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Processo n.º 948/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal
Constitucional,
1. A. vem reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no
n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do
Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e
alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), da
decisão sumária do relator, de 12 de Dezembro de 2005, que decidiu, no uso da
faculdade conferida pelo n.º 1 do mesmo preceito, não conhecer do objecto do
presente recurso.
1.1. A decisão sumária reclamada tem o seguinte teor:
“1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea
b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo
do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e
alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra o
acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo,
de 12 de Outubro de 2005, que indeferiu pedidos de aclaração e de reforma do
acórdão de 25 de Maio de 2005, que, por seu turno, negara provimento a recurso
jurisdicional deduzido contra a sentença do Tribunal Tributário de 1.ª
Instância de Coimbra, de 12 de Fevereiro de 2003, que julgara improcedente a
impugnação judicial das liquidações do imposto sobre as sucessões e doações
mais juros compensatórios do ano de 1998, efectuadas no processo de imposto
sucessório n.º 3836 instaurado na 2.ª Repartição de Finanças da Figueira da
Foz, no montante de 213 048 452$00.
De acordo com o respectivo requerimento de interposição de recurso, este
«Tem por objecto a fiscalização concreta da constitucionalidade da norma do
artigo 669.º do Código de Processo Civil quando interpretada no sentido de não
permitir que o juiz se pronuncie sobre uma questão de constitucionalidade
imputada a uma dimensão normativa desse mesmo preceito (o artigo 669.º do
Código de Processo Civil).
Na verdade, tendo o recorrente suscitado, no requerimento de aclaração e
reforma, a inconstitucionalidade do artigo 669.º, numa concreta dimensão
normativa, a decisão recorrida considerou que esse ‘meio processual não
comporta (…) a suscitada emissão de pronúncia sobre inconstitucionalidade’.
Tal norma viola aberta e frontalmente o princípio do acesso ao direito e aos
tribunais – consagrado no artigo 20.º da Constituição – bem como o disposto no
artigo 204.º da Constituição.
O acórdão recorrido, na perspectiva do recurso de constitucionalidade,
configura‑se como uma autêntica decisão‑surpresa para o recorrente, implicando
que o tribunal se demita da sua função (atendendo às especificidades do nosso
sistema de controlo difuso da constitucionalidade) e que deixe de apreciar
toda e qualquer questão de constitucionalidade suscitada em torno das normas
que regulam a tramitação processual após a prolação da decisão de mérito,
contrariando, de resto, todo o sentido da jurisprudência uniforme e unânime do
Tribunal Constitucional, onde se reitera um dever de tomar conhecimento da
constitucionalidade de ‘normas relevantes para a decisão de questões sujeitas
ainda ao poder de jurisdição do tribunal (como serão as questões processuais
autonomamente postas em reclamação)’, já que ‘esta constitui meio idóneo e
atempado de suscitar a questão’ (Acórdãos n.ºs 206/86 e 366/96); e isto porque
se trata, em todo o caso, ‘de uma questão nova, que pela sua própria natureza,
só poderia ser equacionada no momento em que o foi’ (v., também, mutatis
mutandis, entre muitos outros, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs
176/88, 158/90, 352/89, 306/90 e 109/90).»
O recurso foi admitido pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal
Administrativo, decisão que, como é sabido, não vincula o Tribunal
Constitucional (artigo 76.º, n.º 3, da LTC).
2. No litígio de que emerge o presente recurso estava essencialmente em causa
a qualificação como onerosa (defendida pelo recorrente) ou gratuita (defendida
pela Administração Fiscal e reconhecida pela sentença da 1.ª instância) da
disposição do edifício facultada pelo recorrente.
Pelo acórdão de 25 de Maio de 2005, a Secção de Contencioso Tributário do
Supremo Tribunal Administrativo confirmou este último entendimento,
considerando que da matéria de facto dada por provada resultava que «no caso,
ocorreu transferência gratuita de bens do património do doador para o do
donatário, sem qualquer espécie de compensação ou contrapartida económica ou
fiduciária por parte de quem os recebeu», pelo que improcedia a impugnação da
liquidação do imposto devido por essa «doação», sendo certo que, em sede de
incidência do tributo em causa, o legislador privilegia «mais as situações de
facto do que o seu eventual enquadramento jurídico», e consignando, quanto ao
contrato promessa de cessão de exploração de estabelecimento hoteleiro (cuja
celebração o recorrente invocava como prova do carácter oneroso da
disponibilização do uso do edifício), que, por um lado, «o contrato promessa
não é o contrato prometido, mas a obrigação de o celebrar» e, por outro lado,
que «dos autos não resulta que este último tenha sido efectivamente celebrado
ou, pelo menos, e independentemente dessa celebração formal, concretizado
através da materialização do clausulado prometido».
Foi na sequência da notificação deste acórdão que o recorrente veio
peticionar a sua aclaração e reforma, nos seguintes termos:
«Considerou‑se no douto Acórdão, como fundamento para negar provimento ao
recurso, que as normas de incidência relevantes privilegiam mais as situações
de facto do que o seu eventual enquadramento jurídico.
Do mesmo passo, irrelevou‑se a existência do contrato promessa de cessão de
estabelecimento comercial com base no entendimento de que este não se configura
como o contrato prometido e que dos autos não resulta que este último tenha sido
efectivamente celebrado, ou, pelo menos, e independentemente da sua celebração
formal, concretizado através da materialização do clausulado prometido.
Para tal contribuiu também a mobilização da norma interpretativa estabelecida
no n.º 2 do artigo 11.º da LGT.
Ora, considerava – e considera – o recorrente que a existência de um contrato
promessa de cessão de exploração – caracterizado, como é consabido, pelo negócio
jurídico em que alguém transfere, temporária e onerosamente (mediante
contrapartida), para outros, juntamente com o gozo do prédio, a exploração de
um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado, sem deixar de ser
seu dono (...) – bastaria para, numa leitura adequada à substância das relações
estabelecidas entre as partes, se ter de concluir pela não integração da
presente situação fáctica no âmbito da norma de incidência do Imposto sobre
Sucessões e Doações.
Percebe agora o recorrente – sem conceder, porém, quanto ao outrora alegado –
que, no entendimento firmado no Acórdão desse Venerando STA, a mera e estrita
celebração de tal contrato – com os inelimináveis efeitos jurídicos dele
decorrentes – não permite, por si, uma compreensão do material fáctico
emergente dos autos como dando corpo – e alma – a uma relação materialmente
marcada pela existência de um véu de onerosidade que pautou a actuação do
recorrente.
Contudo, é patente que, a esse nível, existe e persiste uma relação de
causalidade, bem evidenciada, que à luz do id quod plerumque accidit, não podia
deixar de conduzir à exclusão da incidência do imposto sobre doações.
Na verdade, se o contrato promessa não é jurídica e facticamente inócuo, o
certo é que os seus efeitos entre as partes vão muito para além da obrigação de
conclusão do contrato prometido, podendo, na realidade, originar um conjunto de
relações comprometidas com esse objectivo e que facilmente serão compreendidas
à luz da substancialidade emergente da realidade concreta – da situação material
de facto – que, tendo aquela causa, espelham uma actuação propedêutica e até
necessária para a celebração do contrato visado a final.
Ora, sendo certo que ‘em sede de incidência deste tributo [CISSD] se privilegiam
mais as situações de facto do que o seu eventual enquadramento jurídico’, o
recorrente não vê razão para que tal critério não seja levado à prática in casu
no âmbito da determinação negativa da incidência do imposto, sendo até
surpreendente que o tribunal reduza a uma consideração formal o relevo do
contrato promessa (que ‘não é o contrato prometido’...), irrelevando o conteúdo
fáctico‑material que resultou da celebração daquele: Porque não aplicar o
mesmo critério jurídico na relevância do material fáctico emergente do contrato
promessa?
É certo que essa concepção do Tribunal não deixou de ser mitigada pela
consideração de que, mesmo independentemente da celebração formal do contrato
prometido, a materialização do clausulado prometido sempre poderia conduzir a
solução diversa da adoptada.
Só que, in casu, decidiu‑se negar provimento ao recurso porque ‘tal realidade
não resulta dos autos’.
E, assim, o contribuinte vê-se a mãos com uma situação de um autêntico e
insuportável confisco.
Por isso se requer que o Tribunal esclareça:
A. Qual o critério normativo determinante da exclusão do relevo das relações
materiais causadas pelo contrato promessa e qual a razão para se ter valorado um
conceito ‘económico‑fáctico’ de doação em detrimento da mesma valoração para as
relações estabelecidas após a celebração do referido contrato que não podem
deixar de compreender‑se, a essa mesmíssima luz, como uma contrapartida
económica.
B. Qual o critério normativo que presidiu à exclusão da consideração de que
inexistiu uma materialização do clausulado prometido quando nos autos nada
conste em sentido diverso sem que, ao menos, sendo esse um ponto decisivo para a
aplicação do direito, tivesse havido lugar à ampliação da matéria de facto.
De resto, por esse motivo, vem também o recorrente, com todo o respeito e
consideração, requerer a
REFORMA
do Acórdão. Vejamos:
Não há dúvida de que o efectivo cumprimento das obrigações fundadas no contrato
promessa – e aí constava o pagamento – constitui um aspecto essencial para a
justa resolução da causa (o que é potenciado pelo facto de o Tribunal não ter
aderido à tese do recorrente de que bastaria considerar a essência material e
fáctica das relações causadas por esse contrato para lograr‑se uma exclusão da
incidência do imposto sobre tal factualidade).
Como também não há dúvida de que, no âmbito da tese firmada no Acórdão, os
motivos pelos quais se decidiu negar provimento ao recurso cairiam pela base
no momento em que se firmasse o carácter oneroso das transmissões (mal)
tributadas, o que decorreria, desde logo, da celebração do contrato prometido
ou, até – e subsidiariamente bem – do cumprimento material do seu clausulado.
Dúvidas existem, porém, quanto ao facto do Tribunal ter decidido como decidiu,
invocando que dos autos não resulta tal realidade.
E subsistem potenciadas pelo facto de que neste domínio cabe também ao tribunal
‘realizar oficiosamente todas as diligências que se lhe afiguram úteis para
conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente se
pode conhecer’.
Ora, sendo entendimento desse Venerando Tribunal que a irrelevância do contrato
promessa de cessão de estabelecimento comercial resulta do entendimento de que
este não se configura como o contrato prometido e que dos autos não resulta que
este último tenha sido efectivamente celebrado, ou, pelo menos, e
independentemente da sua celebração formal, concretizado através da
materialização do clausulado prometido, não poderia o Tribunal deixar de
reputar como insuficiente a base fáctico‑decisória que até si foi conduzida – e
que resultou do facto de o juiz a quo não ter tido a sensibilidade do STA quanto
a esse facto; aliás, estivesse o Meritíssimo Relator a julgar em 1.ª Instância,
que decerto cuidaria de apurar, antes de avalizar um confisco, tal realidade,
como se pode presumir pela total seriedade com que relatou o douto Acórdão.
Aliás, não se vê que possa deixar de ser assim. E decerto que Vossas
Excelências, perante tal realidade, não deixariam de decidir em sentido
diferente, seguindo até o mesmo critério de recorte da incidência, ou seja,
atendendo à natureza não estritamente jurídica, mas também factual económica
que está na base das transmissões (mal) tributadas.
Sendo mesmo inconstitucional a adopção de um critério normativo de onde se
extraia que, estando o juiz obrigado a realizar oficiosamente todas as
diligências que se lhe afiguram úteis para conhecer a verdade relativamente aos
factos alegados ou de que oficiosamente se pode conhecer, não haja lugar à
ampliação da matéria de facto quando não conste dos autos uma realidade com
relevo para a justa decisão da causa, julgando o tribunal a partir de uma base
fáctica que não permite sustentar a conclusão alcançada em termos de a manter na
hipótese de se trazerem aos autos os elementos fácticos de onde se extrai um
diferente enquadramento jurídico da realidade julgada. E isto por violação do
direito de acesso aos tribunais e a um processo equitativo.
E não se diga que ‘já é tarde’ para arguir tal inconstitucionalidade ou até
mesmo para requerer, nesta sede, a reforma da decisão, de modo a que esta possa
determinar a ampliação da base de facto.
É que, quanto ao primeiro caso, nunca poderia o recorrente pressupor que o
Tribunal se estribaria num critério normativo determinante de um juízo apoiado
numa ‘não existência’, ou seja, que tenha julgado como julgou por ‘não resultar
dos autos que…’, o que, pelos mesmos motivos, é inconstitucional.
Depois, quanto à admissibilidade da reforma da decisão com base nos seguintes
fundamentos, é necessário ter em conta que, se é verdade que no processo civil
se dispõe que há lugar a reforma da decisão quando constem do processo
documentos ou quaisquer outros elementos que impliquem decisão diversa da
proferida, não é menos verdade que, vigorando no direito tributário o princípio
do inquisitório (regra oposta à vigente naquele ordenamento processual),
também deverá haver lugar a reforma da decisão quando não constem do processo
elementos que seriam passíveis de determinar decisão diversa da proferida,
violando também o direito de acesso aos tribunais e o direito a um processo
justo e equitativo uma interpretação do artigo 669.º do CPC que se condense num
critério normativo que determine a impossibilidade de reforma da decisão nos
casos em que, cabendo ao juiz realizar oficiosamente todas as diligências que
se lhe afiguram úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados
ou de que oficiosamente pode conhecer, não constem do processo todos os
elementos necessários para fundar a decisão do tribunal, designadamente
quando da decisão consta que dos autos não constam elementos susceptíveis de
conduzir a solução diversa.
E por isso se requer que:
A. O Tribunal reforme a decisão proferida no sentido de admitir a ampliação da
base fáctica firmada na 1.ª instância;
B. Ou, caso assim não entenda, se pronuncie pela inconstitucionalidade do
critério normativo que permite ao tribunal, em processo tributário, proferir uma
decisão quando não constam dos autos elementos fácticos relevantes, que
determinariam uma diferente ponderação jurídica da que se efectuou.
C. Bem como pela inconstitucionalidade do critério normativo de onde se extraia
que, estando o juiz obrigado a realizar oficiosamente todas as diligências que
se lhe afiguram úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados
ou de que oficiosamente se pode conhecer, não haja lugar à ampliação da matéria
de facto quando não conste dos autos uma realidade com relevo para a justa
decisão da causa, julgando o tribunal a partir de uma base fáctica que não
permite sustentar a conclusão alcançada em termos de a manter na hipótese de se
trazerem aos autos os elementos fácticos de onde se extrai um diferente
enquadramento jurídico da realidade julgada.
D. E ainda pela inconstitucionalidade da interpretação do artigo 669.º do CPC
que se condense num critério normativo que determine a impossibilidade de
reforma da decisão nos casos em que, cabendo ao juiz realizar oficiosamente
todas as diligências que se lhe afiguram úteis para conhecer a verdade
relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente se pode conhecer, não
constem do processo os elementos necessários para fundar a decisão do tribunal,
designadamente quando da decisão consta que dos autos não constam elementos
susceptíveis de conduzir a solução diversa.»
Estes pedidos foram indeferidos pelo acórdão de 12 de Outubro de 2005, com a
seguinte fundamentação:
«Transcritos os pedidos formulados, vejamos os argumentos invocados pelo
requerente para os sustentar, tendo sempre presente a afirmação primeira de não
conformação com o sentido do decidido.
Nas considerações produzidas e que constam do requerimento em apreço relevam,
para a economia desta decisão, mais uma vez referências claras e inequívocas
quer aos factos dados por assentes, quer aos juízos que, nesta sede também, o
tribunal formulou e em que depois fundamentou a, de novo questionada, decisão de
direito.
Aí estão a evidenciá‑lo referências claras ao sentido do decidido e a concretos
pontos da factualidade considerada que o requerente afirma não sufragar para,
com apoio de jurisprudência que convoca, concluir por solução jurídica diversa
da acolhida pelo assim sindicado aresto,
Sempre acentuando invocação de factualidade que o probatório não consagrou e que
o requerente, à revelia daquele, persiste em afirmar para porventura ver
consagrado ou, no mínimo, viabilizado através da também peticionada ampliação
da matéria de facto fixada e agora assente.
Mas atentemos no que a lei e a doutrina estabelecem sobre os instrumentos
processuais em questão.
Rege o artigo 669.º do Código de Processo Civil – n.º 1, alínea a), quanto à
aclaração, e n.º 2, alíneas a) e b), relativamente à reforma.
Nele se estabelece, além do mais, que às partes é concedido o direito de
requererem ao Tribunal que proferiu a decisão o esclarecimento de alguma
obscuridade ou ambiguidade que ela contenha – cfr. alínea a) do n.º 1 do citado
artigo 669.º do CPC – aclaração –.
E, agora, desde a reforma de processo civil operada pelos Decretos‑Leis n.°s
329-A/95 e 180/96, respectivamente de 12 de Dezembro e 25 de Setembro, também
quanto à reforma da decisão (sentença ou acórdão) quando tenha ocorrido
manifesto lapso do juiz ... na determinação da norma aplicável ou na
qualificação jurídica dos factos – alínea a) do n.° 2 do referido artigo 669.°
do CPC –,
Ou quando constem do processo documentos ou quaisquer elementos que, só por si,
impliquem necessariamente decisão diversa da proferida e que o juiz, por lapso
manifesto, não haja tomado em consideração – alínea b) do n.º 2 do citado
artigo 669.º do CPC.
Tudo visto e à luz do normativo legal que se deixa transcrito, no que releva em
sede da decisão que agora cumpre, importa afirmar, desde já, a total
improcedência do requerido em qualquer das suas vertentes.
Com efeito, já quanto à requerida aclaração, e tal como a doutrina vem
ensinando, para poder lograr deferimento imperioso seria que o requerente
invocasse e demonstrasse alguma obscuridade ou ambiguidade que a questionada
decisão porventura contivesse.
Obscuridade e ambiguidade que, como já ensinava Alberto dos Reis, só se
verificam quando ela, a decisão, contém algum passo cujo sentido seja
ininteligível ou quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes.
Ora nada disso ocorre na situação ajuizada, nem o requerente o alega sequer. Ao
contrário, é antes bem claro, quiçá manifesto, que o requerente entendeu
perfeitamente todo o sentido do questionado acórdão e o interpretou
precisamente no sentido que este Supremo Tribunal e Secção lhe conferiu.
Porque assim, nada haverá a esclarecer ou aclarar.
Por sua vez e no que concerne à também peticionada reforma do acórdão, meio
processual introduzido no ordenamento jurídico pela reforma legislativa de
1996 (Decreto‑Lei n.º 329‑A/95, de 12 de Dezembro, e Decreto‑Lei n.° 180/96, de
25 de Setembro), que viabiliza assim e também o eventual suprimento do erro de
julgamento quanto ao mérito,
Importa ter presente que este há‑de circunscrever-se a situações de natureza
bem excepcional, de lapso manifesto, de violação de lei expressa ou quando dos
autos constem elementos, designadamente de índole documental, que impliquem
decisão em sentido diverso e não tenham sido considerados igualmente por lapso
manifesto, como não deixou de se acentuar, assim se esclarecendo o alcance da
inovação legislativa, no preâmbulo do primeiro dos referidos diplomas legais,
Para, sem quebra da estabilidade das decisões judiciais que importa
salvaguardar, quando já ordinariamente irrecorríveis, assim procurar dar
também satisfação à declarada ‘preocupação de realização efectiva e adequada do
direito material e no entendimento de que será mais útil, à paz social e ao
prestígio e dignidade que a administração da justiça coenvolve, corrigir que
perpetuar um erro juridicamente insustentável…’.
Ora, compulsado o requerimento em apreço, importa concluir que, tal como
acentuam quer o Ex.mo Magistrado do Ministério Público, quer a recorrida
Fazenda Pública, dele não emerge ou resulta sequer indicação do preceito legal
que o viabilize nem indicação de qualquer dos apontados
requisitos/pressupostos legais da peticionada reforma de acórdão,
Dele não constam, com efeito, indicação ou referência de qualquer lapso e muito
menos manifesto do tribunal na determinação das normas aplicáveis ou na
qualificação jurídica dos factos, nem invocação de documentos ou outros
elementos constantes do processo que, por si só, demandassem necessariamente
solução diversa da proferida e que o tribunal, ainda por lapso manifesto, não
tivesse tomado em consideração.
Pelo contrário, também neste segmento, do requerimento em apreço decorre antes,
bem inequivocamente, que o requerente mais não persegue do que a eventual
abertura de uma nova instância de recurso, instância que a lei não permite.
O alegado erro de julgamento e a alteração do sentido do decidido não cabem no
âmbito deste meio processual,
Meio processual que igualmente não comporta a requerida ampliação da matéria de
facto nem a suscitada emissão de pronúncia sobre constitucionalidade.
Pelo exposto e sem necessidade de outros ou melhores considerandos, acordam os
Juízes desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo em indeferir o pedido
de aclaração e reforma do acórdão de fls. 193 e seguintes.»
3. No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a
competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da
inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade
constitucional imputada a normas jurídicas (ou a interpretações normativas,
hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o
sentido da interpretação que reputa inconstitucional), e já não das questões
de inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si
mesmas consideradas, ou a condutas ou omissões processuais.
Por outro lado, tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do
n.º 1 do artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua
admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão
de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo
processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo
72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio
decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo
recorrente. Aquele primeiro requisito (suscitação da questão de
inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido, antes de proferida a
decisão impugnada) só se considera dispensável nas situações especiais em que,
por força de uma norma legal específica, o poder jurisdicional se não esgota
com a prolação da decisão recorrida, ou naquelas situações, de todo
excepcionais ou anómalas, em que o recorrente não dispôs de oportunidade
processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de proferida
a decisão recorrida ou em que, tendo essa oportunidade, não lhe era exigível
que suscitasse então a questão de constitucionalidade.
Constitui jurisprudência consolidada deste Tribunal Constitucional que o
apontado requisito só se pode, em regra, considerar preenchido se a questão de
constitucionalidade tiver sido suscitada antes de o tribunal recorrido ter
proferido a decisão final, pois com a prolação desta decisão se esgota, em
princípio, o seu poder jurisdicional. Por isso, tem sido uniformemente
entendido que, proferida a decisão final, a arguição da sua nulidade ou o pedido
da sua aclaração, rectificação ou reforma não constituem já meio adequado de
suscitar a questão de constitucionalidade, pois a eventual aplicação de uma
norma inconstitucional não constitui erro material, não é causa de nulidade da
decisão judicial, não a torna obscura ou ambígua, nem envolve «lapso manifesto»
do juiz quer na determinação da norma aplicável, quer na qualificação jurídica
dos factos, nem desconsideração de elementos constantes do processo que
implicassem necessariamente, só por si, decisão diversa da proferida. E
também, por maioria de razão, não constitui meio adequado de suscitar a questão
de constitucionalidade a sua invocação, pela primeira vez, no requerimento de
interposição do recurso de constitucionalidade ou nas respectivas alegações.
No entanto, também tem sido entendido que, apesar de a arguição de nulidade
da sentença já não ser, em regra, momento adequado de suscitar questões de
inconstitucionalidade reportadas a normas aplicadas (ou indevidamente não
aplicadas) na sentença, já o será quando a inconstitucionalidade respeita
directamente às normas que regulam o incidente de arguição de nulidades de
decisões judiciais, pela razão óbvia de que, quanto a esta específica temática,
ainda se não esgotara o poder jurisdicional do tribunal a quo: cf., neste
sentido, entre outros, os Acórdãos n.ºs 206/86, 176/88, 270/92, 169/93, 366/96,
374/2000 e 375/2003.
Similarmente, no pedido de reforma da decisão judicial, regulado no n.º 2 do
artigo 669.º do Código de Processo Civil, não é lícito questionar a
constitucionalidade de normas aplicadas na decisão reformanda – já que, como
acima se assinalou, a eventual aplicação de uma norma inconstitucional não
envolve «lapso manifesto» do juiz quer na determinação da norma aplicável,
quer na qualificação jurídica dos factos, nem desconsideração de elementos
constantes do processo que implicassem necessariamente, só por si, decisão
diversa da proferida –, mas já é admissível questionar, nesse pedido, a
constitucionalidade das regras que especificamente o disciplinam, designadamente
sustentando a sua aplicabilidade a situações não explicitamente contempladas na
literalidade da previsão legal, por supostamente imposta pelo direito
constitucional de acesso aos tribunais, dado que, nesta específica dimensão, é
sustentável não ter ocorrido o esgotamento do poder jurisdicional do tribunal em
causa.
4. No seu referido pedido de reforma do acórdão de 25 de Maio de 2005, o
recorrente suscitou três questões de inconstitucionalidade:
– a primeira, sem ser reportada a qualquer específico preceito legal, tem por
objecto a inconstitucionalidade do «critério normativo que permite ao tribunal,
em processo tributário, proferir uma decisão quando não constam dos autos
elementos fácticos relevantes, que determinariam uma diferente ponderação
jurídica da que se efectuou»;
– a segunda, também sem referência a qualquer preceito legal, tem por objecto
a inconstitucionalidade do «critério normativo de onde se extraia que, estando o
juiz obrigado a realizar oficiosamente todas as diligências que se lhe afiguram
úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que
oficiosamente se pode conhecer, não haja lugar à ampliação da matéria de facto
quando não conste dos autos uma realidade com relevo para a justa decisão da
causa, julgando o tribunal a partir de uma base fáctica que não permite
sustentar a conclusão alcançada em termos de a manter na hipótese de se
trazerem aos autos os elementos fácticos de onde se extrai um diferente
enquadramento jurídico da realidade julgada»; e
– a terceira, reportada ao artigo 669.º, n.º 2, do CPC, tem por objecto uma
interpretação desse preceito «que se condense num critério normativo que
determine a impossibilidade de reforma da decisão nos casos em que, cabendo ao
juiz realizar oficiosamente todas as diligências que se lhe afiguram úteis para
conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente
se pode conhecer, não constem do processo os elementos necessários para fundar
a decisão do tribunal, designadamente quando da decisão consta que dos autos
não constam elementos susceptíveis de conduzir a solução diversa».
Tendo o acórdão de 12 de Outubro de 2005, que desatendeu o pedido de reforma,
entendido que esse meio processual «não comporta (…) a suscitada emissão de
pronúncia sobre constitucionalidade», o recorrente veio, no requerimento de
interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, suscitar uma quarta
questão de inconstitucionalidade, reportada também à norma do artigo 669.º, n.º
2, do CPC, «quando interpretada no sentido de não permitir que o juiz se
pronuncie sobre uma questão de constitucionalidade imputada a uma dimensão
normativa desse mesmo preceito (o artigo 669.º do Código de Processo Civil)».
Questão de inconstitucionalidade que só foi suscitada no próprio requerimento de
interposição de recurso por, segundo o recorrente, o entendimento do acórdão
recorrido quando à impossibilidade de apreciação da inconstitucionalidade de
normas no âmbito do pedido de reforma de decisão judicial, quando reportada às
próprias normas reguladoras desse meio processual, ter constituído uma
«decisão‑surpresa».
No entanto, como é bem de ver, esta quarta questão tem natureza meramente
instrumental relativamente à atrás identificada como terceira questão. A
possibilidade de o tribunal, ao decidir pedido de reforma de decisão judicial,
apreciar a constitucionalidade das regras que delimitam o âmbito de aplicação
desse meio processual, apenas serve para abrir a via à apreciação da questão da
constitucionalidade da norma do artigo 669.º, n.º 2, do CPC, enquanto não
consente que constitua fundamento do pedido de reforma a alegação de que o juiz
não realizou «oficiosamente todas as diligências que se lhe afiguram úteis para
conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente se
pode conhecer, [quando] não constem do processo os elementos necessários para
fundar a decisão do tribunal, designadamente quando da decisão consta que dos
autos não constam elementos susceptíveis de conduzir a solução diversa».
Neste contexto – e atendendo também ao consabido carácter instrumental do
recurso de constitucionalidade, cujo conhecimento só se justifica se o seu
eventual provimento se mostrar susceptível de determinar a alteração do sentido
da decisão de mérito de que emerge esse recurso –, a patente falta de fundamento
da questão de constitucionalidade que se pretendia ver apreciada no âmbito do
pedido de reforma impõe o improvimento do recurso, mesmo que se entenda que,
diversamente do considerado pelo tribunal a quo, essa questão podia ser
apreciada nesse âmbito.
Na verdade, por razões similares às que levaram o Tribunal Constitucional a
considerar admissível, no âmbito do incidente de arguição de nulidades de
decisão judicial, suscitar questões de inconstitucionalidade directamente
respeitantes às normas reguladoras desse incidente (mas já não reportadas às
normas aplicadas na decisão arguida de nula), também deve entender‑se – como já
se assinalou – que, no pedido de reforma da decisão judicial, regulado no n.º 2
do artigo 669.º do Código de Processo Civil, não sendo lícito questionar a
constitucionalidade de normas aplicadas na decisão reformanda, já é admissível
questionar, nesse pedido, a constitucionalidade das regras que especificamente
o disciplinam, dado que, nesta específica dimensão, é sustentável não ter
ocorrido o esgotamento do poder jurisdicional do tribunal em causa.
Simplesmente, se se pode considerar que, nessa perspectiva, o tribunal podia
conhecer da questão de inconstitucionalidade suscitada a propósito da norma do
n.º 2 do artigo 669.º do CPC (mas já não das atrás identificadas como primeira
e segunda questões de inconstitucionalidade, relativamente às quais, aliás,
poder‑se‑ia pôr em dúvida se constituem verdadeiras questões de
inconstitucionalidade normativa ou antes imputações de violação da Constituição
directamente por decisões judiciais, o que, como se referiu, não é susceptível
de integrar objecto idóneo de recurso de constitucionalidade), já é patente que
tal questão – nos termos em que o recorrente a formulou – não pode deixar de ser
qualificada como manifestamente infundada.
Recorde‑se que essa questão foi definida pelo recorrente nos seguintes
termos: viola «o direito de acesso aos tribunais e o direito a um processo justo
e equitativo uma interpretação do artigo 669.º do CPC que se condense num
critério normativo que determine a impossibilidade de reforma da decisão nos
casos em que, cabendo ao juiz realizar oficiosamente todas as diligências que
se lhe afiguram úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos
alegados ou de que oficiosamente pode conhecer, não constem do processo todos
os elementos necessários para fundar a decisão do tribunal, designadamente
quando da decisão consta que dos autos não constam elementos susceptíveis de
conduzir a solução diversa».
Ora, constitui jurisprudência uniforme deste Tribunal a de que o direito de
acesso aos tribunais corresponde ao direito a uma solução jurídica dos
conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável, com observância das regras
de imparcialidade e independência e com respeito pelo princípio do
contraditório. Fora do domínio criminal e equiparado esse direito apenas
assegura o acesso a um grau de jurisdição, assistindo ao legislador ordinário
uma ampla margem de liberdade de conformação na regulação da tramitação
processual, designadamente quanto à admissibilidade de recursos ou de
incidentes pós-decisórios. Neste contexto, a introdução, pela reforma
processual civil de 1995/1996, da nova figura da reforma da decisão, se
correspondeu à adopção, na perspectiva do legislador, de um melhor direito,
jamais foi assumido como uma directa imposição constitucional; na verdade,
desconhece‑se a existência de qualquer acusação de inconstitucionalidade à
solução precedente, de não previsão da possibilidade de reforma da sentença nos
casos que vieram a ser definidos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 669.º do
CPC.
Como se assinalou no Acórdão n.º 434/2005, o «pedido de reforma de decisões
judiciais introduzida no n.º 2 do artigo 669.º do CPC pela reforma de
1995/1996, (...) – quer tenha por fundamento ‘manifesto lapso do juiz na
determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos’
(alínea a)), quer a existência no processo de ‘documentos ou quaisquer elementos
que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida e que o
juiz, por lapso manifesto, não haja tomado em consideração’ (alínea b)) –,
atenta a excepcionalidade desta faculdade, que insere um desvio aos princípios
da estabilidade das decisões judiciais e do esgotamento do poder jurisdicional
do juiz quanto à matéria da causa (artigo 666.º, n.º 1, do mesmo Código), só é
admissível perante erros palmares, patentes, que, pelo seu carácter manifesto,
se teriam evidenciado ao autor da decisão, não fora a interposição de
circunstância acidental ou uma menor ponderação tê‑lo levado ao desacerto. Como
refere Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego (Comentários ao Código de
Processo Civil, vol. I, 2.ª edição, Coimbra, 2004, p. 559), ‘o erro manifesto
de julgamento de questões de direito’, contemplado naquela alínea a),
‘pressupõe obviamente, para além do seu carácter evidente, patente e
virtualmente incontrovertível, que o juiz se não haja expressamente
pronunciado sobre a questão a dirimir, analisando e fundamentando a (errónea)
solução jurídica que acabou por adoptar (v. g., aplicou-se norma inquestionável
e expressamente revogada, por o julgador se não haver apercebido atempadamente
da revogação)’, e ‘o erro manifesto na apreciação das provas’, previsto na
alínea b), traduz‑se ‘no esquecimento de um elemento que, só por si, implicava
decisão diversa da proferida (v. g., o juiz omitiu a consideração de um
documento, constante dos autos e dotado de força probatória plena, que só por si
era bastante para deitar por terra a decisão proferida)’».
No presente caso, é manifesto que jamais se poderia considerar violado o
direito de acesso aos tribunais e o direito a um processo justo e equitativo,
dado que ao recorrente, para além do acesso ao primeiro grau de jurisdição, com
integral respeito pelos princípios do contraditório e da imparcialidade e
independência dos tribunais, foi pelo legislador ordinário facultado (e por ele
efectivamente exercitado) o direito de recurso, sem que tal estivesse
constitucionalmente imposto, e que o mesmo, em ambas as instâncias, pôde
desfrutar de todos os incidentes pós‑decisórios legalmente previstos, incluindo
o da reforma das decisões judiciais, nos termos definidos – de novo, sem que
tal fosse constitucionalmente imposto – pelo artigo 669.º, n.º 2, do CPC, com um
âmbito que já constitui, em si mesmo, um alargamento excepcional dos poderes de
cognição do tribunal, representando «um desvio aos princípios da estabilidade
das decisões judiciais e do esgotamento do poder jurisdicional do juiz quanto à
matéria da causa (artigo 666.º, n.º 1, do mesmo Código)». Neste contexto, a
pretensão de alargamento deste desvio, para além das situações excepcionais
nele contempladas, a uma situação que poderá representar, no máximo, um erro de
julgamento, quando o recorrente já beneficiou de um duplo grau de jurisdição, é
algo que, manifestamente, não encontra na Constituição, designadamente no seu
artigo 20.º, o necessário suporte.
5. Neste contexto, sendo manifestamente infundada a questão de
inconstitucionalidade que o recorrente pretendia ver apreciada (a atrás
designada terceira questão de inconstitucionalidade) na sequência da propugnada
aceitação da admissibilidade da suscitação dessa questão (admissibilidade que
integrava a quarta questão), não existe utilidade processual relevante no
conhecimento do objecto do presente recurso.”
1.2. A reclamação do recorrente apresenta a seguinte
fundamentação:
“Adianta‑se, desde já, que o fundamento principal desta reclamação reside na
configuração absolutamente inédita e, salvo o devido respeito, equívoca que a
decisão reclamada faz do requisito da instrumentalidade, metamorfoseando, sem
fundamento, o seu carácter exógeno numa dimensão endógena ao mérito do recurso,
inaugurando, para além disso, na jurisprudência desse Venerando Tribunal, ao
nível da aferição do preenchimento dos requisitos de conhecimento do recurso, o
requisito da «dupla» ou até mesmo «tripla» instrumentalidade.
Veja‑se porquê.
I
Conforme consta da exaustiva e lapidar exposição prévia aos fundamentos da
decisão sumária, o ora reclamante suscitou perante o Supremo Tribunal
Administrativo uma questão de constitucionalidade – cuja pertinência pode
aferir‑se pelo confronto do acórdão proferido nesse tribunal com o teor do
requerimento de aclaração e reforma – especificamente dirigida à norma do
artigo 669.°, n.° 2, do CPC, quando interpretada no sentido de não consentir
que constitua fundamento do pedido de reforma a alegação de que o juiz não
realizou oficiosamente todas as diligências que se lhe afiguram úteis para
conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente se
pode conhecer, quando não constem do processo os elementos necessários para
fundar a decisão do tribunal, designadamente quando da decisão consta que dos
autos não constam elementos susceptíveis de conduzir a decisão diversa.
De forma absolutamente surpreendente – e, no entendimento do reclamante,
estribada na aplicação de norma eivada de inconstitucionalidade – o STA decidiu,
sem fundamento para tal, que o meio processual consubstanciado na decisão do
incidente de aclaração e reforma «não comporta (...) a suscitada emissão de
pronúncia sobre a inconstitucionalidade» da norma a aplicar.
E, assim, aplicou a norma do artigo 669.° do CPC numa interpretação,
concretamente delimitada pelo reclamante, mediante a qual o preceito não permite
que o juiz se pronuncie sobre uma questão de constitucionalidade imputada a uma
dimensão normativa desse mesmo preceito.
Norma essa que, no entendimento do reclamante, viola frontal e abertamente o
disposto na Constituição da República Portuguesa, designadamente, as disposições
constantes dos artigos 20.° e 204.°.
Foi visando a fiscalização concreta deste critério normativo que se interpôs
recurso de constitucionalidade, porquanto, na perspectiva do reclamante – e que
é confirmada pela douta decisão reclamada –, o STA não só podia, mas, em rigor,
devia ter conhecido da questão de constitucionalidade suscitada.
E, em boa verdade, como se exporá, também o Tribunal Constitucional não podia
deixar de tomar conhecimento do recurso delimitado em torno da norma do artigo
669.° do Código de Processo Civil quando interpretada no sentido de não permitir
que o juiz se pronuncie sobre uma questão de constitucionalidade imputada a uma
dimensão normativa desse mesmo preceito (artigo 669.° do CPC).
II
Na economia da decisão reclamada, não existe utilidade processual relevante no
conhecimento do objecto do presente recurso, na medida em que uma outra questão
de constitucionalidade não invocada pelo reclamante seria manifestamente
improcedente (a questão de constitucionalidade que o reclamante pretendia ver
sindicada no STA – e que mereceu desse Tribunal uma decisão fundada no critério
normativo que se pretendeu sindicar no recurso para o Tribunal Constitucional).
Na verdade, no caso concreto, não estava em causa a norma – designada na
decisão sumária como dando corpo «à terceira questão de constitucionalidade» –
inferida de uma determinada interpretação do artigo 669.° do CPC, mas sim, e só,
a norma do artigo 669.° do Código de Processo Civil quando interpretada no
sentido de não permitir que o juiz se pronuncie sobre uma questão de
constitucionalidade (a tal terceira questão de constitucionalidade) imputada a
uma dimensão normativa desse mesmo preceito (o artigo 669.° do CPC).
É pois sobre esta norma – artigo 669.° do Código de Processo Civil, quando
interpretado no sentido de não permitir que o juiz se pronuncie sobre uma
questão de constitucionalidade imputada a uma dimensão normativa desse mesmo
preceito (o artigo 669.° do CPC) – que importa equacionar a verificação dos
pressupostos ou requisitos da admissibilidade do recurso, em particular, o da
sua utilidade processual.
E, se bem se vêem as coisas, o recurso tem manifesta utilidade processual.
Basta atentar que, sendo o mesmo julgado procedente, tal determinaria a
revogação da decisão que decidiu que em sede de reforma não tem o tribunal que
cuidar de questões de constitucionalidade dirigidas à norma que regula essas
questões.
Sempre teria, pois, o STA de fazer aquilo que deveria ter feito: pronunciar‑se
sobre uma questão de constitucionalidade antes de fazer efectiva aplicação da
norma controvertida sob esse prisma.
E configurado adequadamente o requisito da instrumentalidade do recurso não há
dúvida de que o juízo do TC tem a virtualidade de se projectar sobre a decisão
recorrida.
De facto, qualquer noção relevante neste domínio específico – seja ela a do
interesse processual, a da relevância da questão de constitucionalidade, a da
natureza instrumental do recurso, ou a da utilidade – apenas pode referir‑se à
projecção sobre a decisão recorrida do sentido decorrente da análise do
problema de constitucionalidade, sendo certo que, visando o recurso saber se é
inconstitucional o artigo 669.° do Código de Processo Civil quando interpretado
no sentido de não permitir que o juiz se pronuncie sobre uma questão de
constitucionalidade imputada a uma dimensão normativa desse mesmo preceito (o
artigo 669.° do CPC), não está em causa cuidar da constitucionalidade da norma
que o STA não sindicou, mas saber se aquele Tribunal estaria vinculado ou não à
apreciação desse problema – id est, se os incidentes pós‑decisórios têm ou não
de admitir espaço para a sindicância de questões de constitucionalidade
normativa imputadas às normas que os prevêem – mesmo que depois o viesse a
julgar improcedente.
A contrario, o Tribunal Constitucional acaba por aferir da «utilidade» de um
recurso, não pela sua repercussão sobre a decisão recorrida, mas sim invocando o
resultado de uma questão de constitucionalidade autónoma, tomando, contra o
objecto do recurso, conhecimento desta e negando conhecimento à questão que lhe
foi colocada que teve origem na aplicação de uma norma claramente
inconstitucional.
Não pode, pois, aceitar‑se tal fundamentação na parte em que passa por fazer
depender o conhecimento do objecto do recurso, onde estava em causa a vinculação
do tribunal a quo ao conhecimento de uma questão de constitucionalidade, de um
juízo de mérito sobre a bondade constitucional de uma norma que não o integrava.
Ora, a utilidade do recurso não pode aferir‑se nesses termos, antecipando, em
excesso de pronúncia, o futuro quanto à consideração de um problema de
constitucionalidade autónomo e distinto do que é considerado nos presentes autos
e de que o Tribunal a quo devia tomar conhecimento, mais não fosse para o julgar
improcedente.
A utilidade do presente recurso não pode deixar de passar por saber se o
julgamento da questão trazida a este tribunal tem potencialidade de se
repercutir sobre o decidido – pronunciando‑se o Juiz a quo sobre a questão de
constitucionalidade que lhe foi colocada em momento processualmente idóneo – e
não em cuidar, nem muito menos antecipar, do sentido de uma decisão a proferir
em cumprimento do que se decidir quanto ao objecto do presente recurso.
Ou seja, tudo está em saber se o conhecimento da constitucionalidade da norma do
artigo 669.° do CPC numa interpretação, concretamente delimitada pelo
reclamante, mediante a qual o preceito não permite que o juiz se pronuncie sobre
uma questão de constitucionalidade imputada a uma dimensão normativa desse
mesmo preceito, pode – ou não – contender com a decisão do tribunal que afirmou
não ser de conhecer e de julgar uma questão de constitucionalidade do artigo
669.° do CPC, por esse meio processual não comportar a requerida pronúncia.
E é manifesto que sim!
De facto, convocando a herança dos Acórdãos n.°s 49, 164 e 437 da Comissão
Constitucional, e dos Acórdãos n.°s 33/85, 35/85, 44/85, 81/85, 83/85, 101/85 e
122/84 pode dizer‑se que o Tribunal nunca poderia ter chegado à decisão que
tomou – o não julgamento da questão de constitucionalidade do artigo 669.° numa
dimensão arguida pelo então recorrente – havendo pronúncia de
inconstitucionalidade.
Se «o recurso só deve ter seguimento quando a eventual decisão da questão de
constitucionalidade por parte do Tribunal Constitucional puder implicar com a
decisão recorrida», é manifesto que também há utilidade/interesse/relevância
processual em conhecer da constitucionalidade do artigo 669.° do Código de
Processo Civil quando interpretado no sentido de não permitir que o juiz se
pronuncie sobre uma questão de constitucionalidade imputada a uma dimensão
normativa desse mesmo preceito (o artigo 669.° do CPC).
De facto, impugnando‑se no caso concreto a decisão de se ter julgado que a
decisão do incidente de aclaração e reforma «não comporta (...) a suscitada
emissão de pronúncia sobre inconstitucionalidade» do próprio artigo 669.° do
CPC, não se vislumbra, com o devido respeito, como a questão de
constitucionalidade do artigo 669.° do Código de Processo Civil quando
interpretado no sentido de não permitir que o juiz se pronuncie sobre uma
questão de constitucionalidade imputada a uma dimensão normativa desse mesmo
preceito (o artigo 669.° do CPC), possa ser inútil para a alteração do
decidido.
A haver alguma relação de instrumentalidade, ela é precisamente a inversa da
que se postula na decisão reclamada: decida‑se primeiro a questão da
constitucionalidade do artigo 669.° do Código de Processo Civil quando
interpretado no sentido de não permitir que o juiz se pronuncie sobre uma
questão de constitucionalidade imputada a uma dimensão normativa desse mesmo
preceito (o artigo 669.° do CPC), para depois se cuidar – sendo caso disso – da
questão que não estava a ser sindicada nos autos.
Por outro lado, a questão da utilidade ou instrumentalidade do recurso de
constitucionalidade não se confunde com a bondade material dos argumentos
invocados e com a eventual improcedência das questões de constitucionalidade. E
a decisão sumária reclamada faz essa confusão ao depender o (não) conhecimento
da questão posta pelo recorrente de um juízo de mérito, quanto a uma outra
questão de constitucionalidade que não lhe competia apreciar.
Como é, de resto, bom de ver, a proceder tal entendimento, todo e qualquer
julgamento de não inconstitucionalidade que o TC venha a fazer no futuro sempre
terá de ser substituído por decisão de não tomar conhecimento do recurso com
fundamento em que o mesmo não se projecta na decisão recorrida em termos de a
alterar.
E aqui, ao menos, sempre haveria uma relação «directa» ou de grau simples...
É, por isso, assaz controvertido que o Tribunal Constitucional possa concluir,
como se fez na decisão reclamada, no sentido de não reconhecer utilidade a um
recurso por improcedência dos argumentos relativos a um problema de
constitucionalidade que ainda por cima exorbita da esfera do recurso interposto
e não se confunde com ele.
Aliás, é manifesto e inequívoco que a delimitação do objecto do recurso de
constitucionalidade cabe exclusivamente, como o Tribunal Constitucional tem
vindo a dizer, ao recorrente, vinculando‑se o Tribunal à norma que constitui
esse objecto, pelo que a decisão sumária reclamada acaba por padecer de nulidade
por excesso de pronúncia, na medida em que faz um julgamento de não
inconstitucionalidade de uma norma que não constituía o objecto do recurso,
sendo, posteriormente, a partir do resultado emergente desse vício que chega à
conclusão que aqui se coloca em crise.
Pelo exposto, o reclamante chega à conclusão de que a decisão do Relator
admite, nos termos expostos, uma instrumentalidade de 2.° ou de 3.° grau,
puramente endógena em face do mérito jurídico (de procedência...) do recurso.
Mas tudo isso vai, em sede de recurso, muito para além de toda a criteriosa
jurisprudência que esse Tribunal vem firmando.
III
Pelo que se deixou dito, não haveria de cuidar‑se, nesta sede, da questão de
constitucionalidade que ocupou indevidamente o Tribunal Constitucional na
decisão reclamada.
Contudo, sem conceder no que se expôs quanto à impertinência de se estar a
decidir contra e para além do pedido, sempre importa mencionar – em termos
minimalistas, de acordo importância que esse problema não merece nesta sede
[sic] – que esse juízo de «manifesta improcedência» não equaciona devidamente a
hipótese concretamente delimitada pelo recorrente.
Diz‑se na decisão sumária reclamada que «a figura da reforma da decisão (...)
jamais foi assumida como uma directa imposição constitucional» e que «no
presente caso é manifesto que jamais se poderia considerar violado o direito de
acesso aos tribunais e o direito a um processo justo e equitativo, dado que ao
recorrente, para além do acesso ao primeiro grau de jurisdição (...), foi pelo
legislador ordinário facultado o direito de recurso, sem que tal estivesse
constitucionalmente imposto e que em ambas as instâncias pôde desfrutar de
todos os incidentes pós‑decisórios legalmente previstos (...)».
Ora, em primeiro lugar, para além de se olvidar o disposto no artigo 268.°, n.°
4, da CRP, conjugado com a estrutura jurisdicional administrativa‑tributária, a
decisão reclamada dá por assente que o reclamante pôde desfrutar de todos os
incidentes pós‑decisórios previstos, não relevando, como devia, que está em
causa um domínio jurídico particular onde os poderes‑deveres do juiz pouco têm a
ver com o que sucede noutras áreas, designadamente ao nível do processo civil, e
que o reclamante pretendia precisamente equacionar a relevância desses
mecanismos pós‑decisórios em face dos poderes‑deveres que marcam a actuação
jurisdicional no âmbito do direito tributário.
Desta forma, o julgamento alcançado pelo Tribunal não poderia fazer‑se sem ter
em conta essa realidade e importando o regime do processo civil como se a
questão colocada pelo reclamante fosse inteiramente sobreponível, porquanto, no
domínio tributário, o juiz está obrigado a realizar oficiosamente todas as
diligências que sejam úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos
alegados e de que pode oficiosamente conhecer.
Aliás, já no pedido de reforma o reclamante havia sustentado que:
«(…) é necessário ter em conta que se é verdade que no processo civil se dispõe
que há lugar a reforma da decisão quando constem do processo documentos ou
quaisquer outros elementos que impliquem decisão diversa da proferida, não é
menos verdade que vigorando no direito tributário o princípio do inquisitório
(...) também deverá haver lugar a reforma quando não constem do processo
elementos que seriam passíveis de determinar decisão diversa da proferida»,
designadamente quando o juiz profere uma decisão sem cuidar de apurar da
existência de um facto não constante dos autos que determinaria, segundo o seu
critério, uma solução oposta à proferida.
Na decisão reclamada, nem uma linha se encontra sobre a especificidade da
reforma no domínio tributário, pelo que, paradoxalmente, mesmo dentro do
excesso de pronúncia em relação ao objecto do recurso se encontra uma omissão de
pronúncia quanto à especifica dimensão normativa equacionada pelo reclamante no
Tribunal a quo.
De resto, retomando esta conclusão da decisão sumária que parte do pressuposto
de que, não sendo imposta pela Constituição uma determinada regulamentação
legiferante, esta será juridicamente amorfa em confronto com os parâmetros
jusfundamentais, recorda‑se que a mesma não vai, no seu significado útil,
acompanhada pela demais jurisprudência constitucional.
Por exemplo, no Acórdão n.° 260/2002 julgou‑se inconstitucional a norma do
artigo 411.°, n.° 3, do CPP no âmbito de um recurso para o STJ sem que a CRP
imponha a garantia de um 3.° grau de jurisdição... Qual é a orientação correcta
do Tribunal?
Desta forma e no que respeita à configuração processual que os autos
percorreram, a argumentação deduzida pelo relator é desprovida de fundamento e
em nada aproveita para o juízo que aqui se controverte.
Depois, em segundo lugar, também não pode dizer‑se que, não existindo uma
directa imposição constitucional da previsão de incidentes pós‑decisórios,
quedam‑se por manifestamente infundadas as questões que digam direito aos
termos de acesso a esse expediente processual tão relevante, designadamente à
luz do direito de acesso aos tribunais e a um processo justo e equitativo,
porquanto, como se escreveu no Acórdão n.° 485/2000, o legislador terá sempre de
respeitar a dimensão da garantia de acesso ao direito e aos tribunais que se
traduz em assegurar às partes uma completa percepção do conteúdo das sentenças
judiciais e em assegurar a possibilidade de reacção contra determinados vícios
da decisão. O legislador terá, pois, de consagrar na legislação processual
mecanismos que viabilizem, de modo eficaz, a prossecução de tais finalidades
(de forma que) A limitação da utilização dos meios processuais em causa (...),
quando a parte observa o condicionalismo legal (nomeadamente no que respeita a
prazos), atentará, pois, contra o direito de acesso aos tribunais
constitucionalmente consagrado, se tal limitação não se fundar num outro valor
ou princípio com dignidade constitucional. (...)», não podendo, pois,
inviabilizar‑se o «recurso a um mecanismo processual com uma finalidade
singular, e, por essa via, da denegação da única possibilidade legal de reacção
contra determinados vícios da decisão jurisdicional».
Assumindo esta jurisprudência, entende o recorrente que a questão que suscitou
em tempo não é manifestamente infundada ou improcedente, não podendo
invocar‑se, como verdade de la palisse, que se «desconhece a existência de
qualquer acusação de inconstitucionalidade à solução (...) de não previsão da
possibilidade de reforma».
De facto, levado a sério esse argumento, todas as questões novas que não
houvessem conhecido julgamento de inconstitucionalidade – por omissão (?) –
seriam manifestamente infundadas ...
Por tudo o que se expôs, o reclamante não «percebe» ou alcança o conteúdo desta
decisão sumária quanto aos argumentos que a fundamentam.
Termos em que, nos mais de direito e com o douto suprimento de V. Ex.as, se
requer que se defira a presente reclamação, revogando‑se a decisão sumária
reclamada e ordenando‑se a notificação do reclamante para alegar quanto ao
objecto do recurso que estava em causa, ou seja, quanto à norma do artigo 669.°
do Código de Processo Civil quando interpretada no sentido de não permitir que o
juiz se pronuncie sobre uma questão de constitucionalidade imputada a uma
dimensão normativa desse mesmo preceito (o artigo 669.° do CPC).”
1.3. Notificado desta reclamação, o recorrido não apresentou
qualquer resposta.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. A divergência fundamental entre o entendimento seguido na
Decisão Sumária reclamada e a tese defendida pelo recorrente respeita à
seguinte questão: relativamente a quê se deve aferir a utilidade do conhecimento
do recurso de constitucionalidade?
O recorrente entende que essa utilidade deve ser vista à luz da
repercussão que um eventual provimento do recurso de constitucionalidade teria
na específica decisão (ou “sub-decisão”) contida no acórdão recorrido, enquanto
decidiu que no incidente de pedido de reforma de decisão judicial, previsto no
n.º 2 do artigo 669.º do CPC, não podia apreciar arguições de
inconstitucionalidade dirigidas às próprias normas reguladoras desse incidente.
A ser assim, a razão estaria da parte do recorrente, pois se o Tribunal
Constitucional desse acolhimento à referida “quarta questão de
inconstitucionalidade”, julgando inconstitucional a norma do artigo 669.º, n.º
2, do CPC, “quando interpretada no sentido de não permitir que o juiz se
pronuncie sobre uma questão de constitucionalidade imputada a uma dimensão
normativa desse mesmo preceito”, é óbvio que a decisão recorrida, nessa parte,
teria de ser reformulada em conformidade com esse juízo de
inconstitucionalidade.
No entanto, o interesse processual no conhecimento do recurso de
constitucionalidade deve, antes, ser aferido face à susceptibilidade de a
pronúncia do Tribunal Constitucional «se projectar utilmente sobre a decisão
quanto ao mérito da causa» (para usar a formulação do Acórdão n.º 159/93), isto
é, sobre o desfecho da acção, e não restritamente sobre a concreta decisão
judicial recorrida, nem, muito menos, sobre uma parte desta decisão. Isto é: a
utilidade processual deve ser aferida relativamente ao processo (à causa), não
se reportando apenas à decisão recorrida.
Ora, no presente caso, como se demonstrou na Decisão Sumária ora
reclamada, mesmo que se viesse a entender, contrariamente ao entendimento
seguido pelo tribunal recorrido, que podia ser apreciada a questão de
inconstitucionalidade reportada à própria regulação do incidente de reforma de
decisões judiciais, o certo é que tal nenhuma repercussão poderia ter, quer no
sentido final do acórdão recorrido, quer no desfecho da causa, uma vez que
surgia como manifestamente infundada a questão de inconstitucionalidade que se
pretendia ver apreciada: a aludida “terceira questão de inconstitucionalidade”,
também reportada ao artigo 669.º, n.º 2, do CPC, mas agora na dimensão “que se
condense num critério normativo que determine a impossibilidade de reforma da
decisão nos casos em que, cabendo ao juiz realizar oficiosamente todas as
diligências que se lhe afiguram úteis para conhecer a verdade relativamente aos
factos alegados ou de que oficiosamente se pode conhecer, não constem do
processo os elementos necessários para fundar a decisão do tribunal,
designadamente quando da decisão consta que dos autos não constam elementos
susceptíveis de conduzir a solução diversa”.
Na verdade, não resultando da Constituição – mesmo no âmbito do
processo tributário – a consagração, em todos os casos, de um duplo grau de
jurisdição, carece manifestamente de base a tese de que, após ter sido
assegurado, no caso, esse direito de recurso, a Constituição ainda imporia, não
só a previsão do incidente pós‑decisório de reforma da decisão judicial
(incidente que, como já se referiu, representa um desvio ao princípio da
estabilidade das decisões judiciais e do esgotamento do poder jurisdicional do
juiz quanto à matéria da causa), mas a sua previsão com o específico fundamento
pretendido pelo recorrente.
Improcedem, assim, na totalidade, as objecções dirigidas pelo
recorrente contra a Decisão Sumária reclamada.
4. Em face do exposto, acordam em indeferir a presente
reclamação.
Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 20
(vinte) unidades de conta.
Lisboa, 7 de Fevereiro de 2006.
Mário José de Araújo Torres
Paulo Mota Pinto
Rui Manuel Moura Ramos