
de princípios e regras (fundamentalmente organizatórios e procedimentais)
através dos quais se devem operar as transferências de atribuições e
competências para as autarquias locais, em geral, e para os municípios, em
especial. Basta ver que o legislador se limita a enumerar, no capítulo II, as
atribuições dos municípios e das freguesias (artigos 13.º a 15.º),
estabelecendo, ao longo dos artigos 16.º a 31.º, disposições especificadoras das
diversas competências dos órgãos municipais na prossecução das referidas
atribuições – apenas uma disposição por cada área temática, por mais vasta que
seja –, procurando essencialmente definir com certo rigor os critérios e os
procedimentos a que deve obedecer a transferência de atribuições e competências
(capítulo I). Assim se explica, por exemplo, uma regra tão precisa como aquela
em que se estabelece que “o património e os equipamentos afectos a investimentos
públicos em domínios transferidos para as autarquias passam a constituir
património da autarquia, devendo as transferências a que houver lugar
processar-se sem qualquer indemnização” (n.º 1 do artigo 11.º).
Numa palavra, a Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, está porventura mais próxima
das leis de enquadramento do que das leis de bases – o que reduz, naturalmente,
a margem de liberdade conformativa de que pode gozar o legislador de
concretização, quer se trate do Governo, quer se trate eventualmente das
assembleias legislativas regionais.
Acima de tudo, porém, o que importa sublinhar agora quanto à natureza da Lei n.º
159/99, de 14 de Setembro, é o facto de ela ter sido emanada no exercício de uma
competência legislativa reservada à Assembleia da República – a alínea q) do n.º
1 do artigo 165.º da Constituição –, a qual corresponde ao nível máximo dessa
mesma reserva: isto é, em que a totalidade da matéria respeitante ao “estatuto
das autarquias locais, incluindo as finanças locais”, apenas pode ser objecto de
regulação por lei parlamentar (ou decreto‑lei autorizado). É por isso muito
duvidoso que o regime constante da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro –
juntamente com a Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, alterada pela Lei n.º
5-A/2002, de 11 de Janeiro (Organização e Funcionamento dos Órgãos das
Autarquias Locais) – esgote o âmbito da reserva da Assembleia da República no
domínio em apreço e que, até certo ponto, essa reserva não abarque também as
decisões política e financeiramente mais relevantes no que toca à concretização
das diversas transferências de atribuições e competências.
Além disso, interessa ainda ter em atenção, já não tanto a sua qualificação como
lei geral da República (entretanto caduca), mas o disposto no artigo 33.º, onde
se lê que “a presente lei aplica-se às Regiões Autónomas dos Açores e da
Madeira” – aplicação essa que, dada a natureza reservada da disciplina em
apreço, tem índole imperativa (e não apenas supletiva).
C) É, pois, neste contexto que o artigo 19.º da Lei n.º 159/99, de 14 de
Setembro, estabelece, em matéria de educação, que:
1 – É da competência dos órgãos municipais participar no planeamento e na gestão
dos equipamentos educativos e realizar investimentos nos seguintes domínios:
a) Construção, apetrechamento e manutenção dos estabelecimentos de educação
pré-escolar;
b) Construção, apetrechamento e manutenção dos estabelecimentos das escolas do
ensino básico.
2 – É igualmente da competência dos órgãos municipais:
a) Elaborar a carta escolar a integrar nos planos directores municipais;
b) Criar os conselhos locais de educação.
3 – Compete ainda aos órgãos municipais no que se refere à rede pública:
a) Assegurar os transportes escolares;
b) Assegurar a gestão dos refeitórios dos estabelecimentos de educação
pré-escolar e do ensino básico;
c) Garantir o alojamento aos alunos que frequentam o ensino básico, como
alternativa ao transporte escolar, nomeadamente em residências, centros de
alojamento e colocação familiar;
d) Comparticipar no apoio às crianças da educação pré-escolar e aos alunos do
ensino básico, no domínio da acção social escolar;
e) Apoiar o desenvolvimento de actividades complementares de acção educativa na
educação pré-escolar e no ensino básico;
f) Participar no apoio à educação extra-escolar;
g) Gerir o pessoal não docente de educação pré-escolar e do 1.º ciclo do ensino
básico.
Por sua vez, foi ao abrigo deste preceito que o Governo emanou o Decreto‑Lei n.º
7/2003, de 15 de Janeiro, também ele destinado a vigorar em todo o território
nacional, e em cujos artigos 12.º e 22.º se pode ler o seguinte:
Artigo 12.º
1 – A carta educativa tem por objecto a identificação a nível municipal, dos
edifícios e equipamentos educativos, a respectiva localização geográfica, bem
como as ofertas educativas da educação pré-escolar, incluindo as suas
modalidades especiais de educação, e da educação extra-escolar.
2 – (...)
3 – A carta educativa incide sobre os estabelecimentos de educação pré‑escolar e
de ensino da rede pública, privada, cooperativa e solidária.
4 – (...)
Artigo 22.º
1 – A realização dos investimentos na construção, apetrechamento e manutenção
dos estabelecimentos de educação pré-escolar e do ensino básico, previstos na
carta educativa, é da competência dos municípios.
2 – A realização dos investimentos previstos no número anterior, no que se
refere à educação pré-escolar e ao 1.º ciclo do ensino básico, compreende a
identificação, a elaboração e a aprovação dos projectos, o seu financiamento e a
respectiva execução.
3 – O exercício das competências previstas no n.º 1 efectiva-se, no que respeita
aos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico, através de contrato entre o Ministério da
Educação e os municípios, assente na identificação padronizada de tipologias e
custos.
4 – A realização dos investimentos, nos termos do n.º 2, na construção,
apetrechamento e manutenção dos estabelecimentos do ensino secundário, previstos
na carta educativa, é da competência do Ministério da Educação.
V
Os objectivos a que se propõe o Decreto da Assembleia Legislativa Regional n.º
23/2005, que aprova o Regime Jurídico do Planeamento, Protecção e Segurança das
Construções Escolares ora em apreciação, encontra[m]-se explicad[os] de forma
relativamente clara no respectivo preâmbulo:
Desde logo, interessa esclarecer a forma como é elaborada a carta escolar, tendo
em conta que tal competência foi transferida para os órgãos de governo próprio
por força da alínea a) do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 338/79, de 25 de Agosto
(...), face às competências que em matéria de infra-estruturas escolares são
cometidas às autarquias por força da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro.
Se tal não for feito, ficam cometidas aos municípios todas as competências em
matéria de construções escolares destinadas à educação pré-escolar e ao ensino
básico, conforme disposto no Decreto‑Lei n.º 7/2003, de 15 de Janeiro (...), já
que aquele diploma, por força da redacção dada ao n.º 2 do artigo 228.º da
Constituição pela Lei Constitucional n.º 1/2004, de 24 de Julho, passou
inequivocamente a aplicar-se na Região Autónoma dos Açores.
Com esse objectivo, pelo presente diploma são fixadas normas sobre elaboração da
carta escolar e sobre a construção e manutenção dos estabelecimentos de ensino
básico na Região (...).
No que respeita à construção de novas infra-estruturas escolares, sem prejuízo
das competências legalmente cometidas às autarquias, nos termos da Lei n.º
159/99, de 14 de Setembro, a administração regional autónoma assume a construção
dos edifícios necessários aos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e ao ensino
secundário, ficando à responsabilidade das autarquias a construção dos edifícios
destinados à educação pré-escolar e ao 1.º ciclo do ensino básico que deliberem
incluir nas respectivas cartas educativas.
Estes objectivos são, depois, concretizados ao longo do articulado do diploma e,
muito em particular, nas seguintes disposições:
A) O n.º 1 e a alínea c) do n.º 3 do artigo 14.º, bem como os n.ºs 1 e 2 do
artigo 15.º, reduzem o âmbito da carta educativa, para cuja elaboração são
competentes os órgãos autárquicos (municipais), ao 1.º ciclo do ensino básico,
dele excluindo, portanto, o 2.º e o 3.º ciclos do ensino básico, que passam a
ser responsabilidade exclusiva da administração regional (ao contrário do que
resulta actualmente da aplicação do Decreto-Lei n.º 7/2003, de 15 de Janeiro);
B) O artigo 19.º estabelece que tão-somente são da “responsabilidade da
autarquia, nos termos do n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.° 159/99, de 14 de
Setembro, a concretização dos investimentos das infra-estruturas da educação
pré-escolar e do 1.º ciclo do ensino básico (...), sem prejuízo do
co-financiamento comunitário e regional a que haja lugar nos termos legais e
regulamentares aplicáveis”;
C) O artigo 50.º prevê o regime de repartição de competências entre as
autarquias locais e a administração regional no domínio da construção de
infra-estruturas escolares: as autarquias adquirem os terrenos, elaboram os
projectos e procedem à construção dos edifícios relativos aos edifícios
escolares destinados à educação pré-escolar e ao 1.º ciclo do ensino básico; a
administração regional exerce as mesmas competências em relação aos edifícios
destinados ao 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e ao ensino secundário.
Verificadas certas circunstâncias particulares, pode ainda a administração
regional assumir a realização do projecto, construção ou ampliação de
instalações escolares dirigidas à educação pré-escolar e ao 1.º ciclo do ensino
básico;
D) O n.º 2 do artigo 51.º, no que toca aos investimentos relativos à manutenção
dos edifícios escolares, limita a competência das autarquias locais aos
estabelecimentos de educação pré-escolar e do 1.º ciclo do ensino básico;
E) O artigo 52.º determina que o apetrechamento de todos os estabelecimentos de
educação e ensino da rede pública constitui encargo exclusivo da administração
regional – com exclusão de qualquer competência das autarquias –, constituindo
os respectivos equipamentos, por isso, património da Região;
F) Os artigos 53.º e 57.º, em consequência do disposto nos preceitos
anteriormente referidos, apenas regulam a (possibilidade de) transferência
patrimonial para as autarquias dos imóveis escolares onde funcione em exclusivo
a educação pré-escolar e o 1.º ciclo do ensino básico.
VI
Em face do exposto, duas dúvidas de constitucionalidade se podem colocar
sucessivamente. Primeiro: os preceitos referidos do Regime Jurídico do
Planeamento, Protecção e Segurança das Construções Escolares violam ou não o
disposto na Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, em especial o seu artigo 19.º? Se
a resposta for afirmativa, estará consequentemente demonstrada a violação pela
Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores da reserva relativa da
Assembleia da República em matéria de “estatuto das autarquias locais”. Por sua
vez, se a resposta for negativa, surge então a segunda dúvida: apesar de os
regimes constantes dos artigos submetidos a fiscalização da constitucionalidade
serem conformes com o disposto na Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, será que
aquela Assembleia Legislativa, ao proceder à concretização desta lei no âmbito
regional, não estará ainda a legislar em matéria de “estatuto das autarquias
locais”, tomando decisões muito relevantes no que toca às atribuições e
competências dos municípios açorianos?
A) A razão de ser da primeira questão prende-se com a impossibilidade de ler o
artigo 19.º de forma isolada em relação aos restantes preceitos da Lei n.º
159/99, de 14 de Setembro, e, em especial, ao princípio da progressividade das
transferências (artigo 4.º) e às regras que permitem a realização de
transferências não universais, isto é, que se efectuam apenas para alguns
municípios, de forma contratualizada (artigo 6.º).
Com efeito, se o confronto entre o teor literal do artigo 19.º da Lei n.º
159/99, de 14 de Setembro, sobretudo do seu n.º 1, e os preceitos do Decreto n.º
23/2005 submetidos a fiscalização da constitucionalidade revela uma clara
divergência de soluções no que toca ao 2.º e ao 3.º ciclos do ensino básico –
com evidente redução de poderes das autarquias insulares –, a verdade é que pode
também entender-se que a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores
pretendeu apenas, ao efectuar a exclusão dos municípios açorianos do âmbito de
aplicação do Decreto-Lei n.º 7/2003, de 15 de Janeiro, transformar em não
universal uma transferência concebida pelo Governo da República como universal –
embora em tal caso, há que reconhecê-lo, também não tenha adoptado o
procedimento contratualizado previsto no n.º 3 do artigo 6.º da Lei n.º 159/99,
de 14 de Setembro. Um pouco nesta linha argumentativa, pode invocar-se o facto
de o próprio Decreto-Lei n.º 7/2003, de 15 de Janeiro, não deixar de estabelecer
também, no n.º 3 do seu artigo 22.º, uma solução diferenciada aplicável ao 2.º e
ao 3.º ciclos do ensino básico.
Ficaria assim em aberto a possibilidade de, num momento futuro, de acordo com
uma ideia de progressividade, se transferirem para os municípios da Região as
atribuições e competências que por agora permaneceriam ainda reservadas à
administração regional autónoma.
B) Se for considerada procedente a argumentação baseada no princípio da
progressividade e na admissibilidade de transferências não universais – e, em
consequência, os preceitos em questão do Regime Jurídico do Planeamento,
Protecção e Segurança das Construções Escolares forem tidos como não
desconformes com o respectivo diploma de enquadramento, ou seja, com a Lei n.º
159/99, de 14 de Setembro –, colocar-se-á então com grande acuidade o problema
do exacto alcance da reserva da Assembleia da República em matéria de “estatuto
das autarquias locais”.
Como se disse acima, à alínea q) do n.º 1 do artigo 165.º corresponde, em
princípio, o nível mais exigente da reserva de competência legislativa do
Parlamento. Quer isto dizer que lhe está reservada toda a disciplina jurídica
que, assumindo dignidade legislativa (e não apenas regulamentar), contenda com
as atribuições e competências das autarquias – a ideia de “estatuto” compreende
por certo a definição precisa das atribuições da pessoa colectiva e das
competências dos respectivos órgãos. A reserva em causa não se basta, pois, com
uma lei da Assembleia da República (ou com um decreto-lei autorizado) que se
limite a definir “bases gerais”, “normas de enquadramento”, “regimes gerais” ou
“disposições não exequíveis”, absolutamente carecidas de concretização ou
densificação posterior – como sucede com o artigo 19.º da Lei n.º 159/99, de 14
de Setembro (e como muitos outros artigos da mesma lei). No que toca à alínea q)
do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição e ao “estatuto das autarquias locais”,
não parece pois que o legislador parlamentar (ou o Governo, mediante decreto-lei
autorizado) possa ficar-se pelas opções fundamentais, relegando a quase
totalidade dos problemas referentes à sua concretização legislativa para o
legislador concorrencial, concedendo-lhe, ao mesmo tempo, uma ampla liberdade de
conformação – a qual lhe poderá conferir importantes capacidades de decisão, não
apenas sobre o “como” e o “quando” da concretização a efectuar, mas também sobre
o próprio “se” dessa mesma concretização (na falta de mecanismos eficazes de
controlo da ilegalidade por omissão).
Em todo o caso, tudo dependerá de uma ponderação concreta da disciplina
(seguramente inovadora) que o Decreto n.º 23/2005 da Assembleia Legislativa
açoriana pretende introduzir na ordem jurídica, sendo certo que, à partida, não
parece de todo despicienda a decisão sobre se os municípios açorianos possuem ou
não atribuições e competências no que respeita à construção e manutenção dos
estabelecimentos destinados ao 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e,
consequentemente, sobre a titularidade patrimonial dos respectivos edifícios.
C) A aparente consistência dos argumentos esgrimidos num e noutro sentido, assim
como a impossibilidade de superar um problema jurídico com estas características
e com este melindre no quadro institucional da Região Autónoma dos Açores,
aconselham, pois, claramente, o recurso a uma intervenção do Tribunal
Constitucional.
Acresce que, o Regime Jurídico do Planeamento, Protecção e Segurança das
Construções Escolares, agora aprovado pelo Decreto n.º 23/2005, pretende
desempenhar uma função clarificadora e estabilizadora das relações entre a
administração regional e os municípios açorianos no domínio fundamental da
educação, função que só poderá levar a cabo em termos adequados se forem
previamente esclarecidas as dúvidas de constitucionalidade acima apontadas.
VII
Nestes termos, o Ministro da República para a Região Autónoma dos Açores vem
submeter a apreciação preventiva da constitucionalidade, por eventual violação
da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República
(alínea q) do n.° 1 do artigo 165.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º da
Constituição), as normas constantes do n.° 1 e da alínea c) do n.º 3 do artigo
14.º, do artigo 15.º, do artigo 19.º, do artigo 50.º, do n.º 2 do artigo 51.º,
do artigo 52.º, do artigo 53.º e do artigo 57.º do Regime Jurídico do
Planeamento, Protecção e Segurança das Construções Escolares, aprovado em 16 de
Junho pelo Decreto da Assembleia Legislativa Regional n.° 23/2005.»
3.Notificada nos termos e para os efeitos dos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da Lei
de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, a
Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores pronunciou-se, por
intermédio do seu Presidente, dizendo o seguinte:
«1.º
O Decreto da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores n.º 23/2005,
está em conformidade com a Constituição orgânica, formal e materialmente.
2.º
Com efeito, e conforme o próprio preâmbulo do diploma em apreciação afirma, a
relação entre a administração regional autónoma e as autarquias em matéria de
educação é enquadrada pela Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, conforme
regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 7/2003, de 15 de Janeiro.
3.º
A Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, regula matéria enquadrável no disposto na
alínea q) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, integrando a reserva
relativa da Assembleia da República.
4.º
Já a concretização daquela Lei, que se encontra plasmada no Decreto-Lei n.º
7/2003, de 15 de Janeiro, pode ser levada a cabo pelo legislador regional, tendo
em conta a realidade do arquipélago, respeitando necessariamente a normação
enquadradora constante da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro.
5.º
Se é verdade que a Região decidiu não contestar a qualificação abusiva como lei
geral da República do Decreto-Lei n.º 7/2003, de 15 de Janeiro, tal deveu-se à
iminência da revisão constitucional, que se veio a concretizar através da Lei
Constitucional n.º 1/2004, de 24 de Julho, a qual abriu caminho para que a
Assembleia Legislativa dispusesse sobre a matéria em causa, resolvendo os
problemas insanáveis que a aplicação daquele diploma causaria.
6.º
De facto, as autarquias açorianas nunca tiveram qualquer responsabilidade em
matéria de edifícios escolares dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico, tendo
exercido apenas competências em matéria das escolas do 1.º ciclo do ensino
básico (então designadas por “escolas primárias”), conforme decorre do Decreto
Legislativo Regional n.º 33/84/A, de 6 de Novembro, alterado pelo Decreto
Legislativo Regional n.º 31/86/A, de 11 de Dezembro, e pelo Decreto Legislativo
Regional n.º 4/95/A, de 29 de Março.
7.º
A vigência destes diplomas regionais durante quase 20 anos vem atestar a
competência legislativa regional nesta matéria, na sequência do artigo 8.º do
Decreto-Lei n.º 338/79, de 25 de Agosto, que é prosseguida pelo diploma em
análise.
8.º
Tendo em conta o disposto no n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 159/99, de 14 de
Setembro, é agora “da competência dos órgãos municipais participar no
planeamento e na gestão dos equipamentos educativos e realizar investimentos”
nos estabelecimentos de educação pré-escolar e nas escolas do ensino básico.
9.º
Na Região tal corresponde a um alargamento até ao 3.º ciclo do ensino básico das
competências autárquicas que antes se restringiam à educação pré-escolar e ao
1.º ciclo do ensino básico, abrangendo assim um conjunto de equipamentos
educativos que até agora são responsabilidade e propriedade exclusiva da Região.
10.º
Tal alargamento não constitui, nem poderia constituir face às competências
regionais e à exclusividade conferida aos órgãos de governo próprio em matéria
de gestão do património regional, a atribuição de uma competência exclusiva aos
municípios, antes a criação da possibilidade da participação daquelas matérias
ali referidas (cf. n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro).
11.º
O que a Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, pretendeu não foi impedir a
administração regional autónoma de exercer as funções que lhe estão cometidas e
administrar o seu património, mas tão-somente atribuir uma competência
concorrencial, que as autarquias podem e devem utilizar, e que o diploma em
apreciação em nada cerceia.
12.º
Neste enquadramento, o diploma em análise limita-se a regular algumas matérias
constantes da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, conformando-se integralmente
com esta, ainda que o seu artigo 6.º determinasse que as atribuições e
competências a transferir para os municípios são tendencialmente universais, o
que legitimaria uma menor responsabilização das autarquias açorianas na matéria
em análise através da manutenção das competências regionais. Contudo, como
adiante se demonstra, não foi essa a opção.
13.º
Conforme afirma Sérvulo Correia, em parecer que se anexa, página 71: “O
Decreto-Lei n.º 7/2003, de 15 de Janeiro, constitui um diploma de
desenvolvimento ou de concretização da Lei n.º 159/99, que constitui uma Lei de
enquadramento ou uma lei-quadro. Ora a menos que existam circunstâncias
ponderosas que exijam o alargamento da esfera da normação nacional fundamental,
tudo aponta para que a legislação nacional imperativa em matéria de
transferência de competências para as autarquias locais não se estenda aos
decretos-lei do Governo que, em matéria concorrencial, procedem à concretização
da Lei n.º 159/99. Isto significa que, em consequência da natureza da Lei n.º
159/99, os decretos legislativos regionais a emanar sobre a matéria devem
fundamentalmente respeitar o regime constante da Lei n.º 159/99, uma vez que
esta desempenha o papel, não apenas de uma Lei de Bases, mas de uma Lei de
Enquadramento e respeita a uma matéria da reserva de competência da Assembleia
da República, não estando à partida sujeitos a qualquer outro limite, para além
dos que decorrem da mesma Lei e dos limites constitucionais gerais”.
14.º
Neste contexto de respeito estrito pela reserva do estatuto das autarquias
locais e pela Lei n.º 159/99, não se compreende que sejam questionadas pelo
Senhor Ministro da República as normas que versam competências na área do
planeamento das construções escolares (n.º 1 e alínea c) do n.º 3 do artigo
14.º, artigo 15.º e artigo 19.º) e a construção, apetrechamento e propriedade
dos respectivos imóveis (artigo 50.º, n.º 2 do artigo 51.º, artigo 52.º, artigo
53.º e artigo 57.º).
15.º
Em relação ao primeiro grupo de normas não se vislumbra qualquer interferência
com o estatuto das autarquias locais, pois apenas se concretiza a competência em
matéria de planeamento dos equipamentos educativos no sentido de os harmonizar
com os instrumentos de planeamento regional e com a rede escolar existente, onde
todas as escolas do 2.º e 3.º ciclos são propriedade regional, nada se retirando
nem acrescentando ao disposto na lei enquadradora.
16.º
O diploma ao referir apenas a educação pré-escolar e o 1.º ciclo do ensino
básico, rede tradicionalmente confiada às autarquias, em nada impede que estas
se pronunciem sobre os restantes ciclos de ensino, nem limita a sua capacidade
conforme estabelece o artigo 19.º da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, de
“participar no planeamento” de qualquer infra‑estrutura educativa.
17.º
O artigo 50.º do diploma em análise é claro no seu carácter supletivo em relação
às competências atribuídas aos municípios pela Lei n.º 159/99, de 14 de
Setembro, apenas ressalvando, na linha do propugnado no diploma, que se trata de
uma competência necessariamente concorrencial e complementar entre as
administrações regional, autónoma e local, em nada interferindo com a
possibilidade de as autarquias terem intervenção, que se deseja, na matéria em
causa.
18.º
O n.º 2 do artigo 51.º do diploma limita-se a manter as obrigações constantes da
parte em vigor do Decreto Legislativo Regional n.º 31/86/A, de 11 de Dezembro,
em nada beliscando as competências municipais, mantendo uma prática que deriva
da própria idade dos imóveis ali referidos, os únicos que à data estão na posse
das autarquias.
19.º
O artigo 52.º não impede as autarquias de participar no apetrechamento dos
edifícios escolares, adquirindo-lhes equipamentos que considerem necessários,
mas apenas pretende responsabilizar a administração regional autónoma. Não se
trata de uma norma que exclua a participação autárquica, mas que garante que as
escolas disporão daquele tipo de material, qualquer que seja a decisão da
autarquia.
20.º
O artigo 53.º limita-se a habilitar o Governo Regional a transferir para as
autarquias, a solicitação destas, património que indubitavelmente está na sua
disponibilidade, não criando qualquer ónus àquelas, nem interferindo com o seu
estatuto. Não se venha invocar o artigo 11.º da Lei n.º 159/99, de 14 de
Setembro, para unilateralmente dispor sobre o património regional, o que
configuraria uma clara violação das disposições conjugadas do artigo 113.º e da
alínea b) do artigo 60.º do Estatuto Político‑Administrativo da Região Autónoma
dos Açores.
21.º
O artigo 57.º limita-se a reconhecer a repartição patrimonial existente, nem
sempre titulada, dada a inexistência dos respectivos registos, criando a base
legal para sanar as indefinições existentes, continuando apenas a integrar na
esfera dominial da Região os imóveis que já nela se encontram.
22.º
Tendo presente a fundamentação expendida, conclui-se:
a) As normas constantes do n.º 1 e da alínea c) do n.º 3 do artigo 14.º, do
artigo 15.º, do artigo 19.º, do artigo 50.º, do n.º 2 do artigo 51.º, do artigo
52.º, do artigo 53.º e do artigo 57.º do Decreto da Assembleia Legislativa da
Região Autónoma dos Açores n.º 23/2005 não violam a reserva relativa da
competência legislativa da Assembleia da República, consagrada na alínea q) do
n.º 1 do artigo 165.º, nem o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º,
ambos da Constituição.
b) O Decreto da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores n.º
23/2005, limita-se a legislar no âmbito regional em [matéria] de educação e de
equipamento social, conforme as alíneas v) e aa) do artigo 8.º do Estatuto
Político‑Administrativo, e que não está reservada aos órgãos de soberania.»
O órgão autor da norma juntou também aos autos um parecer jurídico subscrito por
dois Professores de Direito e datado de 23 de Maio de 2003.
II. Fundamentos
A) Questões prévias
4.Começando pelas questões prévias que possam obstar ao conhecimento do pedido,
verifica-se, em primeiro lugar, que o “Regime Jurídico do Planeamento, Protecção
e Segurança das Construções Escolares”, aprovado pelo Decreto da Assembleia
Legislativa da Região Autónoma dos Açores n.º 23/2005, foi recebido pelo
Ministro da República no dia 5 de Julho de 2005, tendo o pedido dado entrada,
entregue em mão, no Tribunal Constitucional, já depois de encerrada ao público a
Secretaria Judicial do Tribunal (na primeira folha dos autos encontra-se
registado o momento de entrada do pedido: “13/07/05 pelas 16,20h”), mas foi
depois igualmente recebido por telecópia, pelas 17 horas e 32 minutos.
O artigo 278.º, n.º 3, da Constituição da República, dispõe, desde a revisão
constitucional de 1989, que a “apreciação preventiva da constitucionalidade deve
ser requerida no prazo de oito dias a contar da data da recepção do diploma”,
sendo tal prazo repetido (embora sem menção do dies a quo) no artigo 57.º da Lei
do Tribunal Constitucional.
Entende-se que não é aplicável a este prazo para apresentação do pedido de
fiscalização preventiva da constitucionalidade a dilação de dois dias prevista
no artigo 56.º, n.º 4, da Lei do Tribunal Constitucional, para entidades
sediadas fora do continente da República. A questão da aplicabilidade desta
dilação aos pedidos de fiscalização preventiva de constitucionalidade foi
tratada pelo Tribunal logo no acórdão n.º 26/84 (publicado em Acórdãos do
Tribunal Constitucional [ATC], vol. 2.º, págs. 71-82), tendo, então, merecido
uma resposta afirmativa (embora com dois votos de vencido quanto a este ponto).
Ora (e independentemente de qualquer resposta à questão da conformidade
constitucional de um prolongamento, por lei, do prazo para apresentação do
pedido de fiscalização preventiva), entende este Tribunal que o referido artigo
56.º, n.º 4, é aplicável apenas aos prazos “processuais” (ou “adjectivos”). Já
não é, porém, de aplicar também a um prazo “substantivo”, ou equiparável – que,
como se disse no citado acórdão, é “pré-processual”, por “respeitante à
faculdade de accionar um tribunal, quer dizer, ao exercício de um ‘direito de
acção’ ou, pelo menos, de um ‘direito’ ou faculdade a tanto semelhante” –, como
é o caso do prazo para apresentação do pedido de fiscalização preventiva da
constitucionalidade. Isto, uma vez que não procedem já hoje as razões que
levaram, no citado aresto, a concluir pela aplicabilidade da referida dilação, e
que levaram a considerá-lo, não um prolongamento do prazo (que era então de
cinco dias), mas “uma condição para o seu completo aproveitamento”, uma vez que
os Ministros da República, tendo “a sua sede nos arquipélagos dos Açores e da
Madeira, e recebendo aí os diplomas das correspondentes assembleias regionais,
se veriam praticamente impossibilitados de utilizar na íntegra, para a tomada da
sua decisão, esse prazo constitucional, se os respectivos requerimentos devessem
obrigatoriamente dar entrada no Tribunal Constitucional até ao último dia desse
prazo”, ficando em “situação de clara desvantagem” relativamente a entidades
sediadas em Lisboa (situação “tanto menos compreensível e justificável quanto se
está perante um prazo de muito curta duração” – disse-se também no citado
acórdão n.º 26/84). Tal pleno aproveitamento do prazo é actualmente possível,
tendo em conta os meios de comunicação existentes, que permitem fazer chegar ao
Tribunal Constitucional o pedido de fiscalização preventiva praticamente sem
demora.
Conclui-se, pois, não se aplicando o referido artigo 56.º, n.º 4, que o prazo
para apresentação do presente pedido de fiscalização preventiva terminava em 13
de Julho.
Ora, no que diz respeito ao limite temporal para a entrega do pedido na
secretaria do Tribunal Constitucional, afirmou este Tribunal, já no acórdão n.º
94/84 (publicado em ATC, vol. 3.º, págs. 27-31), que “os requerimentos [de
fiscalização abstracta, no caso, preventiva] se destinam a desencadear uma
verdadeira e própria actividade judicial (ou seja, o exercício da função
jurisdicional por um tribunal) e que, portanto, não podem deixar de ter, no seu
recebimento e registo, um tratamento similar ao de quaisquer papéis destinados a
processos judiciais”. Tal significava, então, que a sua apresentação dependia do
horário dos serviços do Tribunal Constitucional (actualmente, aplicando-se ao
funcionamento da Secretaria Judicial do Tribunal Constitucional, como regime
supletivo nos termos do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 545/99, de 14 de
Dezembro, o artigo 122.º, n.ºs 1 e 3, da Lei de Organização e Funcionamento dos
Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, conclui-se
que o horário de funcionamento daquela Secretaria Judicial é, nos dias úteis,
até às 17 horas, encerrando ao público “uma hora antes do termo do horário
diário”, isto é, às 16 horas).
A considerar-se, como no citado acórdão n.º 94/84, que a apresentação do
requerimento de fiscalização preventiva haveria de circunscrever-se ao período
de abertura ao público, teria, pois, de concluir-se que o pedido foi já
apresentado extemporaneamente.
Entende-se, todavia, que esta conclusão não é de subscrever, considerando que o
pedido foi também recebido, ainda no dia 13 de Julho, por telecópia (tendo,
aliás, sido registado e distribuído ao relator ainda nesse mesmo dia).
Com efeito, apesar de não se encontrar na Lei do Tribunal Constitucional
qualquer referência expressa à possibilidade de apresentação, por telecópia, de
pedidos de fiscalização preventiva de constitucionalidade, entende-se que não
existe obstáculo decisivo à sua utilização para o referido efeito. A existência
e disponibilidade desse meio de comunicação vem, assim, permitir o pleno
aproveitamento do prazo de oito dias previsto no artigo 278.º, n.º 3, da
Constituição da República e no artigo 57.º, n.º 1, da Lei do Tribunal
Constitucional, fazendo com que o limite horário para a apresentação do pedido
deixe de depender do horário de encerramento dos serviços do Tribunal
Constitucional (cfr., aliás, o lugar paralelo previsto, para o processo civil,
nos artigos 150.º, n.º 1, alínea c), e 143.º, n.º 4, do Código de Processo
Civil, onde se dispõe que os actos processuais podem hoje ser praticados por
telecópia “em qualquer dia e independentemente da hora da abertura e do
encerramento dos tribunais”, valendo como data da prática do acto processual a
da expedição).
Conclui-se, assim, que o presente pedido não é extemporâneo, tendo dado entrada
no Tribunal Constitucional, por telecópia, no último dia do prazo para a sua
apresentação.
5.Em segundo lugar, e tal como acontecera no pedido que deu origem ao acórdão
n.º 232/2003 (publicado em ATC, vol. 56.º, págs. 7‑51), os termos em que o
pedido de apreciação preventiva da constitucionalidade vem formulado também não
obstam a que o Tribunal dele tome conhecimento.
Na verdade, embora o requerente acentue as “dúvidas de constitucionalidade”, o
“problema jurídico” e o seu melindre, no quadro das relações entre a
administração regional e os municípios, e acentue a “função clarificadora e
estabilizadora” que a solução das dúvidas de constitucionalidade possibilitará
ao diploma em causa exercer, sem tomar decididamente partido na controvérsia, o
pedido não deixa de ser claro na indicação quer das regras cuja conformidade com
a Constituição pretende ver apreciada, quer da norma constitucional
pretensamente violada, invocando, ademais, a necessidade de garantir a segurança
jurídica abalada pelos fundamentos aduzidos.
Cumpre pois decidir, uma vez verificados os requisitos que o artigo 278.º da
Constituição e os artigos 51.º e 57.º da Lei do Tribunal Constitucional enunciam
para a apresentação de pedido de apreciação preventiva da constitucionalidade.
B) Apreciação do pedido
6.O requerente suscitou, perante este Tribunal, a questão da
inconstitucionalidade orgânica das normas dos artigos 14.º, n.ºs 1 e 3, alínea
c), 15.º, 19.º, 50.º, 51.º, n.º 2, 52.º, 53.º e 57.º do “Regime Jurídico do
Planeamento, Protecção e Segurança das Construções Escolares”, por violação do
artigo 165.º, n.º 1, alínea q), e do artigo 227.º, n.º 1, alínea a), da
Constituição.
Como este Tribunal tem repetidamente salientado (cfr., por ex., já o acórdão n.º
206/87, in Diário da República [DR], I série, de 10 de Julho de 1987), há, pois
que aplicar o parâmetro constitucional em vigor na data em que o referido regime
foi aprovado – isto é, em 16 de Junho de 2005 –, que era o texto saído da VI
revisão constitucional, aprovada pela Lei Constitucional n.º 1/2004, de 24 de
Julho (a qual entrou em vigor em Agosto de 2004).
Recordando as alterações introduzidas nesta matéria na Constituição (artigo
227.º, n.º 1, alínea a)), verifica-se que: a) desapareceu a necessidade de
interesse específico da região na matéria a regular, como fundamento para o seu
poder legislativo; b) desapareceu qualquer referência constitucional expressa à
categoria das “leis gerais da República”, deixando o respeito pelos respectivos
“princípios fundamentais” de ser considerado como limite aos poderes
legislativos das regiões; c) concomitantemente, foi introduzido, no artigo 228.º
da Constituição, um novo n.º 2, a prever uma aplicação supletiva, ou
subsidiária, das “normas legais em vigor” (“Na falta de legislação regional
própria sobre matéria não reservada à competência dos órgãos de soberania,
aplicam-se nas regiões autónomas as normas legais em vigor”); d) os poderes
legislativos regionais foram expressamente limitados ao âmbito regional e passou
a exigir-se, como pressuposto de constitucionalidade, que esses poderes sejam
exercidos sobre matéria enunciada no estatuto político-administrativo da região;
e) manteve-se, como limite ao poder legislativo regional, a competência
reservada aos órgãos de soberania, embora com alteração de redacção (em vez de
matérias que “não estejam reservadas à competência própria dos órgãos de
soberania”, passou a falar-se de matérias “que não estejam reservadas aos órgãos
de soberania”). Estas alterações foram ainda acompanhadas pela modificação do
regime dos decretos legislativos regionais, no artigo 112.º, n.º 4, da
Constituição, e pela previsão de um regime transitório, constante do artigo 46.º
da Lei Constitucional n.º 1/2004, nos termos do qual, até “à eventual alteração
das disposições dos estatutos político-administrativos das regiões autónomas,
prevista na alínea f) do n.º 6 do artigo 168.º, o âmbito material da competência
legislativa das respectivas regiões é o constante do artigo 8.º do Estatuto
Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores e do artigo 40.º do
Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira”.
Ora, devendo as normas em apreciação ser confrontadas com o texto constitucional
saído da VI revisão constitucional, não há que tratar do seu confronto com os
“princípios fundamentais das leis gerais da República”. Diversamente, a questão
da qualificação como “lei geral da República” de qualquer diploma do qual as
normas em apreciação possam afastar-se, como, por exemplo, a Lei n.º 159/99, de
14 de Setembro, ou o Decreto-Lei n.º 7/2003, de 15 de Janeiro (questão, esta
última, sobre que versa o parecer jurídico junto pelo órgão autor da norma), só
poderá vir a ser relevante na medida em que, para determinação do efeito
jurídico a produzir pelas normas em apreciação, seja necessário apurar qual é,
actualmente, o regime jurídico em vigor na Região Autónoma dos Açores, sobre o
qual estas normas irão repercutir‑se.
7.As normas dos artigos 14.º, n.ºs 1 e 3, alínea c), 15.º, 19.º, 50.º, 51.º, n.º
2, 52.º, 53.º e 57.º, do “Regime Jurídico do Planeamento, Protecção e Segurança
das Construções Escolares” (como todas as normas doravante citadas sem indicação
especial), podem, considerando o seu contexto e teor, ser divididas em dois
grupos.
a) Um primeiro grupo é o que inclui as normas relativas aos objectivos, objecto
e efeitos da carta educativa (artigos 14.º, n.ºs 1 e 3, alínea c), 15.º, 19.º).
A carta educativa é definida no artigo 3.º, alínea a), do “Regime Jurídico do
Planeamento, Protecção e Segurança das Construções Escolares”, como um
“instrumento de planeamento e ordenamento prospectivo de edifícios e
equipamentos educativos de responsabilidade municipal, organizada de acordo com
as ofertas de educação e formação que seja necessário satisfazer, tendo em vista
a melhor utilização dos recursos educativos, no quadro do desenvolvimento
demográfico e sócio‑económico de cada município”; isto, enquanto o conceito
carta escolar é dado pela alínea b) do mesmo artigo: “instrumento de planeamento
e ordenamento da rede educativa, do pré-escolar ao secundário, e de fixação das
orientações a seguir na sua evolução, com particular ênfase na vertente
organizativa e de infra-estruturas educacionais, por forma a reflectir a oferta
existente e perspectivar eventuais alterações, integrando o conteúdo das cartas
educativas municipais”.
A carta escolar é, pois, concebida, com um âmbito mais amplo, tendo carácter
regional (artigo 8.º, n.º 1, do “Regime Jurídico do Planeamento, Protecção e
Segurança das Construções Escolares”) e incluindo as cartas educativas, as quais
são elaboradas à escala municipal, referindo-se apenas à educação pré-escolar e
ao primeiro ciclo do ensino básico.
Na legislação proveniente dos órgãos de soberania, a Lei n.º 159/99, de 14 de
Setembro (que estabeleceu o quadro de transferência de atribuições e
competências para as autarquias locais) refere apenas, no artigo 19.º, n.º 2,
alínea a), e sem maior concretização, a “carta escolar a integrar nos planos
directores municipais”, cuja elaboração se prevê seja da competência dos órgãos
municipais. Diversamente, o Decreto-Lei n.º 7/2003, de 15 de Janeiro, que, na
sequência dessa Lei n.º 159/99, regulamentou os conselhos municipais de educação
e aprovou o processo de elaboração da carta educativa, transferindo competências
para as autarquias locais, precisou o âmbito deste instrumento, cuja designação
alterou (a “carta escolar, identificada na alínea a) do n.º 2 do artigo 19.º da
Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, passa a designar-se por carta educativa” –
artigo 2.º, n.º 2). A carta educativa é definida, neste Decreto-Lei, como sendo,
“a nível municipal, o instrumento de planeamento e ordenamento prospectivo de
edifícios e equipamentos educativos a localizar no concelho, de acordo com as
ofertas de educação e formação que seja necessário satisfazer, tendo em vista a
melhor utilização dos recursos educativos, no quadro do desenvolvimento
demográfico e sócio-económico de cada município” (artigo 10.º). Não se limita,
pois, à educação pré-escolar e do primeiro ciclo do ensino básico (nem,
aparentemente, aos edifícios e equipamentos educativos “de responsabilidade
municipal”), antes inclui, nos termos dos artigos 11.º, n.º 1, e 12.º, n.º 1,
daquele Decreto-Lei, os estabelecimentos de educação pré-escolar e de ensino
básico e secundário.
É neste contexto que têm de ser entendidas as normas dos artigos 14.º, n.ºs 1 e
3, alínea c), 15.º e 19.º do “Regime Jurídico do Planeamento, Protecção e
Segurança das Construções Escolares”, as quais, genericamente, diferem das
disposições sobre a carta educativa previstas no citado Decreto-Lei n.º 7/2003
por se limitarem à educação pré‑escolar e ao primeiro ciclo do ensino básico.
Assim, o artigo 14.º, n.º 1, enuncia, como objectivos da carta educativa,
“assegurar a adequação da rede de estabelecimentos de educação pré-escolar e do
1.º ciclo do ensino básico para que, em cada momento, as ofertas educativas
disponíveis a nível municipal respondam à procura efectiva que ao mesmo nível se
manifestar”, enquanto no n.º 3, alínea c), se exige que a carta garanta “a
coerência da rede educativa com a política urbana do município e a articulação
com a rede educativa dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e ensino secundário,
tendo em conta as infra-estruturas existentes e as constantes dos instrumentos
regionais de planeamento, incluindo a carta escolar” (cfr., com diferenças
resultantes do âmbito mais amplo da carta educativa, o artigo 11.º, n.ºs 1 e 3,
do Decreto-Lei n.º 7/2003).
O artigo 15.º define o objecto da carta educativa como sendo a “identificação, a
nível municipal, dos edifícios e equipamentos educativos, e respectiva
localização geográfica, bem como das ofertas educativas da educação pré-escolar
e do primeiro ciclo do ensino básico” (n.º 1), incidindo sobre os
“estabelecimentos de educação pré‑escolar e do primeiro ciclo do ensino básico
das redes pública, privada, cooperativa e solidária” (n.º 2 – itálicos
aditados).
Diversamente, o artigo 12.º, n.ºs 1 e 3, do Decreto-Lei n.º 7/2003, alarga o
objecto da carta educativa à educação pré-escolar, aos ensinos básico e
secundário.
No diploma regional em apreciação, o artigo 17.º (norma não questionada pelo
requerente) é que atribui competência à câmara municipal para a elaboração da
carta educativa, com os objectivos e objecto referidos. De entre as normas
questionadas, pode dizer-se que os artigos 14.º, n.ºs 1 e 3, alínea c), e 15.º
vêm a produzir efeitos jurídicos quanto às competências das autarquias apenas
por força do artigo 19.º, que dispõe sobre os efeitos da carta educativa: depois
de aprovada e ratificada, tal carta constitui um instrumento de orientação da
gestão do sistema educativo, atribuindo-se à autarquia a “responsabilidade”,
“nos termos do n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro”, de
concretização dos investimentos nas infra-estruturas da educação pré-escolar e
do 1.º ciclo do ensino básico ali previstas, “sem prejuízo do co‑financiamento
comunitário e regional a que haja lugar nos termos legais e regulamentares
aplicáveis”.
Também aqui se nota uma diferença em relação ao disposto no Decreto-Lei n.º
7/2003 (artigo 21.º), segundo o qual, depois de aprovada e ratificada, a carta
educativa “constitui um instrumento de orientação da gestão do sistema
educativo, de acordo com as competências do Ministério da Educação e dos
municípios”, sem se precisar, a este propósito, qualquer “responsabilidade” na
concretização dos investimentos em infra-estruturas nela previstos.
b) Um segundo grupo, de entre as normas indicadas pelo requerente, insere-se no
capítulo sobre “Construção, manutenção e equipamento das infra-estruturas
escolares” (e, quanto ao artigo 57.º, nas normas transitórias e finais).
Sobre a matéria da construção, apetrechamento e manutenção de infra-estruturas
escolares, o artigo 19.º, n.º 1, da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, previra,
sem qualquer distinção ou maior precisão do seu âmbito de aplicação, que é da
competência dos órgãos municipais realizar investimentos na construção,
apetrechamento e manutenção dos estabelecimentos de educação pré-escolar e “das
escolas do ensino básico”. E o Decreto-Lei n.º 7/2003, de 15 de Janeiro,
atribuindo, no n.º 1 do artigo 22.º, a competência respectiva aos municípios
para os “estabelecimentos de educação pré-escolar e do ensino básico”,
distinguiu entre a realização dos investimentos relativos à educação pré-escolar
e ao primeiro ciclo do ensino básico, por um lado, e relativos aos segundo e
terceiro ciclos deste mesmo nível de ensino, por outro lado, dispondo que estes
últimos se efectivam “através de contrato entre o Ministério da Educação e os
municípios, assente na identificação padronizada de tipologias e custos”.
O “Regime Jurídico do Planeamento, Protecção e Segurança das Construções
Escolares”, ora em questão, separa, nos artigos 50.º, 51.º e 52.º, a matéria da
construção, manutenção e equipamento das infra-estruturas escolares.
O artigo 50.º, n.º 1, sobre construção de infra-estruturas escolares, dispõe que
compete às autarquias adquirir os terrenos, elaborar o projecto e construir os
edifícios escolares destinados ao funcionamento da educação pré-escolar e do
primeiro ciclo do ensino básico.
Os n.ºs 2 e 3 do artigo 50.º, por sua vez, prevêem competências da administração
regional autónoma: “supletivamente ao disposto no n.º 1 do artigo 19.º da Lei
n.º 159/99, de 14 de Setembro”, a competência para “aquisição, projecto e
construção das instalações escolares destinadas aos 2.º e 3.º ciclos do ensino
básico e ao ensino secundário”; e, também supletivamente, “e quando conste da
carta escolar em vigor”, competência para projectar, construir ou ampliar
instalações escolares propriedade da Região, destinadas ao funcionamento da
educação pré-escolar ou do primeiro ciclo do ensino básico, desde que integradas
em unidades orgânicas que englobem quaisquer dos outros níveis ou ciclos de
ensino, ou em situações excepcionais, decorrentes de calamidades ou similares.
Quanto ao artigo 51.º, n.º 2, que dispõe sobre investimentos na manutenção dos
edifícios escolares, prevê que, “nos termos do n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º
159/99, de 14 de Setembro”, cabem às autarquias os destinados ao funcionamento
da educação pré-escolar e ao primeiro ciclo do ensino básico que sejam sua
propriedade.
O artigo 52.º, sobre equipamento, contém, no n.º 1, a previsão de que é encargo
da administração regional autónoma a “aquisição e manutenção do mobiliário e
equipamento escolar básico, do material didáctico e dos equipamentos
tecnológicos, lúdicos e desportivos necessários ao funcionamento dos
estabelecimentos de educação e de ensino da rede pública”, sem distinção entre
níveis de ensino (ou respectivos ciclos). Por sua vez, no n.º 2 prevê-se que os
mobiliários e equipamentos adquiridos nos termos do n.º 1 são propriedade da
Região, ficando integrados no seu património.
Este artigo 52.º, n.º 2, pode, aliás, ser aproximado já das normas dos artigos
53.º e 57.º do “Regime Jurídico do Planeamento, Protecção e Segurança das
Construções Escolares”, que, de certa forma, constituem um sub-grupo dentro
deste segundo grupo de normas, pois versam sobre o património escolar, municipal
e da Região.
Assim, o artigo 53.º prevê que, por resolução do Governo Regional, podem ser
transferidos para o património municipal imóveis escolares que sejam propriedade
da Região e em que funcione apenas a educação pré-escolar e o primeiro ciclo do
ensino básico.
Já o artigo 57.º, na sequência da repartição de competências efectuada pelo
diploma entre os municípios e a Região, dispõe, nos n.ºs 1 e 2, sobre a
integração das infra‑estruturas escolares no património dos municípios e da
Região. Além de outros critérios relativos a situações especiais, atende-se para
este efeito, designadamente, à circunstância de: por um lado, os imóveis
integrarem, ou não, outros níveis ou ciclos de ensino além da educação
pré-escolar e do primeiro ciclo do ensino básico, ou de terem sido (ou virem a
ser) construídos pela administração regional autónoma em imóveis da sua
propriedade (casos em que são património da Região); ou, por outro lado, de
terem sido construídos pela autarquia (caso em que serão propriedade desta).
Prevê-se, igualmente, que o disposto no “Regime Jurídico do Planeamento,
Protecção e Segurança das Construções Escolares” constitui título bastante para
registo dos edifícios escolares a favor das autarquias ou da Região (artigo
57.º, n.º 3). No artigo 57.º, n.º 4, prevê-se a publicação, por despacho
conjunto dos membros do Governo Regional competentes em matéria de finanças e
educação, da listagem dos imóveis afectos à educação pré-escolar e do primeiro
ciclo do ensino básico, que são propriedade da Região.
Sobre a matéria de património apenas se encontra, no Decreto-Lei n.º 7/2003, o
artigo 26.º, prevendo uma transferência para os municípios do património e dos
equipamentos afectos aos estabelecimentos do primeiro ciclo do ensino básico,
sem qualquer outra formalidade e sendo esse Decreto-Lei título bastante para
esse efeito.
Também a Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro não contém qualquer disposição
específica sobre património escolar. Mas prevê, em geral, no artigo 3.º, n.º 2,
que a “transferência de atribuições e competências é acompanhada dos meios
humanos, dos recursos financeiros e do património adequados ao desempenho da
função transferida” (itálico aditado). E no artigo 11.º dispõe que o património
e os equipamentos afectos a investimentos públicos em domínios transferidos para
as autarquias locais “passam a constituir património da autarquia”.
8.O requerente invoca a violação, pelas normas cujo conteúdo foi descrito, do
artigo 165.º, n.º 1, alínea q), e do artigo 227.º, n.º 1, alínea a), da
Constituição. Fundamenta o seu pedido, portanto, na violação da reserva relativa
de competência legislativa da Assembleia da República. Sobre a densificação do
sentido deste artigo 227.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, na redacção saída
da revisão constitucional de 2004, não existe ainda praticamente jurisprudência
constitucional: o recente acórdão n.º 376/2005 (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt), depois de dar conta das alterações, pôde,
atendendo à matéria em questão, basear-se no disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo
232.º da Constituição; no acórdão n.º 246/2005 (publicado no DR, I série-A, de
21 de Junho de 2005), por sua vez, estava em questão um problema de sucessão de
normas constitucionais no tempo, e, em particular, a questão da influência das
alterações introduzidas em 2004 no artigo 227.º, n.º 1, alínea a), sobre um
decreto legislativo aprovado anteriormente à entrada em vigor da VI revisão
constitucional.
Invocando o requerente o artigo 227.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, poderá
questionar-se se estarão também preenchidos os restantes pressupostos de que
esta norma faz depender a existência de poder legislativo da Região.
Ora, quanto a este ponto, conclui-se, sem dificuldades de maior, a partir logo
da descrição do conteúdo das normas cuja apreciação é requerida, que tais normas
não só têm âmbito regional como versam genericamente sobre educação, podendo,
portanto, ser incluídas, para efeito de determinação do “âmbito material da
competência legislativa” da Região (artigo 46.º da Lei Constitucional n.º
1/2004), na alínea v) do artigo 8.º do Estatuto Político-Administrativo da
Região Autónoma dos Açores (na redacção dada pela Lei n.º 61/98, de 27 de
Agosto), que indica a matéria de “educação pré-escolar, educação escolar e
educação extra-escolar”.
Tratar-se-á, pois, seguidamente, apenas da questão da violação, pelas normas em
causa, da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República
(a que se refere, aliás, a questão de inconstitucionalidade orgânica suscitada
pelo requerente), dando por verificados os restantes pressupostos de que a
Constituição faz depender o poder legislativo das regiões autónomas.
9.Em face da anterior formulação do artigo 227.º, n.º 1, alínea a), da
Constituição (matérias “que não estejam reservadas à competência própria dos
órgãos de soberania”), o Tribunal Constitucional pronunciara-se, repetidas
vezes, no sentido de que essas “matérias reservadas à competência legislativa
própria dos órgãos de soberania não se circunscrevem às que a CRP expressamente
reserva à Assembleia da República (cfr. em especial os artigos 164.º, 167.º e
168.º da CRP) e ao Governo (cfr. em particular o artigo 201.º da CRP),
abrangendo ainda as matérias em relação às quais a CRP, implicitamente embora,
exige a intervenção do legislador nacional (acórdãos n.ºs 82/86, 164/86 e
326/86, Diário da República, 1.ª série, n.ºs 176, de 2 de Abril de 1986, 130, de
7 de Junho de 1986, e 290, de 18 de Dezembro de 1986)” – como se pode ler no
acórdão n.º 268/88, in ATC, vol. 12.º, pág. 460. Assim, disse-se no acórdão n.º
348/93 (publicado em ATC, vol. 25.º, págs. 7-35):
«O Tribunal Constitucional tem entendido que o carácter unitário do Estado e os
laços de solidariedade que devem unir todos os portugueses reclamam que a
legislação sobre matérias com relevo imediato para a generalidade dos cidadãos
seja produzida pelos órgãos de soberania (cfr., nomeadamente, os Acórdãos n.ºs
220/92, cit., 91/84 e 256/92, Diário da República, I série, de 6 de Outubro de
1984, e I série-A, de 6 de Agosto de 1992, respectivamente). Tais matérias – e
não apenas as expressamente previstas nos artigos 167.º, 168.º e 201.º da
Constituição – estão reservadas à competência dos órgãos de soberania».
A mesma posição fora, posteriormente, retomada, por exemplo, no acórdão n.º
235/94 e no acórdão n.º 711/97 (respectivamente in ATC, vols. 27.º, págs. 7-37,
e 38.º, págs. 45-70), escrevendo-se neste último:
«6. A Constituição, ao indicar os limites dos poderes legislativos das regiões
autónomas, não fornece uma definição das matérias “reservadas à competência
própria dos órgãos de soberania” [artigo 227.º, n.º 1, alínea a)] ou das
matérias “reservadas à Assembleia da República ou ao Governo” (artigo 112.º, n.º
4). Uma tal definição encontra‑se, no entanto, na jurisprudência do Tribunal
Constitucional, a qual continua válida em face do texto da Constituição
emergente da Revisão Constitucional de 1997.
Segundo a jurisprudência reiterada e uniforme deste Tribunal, matérias
reservadas à competência própria dos órgãos de soberania e, como tais, vedadas
ao poder legislativo regional, são, desde logo, as que integram a competência
legislativa própria da Assembleia da República, enumeradas nos artigos 161.º,
164.º (reserva absoluta) e 165.º (reserva relativa) da Constituição, bem como a
que é da exclusiva competência legislativa do Governo, ou seja, a matéria
respeitante à sua própria organização e funcionamento (artigo 198.º, n.º 2).
Mas, como tem sublinhado o Tribunal Constitucional, embora com vozes
discordantes, as matérias reservadas à competência própria dos órgãos de
soberania não se circunscrevem às que constituem a reserva de competência
legislativa da Assembleia da República e do Governo. A tal competência acham‑se
também “reservadas todas as matérias que reclamem a intervenção do legislador
nacional”. Com efeito, “o carácter unitário do Estado e os laços de
solidariedade que devem unir todos os portugueses exigem que a legislação sobre
matéria com relevo imediato para a generalidade dos cidadãos seja produzida
pelos órgãos de soberania (Assembleia da República ou Governo), devendo ser
estes a introduzir as especialidades ou derrogações que se mostrem necessárias,
designadamente por, no caso, concorrerem interesses insularmente localizados”.
Os referidos princípios da unidade do Estado e da solidariedade entre todos os
portugueses reclamam, assim, a intervenção do legislador nacional nas matérias
que se apresentam com relevo imediato para a generalidade dos cidadãos ou que
respeitam ou se repercutem nas diferentes parcelas do território nacional [cfr.
os já citados Acórdãos n.ºs 91/84, 164/86, 326/86 e 212/92. Cfr., ainda, Mário
de Brito, Competência Legislativa das regiões autónomas, Separata da «Scientia
Juridica», n.ºs 247/249 (1994), p. 20-21, e Rui Medeiros/J. Pereira da Silva,
ob. cit., p. 114-115]».
Poderá hoje questionar-se se esta jurisprudência (cfr. também, posteriormente, o
acórdão n.º 330/99, in ATC, vol. 44.º, págs. 7-24), sobre o sentido do requisito
negativo do poder legislativo regional, se mantém válida, nos seus traços
gerais, em face do novo texto constitucional – questão, esta, que não foi ainda
tratada adrede na jurisprudência constitucional.
O ponto não deixou, aliás, de ser objecto de atenção durante os trabalhos
preparatórios da VI revisão constitucional, pois nos diversos projectos eram
apresentadas diversas soluções, quanto ao limite ao poder legislativo regional:
o projecto de revisão constitucional n.º 1/IX (PS) remetia, no artigo 227.º, n.º
1, alínea a), para o artigo 112.º, n.º 4, e neste indicava como limite as
matérias “previstas nos artigos n.ºs 161.º, 164.º, 165.º, n.º 2 do artigo
198.º”, bem como as “que cabem ao Governo no exercício de funções de soberania”;
o projecto n.º 2/IX (BE) mantinha como limite negativo apenas as matérias
“reservadas à competência absoluta da Assembleia da República”; o projecto n.º
3/IX (PSD e CDS-PP) mantinha o requisito formulado nos termos em que se
encontrava, o mesmo acontecendo com o projecto n.º 4/IX (PCP). A finalidade do
referido projecto n.º 1/IX era, como foi dito na sua apresentação, “eliminar
zonas de indefinição entre as competências dos órgãos de soberania e as
competências dos órgãos do governo próprio dos Açores e da Madeira”, pelo que se
usava uma “nova técnica de repartição de competências entre a República e as
regiões”, destinada a “definir com maior precisão o âmbito das matérias de
reserva dos órgãos de soberania”. Na discussão e votação na especialidade
chegou‑se a uma solução de consenso (cfr. a acta n.º 10 da Comissão Eventual
para a Revisão Constitucional, reunião de 21 de Abril de 2004 – disponível em
www.parlamento.pt), que se concretizou na proposta de substituição n.º 34, e
corresponde ao que veio a ser o texto definitivo do artigo 227.º, n.º 1, alínea
a), da Constituição (e cfr., ainda, sobre o sentido da solução adoptada, a
declaração de voto sobre a revisão constitucional, apresentada pelo Deputado
José Magalhães, in Diário da Assembleia da República [DAR], I série, n.º 79, de
24 de Abril de 2004, na qual se suscita o problema da existência de matérias
reservadas a órgãos de soberania como o Governo e a Assembleia da República,
mesmo no domínio das competências concorrenciais desta com o primeiro, e ainda
que “quanto a matérias hoje incluídas nos estatutos autonómicos”).
Seja, porém, como for quanto ao exacto alcance da parte final do artigo 227.º,
n.º 1, alínea a), da Constituição, pode dar-se por assente que entre as matérias
“reservadas aos órgãos de soberania” se encontram, pelo menos, as matérias de
reserva de competência legislativa absoluta da Assembleia da República e,
também, as matérias de reserva relativa. Sobre estas últimas, as regiões
autónomas apenas poderão legislar, fora das matérias previstas na alínea b) do
n.º 1 do artigo 227.º, mediante autorização da Assembleia da República
(tratar-se-á, pois, nesta alínea b), de hipótese em que as regiões autónomas
poderão legislar em matérias reservadas a um órgão de soberania, mediante uma
autorização legislativa dele proveniente, e cuja possibilidade está
expressamente prevista na Constituição).
O requerente não invoca, aliás, uma reserva de competência de qualquer outro
órgão de soberania (designadamente, do Governo), antes baseando o seu pedido
justamente na invasão de competências legislativas sobre matéria inserida na
reserva relativa da Assembleia da República – a matéria prevista no artigo
165.º, n.º 1, alínea q), da Constituição.
Começar-se-á por verificar se é procedente a inclusão da matéria das normas em
apreciação, para efeitos do artigo 227.º, n.º 1, alínea a), parte final, da
Constituição (matérias reservadas aos órgãos de soberania), na reserva relativa
de competência legislativa da Assembleia da República prevista nesse artigo
165.º, n.º 1, alínea q).
10. O Tribunal Constitucional tem distinguido o alcance das várias “cláusulas de
reserva” de competência legislativa previstas nos artigos 164.º e 165.º,
tendo-se dito, a este propósito, no acórdão n.º 494/99 (publicado in ATC, vol.
44.º, pág. 25):
«Assim, salientou-se logo em face do texto originário da Constituição de 1976
(v. a primeira edição de Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da
República Portuguesa anotada, Coimbra, 1980, anotação ao artigo 168.º, pág. 334)
que “nem sempre é fácil [precisar rigorosamente o âmbito das matérias aqui
enunciadas], particularmente nos casos em que a reserva de competência não
abrange todo o regime jurídico, mas apenas as respectivas bases (...).” Segundo
este autores, “em caso de dúvida, porém, deve preferir-se a interpretação mais
favorável ao alargamento da competência reservada da AR.”. Posteriormente, os
termos em que a distinção seria posteriormente formulada foram assim
introduzidos (na 2.ª edição da citada obra, 1985, 2.º vol., págs. 197-8):
“O alcance da reserva de competência legislativa da AR não é idêntico em todas
as matérias. Importa distinguir três níveis: (a) um nível mais exigente, em que
toda a regulamentação legislativa da matéria é reservada à AR – é o que ocorre
na maior parte das alíneas; (b) um nível menos exigente, em que a reserva da AR
se limita ao regime geral (alíneas d), e), h) e p)), ou seja, em que compete à
AR definir um regime comum ou normal da matéria, sem prejuízo, todavia, de
regimes especiais que podem ser definidos pelo Governo (ou, se for caso disso,
pelas assembleias regionais); (c) finalmente, um terceiro nível, em que a
competência da AR é reservada apenas no que concerne às bases gerais do regime
jurídico da matéria (alíneas f), g), n) e u)).
O segundo e terceiro níveis são bastante distintos, pelo menos quando
considerados em abstracto: naquele, a AR deve definir todo o regime geral ou
comum, sem prejuízo dos regimes especiais (que, todavia, hão-de respeitar os
princípios gerais do regime geral), enquanto que [no] terceiro nível a AR apenas
tem que definir as bases gerais, podendo deixar para o Governo o desenvolvimento
legislativo do regime jurídico (do regime geral e dos regimes especiais a que
haja lugar), não é fácil definir senão aproximadamente o que deve entender-se
por bases gerais. Seguro é que deve ser a AR a tomar as opções
político-legislativas fundamentais, não podendo limitar-se a simples normas de
remissão ou normas praticamente em branco.”
Os termos da distinção foram acolhidos no Acórdão n.º 3/89 do Tribunal
Constitucional (DR, II série, de 12 de Abril de 1989, que transcreveu o primeiro
dos dois parágrafos acabados de citar, o que ocorreu também, nos mesmos termos,
no Acórdão n.º 257/88, publicado no Diário da República (doravante DR), II
série, de 11 de Fevereiro de 1989), e adoptados também por Jorge Miranda (Manual
de direito constitucional, tomo V, Coimbra, 1997, pág. 232), passando a ser
designados “reserva de densificação total e reserva de densificação parcial”
(por Gomes Canotilho, a partir da primeira edição do seu Direito constitucional
e teoria da constituição, Coimbra, 1998, pág. 645). No mesmo sentido se
pronunciou Manuel Afonso Vaz (Lei e reserva de lei – a causa da lei na
Constituição portuguesa de 1976, Porto, 1992, pág. 430), que, depois de
distinguir um critério material implícito de um critério material explícito de
fixação de uma reserva legislativa do Parlamento (o que “pressupõe a definição
de matérias subtraídas à acção legislativa primária de outros órgãos”,
respectivamente pelo preenchimento dogmático “da matéria constitucionalmente
carente de decisão parlamentar” ou pela sua indicação expressa no texto
constitucional) conclui que, no nosso caso,
“A questão da extensão da reserva do Parlamento torna-se, deste modo, um
problema interno de verificação e interpretação de preceitos e não,
primariamente, de princípios. Dessa indagação, recorta-se o âmbito material da
competência legislativa reservada ao Parlamento, o qual, por um critério de
menor, maior ou total exclusividade referida aos potenciais conteúdos de
legislação, assim se dispõe: 1) reserva limitada às bases gerais dos regimes
jurídicos; 2) reserva incidente sobre o regime comum ou normal; 3) reserva
completa ou total”».
Por sua vez, a reserva de lei em matéria de “estatuto das autarquias locais” (a
que se refere a alínea q) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, que, antes
da IV revisão constitucional, era a alínea s) do n.º 1 do artigo 168.º) foi já
tratada em decisões deste Tribunal. Assim, disse-se no acórdão n.º 674/95
(publicado em ACT, vol. 32.º, pág. 609):
«O Estatuto das autarquias locais, que a al. s) reserva ao Parlamento, tem que
ver com a respectiva organização, atribuições e competência dos seus órgãos,
estrutura dos seus serviços e regime do respectivo funcionalismo (v. Gomes
Canotilho/Vital Moreira, ob. cit. [Constituição da República Portuguesa, 3.ª
ed., Coimbra, 1993], pág. 676), mas não abrange seguramente, como se refere na
decisão impugnada, os “concretos procedimentos administrativos através dos quais
se exercitam” essas atribuições.»
Por sua vez, no acórdão n.º 329/99 (publicado no Diário da República, II série,
de 20 de Julho de 1999, e cuja fundamentação foi reiterada, posteriormente, em
fiscalização abstracta, pelo acórdão n.º 517/99, publicado no Diário da
República, II série, de 11 de Novembro de 1999), a propósito de normas que
exigiam que as licenças (de loteamento, de obras de urbanização ou de
construção) concedidas anteriormente pelas câmaras municipais, ainda que
tituladas por alvará, fossem submetidas a confirmação do Governo, com vista a
garantir a sua compatibilidade com os planos regionais de ordenamento do
território, sem a qual caducariam, o Tribunal Constitucional afirmou que:
«Tais normas não estatuem, porém, sobre a organização ou as atribuições das
câmaras municipais, nem sobre as competências dos seus órgãos, que são as
matérias que, a par do regime das finanças locais, integram o estatuto, cuja
modelação tem de ser feita pela Assembleia da República ou pelo Governo com
autorização sua».
E no acórdão n.º 377/99 escreveu-se:
«Como salientam Gomes Canotilho/Vital Moreira (ob. cit., pág. 676, anotação XX
ao artigo 168.º), “o estatuto das autarquias locais (al. s)) abrange seguramente
a sua organização, as suas atribuições e a competência dos seus órgãos, a
estrutura dos seus serviços, o regime dos seus funcionários, bem como o regime
das finanças locais, ou seja, a generalidade das matérias tradicionalmente
incluídas no chamado ‘Código Administrativo’”. Ora, cometer às autarquias
competências de licenciamento não é o mesmo que cometer-lhes competências de
definição dos efeitos, duração e requisitos desses licenciamentos. Uma coisa é a
definição do quadro do exercício de competências das autarquias em matéria de
licenciamentos – que, por força do disposto no anterior artigo 239.º (actual n.º
1 do artigo 237.º) é matéria de reserva da Assembleia da República (artigo
168.º, n.º 1, alínea s), da anterior redacção e alínea q) do n.º 1 do artigo
165.º da actual); coisa bem diversa é, todavia, o regime dos actos que integram
esse quadro de competências, e, designadamente, o regime da caducidade das
licenças.
Não fora assim, aliás, e a mera devolução às autarquias de qualquer competência
para prática de um acto (de autorização, licenciamento, aprovação, proibição,
etc.) implicaria a transferência para a competência reservada da Assembleia da
República da fixação de todo o seu regime.»
Como resulta deste último aresto, pode discutir-se o alcance da reserva relativa
de competência legislativa sobre o “estatuto das autarquias locais”, quanto às
atribuições e competências das autarquias, designadamente, em confronto com a
regulação, por diplomas não parlamentares, da actuação administrativa, com
indicação das atribuições e competências (de actuação) que lhes servem de
suporte – cfr. o que se disse no aresto por último citado, ao distinguir entre o
“quadro do exercício de competências das autarquias” (em matéria de
licenciamentos), que se decidiu ser matéria de reserva da Assembleia da
República, e o “regime dos actos que integram esse quadro de competências” e, na
doutrina, António Cândido de Oliveira, Direito das autarquias locais, Coimbra,
1993, págs. 247 e segs..
Tal não prejudica, porém, o entendimento, que se reitera no presente caso, de
que a reserva de competência legislativa parlamentar sobre o “estatuto das
autarquias locais”, que não se limita às bases gerais do regime ou ao regime
comum ou normal, abrange, pelo menos, a definição, a título principal, da
organização, das atribuições e da competência das autarquias locais e
respectivos órgãos.
11.Do confronto entre este âmbito da reserva de competência legislativa da
Assembleia da República sobre o “estatuto de autarquias locais” e o conteúdo das
normas cuja apreciação é pedida resulta que nem todas estas merecem a mesma
qualificação e enquadramento.
Assim, detectam-se em primeiro lugar, normas que, manifestamente, não procedem à
definição de tal “estatuto”, por não preverem qualquer atribuição ou competência
das autarquias açorianas. É o caso dos artigos 14.º, n.ºs 1 e 3, alínea c), e
15.º do “Regime Jurídico do Planeamento, Protecção e Segurança das Construções
Escolares”, que se limitam a enunciar os objectivos e o objecto da carta
educativa, sendo antes o artigo 17.º (cuja apreciação não foi pedida) que prevê
a competência da autarquia para elaboração da carta educativa, “nos termos da
alínea a) do n.º 2 do artigo 19.º da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro”.
Diverso é, porém, o enquadramento que se impõe quanto aos artigos 19.º, 50.º,
n.º 1, e 51.º, n.º 2. A primeira destas normas atribui às autarquias a
“responsabilidade” de concretização dos investimentos nas infra-estruturas da
educação previstas na carta educativa (isto é, para a educação pré-escolar e o
primeiro ciclo do ensino básico), e as restantes prevêem que incumbe às
autarquias a realização de investimentos em construção (adquirir os terrenos,
elaborar o projecto e construir os edifícios escolares) e manutenção de escolas,
também apenas em relação à educação pré-escolar e ao primeiro ciclo do ensino
básico. Não só tais normas prevêem, pois, competências das autarquias locais,
como decorre mesmo da sua delimitação e do seu confronto, quer com outras normas
do mesmo diploma (cfr. os artigos 8.º e segs., e o artigo 50.º, n.ºs 2 e 3),
quer com o Decreto-Lei n.º 7/2003 (artigos 21.º e 22.º), que elas excluem a
competência das autarquias açorianas para planear e realizar investimentos para
além da educação pré-escolar e do primeiro ciclo do ensino básico
(designadamente, quanto aos segundo e terceiro ciclos deste nível de ensino).
Esses artigos 19.º, 50.º, n.º 1, e 51.º, n.º 2, incidem, pois, sobre o “estatuto
das autarquias locais”. Quanto às competências que estas normas atribuem às
autarquias açorianas, só não se verificará, pois, um vício de
inconstitucionalidade orgânica na medida em que tais normas não sejam inovadoras
– designadamente, na medida em que elas se limitem a repetir, ou a concretizar,
uma previsão de competências das autarquias já resultante de outro diploma.
Quanto ao artigo 52.º, n.º 1, prevê um encargo ou responsabilidade da
administração regional, pelo que não versa, directamente, sobre atribuições ou
competências das autarquias locais. Todavia, na medida em que o seu objecto
(aquisição e manutenção de equipamento para os estabelecimentos de educação e de
ensino da rede pública, sem distinção) inclua matéria que integre já hoje a
esfera de atribuições e competências das autarquias locais, tais normas não
deixam de incidir igualmente sobre matéria integrante do “estatuto” destas,
alterando-o (diversamente se essa matéria estiver hoje cometida, nos Açores, à
administração regional autónoma ou a outras entidades). A resposta à questão de
saber se o artigo 52.º, n.º 1, procede à definição do estatuto das autarquias
locais depende, pois, de saber se incide sobre competências ou atribuições que
estão hoje, na Região Autónoma dos Açores, cometidas a essas autarquias.
Já quanto às normas dos artigos 50.º, n.ºs 2 e 3, apesar de se referirem
igualmente a competências da Região, a sua inclusão entre as normas que incidem
sobre o “estatuto das autarquias locais” depende, antes de mais, não tanto de
saber se incidem sobre matéria hoje incluída na competência das autarquias
açorianas, como de apurar, por interpretação, se, mesmo a ser assim, delas
resulta verdadeiramente uma exclusão da competência destas. Na verdade, o artigo
50.º, n.º 2, atribui competência à administração regional autónoma para
adquirir, projectar e construir instalações escolares destinadas aos segundo e
terceiro ciclos do ensino básico e ao ensino secundário, mas apenas
“supletivamente ao disposto no n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 159/99, de 14 de
Setembro”. E o n.º 3 apenas prevê competências da administração regional
autónoma “supletivamente, e quando conste da carta escolar em vigor” (itálicos
aditados), e relativamente a instalações de educação pré-escolar integradas em
unidades orgânicas ou do primeiro ciclo integradas em unidades orgânicas que
podem incluir outros níveis de ensino, além do ensino básico, ou em situações
excepcionais, decorrentes de calamidades ou outras similares, mediante
deliberação do conselho do governo regional. Ora, embora o sentido da referência
a uma intervenção da administração regional autónoma apenas “supletivamente” não
seja inteiramente isento de dúvidas, entende-se que ela é ainda compatível com
um entendimento segundo o qual se não prevê, nesse artigo 50.º, n.ºs 2 e 3,
qualquer intervenção da administração a título principal, que exclua ou limite a
eventual competência das autarquias locais nos domínios nela previstos.
Tratar-se-á, segundo essa interpretação, tão-só de prever, nestas normas uma
competência adicional da administração regional autónoma, a qual,
“supletivamente”, acresce à das autarquias locais. Ora, com este sentido, não
pode dizer-se que resulte dos n.ºs 2 e 3 do artigo 50.º, ao preverem
supletivamente competências da administração – e mesmo quanto à educação
pré-escolar e ao ensino básico, em todos os seus ciclos –, qualquer exclusão da
competência das autarquias açorianas. E não pode, portanto, considerar-se, que,
assim entendidas, estas normas tratem de matéria que integre o “estatuto das
autarquias locais” (já o mesmo não pode, porém, concluir-se, no referido artigo
51.º, n.º 2, a partir da ressalva de “contratos de cooperação, celebrados ao
abrigo do disposto no Decreto Legislativo Regional n.º 32/2002/A, de 8 de
Agosto, nos termos do n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 159/99, de 14 de
Setembro”, desde logo, porque o Decreto-Lei n.º 7/2003 não reconheceu
competência aos municípios apenas nos termos de tais contratos).
Por último, quanto às normas dos artigos 52.º, n.º 2, 53.º e 57.º, elas
perfilam-se, no “Regime Jurídico do Planeamento, Protecção e Segurança das
Construções Escolares”, como mera decorrência, quanto ao património, da
repartição de competências entre os municípios e a Região Autónoma dos Açores.
Na medida em que prevêem a possibilidade de transferência de imóveis para o
património municipal (artigo 53.º) e procedem a uma repartição do património
imobiliário (artigo 57.º) entre os municípios e a Região, bem como a uma
atribuição a esta de património mobiliário (artigo 52.º, n.º 2), fazem-no, na
lógica do diploma em apreço, apenas como decorrência da repartição de
competências e atribuições, estando dependentes desta.
Conclui-se, assim, que algumas das normas em apreço – os artigos 14.º, n.ºs 1 e
3, alínea c), 15.º, e 50.º, n.ºs 2 e 3, do “Regime Jurídico do Planeamento,
Protecção e Segurança das Construções Escolares” – não incidem sobre matéria
relativa ao “estatuto das autarquias locais”. As restantes, porém – isto é, os
artigos 19.º, 50.º, n.º 1, 51.º, n.º 2, 52.º (e também os artigos 53.º e 57.º,
que pressupõem aqueles) –, versam sobre a matéria de competência legislativa
reservada enunciada no artigo 165.º, n.º 1, alínea q), da Constituição da
República, isto é, sobre matéria sobre a qual a Assembleia Legislativa da Região
Autónoma dos Açores não poderia legislar, nem sequer com autorização legislativa
da Assembleia da República (a alínea q) do n.º 1 do artigo 165.º é exceptuada no
artigo 227.º, n.º 1, alínea b), ambos da Constituição).
O enquadramento destas normas no artigo 165.º, n.º 1, alínea q), da
Constituição, não conduz, porém, logo, sem mais, a um juízo de
inconstitucionalidade.
Há, na verdade, que tomar em conta que o “Regime Jurídico do Planeamento,
Protecção e Segurança das Construções Escolares” se apresenta, quer no
respectivo preâmbulo (2.º e 5.º parágrafos), quer mesmo segundo o teor de
algumas das normas em apreciação (artigos 19.º, 50.º, n.º 2, e 51.º, n.º 2), na
sequência da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro – como não deixa, aliás, de
informar o requerente.
12. A Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, veio estabelecer o quadro de
transferência de atribuições e competências para as autarquias locais. Este
diploma parlamentar foi expressamente apresentado, na exposição de motivos da
Proposta de Lei n.º 1117VIII, eu esteve na sua génese, como sendo uma lei-quadro
(DAR, II série-A, de 31 de Maio de 1997, pág. 951). Logo no seu artigo 1.º,
relativo à definição do objecto do diploma, se declara que com este se
“estabelece o quadro de transferência de atribuições e competências para as
autarquias locais, bem como de delimitação da intervenção da administração
central e da administração local, concretizando os princípios da
descentralização administrativa e da autonomia do poder local”.
Como se salienta na doutrina (Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria
da Constituição, 7.ª ed., Coimbra, 2003, pág. 786), as leis-quadro “estabelecem
um regime jurídico global de regras e princípios para grandes espaços
jurídicos-materiais carecidos de ulteriores concretizações, mas sem que essas
concretizações se identifiquem com o esquema de actos legislativos de
desenvolvimento”. Isto – entenda‑se – porque tais leis vão mais longe do que as
leis de bases, fixando “mais ou menos pormenorizadamente um regime estruturante
que deverá ser respeitado pelos actos legislativos concretizadores desse
regime”.
A Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, sendo uma lei-quadro, não deixa justamente
de enumerar, com um certo grau de densificação, os princípios e regras a que
deve obedecer a transferência de competências para os municípios, procedendo a
uma “delimitação das atribuições e competências em geral” que foi levada a
alguma pormenorização.
Assim, nos termos do seu artigo 2.º, n.ºs 1, 5 e 6, a “descentralização de
poderes efectua-se mediante a transferência de atribuições e competências para
as autarquias locais”. Esta transferência “implica a concessão, aos órgãos das
autarquias locais, de poderes que lhes permitam actuar em diversas vertentes”,
cuja natureza pode ser consultiva, de planeamento, de gestão, de investimento,
de fiscalização ou de licenciamento, incluindo, nos poderes de investimento, “a
identificação, a elaboração dos projectos, o financiamento, a execução e a
manutenção dos empreendimentos”.
Nos termos do artigo 3.º, n.º 2, a “transferência de atribuições e competências
é acompanhada dos meios humanos, dos recursos financeiros e do património
adequados ao desempenho da função transferida”.
A Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, não procedeu, porém, a transferências de
atribuições e de competências com eficácia imediata – não é “imediatamente
aplicável” –, antes remetendo para diplomas próprios ulteriores a concretização
das transferências. Tal remissão para diplomas ulteriores, deixada clara logo na
exposição de motivos e sublinhada durante o debate da respectiva proposta de
lei, está prevista no seu artigo 4.º, com a epígrafe “Concretização e
financiamento das novas competências”, e que dispõe:
«1 – O conjunto de atribuições e competências estabelecido no capítulo III desta
lei quadro será progressivamente transferido para os municípios nos quatro anos
subsequentes à sua entrada em vigor.
2 – As transferências de competências, a identificação da respectiva natureza e
a forma de afectação dos respectivos recursos serão anualmente concretizadas
através de diplomas próprios, que podem estabelecer disposições transitórias
adequadas à gestão do processo de transferência em causa, de acordo com o
disposto nos artigos 2.º, 3.º e 5.º.
3 – O Orçamento do Estado fixa anualmente, no montante e nas condições que
tiverem sido acordados entre a administração central e as autarquias locais, os
recursos a transferir para o exercício das novas atribuições.
4 – O Orçamento do Estado procederá, sempre que necessário, à indicação das
competências a financiar através de receitas consignadas.» (itálico aditado)
Assim, para o ano de 2001, a Lei n.º 30-C/2000, de 29 de Dezembro, que aprovou o
Orçamento do Estado, previu, no artigo 13.º, que, o Governo, no âmbito da Lei
n.º 159/99, de 14 de Setembro, tomaria as providências regulamentares
necessárias à concretização das transferências de atribuições e competências da
administração central para os municípios, em vários domínios (entre os quais o
planeamento e gestão dos equipamentos educativos e realização de investimentos
na construção, apetrechamento e manutenção dos estabelecimentos de educação
pré-escolar e do primeiro ciclo do ensino básico, e elaboração da carta escolar
– n.º 1, alíneas j) e l)). Disposição semelhante, embora abrangendo os
estabelecimentos das escolas dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico, continha-se
no artigo 12.º, n.º 1, da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro. Diversamente, a
Lei do Orçamento do Estado para 2003 não continha qualquer previsão relativa à
transferência de competências e atribuições para os municípios, mas, em matéria
de educação, logo em 15 de Janeiro de 2003 foi publicado o Decreto‑Lei n.º
7/2003 (que, como veremos, procedeu a tal transferência com efeitos reportados
ao início do ano de 2003).
E, posteriormente, o prazo de quatro anos, referido no artigo 4.º, n.º 1, da Lei
n.º 159/99, foi sucessivamente prorrogado pelo artigo 12.º, n.º 1, da Lei n.º
107-B/2003, de 31 de Dezembro, e pelo artigo 11.º, n.º 1, da Lei n.º 55-B/2004,
de 30 de Dezembro (nos n.ºs 2 destes artigos autoriza-se também o Governo a
legislar, respectivamente durante os anos de 2004 e 2005, “no sentido de
regulamentar a transferência de competências para os municípios previstas nos
artigos 16.º a 31.º da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, nos termos previstos
nos artigos 3.º, 4.º, 6.º, 11.º e 12.º da mesma lei”).
Por sua vez, o artigo 6.º da mesma Lei n.º 159/99 dispõe sobre a “natureza das
atribuições e competências tranferidas”, distinguindo entre transferências de
competências universais e não universais, dispondo no seu n.º 2:
“2 – Consideram-se universais as transferências que se efectuam simultânea e
indistintamente para todos os municípios que apresentem condições objectivas
para o respectivo exercício e não universais as que se efectuam apenas para
algum ou alguns municípios, nas condições previstas no número seguinte.”
As novas atribuições e competências transferidas para os municípios são
tendencialmente universais (da epígrafe, do n.º 1 e do n.º 3, num certo
entendimento, parece, aliás, resultar a aplicação do qualificativo “universais”
às atribuições e competências, enquanto, como se vê, o citado n.º 2 refere este
adjectivo às próprias transferências), podendo, no entanto, assumir a natureza
de não universais. A transferência destas últimas efectua-se mediante um
procedimento que envolve a celebração de um contrato “entre os departamentos da
administração central competentes e todos os municípios interessados”, com
“identificação padronizada de custos, de acordo com a actividade a transferir”,
e que será publicado no Diário da República.
Especificamente quanto a competências em matéria de educação, dispõe-se na Lei
n.º 159/99:
«Artigo 19.º
Educação
1 – É da competência dos órgãos municipais participar no planeamento e na gestão
dos equipamentos educativos e realizar investimentos nos seguintes domínios:
a) Construção, apetrechamento e manutenção dos estabelecimentos de educação
pré-escolar;
b) Construção, apetrechamento e manutenção dos estabelecimentos das escolas do
ensino básico.
2 – É igualmente da competência dos órgãos municipais:
a) Elaborar a carta escolar a integrar nos planos directores municipais;
b) Criar os conselhos locais de educação.
3 – Compete ainda aos órgãos municipais no que se refere à rede pública:
a) Assegurar os transportes escolares;
b) Assegurar a gestão dos refeitórios dos estabelecimentos de educação
pré-escolar e do ensino básico;
c) Garantir o alojamento aos alunos que frequentam o ensino básico, como
alternativa ao transporte escolar, nomeadamente em residências, centros de
alojamento e colocação familiar;
d) Comparticipar no apoio às crianças da educação pré-escolar e aos alunos do
ensino básico, no domínio da acção social escolar;
e) Apoiar o desenvolvimento de actividades complementares de acção educativa na
educação pré-escolar e no ensino básico;
f) Participar no apoio à educação extra-escolar;
g) Gerir o pessoal não docente de educação pré-escolar e do 1.º ciclo do ensino
básico».
Durante a votação da Proposta de Lei n.º 111/VII, que deu origem à Lei n.º
159/99, foi, a este propósito, apresentada (pelo PCP) uma proposta de alteração
do artigo 19.º, justamente dirigida a limitar o âmbito do n.º 2, alínea b) (bem
como do n.º 3, alíneas b), d) e e)), quanto no ensino básico, ao seu primeiro
ciclo – proposta de alteração, essa, que foi, porém, rejeitada (com os votos
contra do PS e do PSD e com os votos a favor do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes –
cfr. DAR, I série, n.º 102, de 3 de Julho de 1999, pág. 3761).
Quanto ao seu âmbito de aplicação, importa notar que a Proposta de Lei n.º
111/VII (DAR, II série-A, n.º 47, de 31 de Maio de 1997) se referia à
“administração central e regional” nos seus artigos 1.º (correspondente ao
artigo 1.º da Lei), 2.º, n.ºs 4 e 5 (artigo 2.º, n.ºs 3 e 4, da Lei), 3.º, n.º 6
(artigo 3.º, n.º 4, da Lei n.º 159/99), 6.º, n.º 1 (artigo 8.º, n.º 1, da Lei),
e 11.º, n.º 5 (sem equivalente na lei). Particularmente significativo era o
artigo 4.º, n.º 5, da Proposta de Lei, epigrafado, como o da Lei n.º 159/99,
“Concretização e financiamento das novas competências”, que dispunha assim:
«As transferências financeiras previstas no presente diploma efectuam-se a
partir do Orçamento do Estado ou dos orçamentos regionais, consoante a
titularidade das competências transferidas.»
Todas estas referências desapareceram, porém, no texto final (DAR, II série-A,
n.º 79, de 13 de Julho de 1999) da Comissão de Administração do Território,
Poder Local, Equipamento Social e Ambiente (numa modificação a que não será,
possivelmente, alheio o referendo, entretanto realizado, sobre a matéria da
regionalização – note-se que a referida proposta incluía, igualmente, um artigo
12.º, sobre “Regiões Administrativas”, que não tem equivalente na lei).
De todo o modo, e no que toca à aplicação nas regiões autónomas, pode
observar‑se, sobre a Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro: por um lado, que ela foi
aprovada “para valer como lei geral da República”; por outro lado, que, segundo
o seu artigo 33.º (com a epígrafe “Regiões Autónomas”), “[a] presente lei
aplica-se às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira”.
É certo que, desde o Decreto-Lei n.º 338/79, de 25 de Agosto, já se operara uma
transferência, para as regiões autónomas, de certos serviços do Ministério da
Educação, dizendo-se que compete “aos órgãos de Governo próprio da Região
Autónoma dos Açores assegurar o correcto desenvolvimento da acção educativa na
Região, promovendo a aplicação dos princípios gerais do sistema nacional de
educação”, e atribuindo-se aos órgãos de Governo próprio da Região as
correspondentes competências.
Ainda assim, tendo-se mantido a disposição que determina a aplicação da Lei n.º
159/99, de 14 de Setembro, tem de concluir-se que o legislador parlamentar
pretendeu que os municípios das regiões autónomas também fossem dotados, tal
como os do Continente, das competências para cuja transferência previu um quadro
geral. Não se vislumbra, na verdade, outro sentido útil para o citado artigo
33.º (embora dele não resulte necessariamente a impossibilidade de uma
concretização específica, nas regiões autónomas, das transferências de
competências previstas). E note-se, aliás, que se encontram, ao longo da lei,
referências, por exemplo, à rede viária regional (artigo 17.º, n.º 2, alínea
d)).
Não pode, pois, deixar de concluir-se que a Lei n.º 159/99 é também aplicável
nas regiões autónomas.
13.A conclusão a que se chegou é relevante para a questão de constitucionalidade
em apreciação. Com efeito, se as normas do “Regime Jurídico do Planeamento,
Protecção e Segurança das Construções Escolares” se apresentam como aprovadas na
sequência da referida Lei n.º 159/99, aplicável na Região Autónoma dos Açores, e
se esta mesma previu que as transferências de competências e atribuições, cujo
quadro definiu, seriam concretizadas mediante diplomas próprios posteriores –
sem mais especificações, para além de se referir a uma concretização anual –,
importa perguntar se aquelas normas podem ser vistas como meramente realizadoras
de tal concretização, prevista na Lei n.º 159/99.
Esta mesma questão é, aliás, posta pelo requerente, quando destaca a
impossibilidade de ler o artigo 19.º de forma isolada em relação aos restantes
preceitos dessa Lei n.º 159/99 (designadamente, os artigos 4.º e 6.º),
relacionando as normas questionadas com este. E facilmente se deixa ver que a
resposta a tal questão tem consequências para a questão de saber se foi ou não
invadida a área de competência legislativa reservada da Assembleia da República.
Pois se se entender que as normas em apreço se limitam a concretizar a
transferência de competências prevista no artigo 4.º da Lei n.º 159/99, o
problema será apenas o de saber se tal concretização era possível por diploma
não parlamentar (no caso, por decreto legislativo regional), por a reserva de
lei ter ficado esgotada com aquela Lei.
A possibilidade de as normas em apreciação serem consideradas uma concretização
das transferências de competências previstas na Lei n.º 159/99, de 14 de
Setembro, nos termos do seu artigo 4.º, n.º 2, não é, aliás, afastada pela
circunstância de se tratar de uma transferência (aparentemente) apenas parcial,
ou, mais precisamente, de uma transferência de competências apenas em relação à
educação pré-escolar e ao primeiro ciclo do ensino básico.
Com efeito, e desde logo, o artigo 19.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, alínea a),
refere‑se, sem distinção, às “escolas do ensino básico” e à “carta escolar”.
Todavia, nada precisa quanto ao âmbito que esta última, cuja elaboração é da
competência dos órgãos municipais, deverá revestir, pelo que, apesar da sugestão
literal do n.º 1, alínea b), resultante da ausência de distinção (enquanto no
n.º 3, alínea g), se limita a transferência ao primeiro ciclo desse nível de
ensino) e do argumento histórico (já referido) em contrário, poderia suscitar-se
a dúvida sobre se o referido n.º 1, alínea b), inclui necessariamente escolas de
todos os ciclos do ensino básico. Seja como for – isto é, mesmo que se entenda
que a dúvida precedente não tem razão de ser –, entende‑se que uma transferência
parcial de competências, como aquela que então se encontraria no “Regime
Jurídico do Planeamento, Protecção e Segurança das Construções Escolares”, não é
inviabilizada pelo artigo 4.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 159/99. Antes pelo
contrário, dir-se-á mesmo, a previsão de uma progressiva concretização da
transferência de competências (n.º 1 do artigo 4.º), com “identificação da
respectiva natureza e a forma de afectação dos respectivos recursos” (n.º 2 do
mesmo artigo), implica, lógica e necessariamente, a possibilidade de
transferências parciais, concretizadas através de diplomas próprios.
Não é, pois, a circunstância de o diploma em causa não transferir já para os
municípios as competências relativamente a todos os ciclos do ensino básico –
mas apenas para a educação pré-escolar e para o primeiro ciclo do ensino básico
– que impede de as considerar como uma concretização da transferência de
competências, conforme previsto no artigo 4.º, n.ºs 1 e 2.
E também não parece que proceda, no sentido de conduzir a um juízo de
inconstitucionalidade orgânica, a objecção ao referido enquadramento das normas
em apreciação resultante de se não ter adoptado o procedimento contratualizado
previsto, para a transferência de competências não universais, no artigo 6.º,
n.º 3, da Lei n.º 159/99. Na verdade, ainda que, de acordo com a razão de ser da
distinção, se defenda que o que releva para a qualificação como transferência de
competências não universais é o facto de os destinatários das competências serem
todos os municípios (com condições objectivas para as exercer),
independentemente de tais competências serem anteriormente de entidades
diversas, não parece (também de acordo com a razão de ser da distinção) que ela
tenha de se aplicar a qualquer transferência de competências de uma região
autónoma para os respectivos municípios.
A razão de ser da distinção entre a transferência de competências universais e
não universais – sendo estas últimas também admitidas –, para o efeito da
imposição de um particular procedimento, contratualizado, nos termos do artigo
6.º, n.º 3, prende‑se, com efeito, com a previsível necessidade de meios
(humanos, financeiros ou de património) para fazer face a essas competências, os
quais não são objecto de uma previsão geral (universal) e antes carecem de uma
concretização para cada município (ou conjunto de municípios) destinatários das
competências. Ora, como se sabe, apesar de as finanças das autarquias locais e
das regiões autónomas serem independentes (artigo 43.º, n.º 1, da Lei n.º 13/98,
de 24 de Fevereiro – Lei de Finanças das Regiões Autónomas), é possível, tendo
em conta a especificidade das regiões autónomas (para as quais as competências
em causa estão há muito transferidas), a definição, pelas assembleias
legislativas das regiões, de formas de cooperação técnica e financeira diversas
das que existem no Continente (cfr. o artigo 7.º, n.º 7, da Lei n.º 42/98, de 6
de Agosto – Lei das Finanças Locais – e o acórdão n.º 4/2000, publicado no
Diário da República, I série-A, de 5 de Fevereiro de 2000, onde se decidiu que a
assunção de dívidas não bastava como objectivo da cooperação em causa, no
sentido de caracterizar qualquer especificidade regional).
E, por último, mesmo a entender-se que, efectivamente, a ausência de um
procedimento contratualizado, nos termos do artigo 6.º, n.º 3, da Lei n.º
159/99, se afasta do previsto neste diploma, sempre poderia questionar-se se tal
afastamento em matéria de procedimento para a transferência de competências
implicaria, só por si, uma violação da reserva de competência relativa da
Assembleia da República. Pois mesmo se se entender que aquela decisão política,
que se consubstanciou na aprovação da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, esgotou
a matéria de reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da
República, não é, porém, forçoso entender também que todos os aspectos atinentes
à transferência de competências constituem matéria de reserva. E um dos aspectos
tratados nessa Lei que, se não pelas razões referidas, pelo menos pela sua
relevância sobretudo procedimental, parece escapar à área de reserva de
competência legislativa parlamentar, poderia ser, justamente, o da exigência de
celebração de um contrato entre o município interessado e o departamento da
Administração Central em causa.
14.Como já resulta do que se disse, entende-se que a reserva relativa de
competência legislativa parlamentar, prevista no artigo 165.º, n.º 1, alínea q),
da Constituição, não obsta à possibilidade de concretização da transferência de
competências, nos termos previstos na Lei n.º 159/99 (artigo 4.º), por diplomas
legislativos que não sejam leis parlamentares.
Com efeito, à luz da razão de ser dessa reserva – manter na Assembleia da
República a decisão político-legislativa sobre o quadro das competências dos
municípios –, o exercício da competência legislativa consumou-se com a Lei n.º
159/99, e a decisão sobre o quando e o quanto da transferência de competências
foi deixada para diplomas próprios posteriores. A possibilidade de uma
concretização das transferências por estes outros diplomas, que não têm de ser
diplomas parlamentares, foi, aliás, prevista pela própria Lei n.º 159/99, de 14
de Setembro, que não se limitou a qualquer “deslegalização” da matéria de
“estatuto das autarquias locais”. Antes dispôs sobre tal matéria, indicando, com
algum pormenor, quais as competências que se transfeririam, nos diversos
domínios, para os municípios, e um prazo-limite (um dies ad quem para a
realização de todas as transferências). O facto de ter deixado em aberto um
espaço para a concretização desta transferência, por diplomas posteriores, não
acarreta, pois, só por si, violação da área de reserva, tendo a razão de ser
desta ficado satisfeita com a disciplina da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro.
Este entendimento não é contrariado pela prática, mais recente, de inserir
normas a autorizar o Governo a “regulamentar” a transferência de competências
para os municípios (os citados artigos 11.º, n.º 2, e 12.º, n.º 2, da Lei n.º
107-B/2003, de 31 de Dezembro e da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro). Isto,
tal como, por outro lado, não é, só por si, decisivo o facto de ter
anteriormente variado a prática quanto à aprovação de diplomas concretizadores
das transferências de competências previstas na Lei n.º 159/99: os Decretos-Leis
n.ºs 260/2002 e 261/2002, de 23 de Novembro, n.º 267/2002, de 26 de Novembro, e
n.º 309/2002, de 16 de Dezembro foram aprovados ao “abrigo da alínea c) do n.º 1
do artigo 198.º da Constituição” e “no desenvolvimento do regime” estabelecido
na Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro; o Decreto-Lei n.º 69/2003, de 10 de Abril
(sobre atribuições e competências que, no âmbito do licenciamento industrial,
são transferidas para as autarquias locais) foi aprovado nos termos da alínea a)
do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição.
Em matéria de educação, também já antes, aliás, o Decreto-Lei n.º 7/2003, de 15
de Janeiro, que foi aprovado, sem autorização legislativa, ao abrigo da alínea
a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, veio, justamente, concretizar a
transferência de competências para os municípios em matéria educativa,
regulamentando os conselhos municipais de educação e aprovando o processo de
elaboração da carta educativa. A intenção desse Decreto-Lei n.º 7/2003, como
concretização da Lei n.º 159/99, foi claramente expressa logo no respectivo
preâmbulo:
“A Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, procurou estabelecer um quadro de
transferências de atribuições e competências para as autarquias locais,
determinando que a concretização dessas transferências se efectivasse através de
diplomas específicos. O artigo 19.º da Lei n.º 159/99 elencou as competências a
transferir na área da educação e do ensino não superior, tendo, sequencialmente,
o artigo 13.º da Lei n.º 30-C/2000, de 29 de Dezembro, e o artigo 12.º da Lei
n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, pretendido concretizar as mesmas. Tratou-se,
no entanto, de uma intervenção meramente formal, que, em termos reais, nada
acrescentou a estatuições anteriores constantes dos Decretos-Leis n.ºs 77/84, de
8 de Março, 299/84, de 5 de Setembro, 399-A/84, de 28 de Dezembro, e 115‑A/98,
de 4 de Maio.
O presente diploma visa suprir essa lacuna, transferindo efectivamente
competências relativamente aos conselhos municipais de educação, um órgão
essencial de institucionalização da intervenção das comunidades educativas a
nível do concelho, e relativamente à elaboração da carta educativa, um
instrumento fundamental de ordenamento da rede de ofertas de educação e de
ensino”.
Tal como este Decreto-Lei n.º 7/2003, aprovado pelo Governo sem autorização
legislativa, podia concretizar a transferência de competências prevista no
artigo 4.º, n.º 2, da Lei n.º 159/99 – e sem vício de inconstitucionalidade
orgânica –, também a reserva de competência legislativa parlamentar não obstava
a que tal concretização tivesse lugar, para as regiões autónomas, por decreto
legislativo regional. A decisão político-legislativa relevante consumou-se já –
e com um regime com algum pormenor material e um limite temporal geral – com a
aprovação da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, no exercício da reserva relativa
de competência legislativa da Assembleia da República, podendo entender-se a
remissão para diplomas posteriores no sentido de incluir, não apenas
decretos-leis do Governo mas também, para as regiões autónomas, decretos
legislativos regionais.
A consideração do referido Decreto‑Lei n.º 7/2003, de 15 de Janeiro (citado,
aliás, logo no preâmbulo do diploma regional onde se contêm as normas em
apreciação), e da concretização, por ele efectuada, da transferência de
competências prevista na Lei n.º 159/99, impõe, porém, que se analise o seu
conteúdo e os efeitos que terá produzido. Análise, esta, que é relevante, desde
logo, para a determinação exacta do efeito que as normas em apreciação produzem,
e, portanto, também para a possibilidade do seu enquadramento como concretização
do citado diploma legislativo parlamentar.
15.Verifica-se, com efeito, que o Decreto-Lei n.º 7/2003, de 15 de Janeiro, foi
aprovado também “para valer como lei geral da República”, tendo sido para tanto
“ouvidos os órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas”. Apesar de nenhuma
disposição deste diploma se referir especificamente à realidade das regiões
autónomas – e antes, aparentemente, se trabalhar aí apenas com um modelo
dualista de administração (administração central e administração local) –,
resulta claramente das duas circunstâncias apontadas, que o legislador pretendeu
que ele se aplicasse também nas regiões autónomas. Conclusão, esta, que, se não
é imposta, é, pelo menos, reforçada, pela consideração de que o Decreto-Lei n.º
7/2003 visou claramente concretizar, em matéria educativa, a transferência de
competências para os municípios que já fora prevista pela Lei n.º 159/99, de 14
de Setembro, a qual, como se concluiu, previu, sem deixar margem para dúvidas, a
sua aplicação também aos municípios das regiões autónomas.
Como já se disse a propósito da descrição do conteúdo das normas do “Regime
Jurídico do Planeamento, Protecção e Segurança das Construções Escolares”,
confrontando-as com as do Decreto-Lei n.º 7/2003, verifica-se que estas últimas
pretenderam transferir para os municípios competências, de elaboração da carta
educativa (artigos 10.º, 11.º, n.º 1, 12.º, n.º 1, 19.º, n.º 1 e 21.º) e em
matéria de investimentos na construção, apetrechamento e manutenção dos
estabelecimentos, para toda a educação pré-escolar e ensino básico, isto é que
abrangiam todos os ciclos deste último, e não apenas o primeiro ciclo (quanto ao
património, diversamente, e como já se referiu, não se encontra qualquer
disposição no Decreto-Lei n.º 7/2003 que preveja a sua transferência,
reportando-se o artigo 26.º apenas ao património e aos equipamentos “afectos aos
estabelecimentos do 1.º ciclo do ensino básico”).
Ora, não pode deixar de se concluir desse confronto que, se o Decreto-Lei n.º
7/2003 tiver já produzido efeitos jurídicos na Região Autónoma dos Açores, as
competências relativas à elaboração da carta educativa e à construção,
apetrechamento e manutenção dos estabelecimentos de educação pré-escolar e do
ensino básico, incluindo os segundo e terceiro ciclos deste nível de ensino, já
se terão transferido para os municípios – independentemente de terem ou não sido
já postas em prática.
Perante um tal contexto competencial, a norma do artigo 52.º, n.º 1, estará
então a retirar competências que já eram dos municípios. E, por outro lado,
também as normas dos artigos 19.º, 50.º, n.º 1, e 51.º, n.º 2, ao limitarem o
seu âmbito à educação pré‑escolar e ao primeiro ciclo do ensino básico, estarão,
na realidade, a proceder a um retorno de competências à Região e a retirar
competências aos municípios.
Este é, aliás, o efeito que parece pretendido pelo próprio legislador regional,
quando afirma, no preâmbulo do diploma em análise, que “importa esclarecer a
forma como é elaborada a carta escolar (...) face às competências que em matéria
de infra-estruturas escolares são cometidas às autarquias por força da Lei n.º
159/99, de 14 de Setembro”, pois, “[s]e tal não for feito, ficam cometidas aos
municípios todas as competências em matéria de construções escolares destinadas
à educação pré-escolar e ao ensino básico, conforme disposto no Decreto-Lei n.º
7/2003, de 15 de Janeiro (...), já que aquele diploma, por força da redacção
dada ao n.º 2 do artigo 228.º da Constituição pela Lei Constitucional n.º
1/2004, de 24 de Julho, passou inequivocamente a aplicar-se na Região Autónoma
dos Açores” (itálico aditado).
Deve atentar-se, porém, em que o Decreto-Lei n.º 7/2003 produziu efeitos, nos
termos do seu artigo 30.º, logo a partir do início de 2003 (e que a VI revisão
constitucional entrou em vigor em Agosto de 2004). Ora, considerando um tal
efeito jurídico das normas em apreciação não só tem de entender-se que também a
norma do artigo 52.º, n.º 1, incide sobre competências dos municípios (e,
portanto, sobre matéria de “estatuto das autarquias locais”), como, por outro
lado (e com relevância decisiva para o juízo a formular sobre tais normas), não
se vê como podem as normas em apreciação ser consideradas mera concretização da
transferência de competências para os municípios, prevista no artigo 4.º, n.ºs 1
e 2, da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro – o que, recorde-se, seria necessário
para tais normas, que versam sobre matéria de “estatuto das autarquias locais”,
não estarem feridas de inconstitucionalidade orgânica. É que (e para além de,
numa certa perspectiva, a concretização da transferência nos termos do artigo
4.º da Lei n.º 159/99 se ter já verificado, e se ter esgotado), decisivamente,
as normas aprovadas pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores
terão, pelo contrário, o efeito justamente inverso do previsto na Lei n.º 159/99
– não transferir para as autarquias, mas retirar ao município competências que
já eram suas. E uma norma que pretende produzir tal efeito não pode ser
considerada ainda uma concretização da transferência de competências para os
municípios, prevista no artigo 4.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 159/99.
16.A conclusão a que se chegou – a impossibilidade de as normas em causa serem
consideradas como concretização da Lei n.º 159/99 – resulta directamente de três
premissas acima identificadas e que não se julga que possam ser postas em causa:
a inclusão da matéria das normas em apreciação no “estatuto das autarquias
locais”; a consideração do sentido da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, em
geral, e em particular do seu artigo 4.º (transferência de competências para os
municípios); e a produção, na Região Autónoma dos Açores, dos efeitos do
Decreto-Lei n.º 7/2003, de 15 de Janeiro.
Este último ponto poderia ser posto em causa se fosse de entender que o
Decreto-Lei n.º 7/2003 não tinha, nos seus próprios termos, o alcance de
transferir competências para os municípios açorianos, ou se não o pudesse ter,
designadamente, por tal implicar uma violação da Constituição. Nenhuma destas
asserções pode, porém, ser considerada procedente.
Quanto ao âmbito de aplicação tal como resulta do Decreto-Lei n.º 7/2003, já se
disse que este diploma pretendeu igualmente aplicar-se, imperativamente, às
regiões autónomas. E, numa certa perspectiva, poderia, eventualmente,
entender-se mesmo que tal pretensão era contestável, pondo-se em causa a
qualificação como “lei geral da República” do Decreto-Lei n.º 7/2003, por a sua
“razão de ser” não envolver as regiões autónomas (isto, para quem entendesse que
a “razão de ser” deste diploma, ao concretizar a transferência de competências
para os municípios prevista na Lei n.º 159/99, não poderia envolver a sua
aplicação a todo o território nacional, e, designadamente, a previsão de
transferência de competências que eram já das regiões autónomas). Todavia, ainda
que, por hipótese, se acompanhasse o entendimento de que existira um erro de
qualificação (cfr., restritivamente sobre a alteração da qualificação como “lei
geral da República” – embora deixando a questão do “erro de qualificação” em
aberto –, o acórdão n.º 631/99, publicado no Diário da República, I série-A, de
28 de Dezembro de 1999), é claro que tal não bastaria, só por si, para concluir
que o referido Decreto-Lei n.º 7/2003 não se aplicou na Região Autónoma dos
Açores. Na verdade, os diplomas emanados dos órgãos de soberania que não
restringissem o seu âmbito de aplicação – como é o caso do Decreto-Lei n.º
7/2003 –, e mesmo que não fossem qualificados como “leis gerais da República”,
não deixavam, por isso, de aplicar-se a todo o território nacional, apenas não
dispondo da qualificada força vinculativa que resultava (antes da revisão
constitucional de 2004) da imposição do respeito, por parte das regiões
autónomas, pelos seus “princípios fundamentais”.
Como se referiu, a aplicação das “normas legais em vigor”, sem restrição, na
“falta de legislação regional própria sobre matéria não reservada à competência
dos órgãos de soberania”, passou, aliás, desde a VI revisão constitucional (isto
é, desde meados de 2004), a estar expressamente prevista no artigo 228.º, n.º 2,
da Constituição. E, no caso vertente, não existe – nem foi invocada pelo órgão
autor da norma – legislação regional própria que pudesse obstar à aplicação do
Decreto-Lei n.º 7/2003. O próprio Decreto Legislativo Regional n.º 33/84/A, de 6
de Novembro, sobre investimentos públicos em geral, vira já expressamente
revogado pelo artigo 34.º da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro – isto é, antes
de o Decreto-Lei n.º 7/2003 entrar em vigor –, o diploma legislativo que ele
visara “adaptar” à Região Autónoma dos Açores (o Decreto-Lei n.º 77/84, de 8 de
Março). E, por sua vez, o Decreto Legislativo Regional n.º 31/86/A, de 11 de
Dezembro, apenas se referia à reparação e conservação de estabelecimentos de
ensino primário.
Em face do respectivo conteúdo normativo, tem de concluir-se que as disposições
do Decreto-Lei n.º 7/2003, de 15 de Fevereiro, eram aplicáveis também na Região
Autónoma dos Açores, tendo concretizado a transferência de competências para os
municípios da Região logo no início de 2003.
Não se acompanha, por outro lado, a consideração de que a produção desse efeito
jurídico (transferência de competências da Região para os municípios), por um
diploma legislativo do Governo, seria inconstitucional.
Na verdade, a Constituição da República não impõe que a concretização da
transferência de competências já regionalizadas para os municípios não só possa,
como tenha de (rectius, apenas possa) ser efectuada pelos órgãos legislativos
regionais.
Ou por outras palavras: não existe parâmetro constitucional que proíba a
concretização de tal transferência para os municípios por órgãos de soberania
como a Assembleia da República, ou – no caso – o Governo, ouvidos os órgãos de
governo próprio das regiões autónomas, e na sequência de um diploma parlamentar
que claramente se aplica também às regiões autónomas (artigo 33.º), tendo
pretendido estender a todo o território nacional a transferência de atribuições
e competências para os municípios, sem deixar de fora os municípios das regiões
e sem reservar a sua concretização, nesse domínio, aos órgãos legislativos da
região.
Tal como se entende que a Assembleia da República – à qual a matéria do
“estatuto das autarquias locais” está reservada – podia, sem violação das
competências regionais ou da garantia da autonomia regional, prever a extensão
da transferência de competências (mesmo das regiões autónomas) aos municípios
regionais, também não existe obstáculo constitucional a que, tomada essa decisão
por diploma parlamentar, a sua concretização ocorra por decreto-lei.
17.Impõe-se, pois, a conclusão de que, a partir do início de 2003, com a
“produção de efeitos” jurídicos do Decreto‑Lei n.º 7/2003, as “competências em
matéria de edifícios escolares dos segundo e terceiro ciclos do ensino básico”
foram transferidas para os municípios também nas regiões autónomas (não sendo
evidentemente decisivo que as competências transferidas por tais normas tenham,
ou não, vindo a ser desde então efectivamente exercidas pelos municípios, ou que
tenha continuado a ser a Região a exercê‑las).
Se as competências em causa estão já, actualmente, na titularidade dos
municípios açorianos – como na dos municípios do restante território nacional –,
então não se vislumbra como podem as normas em questão deixar de ter como efeito
uma sua transferência (parcialmente) de novo para a Região. E este efeito das
normas em causa, acima identificadas – repete-se, os artigos 19.º, 50.º, 51.º,
n.º 2, e 52.º, e, por conseguinte, também os artigos 53.º e 57.º do “Regime
Jurídico do Planeamento, Protecção e Segurança das Construções Escolares” –, não
pode corresponder a qualquer concretização da transferência para os municípios
prevista no artigo 4.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro.
Como essas normas, ao alterarem o quadro de competências dos municípios versam
sobre matéria de “estatuto das autarquias locais” sem concretizarem aquela Lei
n.º 159/99, tem de concluir-se que a sua aprovação pela Assembleia Legislativa
da Região Autónoma dos Açores violou os artigos 165.º, n.º 1, alínea q), e
227.º, n.º 1, alínea a), parte final, da Constituição da República.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não se pronunciar pela inconstitucionalidade dos artigos 14.º, n.ºs
1 e 3, alínea c), 15.º e 50.º, n.ºs 2 e 3, do “Regime Jurídico do Planeamento,
Protecção e Segurança das Construções Escolares”, aprovado pelo Decreto da
Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores n.º 23/2005;
b) Pronunciar-se pela inconstitucionalidade, por violação dos artigos
165.º, n.º 1, alínea q), e 227.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República
Portuguesa, dos artigos 19.º, 50.º, n.º 1, 51.º, n.º 2, 52.º, 53.º e 57.º do
mesmo “Regime Jurídico do Planeamento, Protecção e Segurança das Construções
Escolares”, na medida em que excluem a competência das autarquias locais
açorianas para realização de investimentos na construção, apetrechamento e
manutenção, e a consequente titularidade de património, de estabelecimentos de
educação dos segundo e terceiro ciclos do ensino básico.
Lisboa, 4 de Agosto de 2005
Paulo Mota Pinto
Maria Fernanda Palma
Vítor Gomes
Rui Manuel Moura Ramos
Maria Helena Brito
Mário José de Araújo Torres (com declaração de voto junta)
Maria João Antunes (votei vencida quanto à decisão de conhecer do pedido, por
entender que este é extemporâneo, pelas razões constantes da declaração de voto
da Senhora Conselheira Maria dos Prazeres Beleza).
Gil Galvão (vencido quanto à decisão de conhecer do pedido pelas razões
constantes da declaração que junto)
Carlos Pamplona de Oliveira (vencido, conforme declaração)
Benjamim Rodrigues (com a declaração de voto quanto ao conhecimento e vencido
quanto ao fundo nos termos constantes do anexo)
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (vencida, conforme declaração junta)
Artur Maurício (vencido quanto ao conhecimento do pedido nos termos da
declaração da Exª Consª Maria dos Prazeres Beleza)
DECLARAÇÃO DE VOTO
Discordei do precedente acórdão apenas no ponto (n.º 4) em
que, decidindo em sentido oposto ao adoptado no Acórdão n.º 26/84, considerou
inaplicável à apresentação do pedido de fiscalização preventiva a dilação de 2
dias prevista no n.º 4 do artigo 56.º da Lei de Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro – LTC).
No sentido da inaplicabilidade dessa dilação podiam ser
invocados três argumentos: (i) tratar‑se de um inconstitucional prolongamento,
pelo legislador ordinário, de um prazo fixado na Constituição; (ii) ser a
dilação, por natureza, aplicável apenas a prazos processuais ou adjectivos e
não a prazos substantivos ou equiparáveis, como seria o prazo de apresentação do
pedido de fiscalização preventiva de constitucionalidade; e (iii) terem‑se
verificado progressos nas tecnologias das comunicações que tornaram
injustificada a concessão de dilação.
O precedente acórdão não se estribou no primeiro argumento
(que fora invocado na declaração de voto aposta pelo Cons. Vital Moreira ao
Acórdão n.º 26/84), mas apenas nos dois seguintes, de uma forma aparentemente
conjugada (na verdade, refere que o artigo 56.º, n.º 4, da LTC não é de aplicar
a um prazo substantivo, como se entende ser o prazo da apresentação do pedido de
fiscalização preventiva da constitucionalidade, “isto, uma vez que não procedem
já hoje as razões que levaram, no citado aresto, a concluir pela aplicabilidade
da referida dilação”, a saber, assegurar o pleno aproveitamento do prazo pelos
Ministros da República, já que os meios de comunicação actualmente existentes
permitem fazer chegar ao Tribunal Constitucional o pedido de fiscalização
preventiva praticamente sem demora.
Entendo que os dois argumentos são autónomos, não se
justificando a sua conjugação (não é por hoje pretensamente não valerem as
razões invocadas no Acórdão n.º 26/84 relativas às demoras nas comunicações que
o prazo em causa deve ser qualificado como substantivo e por isso entender‑se
ser‑lhe inaplicável a dilação), mas que nenhum deles procede.
O segundo argumento assenta neste silogismo: a dilação só se
aplica, “por natureza”, aos prazos processuais; o prazo de apresentação de
pedido de fiscalização preventiva de constitucionalidade não é um prazo
processual; logo, a dilação é inaplicável a este prazo. Acontece, porém, que,
mesmo a estarem certas essas qualificações dos prazos, o Acórdão n.º 26/84 já
salientou que “o facto de o conceito e o expediente da «dilação» ou «prazo
dilatório» se referirem, em princípio, na dogmática jurídica, a prazos
processuais não impede o legislador de utilizá‑los também, se julgar isso
necessário, quanto a um prazo substantivo”. Neste domínio, há que atender, não a
considerações de índole estritamente conceptualista ou formalista, mas antes à
finalidade e razão de ser material das normas; neste sentido, já se decidiu,
por exemplo, que “o prolongamento do termo do prazo para a prática de actos com
fundamento em justo impedimento, regulado nos artigos 145.º, n.º 4, e 146.º do
Código de Processo Civil, representa regra geral válida para todos os actos
peremptórios, independentemente da sua natureza substantiva ou adjectiva, sendo
designadamente aplicável ao prazo de interposição do recurso contencioso”
(acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 25 de Novembro de 1998, proc.
n.º 34 284, de que fui relator, publicado, com anotação concordante de Armindo
Ribeiro Mendes, em Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 13,
Janeiro/Fevereiro 1999, pp. 15‑32). Acresce que a figura da dilação não é
exclusiva dos processos judiciais, sendo adequada a sua adopção em qualquer
tipo de procedimentos em que se verifique uma sucessão de actos cuja prática
esteja sujeita a prazos peremptórios, designadamente o procedimento
administrativo (cf. artigo 73.º do respectivo Código) ou o procedimento
legislativo. O pedido de fiscalização preventiva de constitucionalidade
formulado pelo Ministro da República para a Região Autónoma dos Açores insere‑se
num procedimento legislativo já em curso, sendo, assim, de natureza claramente
diferenciada da dos actos de proposição de acções nos tribunais, não existindo,
a meu ver, qualquer impedimento, pretensamente fundado na “natureza das
coisas”, a que ao prazo para apresentação daquele pedido se aplique a figura da
dilação.
Resta o argumento da “desactualização” ou “desnecessidade” da
previsão da dilação, atentas as actuais facilidades de comunicação de textos à
distância, seja por telecópia, seja por correio electrónico. Sem desmentir a
evidência desta evolução tecnológica, entendo, porém, que cabe ao legislador a
adaptação das soluções legais às novas realidades, devendo ser muito cautelosa a
intervenção dos tribunais neste domínio, “decretando” a “revogação” ou a
“caducidade” dessas soluções, por entender que não se justificam na actualidade,
sobretudo quando essa intervenção jurisprudencial possa representar quebra da
certeza e da segurança do direito. No referido Acórdão n.º 26/84, o Tribunal
Constitucional considerou aplicável a dilação de 2 dias ao prazo de apresentação
do pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade por parte dos
Ministros da República nas Regiões Autónomas, não tendo sobrevindo desde então
qualquer decisão em sentido contrário. A Lei n.º 28/82 foi objecto de profunda
revisão em 1998, sendo deixado intocado o seu artigo 56.º, n.º 4. O legislador
não ignorava as dúvidas que esse preceito suscitara e o entendimento que,
embora não pacífico, a jurisprudência do Tribunal Constitucional lhe dera. Ao
manter o preceito inalterado, apesar dos avanços na tecnologia das comunicações
verificado ao longo de cerca de 16 anos, desde 1982 até 1998, é legítimo
presumir que designadamente os mais directos destinatários da norma (os
Ministros da República) confiassem que fosse mantido o entendimento da
aplicabilidade da dilação. Nada justifica que, decorridos 7 anos sobre a revisão
da LTC de 1998, época em que as facilidades de comunicação por telecópia ou por
correio electrónico já eram similares às actualmente existentes (diversamente do
que sucedia em 1982), se inverta o entendimento jurisprudencial e, de surpresa,
se fraudem as expectativas fundadas na anterior jurisprudência, “tacitamente
ratificada” pela manutenção do preceito na última revisão da LTC. Acresce que
não se pode esquecer que ao requerente assiste a faculdade de apresentar o
pedido no Tribunal em suporte de papel, pelo que o entendimento de que não
beneficia da dilação porque podia recorrer a meios electrónicos, significa que
se lhe está a cercear o uso daquela faculdade em condições de igualdade com os
requerentes sedeados no Continente.
A aplicabilidade da dilação ao prazo de apresentação de pedido
de fiscalização preventiva de constitucionalidade formulado por Ministro da
República na Região Autónoma tem suporte literal directo no n.º 4 do artigo 56.º
da LTC, não é afastada pela “natureza” desse prazo e não se evidencia uma
situação de manifesta desadequação ou desactualização da solução legal que
justifique uma intervenção “derrogatória” do Tribunal, em substituição do
legislador.
Concluindo pela aplicabilidade da dilação, o prazo para
apresentação do pedido terminava apenas no dia 15 de Julho, pelo que a sua
entrada no dia 13 foi manifestamente tempestiva.
Tendo a maioria do Tribunal considerado inaplicável a dilação,
acompanhei o precedente acórdão quando atribui relevância à apresentação do
pedido por telecópia.
Salvo o devido respeito pelas opiniões adversas, afigura‑se
desrazoável o entendimento de que é extemporânea a apresentação do pedido no
que foi considerado ser o último dia do prazo, tendo esse pedido sido nesse
mesmo dia objecto de distribuição ao Conselheiro Relator e ainda nesse mesmo
dia 13 de Julho expedida notificação ao órgão autor da norma para se
pronunciar, pelo que não ocorreu nenhuma perturbação ou afectação dos prazos
subsequentes.
Mário José de Araújo Torres
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido quanto à decisão de tomar conhecimento do pedido, no essencial,
pelas razões que passo a enunciar:
1. Não sendo aplicável a dilação prevista no n.º 4 do artigo 56º ao prazo
previsto para apresentação do pedido de fiscalização preventiva de
constitucionalidade, o pedido, entrado após o fecho ao público da Secretaria do
Tribunal Constitucional, é manifestamente intempestivo.
2. Sendo o original do pedido, entrado às 16H20 do último dia do prazo,
manifestamente intempestivo, não deixa de ser insólito, independentemente da
questão de saber se é admissível que o termo prazo varie consoante o meio
utilizado para fazer chegar o pedido a este Tribunal, que um fax, enviado
posteriormente à entrega do original na Secretaria, possa ter a virtualidade de
tornar tempestivo um tal extemporâneo pedido. Consideraria, assim, inteiramente
irrelevante o envio de cópia do pedido por fax posterior à entrega do original
na Secretaria do Tribunal Constitucional.
3. Finalmente, ao contrário do que sucedeu no acórdão n.º 232/2003, não havendo
agora nenhuma questão que tenha ficado por analisar em anterior acórdão, apesar
de ter sido colocada ao Tribunal Constitucional, entendo que a forma como a
questão foi apresentada ao Tribunal Constitucional pelo requerente não é idónea
para desencadear a função jurisdicional do Tribunal em processo de fiscalização
preventiva da constitucionalidade. Na verdade, não sendo este Tribunal um órgão
de consulta, a apresentação de um pedido que, em última instância, se traduz na
pretensão de esclarecimento das dúvidas do requerente causadas pelo facto de,
“em vários aspectos, não [ser] claro o exacto sentido da Lei Constitucional n.º
1/2004, de 24 de Julho, no que toca à delimitação dos poderes legislativos
regionais”, não pode, em meu entender, ser objecto de conhecimento.
Lisboa, 4 de Agosto de 2005
Gil Galvão
DECLARAÇÃO DE VOTO
Vencido.
Subscrevo, no essencial, as razões aduzidas pela Senhora Conselheira Maria dos
Prazeres Beleza na sua declaração de voto.
Pamplona de Oliveira
DECLARAÇÃO DE VOTO
1 – Embora concordando com a decisão de não extemporaneidade do pedido de
fiscalização abstracta, não acompanho, na sua totalidade, a fundamentação em que
a mesma se estribou.
No n.º 3 do seu artigo 278º, a Constituição prescreve, sem distinção do
órgão político, que pode requerer a apreciação preventiva da constitucionalidade
– o Presidente da República e os Representantes da República –, que “a
apreciação preventiva da constitucionalidade deve ser requerida no prazo de oito
dias a contar da data da recepção do diploma”.
O preceito estabelece, assim, um prazo para o exercício de um poder
funcional ou de uma competência constitucionais, conferidos a determinado órgão,
assinalando desde logo o seu dies a quo.
Estando em causa uma competência constitucional para cujo exercício a
Constituição fixa o prazo de 8 dias e o momento a partir do qual este se conta,
não tem qualquer sentido que a aplicação desse preceito fique, na sua aplicação
prática, dependente de condições fixadas pelo legislador infraconstitucional,
que não se limitem à regulação dos aspectos ou meios relacionados com a sua
simples operacionalidade que sejam possíveis, no momento da sua aplicação, no
Tribunal Constitucional.
Podendo, por outro lado, no estádio actual dos meios técnicos (cuja
relevância não pode deixar de ser considerada no plano da permanente actualidade
da norma constitucional), o pedido chegar ao Tribunal Constitucional em qualquer
momento das 24 horas do dia, independentemente de aí se achar, nesse momento do
dia (noite), pessoa que tome conhecimento da sua chegada, não se vê que não seja
manifestamente desadequada e desproporcionada uma interpretação do preceito no
sentido de apenas relevar o pedido cuja entrada se verifique dentro das horas de
funcionamento da secretaria judicial.
Aquando da abertura dos serviços, no dia seguinte, será possível tomar
conhecimento da existência do pedido e da sua apresentação dentro do prazo dos 8
dias (considerado o dia das 0 às 24 horas), conquanto acontecidos em momento em
que neles não estava ninguém, e certificar a sua fidedignidade através dos
actuais meios técnicos, como o fax ou o correio electrónico.
Sendo assim, apenas se aceita que o legislador infraconstitucional
intervenha para regular os aspectos relativos à utilização dos actuais meios
técnicos de registo do momento de apresentação do pedido.
E não se diga que constitui óbice a tal interpretação a circunstância de o
processo de fiscalização preventiva estar sujeito a prazos curtos de tramitação
e decisão (cf. art.ºs 278º, n.º 8, da Constituição e 57º, n.º 2, e 58º e ss. da
LTC).
Sendo todos os prazos fixados em dias, nenhum deles fica afectado, pois
todos são mensurados pelo mesmo critério.
Por outro lado, enquanto prazo substantivo relativo ao exercício de um
poder jurídico, atribuído constitucionalmente, perante um órgão jurisdicional –
o Tribunal Constitucional – ele aproxima-se da natureza de um prazo de
caducidade de um direito (de tipo potestativo).
Como tal, não são de lhe aplicar normas que dizem respeito já à regulação
da tramitação processual a seguir na apreciação jurisdicional do pedido, como
seja a dilação referida no n.º 4 do artigo 56º da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro (LTC). Uma tal dilação apenas se aceita, hoje, como modo de conceder
algum acréscimo do prazo para a resposta, aproximando de algum modo os prazos do
requerente (de 8 dias) e do órgão requerido (de 3+2 dias), pois quanto à
possibilidade de fazer chegar o pedido ao Tribunal Constitucional, salvo no que
concerne à entrega em mão ou pelo correio, os dois órgãos estão em igualdade de
situações (caso de fax ou de correio electrónico).
Finalmente, falando o preceito em dias, e tendo em conta que se refere ao
desempenho de uma actividade ou função constitucional de órgãos de natureza
política, tem todo o sentido que o prazo abranja, tendo em conta os actuais
meios técnicos, as 24 horas do dia, pois, segundo os usos e costumes, estes
órgãos não estão sujeitos a horários de funcionamento e de tomada de decisões.
Nesta linha de pensamento, há que concluir que o prazo para os
Representantes da República requererem ao Tribunal Constitucional a fiscalização
preventiva de decreto legislativo regional é de 8 dias, tal como acontece para o
Presidente da República relativamente aos actos legislativos referidos nos n.ºs
1 e 5 do artigo 278º da CRP, e que esse prazo se esgota, assim, às 24 horas do
8º dia seguinte àquele em que o diploma foi por eles recebido.
Anote-se, de resto, que o próprio legislador infraconstitucional não
deixou de atender, em algumas situações, à circunstância de a actividade a
praticar ter natureza política.
É o que se passa com a apresentação, nas secretarias dos tribunais judiciais, de
candidaturas às eleições autárquicas em que o legislador não deixou de adoptar
um horário de funcionamento desse serviço muito mais alargado, diferente do
regime normal que está previsto no artigo 122º da Lei Orgânica dos Tribunais
Judiciais n.º 3/99, de 13 de Janeiro) (cf. art.º 229º da Lei Orgânica n.º
1/2001, de 14 de Agosto), ao qual, todavia, não obstante a sua dignidade
constitucional, o acórdão acaba por sujeitar o prazo directamente fixado pela
Constituição.
Se, naquele caso, existem razões de operacionalidade e de praticabilidade,
relacionadas com a multiplicidade de actos que são levados a cabo pelos diversos
“utilizadores” (partidos, tribunais, administração eleitoral, etc.) que podem
justificar a fixação de um horário, certo, de funcionamento dos serviços, seja
para a prática dos actos de natureza política que, pelos usos e costumes,
ocorrem sem dependência de horários, seja dos outros actos praticados já dentro
do processo ou procedimento eleitoral, já essa justificação não se imporá no
caso em que o número de órgãos que podem requerer a fiscalização preventiva de
constitucionalidade é muito restrito (cf. art.º 278º. n.ºs 1, 2 e 4, da CRP) e é
um só o Tribunal a receber o pedido.
(Estamos, assim, próximos da declaração de voto do Conselheiro Vital
Moreira no Acórdão n.º 26/84, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional,
vol. 2º, pp. 71 e ss.).
2 – Não acompanho, ainda, a nota constante do acórdão relacionada com os
termos em que o requerente formulou o pedido de fiscalização preventiva. Tenho,
para mim, que a forma não assertórica ou não apodítica de apresentação do
“problema” de constitucionalidade, usada pelo requerente, tem a ver apenas com
uma postura de humildade científica que o inibe de avançar uma posição própria
sobre a matéria. Não podendo o Tribunal deixar de conhecer do pedido por este se
apresentar claramente formulado e motivado, a melhor solução seria a de omitir
qualquer referência aos termos em que o problema foi colocado, mantendo-se,
assim, a questão “no plano de consciência” em que o requerente o quis colocar.
Aliás, foi este o procedimento recentemente seguido pelo Tribunal
Constitucional, no caso apreciado pelo Acórdão n.º 376/05, em que o requerente
adoptou a mesma postura relativamente a um fundamento de
(in)constitucionalidade.
3 – Votei vencido quanto à declaração de inconstitucionalidade das normas
identificadas na decisão.
Embora acompanhando, no essencial, as considerações tecidas no acórdão
relativamente ao âmbito do regime de autonomia regional, nomeadamente no que
tange aos poderes legislativos da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos
Açores, decorrentes da revisão constitucional de 2004 (Lei Constitucional n.º
1/2004, de 24 de Julho) e à caracterização feita da Lei n.º 159/99, de 14 de
Setembro, enquanto lei quadro que «não deixa de operar, com um certo grau de
densificação, os princípios e regras a que deve obedecer a transferência de
competências para os municípios, procedendo a uma “delimitação das atribuições e
competências em geral” que foi levada a alguma pormenorização», o certo é que
divirjo completamente do juízo de inconstitucionalidade a que se chegou, pelas
razões que sumariamente passo a expor.
Assim, antes de mais, importa acentuar – aspecto em que o acórdão se
releva algo desfocante do núcleo da autonomia regional constitucionalmente
estabelecida – que a Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro, embora regendo para todo
o território nacional sobre o quadro jurídico de transferência de atribuições e
competências para as autarquias locais, teve bem presente que as atribuições e
competências a transferir para os municípios se poderiam encontrar sediadas, de
acordo com a lei então vigente, em diferentes sedes de administração: ou na
administração central ou na administração regional.
Na verdade, o legislador da Lei n.º 159/99 não podia desconhecer, nem
desconhecia, que haviam muitas competências, da mais diversa natureza, que
haviam sido transferidas, anteriormente, da administração central para as
regiões autónomas dos Açores e da Madeira e cuja matéria passou a ficar
incluída, nos respectivos estatutos político-administrativos, como matéria sobre
a qual elas passaram a ter poderes legislativos, ou seja, que havia matérias
cuja regulação já estava regionalizada.
No caso dos Açores, entre essas competências contam-se aquelas que estão
aqui em causa. Na verdade, tais competências haviam sido transferidas do âmbito
do Ministério da Educação e Investigação Científica para o da região autónoma
através do Decreto-Lei n.º 338/79, de 25 de Agosto e o seu regime havia, até, já
sido desenvolvido em diplomas legislativos regionais posteriores (Decretos
Legislativos Regionais n.ºs 33/84/A, de 6 de Novembro, e 4/95/A, de 29 de
Março).
E anote-se aqui que aquele Decreto-Lei n.º 338/79 foi emitido pelo Governo
com inteiro respeito da sua competência legislativa, tendo em conta o sistema de
repartição de competências entre o Governo e a Assembleia da República constante
da Lei fundamental, na sua versão originária, bem como de acordo com o Estatuto
Provisório da Região Autónoma dos Açores, aprovado pelo Decreto-Lei n.º
318-B/76, de 30 de Abril, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 427-B/76, de 1
de Junho, então em vigor.
A possibilidade de transferência, relativamente a estas atribuições e
competências que haviam sido transferidas da administração central para as
administrações regionais, apenas poderia, assim, acontecer entre estas últimas
administrações e as autarquias locais.
O artigo 33º da Lei n.º 159/99, ao dispor que “a presente lei aplica-se às
regiões autónomas dos Açores e da Madeira”, nunca poderia ignorar uma tal
situação jurídica.
Deste modo, o que este preceito quis dizer foi que o regime jurídico constante
da Lei, relativo aos termos em que poderia operar-se a transferência de
atribuições e competências da administração central para as autarquias locais (é
bom acentuar que nas disposições anteriores, a lei cura apenas de definir os
termos em que deve ocorrer a transferência de atribuições e competências da
administração central), se aplicaria, igualmente, nas regiões autónomas dos
Açores e da Madeira, quando fosse caso de transferência de atribuições e
competências do domínio da administração central para o das autarquias locais,
bem como quando fosse caso de transferência de atribuições e competências da
administração regional dos Açores e da Madeira para as autarquias locais da
respectiva região autónoma.
Só entendido assim o preceito, se confere todo o sentido ao facto de a Lei
erigir a princípio geral, no regime jurídico de transferência de poderes ou de
descentralização administrativa adoptado, o princípio subsidariedade, segundo o
qual, de acordo com a própria enunciação legal, as atribuições e competências
devem ser exercidas “pelo nível de administração melhor colocado para as
prosseguir com racionalidade, eficácia e proximidade aos cidadãos” (art.º 2º,
n.º 2).
Ora, bem pode suceder que, na avaliação a fazer pela administração
regional e pelas autarquias da respectiva região autónoma, se chegue à conclusão
de que o “nível melhor colocado” para satisfazer esses objectivos seja o da
administração regional, caso em que deverá ser esse o nível de administração
elegido para a atribuição em concreto da competência.
Por outro lado, só considerando extensíveis às administrações regionais,
onde as atribuições e competências podem estar sediadas, os princípios da
coordenação de intervenção efectua[n]da no exercício de competências próprias e
da concertação dos planos de investimento, que estão afirmados nos n.ºs 3 e 4 do
art.º 2º da Lei n.º 159/99, se torna possível prosseguir, na prática, essa
actividade de coordenação e cooperação entre a administração regional e as
autarquias, no caso em que as atribuições e competências pertencem não já à
administração central mas à administração regional.
Finalmente, cabe, ainda, acentuar que, ao deixar (art.º 4º) a
concretização das transferências de atribuições (seja do âmbito da administração
central, seja do âmbito da administração regional para as autarquias locais da
região autónoma) para diplomas próprios a emitir posteriormente – e ao
estabelecer que essa transferência será feita de modo progressivo durante um
prazo de quatro anos (depois, alargado até 31 de Dezembro de 2005, pelo art.º
11º da Lei n.º 55-A/2004, de 30 de Dezembro) – o legislador da Lei n.º 159/99
quis deixar bem claro que essa transferência teria que ser o produto de uma
concertação entre os níveis de administração envolvidos.
E, assim, estando em causa atribuições e competências então sediadas na
administração regional e cuja competência legislativa é reconhecida nos
respectivos Estatutos, como é o caso das matérias aqui em causa [cf. art.º 8º,
alíneas b), v) e aa), do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos
Açores, aprovado pela Lei n.º 61/98, de 27 de Agosto], desejou o legislador da
Lei n.º 159/99 deixar aberta a porta para que essa transferência se pudesse
fazer com a sua efectiva intervenção.
Por outro lado, tendo a transferência de atribuições e de competências para os
municípios de ser acompanhada da transferência de recursos (humanos, financeiros
e de património), conforme emerge claramente do disposto nos art.ºs 3º, n.ºs 2 e
3, e 4º, n.ºs 2 e 3, da mesma Lei n.º 159/99, pretendeu o legislador
salvaguardar a intervenção da administração regional, por se estar perante meios
próprios desta, afectos à realização das suas atribuições próprias a transferir,
e fazerem parte integrante da autonomia regional em matéria de orçamento,
finanças e património [cf. art.ºs 227º, n.º 1, alíneas h), i), j), e 232º, n.º
1, da Constituição].
Não se contesta, assim, a qualquer título, a constitucionalidade da Lei n.º
159/99, pois, além de se entender que a definição do quadro de competências que
poderiam ser transferidas para as autarquias locais integra matéria incluída na
reserva relativa da Assembleia da República [art.º 165º, n.º 1, alínea q), da
Constituição], reconhece-se, também, que esse diploma deixou às administrações
regionais, no que tange às competências já regionalizadas, a liberdade de
conformação legislativa exigida pelo espaço de reconhecimento constitucional e
estatutário da autonomia regional, constante, no âmbito material aqui em causa,
dos referidos preceitos constitucionais e do Estatuto Político-Administrativo
dos Açores.
Na verdade, conquanto regulando o regime de transferência de atribuições e
competências para os municípios, nos aspectos estruturantes que deveriam ser
respeitados pelos actos legislativos posteriores, concretizadores desse regime,
como acima se deixou perfunctoriamente apontado – como é próprio de uma
lei-quadro (cf. Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da
Constituição, 7ª edição, 2003, p. 786), e na medida exigida pelo âmbito material
da reserva de competência relativa da Assembleia da República – a Lei n.º 159/99
não deixou de reservar para o legislador regional o espaço legislativo demandado
pela autonomia regional relativamente às matérias em que viesse a concretizar-se
a transferência prevista apenas globalmente.
O que vem sendo dito revela-se decisivo para o juízo a fazer sobre a
questão de saber se o Decreto-Lei n.º 7/2003, de 15 de Janeiro, se deve
considerar como dispondo também para as regiões autónomas e, nomeadamente, para
a Região Autónoma dos Açores.
O acórdão deu-lhe uma resposta positiva e foi a partir de tal pressuposto
que chegou à conclusão da inconstitucionalidade orgânica das normas
identificadas na decisão: na lógica do acórdão, estando já concretizada a
transferência das competências para os municípios, estas passaram a integrar, em
efectividade, o estatuto destas autarquias; a intervenção do legislador
regional, alterando os termos em que concretamente essa transferência se deveria
considerar concretizada, envolve reger sobre matéria do estatuto das autarquias
locais, abrangida na reserva relativa da Assembleia da República constante da
alínea q) do n.º 1 do art.º 165º da Constituição, por demandar como efeito
retirar aos municípios uma competência que já estava na sua titularidade.
O meu juízo sobre a questão é, porém, completamente diferente. O
Decreto-Lei n.º 7/2003 foi emitido pelo Governo sob a invocação de uma
competência legislativa própria, como decorre do facto de invocar como fonte do
seu poder legislativo a alínea a) do n.º 1 do artigo 198º da Constituição. E foi
decretado “para valer como lei geral da República”. O diploma regulamenta os
conselhos municipais de educação, identificados no art.º 19º, n.º 2, alínea b),
da Lei n.º 159/99, aprova o processo de elaboração da carta educativa,
igualmente mencionada na alínea a) do mesmo número e artigo, e procede a uma
transferência universal de competências, no domínio da educação pré-escolar, do
ensino básico e do ensino secundário, para os municípios.
Porém, não obstante haver adoptado, de entre os métodos de transferência
de atribuições e competências para os municípios, mencionados no art.º 6º da Lei
n.º 159/99, o método de uma transferência universal (convindo lembrar estar,
também, previsto um método de natureza não universal – de contratualização de
transferência de competências) não se segue daí que o universo tenha de
corresponder a todo o território nacional, como parece, aliás, ser sugerido pelo
facto de o diploma ser emitido “para valer como lei geral da República” e não se
restringir apenas ao âmbito universal das transferências de competências,
relativa à matéria em causa, a ter lugar entre a administração central e as
autarquias locais. Também, aqui, estamos perante uma transferência de âmbito
universal: só que ela apenas acontece no plano das relações entre a
administração central e os municípios, não tendo, forçosamente, de abranger a
administração regional que é uma realidade constitucional diferente.
Ora, os termos em que o Decreto-Lei concretiza a transferência de
atribuições e competências apenas se ajustam ao universo da administração
central e dos municípios. Toda a regulamentação estabelecida no
diploma está efectuada com base no pressuposto de estar a concretizar-se uma
transferência entre a administração central e os municípios.
Tal sentido resulta claro do seu próprio texto. Sempre que tem de polarizar os
dois termos da relação de transferência, o diploma refere-se apenas ao
Ministério da Educação [art. 4º, n.ºs 1, alínea b), e 3; 12º, n.º 4; 14º; 17º,
n.º 2; 19º, n.ºs 2 a 6; 20º, n.ºs 2 e 3; 21º, 22º, n.ºs 3 e 4, 24º, n.º 1) ou ao
Governo da República (art.º 28º, n.º 1], ignorando, por completo, a posição de
ente interessado da administração regional.
Por outro lado, ao regular o acesso dos municípios ao apoio financeiro no
domínio das infra-estruturas, equipamentos e apretrechamento dos
estabelecimentos de educação pré-escolar e do 1º ciclo do ensino básico (art.º
27º), o Decreto-Lei n.º 7/2003 apenas fala no apoio “relativo às intervenções da
administração central regionalmente desconcentradas, dos programas regionais do
Continente, do Quadro Comunitário de Apoio III”, não referindo qualquer programa
de apoio aos municípios das regiões autónomas.
Uma tal atitude, discriminatória, seria impensável perante os princípios da
“unidade nacional e dos laços de solidariedade entre todos os portugueses” que
enformam, constitucionalmente, o regime da autonomia regional” (art.º 225º, n.º
2, da Constituição), a entender-se que o diploma em causa concretizara a
transferência de atribuições e competências do domínio da administração regional
para o dos municípios.
Em ponto algum, o Decreto-Lei n.º 7/2003 entra em linha de conta com as
administrações regionais no que tange à densificação/concretização dos termos
que a transferência de competências se há-de desenvolver, desenhada nos seus
diversos preceitos.
Dificilmente se poderá admitir que o legislador do Decreto-Lei n.º 7/2003
pudesse desconhecer a existência das administrações regionais, os seus poderes
constitucionais e estatutários, bem como a realidade existente de as atribuições
a transferir caberem, aí, à administração regional e implicarem uma avaliação da
conveniência quanto ao “nível da administração melhor colocado para prosseguir
[as atribuições e competências] com racionalidade, eficácia e proximidade dos
cidadãos”, do quanto e do momento de transferência, incluindo no que se refere à
transferência de recursos.
A atitude de, no concreto processo de transferência de atribuições,
ignorar por completo a posição da administração regional, relativamente às
atribuições e competências incluídas no seu Estatuto e também
constitucionalmente reconhecidas, mormente no que diz respeito à transferência
de recursos e de património próprios, traduziria uma actuação contraditória com
a opção e afirmação políticas, concretizadas quer na Lei n.º 159/99, quer no
Decreto-Lei n.º 7/2003.
Constitui, aliás, elemento sintomático de que tal resultado não estava nos
seus horizontes a circunstância de, no proémio do diploma, nem uma palavra se
dizer relativamente à intervenção das administrações regionais.
Anote-se, por fim, que o diploma não foi aplicado directamente nas regiões
autónomas, no que concerne, às relações entre a administração regional e os
municípios. Segundo diz o próprio requerente, o diploma apenas
vigora, aí, a “título supletivo”.
É difícil imaginar-se, como aceita expressamente o acórdão, que possa
concretizar-se uma transferência de competências sem que as entidades que
participam no respectivo processo concertem e conheçam os termos concretos em
que ela se efectua. Quem desempenharia o papel assinalado no Decreto-Lei n.º
7/2003, em várias das suas disposições, ao Ministério da Educação e ao Governo,
relativamente a competências que já não lhe cabiam? O Governo Regional? Mas, a
sê-lo, com base em que norma(s) atributiva(s) de competência?
Perante o que vem de dizer-se, é forçoso concluir que a qualificação como
“lei geral da República”, feita pelo legislador do Decreto-Lei n.º 7/2003,
ultrapassa o sentido da regulamentação estabelecida no diploma, assentando no
equívoco de que, pelo facto de versar sobre uma transferência de atribuições e
competências, feita de modo universal, da administração central para as
autarquias locais, essa seria a qualificação que lhe assentaria à face do
critério constante do n.º 5 do art.º 112º da Constituição, na versão, então, em
vigor.
Porém, essa qualificação não vincula o Tribunal Constitucional que pode
concluir de modo diferente.
Deste modo, tendo as normas constitucionalmente questionadas pelo
requerente sido emitidas ao abrigo dos poderes constitucionalmente reconhecidos
às regiões autónomas pelo art.º 46º da Lei Constitucional n.º 1/2004, de 24 de
Julho, e pelos art.ºs 227º, n.º 1, alínea a), e 228º, n.º 1, da Constituição, na
redacção emergente da mesma Lei Constitucional, versarem sobre matérias
atribuídas à Região Autónoma dos Açores pelo art.º 8º, n.º 1, alíneas b), v) e
aa), do respectivo Estatuto Político-Administrativo, aprovado pela Lei n.º
61/98, de 27 de Agosto, e havendo sido emitidas de acordo com as regras
constantes da Lei n.º 159/99, e dentro do prazo para a transferência progressiva
de competências, estabelecido no seu art.º 4º, n.º 1, na redacção dada pela Lei
n.º 55-A/2004, não sofrem as mesmas da inconstitucionalidade imputada.
Entre os diplomas próprios de concretização da transferência de
competências, a que alude o n.º 2 do art.º 4º da Lei n.º 159/99 cabe,
precisamente, o diploma legislativo onde se inserem as normas aqui sindicadas –
“O Regime Jurídico do Planeamento, Protecção e Segurança das Construções
Escolares”, aprovado pelo Decreto da Assembleia Legislativa da Região Autónoma
dos Açores, n.º 23/2005, como, de resto, o próprio acórdão admite.
Mas, mesmo que se admita que o Decreto-Lei n.º 7/2003 procedeu, também, a
uma transferência para os municípios das competências antes regionalizadas, que
aqui estão em causa, não pode o juízo de constitucionalidade sobre as normas
objecto do pedido ser diferente.
Se tal fosse a hipótese, as normas regionais declaradas inconstitucionais
surgiriam como normas revogatórias ou modificativas, no respectivo círculo
hipotético, do regime consagrado nesse decreto-lei. Só que podendo, hoje, a
Assembleia Legislativa concretizar ou densificar o regime de transferência de
competências para os municípios constante da Lei n.º 159/99, conforme
explicitamente admite o acórdão, haveria de concluir-se não lhe estar aquilo
vedado.
É que as normas integrantes do “estatuto das autarquias locais”, abrangido pela
reserva relativa de competência da Assembleia da República, constante da alínea
q) do art.º 165º da Constituição, são apenas as normas constantes da Lei n.º
159/99 que regulam a possibilidade de atribuição, por transferência, das
competências relativas às matérias em causa (ou às outras matérias nela
mencionadas que não vêm ao caso) e os critérios a seguir nessa transferência,
não comungando dessa mesma natureza as normas do decreto-lei concretizadoras do
quanto, quando e quomodo das atribuições e competências que podem ser
transferidas. Uma coisa é a definição, em abstracto, da possibilidade da
titularidade das atribuições e competências relativas às matérias em causa caber
aos municípios – essa, sim, cabendo na reserva relativa da Assembleia da
República – outra coisa diferente é concretização ou operacionalização dessa
possibilidade legal.
O acórdão acabou por fazer comungar o Decreto-Lei n.º 7/2003 da mesma natureza
da Lei n.º 159/99, ao impor uma irrevogabilidade, ao legislador actualmente
competente, do regime jurídico densificador da Lei-quadro antes definido pelo
legislador, ao tempo, competente, sob pena de inconstitucionalidade.
Benjamim Rodrigues
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencida, quer quanto à decisão de conhecer do pedido, quer quanto à
decisão sobre a questão de fundo, no essencial, pelas seguintes razões:
1. Em primeiro lugar, porque entendo que o pedido é extemporâneo, já que foi
entregue no Tribunal Constitucional depois de encerrada ao público a respectiva
secretaria, ou seja, depois da hora legalmente definida para o efeito.
Discordo, pois, de que se considere tempestivamente apresentado um pedido de
fiscalização preventiva que, enviado por qualquer via – nomeadamente por
telecópia, como foi o caso –, dê entrada na secretaria do Tribunal
Constitucional depois daquela mesma hora do último dia do prazo.
Note-se, desde logo, que não é aplicável a estes processos o regime definido
pelo Código de Processo Civil, e nomeadamente nos seus artigos 150º, n.º 1,
alínea c) e 143º, n.º 4, nem sequer subsidiariamente.
O acórdão considera tratar-se de um “lugar paralelo”. A verdade, todavia, é que
não creio que assim deva ser considerado. Tal como o Tribunal Constitucional já
inúmeras vezes observou em julgamentos de recursos em matéria eleitoral, também
“a celeridade” do processo de fiscalização preventiva, celeridade determinada
pela sua inserção no processo legislativo, “exige uma disciplina rigorosa no
cumprimento dos prazos legais, sob pena de se tornar impossível” (acórdão n.º
287/2002, Diário da República, II série, de 23 de Julho de 2002) o respeito pelo
prazo de decisão pelo Tribunal Constitucional, que a Constituição fixa em 25
dias, admitindo ainda que seja encurtado pelo Presidente da República por motivo
de urgência, (n.º 8 do artigo 278º).
Em consonância com este prazo máximo, a Lei nº 28/82, de 15 de Novembro marca
prazos curtos para todos os actos que se seguem à entrada do pedido. Referem-se,
a título de exemplo, o prazo de 1 dia a contar da entrada para a admissão do
pedido ou para a distribuição, de 3 dias para a resposta do autor da norma, ou
de 5 dias a contar da admissão para a elaboração do memorando pelo relator
(artigos 51º e segs. em especial 57º e segs.).
Assim, também aqui “é especialmente justificada a exigência de que só possa ser
considerada a data em que o acto foi praticado se tiver dado entrada no Tribunal
dentro do horário de funcionamento da secretaria”, como igualmente se escreveu,
sempre para o processo eleitoral, no citado acórdão n.º 287/2002 e se reiterou
nos acórdãos n.ºs 356/2002 (disponível, tal como os outros acórdãos, em
www.tribunalconstitucional.pt) ou 41/2005 (Diário da República, II série, de 14
de Fevereiro de 2005).
E, de qualquer forma, como igualmente se entendeu no mesmos acórdãos, “o que
aquele n.º 4 [do artigo 143º do Código de Processo Civil] estabelece é que os
actos podem ser praticados a qualquer hora, se for utilizado o correio
electrónico ou a telecópia; não regula a questão de saber quando se consideram
entrados os actos, nomeadamente os abrangidos pelo n.º 3 do mesmo artigo 143º,
segundo o qual, se forem actos que «impliquem a recepção pelas secretarias
judiciais de quaisquer articulados, requerimentos ou documentos devem ser
praticados durante as horas de expediente dos serviços»”(acórdão n.º 287/2002).
2. Em segundo lugar, porque considero que o pedido apresentado ao Tribunal não
se encontra, nem definido, nem fundamentado em termos de poder ser apreciado, já
que o Tribunal Constitucional não tem competência consultiva.
Desde logo, pelas razões que apontei na declaração de voto que juntei ao acórdão
n.º 232/2003 (Diário da República, I Série A, de 17 de Junho de 2003), que,
agora, me levaram a votar no sentido da inadmissibilidade do pedido, e que, por
comodidade, transcrevo: “(...) em meu entender, não basta a simples manifestação
de dúvidas de constitucionalidade para que se justifique a intervenção do
Tribunal Constitucional, mesmo em processo de fiscalização preventiva, no
essencial, pelas seguintes razões:
1. A fiscalização preventiva não é uma função consultiva, não é uma função
auxiliar do veto. É uma função jurisdicional do Tribunal Constitucional, ao
mesmo título que as demais funções de fiscalização.
2. Se o Tribunal Constitucional não se pronuncia pela inconstitucionalidade, o
poder de veto fica intacto e pode ser exercido livremente. Se, diferentemente, o
Tribunal Constitucional se pronuncia pela inconstitucionalidade, o poder de veto
muda de natureza, passando a exercer apenas uma função subordinada de execução
da decisão do Tribunal (veto obrigatório).
O Ministro da República (neste caso) não é, portanto, um órgão consulente, mas
antes um órgão requerente ou de iniciativa, que pode também vir a ser um órgão
executor.
3. No sistema português, que reconhece aos tribunais poderes muito amplos de
fiscalização sucessiva, a fiscalização preventiva do Tribunal Constitucional não
constitui um modo normal de fiscalização da constitucionalidade das leis. No
espírito da Constituição, a fiscalização preventiva serve apenas o objectivo de
evitar a entrada em vigor de textos legais feridos de uma inconstitucionalidade
particularmente nítida e clara. Se se fosse mais longe, fazendo intervir o
Tribunal Constitucional sempre que um argumento de inconstitucionalidade pudesse
ser configurado, o peso do sistema deslocar-se-ia para a fiscalização
preventiva, com prejuízo, pelo menos, da fiscalização sucessiva difusa.
4. Não podendo o Tribunal Constitucional decidir da oportunidade da sua
intervenção, cabe necessariamente ao órgão requerente, enquanto órgão detentor
da iniciativa processual, o papel de seleccionar os casos em que se justifica a
fiscalização preventiva. Para que esta se exerça dentro do espírito da
Constituição, é necessário que exista aos olhos do órgão requerente mais do que
uma simples dúvida, ainda que razoável. O órgão requerente deverá estar ele
mesmo convicto da existência da inconstitucionalidade e sustentá-la em termos
afirmativos, não em termos meramente dubitativos e hipotéticos. Se o órgão
requerente não tiver essa convicção, não deverá suscitar a intervenção do
Tribunal Constitucional.
No mesmo sentido aponta o facto de o juízo de não inconstitucionalidade ser
desprovido de quaisquer efeitos “preventivos”. É que a fiscalização preventiva
só produz efeitos úteis se conduzir a um juízo de inconstitucionalidade; não
pode, portanto, servir para afastar dúvidas, mas sim para afastar
inconstitucionalidades. Só deve, portanto, ser utilizada quando o órgão
requerente estiver convencido da existência da inconstitucionalidade,
desenvolvendo nesse sentido uma argumentação conclusiva.”
Para além disso, no caso presente acresce que o requerente não define de forma
suficiente – ou seja, de modo a que o Tribunal Constitucional possa cumprir a
exigência de apenas se pronunciar sobre “normas cuja apreciação tenha sido
requerida”, como obriga o n.º 5 do artigo 51º da Lei nº 28/82 – o objecto do
pedido, antes transferindo para o Tribunal Constitucional a definição, quer do
regime em vigor, quer do sentido das alterações aprovadas.
3. Em terceiro lugar, votei vencida quanto à alínea b) da decisão porque, em meu
entender, o Decreto-Lei n.º 7/2003, de 15 de Janeiro, não se aplica à Região
Autónoma dos Açores, uma vez que as competências que transfere da administração
central para as autarquias locais já se encontravam, à data da sua entrada em
vigor, transferidas para a Região pelo Decreto-Lei n.º 338/79, de 25 de Agosto
(alterado pelo Decreto-Lei n.º 503/79, de 24 de Dezembro).
A esta conclusão não obsta, naturalmente, a sua qualificação como “lei geral da
República”, ou a menção de que foram “ouvidos os órgãos de governo próprio das
Regiões Autónomas”, elementos incapazes de ultrapassar a impossibilidade de
aplicação do respectivo regime à Região Autónoma dos Açores, por se tratar de
competências já regionalizadas.
Basta, aliás, ler o articulado para concluir que o legislador não teve em mente
senão transferir competências da administração central para as autarquias. Assim
o revelam, quer a consideração global do regime definido pelo Decreto-Lei n.º
7/2003, que tem em conta (não só aparentemente, como se diz no acórdão) um
modelo dualista de administração, central e local, quer a leitura
individualizada de diversos preceitos. Veja-se, a título de exemplo e por serem
particularmente significativos, os que prevêem a colaboração entre as autarquias
e o Ministério da Educação (cfr. os artigos 19º, 20º, 24º ou 25º), a
transferência de património (artigo 26º) ou o regime definido para os recursos
financeiros (artigo 27º).
Do próprio preâmbulo resulta que o legislador não teve em consideração as
competências que já tinham sido descentralizadas para as Regiões Autónomas;
aliás, a justificação nele apresentada seria manifestamente inadequada se outra
tivesse sido a intenção.
Ora, de um diploma manifestamente pensado para transferir competências da
administração central para as autarquias não se pode retirar a transferência de
competências de que a administração central não é titular, desde logo tendo em
conta, pelo menos, as exigências do princípio da legalidade nesta matéria; nem,
tão pouco, se pode afirmar que a ponderação que há-de ter sido realizada para a
concretização das mesmas vale, de igual forma, para uma eventual transferências
de competências já regionalizadas – já descentralizadas, portanto, embora para
um nível diverso.
4. De qualquer modo, e admitindo que assim não fosse, sempre acrescento que
nunca votaria a inconstitucionalidade das normas dos artigos 53º e 57º, desde
logo por não versarem matéria integrante da reserva definida pela alínea q) do
n.º 1 do artigo 165º da Constituição.
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza