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Processo n.º 548/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal
Constitucional,
1. A. e B. vêm reclamar para a conferência, ao abrigo
do disposto no n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro
(LTC), da decisão sumária do relator, de 4 de Julho de 2005, que decidira, no
uso da faculdade conferida pelo n.º 1 do mesmo preceito – dado tratar‑se de
“questão simples”, por já ter sido objecto de anteriores decisões do Tribunal –,
não julgar inconstitucional a norma do artigo 2.º, n.º 3, alínea h), do Código
do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo
Decreto‑Lei n.º 442‑A/88, de 30 de Novembro, e, consequentemente, negar
provimento ao recurso.
1.1. A decisão sumária reclamada é do seguinte teor:
“1. A. e B. interpuseram, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei
de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional,
aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela
Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), recurso do acórdão da Secção de
Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte, de 31 de Março
de 2005, através de requerimento do seguinte teor:
«1 – No decurso tramitacional do presente processo judicial os recorrentes têm
defendido que a alínea h) do n.° 3 do artigo 2.° do Código do IRS padece de
inconstitucionalidade. Na verdade, e apesar da prolação do Acórdão n.º 497/97 do
Tribunal Constitucional (TC) sobre a matéria,
2 – Após a prolação de tal acórdão do TC ocorreram factos novos que este ainda
não apreciou, designadamente:
a) A publicação do artigo 29.º, n.º 9, da Lei n.º 87‑B/98, de 31 de Dezembro
[cujo teor é o seguinte: “As importâncias auferidas pelos profissionais de banca
dos casinos que lhes são atribuídas pelos jogadores em função dos prémios
ganhos são equiparadas a gratificações auferidas pela prestação ou em razão da
prestação de trabalho”], cujo conteúdo é objectivamente discriminatório para
com os profissionais de banca dos casinos, comparativamente com os profissionais
de inúmeras outras profissões – pois que apenas os profissionais de banca dos
casinos são destinatários exclusivos da norma tributadora em causa, apesar da
sua aparente generalidade e abstracção inicial – que, igualmente, auferem
gratificações da mesma natureza sem que esteja em causa a respectiva
tributação;
b) O despacho de SE o SEAF Dr. C. sobre a matéria, junto aos autos de
impugnação, que, quando conjugado com aquela norma legal (artigo 29.°, n.º 9,
da Lei n.º 87‑B/98), reforça o carácter discriminatório que se visava atingir,
pois que até aí a alínea h) do n.° 3 do artigo 2.° do Código do IRS era
entendida por grande parte da jurisprudência como norma de carácter geral e
abstracto, considerando‑se então como “não estando demonstrado que, na
prática, apenas estes (profissionais das salas de jogos) sejam tributados com
base nesta norma” (cfr. parte IX do acórdão do STA, de 22 de Março de 2000, in
Internet, no endereço www.dgsi.pt).
c) A prolação de novo acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias
(TJCE), no qual se voltou a considerar [pois o TJCE tinha já decidido em
idêntico sentido no acórdão proferido em 3 de Março de 1994, em processo de
recurso prejudicial com o n.º C‑16/93, opondo R. J. Tolsma contra Inspecteur der
Omzetbelasting] que “as gratificações livres, ou seja, as quantias que o cliente
espontânea e livremente entrega a este ou àquele empregado ... não têm de ser
incluídas na matéria colectável dado que podem ser equiparadas ao óbolo
distribuído por passantes a um músico que esteja a tocar realejo na via pública,
... (pois trata‑se) de pagamentos meramente graciosos e aleatórios” (cfr.
acórdão «respeitante ao processo C‑404/99, datado de 23 de Novembro de 2000, in
Internet – portal do Ministério da Justiça; www.dgsi.pt – Jurisprudência da
União Europeia (acesso codificado), fls. 2 de 7 fls., publicado na Colectânea da
Jurisprudência, 2001, pág. I‑02 667).
3 – A norma em causa (alínea h) do n.º 3 do artigo 2.° do Código do IRS) viola
os princípios constitucionais da igualdade (cfr. artigo 13.° da Constituição),
da justiça (cfr. artigo 106.° (ora 104.°) da Constituição), e sofre de
inconstitucionalidade orgânica (cfr. artigos 201.º, alínea b), 168.°, n.º 1,
alínea i), e 106.°, n.º 2 – ora artigos 198.°, n.º 1, alínea b), 165.°, n.º 1,
alínea i), e 103.°, n.º 2 – todos da Constituição), e inconstitucionalidade
material (cfr. artigo 106.º, n.º 1 (ora 104.º, n.º 1) da Constituição). Ademais
4 – A norma em causa (alínea h) do n.° 3 do artigo 2.° do Código do IRS) sofre
ainda de vício de ilegalidade (cfr. artigos 6.°, n.º 1, e 7.°, n.º 3, da Lei
Geral Tributária), por atentar contra os princípios da capacidade contributiva
e da proibição da discriminação. Acresce que
5 – A questão da inconstitucionalidade e da ilegalidade foram suscitadas na
petição inicial da impugnação judicial e igualmente nas alegações de recurso
para o TCAN.»
A questão da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 2.º, n.º 3,
alínea h), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares
(aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 442‑A/88, de 30 de Novembro), que dispõe: “3 –
Consideram‑se ainda rendimentos do trabalho dependente: (...) h) As
gratificações auferidas pela prestação ou em razão da prestação do trabalho,
quando não atribuídas pela respectiva entidade patronal; (...)”, já foi objecto
de anteriores decisões do Tribunal Constitucional, o que permite qualificá‑la
como questão simples, possibilitando a prolação de decisão sumária, ao abrigo do
n.º 1 do artigo 78.º‑A da LTC.
2. A referida norma foi apreciada, primeiro, no Acórdão n.º 497/97 (Diário da
República, II Série, n.º 235, de 10 de Outubro de 1997, pág. 12 485; e Acórdãos
do Tribunal Constitucional, 37.º volume, pág. 73), que concluiu pela sua não
inconstitucionalidade, quer orgânica, quer material, por não desrespeitar a
extensão e o sentido da autorização legislativa ao abrigo da qual foi emitida e
por não afrontar o princípio do Estado de direito democrático e o princípio
tributário da igualdade. Essa orientação foi reiterada no Acórdão n.º
237/2000.
Mais recentemente, pelo Acórdão n.º 481/2004 (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt), foi apreciada a mesma questão perante «novos
argumentos» (insustentabilidade da solução anterior perante a evolução
legislativa superveniente e pretensa violação do «princípio da justiça do
sistema»), mantendo‑se, porém, o juízo de não inconstitucionalidade.
Importará recordar os fundamentos da jurisprudência anterior para depois
apurar do existência e procedência de mais «novos argumentos».
2.1. O Acórdão n.º 497/97 alicerçou a sua decisão de não declarar a
inconstitucionalidade da norma da alínea h) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS na
seguinte argumentação:
«2 – A norma da alínea h) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS.
2.1. – O Provedor de Justiça entende, como se consignou no ponto III, que esta
norma, respeitante à matéria colectável dos rendimentos da categoria A, ao
considerar rendimentos do trabalho dependente as gratificações auferidas pela
prestação ou em razão da prestação do trabalho, quando não atribuídas pela
respectiva entidade patronal, terá:
a) ultrapassado os limites da lei de autorização legislativa – a Lei n.º 106/88
–, desse modo violando o n.º 2 do artigo 168.º da CRP;
b) ofendido, do mesmo passo, o princípio da igualdade, consagrado no artigo
13.º da CRP, na medida em que a tributação dos rendimentos de semelhantes
liberalidades «escapa a qualquer tipo de controle e de consequente incidência
fiscal», apenas atingindo, «na prática», as gorjetas recebidas pelos
empregados de banca dos casinos, tendo em conta o sistema vigente que as
disciplina e controla.
Importa, por conseguinte, abordar cada um dos invocados fundamentos de per si.
2.2. – A dimensão inconstitucional por alegada inobservância da autorização
legislativa concedida pela Lei n.º 106/88 no tocante à extensão – CRP, n.º 2 do
artigo 168.º.
Entende‑se não ser de declarar a inconstitucionalidade da norma.
2.2.1. – As leis de autorização legislativa são constitucionalmente
configuradas como actos-parâmetro, no sentido de que elas estabelecem os
limites a que está vinculado o órgão delegado no exercício dos poderes
legislativos concedidos por via da autorização. Como se ponderou no acórdão n.º
806/93, publicado no Diário da República, II Série, de 29 de Janeiro de 1994,
neste contexto, as referidas leis “compreendem quer uma vertente interna, no
sentido de que contêm regulação sobre o procedimento legislativo a que vai
proceder o Governo e à qual o Governo se encontra adstrito, quer uma vertente
externa, pois que por imperativo constitucional a lei de autorização deve, ela
própria, conter a extensão, sentido e alcance da legislação delegada. Nesta
última vertente, a lei de autorização contém, portanto, os elementos
essenciais das alterações do ordenamento jurídico a que o Governo virá a
proceder quando (e se) usar os poderes nele assim delegados”.
2.2.2. – A Lei n.º 106/88, nos termos da alínea a) do n.º 2 do seu artigo 4.º,
autorizou o Governo a legislar, no âmbito da incidência objectiva do IRS, de
modo a serem consideradas como rendimentos de trabalho dependente “todas as
remunerações provenientes do trabalho por conta de outrem, prestado quer por
servidores do Estado e demais pessoas colectivas de direito público, quer em
resultado de contrato de trabalho ou de outro a ele equiparado”.
Sendo a norma em sindicância emitida à luz dessa credencial, entende o Provedor
de Justiça ter sido desrespeitada a extensão da autorização, por não ter sido
intuito do legislador tributar rendimentos que não decorrem directamente de
contrato de trabalho, ou outro a ele legalmente equiparado, sendo certo que as
liberalidades atribuídas por terceiros não têm directamente em vista o pagamento
de certo trabalho.
Já para o Primeiro Ministro – e para além da questão de qualificação das
gorjetas como liberalidades – nada impede que o legislador fiscal as considere
como rendimentos de trabalho para efeitos de tributação, já que o conceito
fiscal de rendimento do trabalho não tem que coincidir com o da legislação
laboral, nem tal decorre do preceito que apenas admite subjazer à actividade
dependente um título jurídico contratual ou um vínculo funcional relevante.
2.2.3. – A questão não é nova, uma vez que já no domínio do imposto profissional
fora equacionada, tornando‑se necessário fazer‑lhe referência, ainda que
brevemente.
Com efeito, na vigência do CIP, a alínea e) do § 2.º do artigo 1.º desse diploma
foi aditada pelo Decreto-Lei n.º 138/78, de 12 de Junho, na sequência da
autorização dada pela Lei n.º 20/78, de 26 de Abril [artigo 9.º, alíneas h) e
k)].
Na altura, a Comissão Constitucional emitiu parecer no sentido da
inconstitucionalidade da norma, “na parte em que, com violação do disposto nos
n.ºs 2 e 3 do artigo 106.º e alínea o) do artigo 167.º da Constituição,
considera como rendimentos de trabalho, sujeitos a imposto profissional, as
importâncias recebidas, a título de gratificação, ou gorjeta, pelos empregados
por conta de outrem no exercício da sua actividade, quando atribuídos por
entidade diversa da patronal”: cf. o Parecer n.º 3/79, de 1 de Dezembro de 1979
(publicado in Pareceres da Comissão Constitucional, vol. 7.º, págs. 203 e
seguintes), na origem da declaração de inconstitucionalidade, com força
obrigatória geral, contida na Resolução n.º 62/79 do Conselho da Revolução,
datada de 3 de Março (loc. cit., pág. 232).
Perante uma nova alínea e), próxima da anterior, aditada pelo Decreto‑Lei n.º
297/79, de 17 de Agosto, a Comissão Constitucional voltou a pronunciar‑se
desfavoravelmente, mas agora por fundamentação diversa: não chegando a
pronunciar‑se sobre a questão de fundo, entendeu que o diploma de 1979 não tinha
sido devidamente referendado, implicando a declaração de
inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de todas as suas normas, o
que mereceu acolhimento pelo Conselho da Revolução (cf. Parecer n.º 5/80, de 26
de Fevereiro, e Resolução n.º 116/80, de 25 de Março, in Pareceres cits., vol.
11.º, págs. 129 e seguintes).
Logo depois, no entanto, o Decreto‑Lei n.º 183-D/80, de 9 de Junho, repôs em
vigor a anterior alínea e), tendo em conta o disposto na alínea j) do artigo
17.º da Lei n.º 8‑A/80, de 26 de Maio.
Agora, a Comissão Constitucional viria a tomar conhecimento da questão de fundo
e a concluir, por unanimidade, pela conformidade constitucional da norma (cf.
Parecer n.º 5/81, de 19 de Março, sancionado pela Resolução do aludido
Conselho n.º 72/81, de 25 de Março, publicado nos Pareceres cits., vol. 14.º,
págs. 309 e seguintes).
Partindo da análise dessa alínea j), que, relativamente ao imposto
profissional, autorizou o Governo a “rever as regras de incidência do imposto
por forma a abranger todos os rendimentos do trabalho ou com ele relacionados” e
considerando que, ao aditar a alínea e) ao § 2.º do artigo 1.º do CIP, o
Governo não excedeu a autorização legislativa que lhe foi concedida, a
Comissão considerou estarem as gorjetas ou gratificações em causa sujeitas ao
imposto profissional, sendo consideradas como rendimentos do trabalho por
conta de outrem. Não obstante, reconheceu a inoperância da tributação do imposto
sobre essas importâncias, seja por se entender que não se situam nos
parâmetros conceituais do trabalho por conta de outrem, seja, porventura,
pela impossibilidade prática de exequibilidade da sua tributação.
No entanto – mais se entendeu – não se mostram violados os n.ºs 2 e 3 do artigo
106.º e alínea o) do artigo 167.º da CRP (na versão à época vigente).
E ponderou-se a este propósito, na parte que interessa:
“Só assim não seria [ou seja, haveria então inconstitucionalidade] se se
defendesse que as gorjetas em causa não podem ser consideradas rendimentos do
trabalho ou com este relacionados.
Mas julgamos que uma tal posição não corresponde à verdade, sobretudo se
tivermos em conta que o conceito de rendimentos do trabalho, para efeitos
fiscais, é mais amplo que para quaisquer outros.
E parece que nada obsta a que as gorjetas sejam consideradas como rendimentos
dessa natureza.
Quem as dá, dá‑as por sua livre vontade, podendo os motivos para isso serem os
mais variados possível. No caso concreto do jogo nos casinos, por exemplo,
podemos admitir que as esportule aquele que foi feliz e em regozijo por isso;
mas também as pode dar, ao invés, aquele que, perseguido pela pouca sorte,
promete ali mesmo desistir e não voltar ao jogo.
Mas o que parece inegável é que há, aqui, sempre um carácter de contrapartida a
qualquer coisa que veio da parte daquele que foi contemplado com a gorjeta,
muito embora os serviços que a originam, e no que se refere àquele que as dá,
não constituam para ele fonte de quaisquer obrigações.”
2.2.4. – A lógica então desenvolvida partia de um quadro legal de tributação
cedularmente concebido – enfatiza‑se o que já se deixou aludido – em que cada
categoria de rendimentos, ou cédula, se determina em função da sua origem ou
natureza e é submetida a imposto próprio, com específicas regras de determinação
da matéria colectável, orientando‑se a respectiva técnica tributária, no
imposto profissional, no sentido de sujeitar a imposto todos os ganhos ou
proveitos dos contribuintes, mesmo os excepcionais ou que representem vantagens
em espécie, incluindo os rendimentos acessórios (cf. Carlos Pamplona
Corte-Real, “Curso de Direito Fiscal”, in Ciência e Técnica Fiscal, n.º
268/270, págs. 198 e seguintes e 204 e seguintes, e “Imposto Único. Tipo de
Imposto a Adoptar”, in Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 126, págs. 10 e
seguintes; José Carlos Gomes dos Santos, “Alguns Efeitos Económicos da
Tributação e da Inflação sobre os Rendimentos de Trabalho”, in Cadernos
cits., n.º 135, págs. 74 e seguintes e 91 e seguintes).
Ora, manteve‑se com o IRS esta mesma orientação, no propósito de uma inclusão
esgotante, na incidência do imposto, de todos os rendimentos de alguma forma
advindos do trabalho.
Este enquadramento desvaloriza o interesse em discutir se a gorjeta reveste ou
não a natureza de doação, mormente remuneratória (de resto, o Código Civil
diz‑nos claramente, no n.º 2 do seu artigo 940.º, não haver doação nos donativos
conformes aos usos sociais, como é o caso das gorjetas em questão). Na verdade,
o sistema legal permitia, e continua a permitir, a determinação dos rendimentos
auferidos e harmoniza‑se com a teleologia do sistema fiscal, onde, a par da
satisfação das necessidades financeiras do Estado, se contribui, do mesmo passo,
para uma repartição igualitária dos rendimentos e da riqueza, prosseguida
constitucionalmente, nos termos do n.º 1 do artigo 106.º da CRP.
Não subsiste, assim, a argumentação deduzida pelo Provedor de Justiça que, não
obstante reconhecer no imposto sobre o rendimento das pessoas singulares um
«imposto geral sobre o rendimento», sustenta não serem as gorjetas subsumíveis
aos rendimentos tipificados no artigo 1.º do respectivo Código.
Ou seja, não se considera que a tributação desses rendimentos seja susceptível
de afectar os limites da extensão da autorização legislativa.
Os contornos da delimitação e condicionamento do âmbito das leis de autorização
têm sido objecto da jurisprudência deste Tribunal, que os vem definindo numa
linha discursiva segundo a qual o objecto da autorização constitui o elemento
enunciador da matéria sobre que a autorização versa, a extensão especifica a
amplitude das leis autorizadas e pelo sentido se fixam os princípios bases que
hão‑de orientar o Governo na elaboração destas últimas (cf., v. g., os
Acórdãos n.ºs 70/92, 358/92 e 213/95).
Cabendo, assim, à extensão da autorização especificar os aspectos da disciplina
jurídica da matéria objecto do exercício dos poderes delegados, não se tem
esta por desrespeitada pela iniciativa do Governo, nomeadamente por exorbitar o
programa e o conjunto de directrizes proposto pela autorização legislativa.
2.3. – A alegada inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade,
consagrado no artigo 13.º da CRP.
Entende‑se não ser de declarar a inconstitucionalidade da norma.
2.3.1. – Para o Provedor da Justiça, como oportunamente se consignou, a
tributação das gorjetas gera uma situação discriminatória susceptível de
ofender o princípio da igualdade.
A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem entendido o sentido
constitucional da igualdade a partir da exigência de que se trate como igual o
que for essencialmente igual e como diferente o que for essencialmente
diferente. Ou seja, a diferenciação de tratamento, por si, não implica
necessariamente violação do princípio, pois a igualdade relevante não é a
meramente formal, mas também a material, impedindo‑se, assim, a discriminação
arbitrária e irrazoável, sem justificação e fundamento material bastante.
Na esteira de vasta e impressiva linha jurisprudencial, ponderou‑se
recentemente, no Acórdão n.º 1007/96 (publicado no Diário da República, II
Série, de 12 de Dezembro de 1996), que, para haver violação do princípio
constitucional da igualdade, torna‑se necessário verificar, preliminarmente,
se existe uma concreta e efectiva situação de diferenciação injustificada ou
discriminação. A esta luz, proíbem‑se diferenciações de tratamento fundadas
em razões meramente subjectivas – como são as indicadas, exemplificativamente,
no n.º 2 do artigo 13.º da CRP – ou as que criem um tratamento desigual
materialmente infundamentado ou sem justificação objectiva e racional.
Na sua projecção fiscal – constitucionalmente consubstanciada no artigo 106.º,
n.º 1, da CRP –, as coordenadas do princípio não são diferentes. Como se
observou no Acórdão n.º 57/95 (publicado no Diário da República, II Série, de 12
de Abril de 1995), o princípio da igualdade fiscal apresenta uma tríplice
dimensão, surgindo as duas primeiras dimensões como uma emanação do princípio
geral da igualdade, previsto no n.º 1 do artigo 13.º da CRP:
“Em primeiro lugar [escreveu-se então], aquele princípio significa que todos os
cidadãos são iguais perante a lei fiscal, de tal modo que todos os contribuintes
que se encontrem na mesma situação definida pela lei fiscal devem estar
sujeitos a um mesmo regime fiscal (cf. Louis Trotabas/Jean-Marie Cottoret, Droit
Fiscal, 6.ª ed., Paris, Dalloz, 1990, p. 108, e Guy Gest/Gilbert Tixier, Manuel
de Droit Fiscal, 4.ª ed., Paris, L.G.D.J., 1986, p. 36). É este um sentido
meramente formal do princípio da igualdade fiscal, o qual se traduz numa
genérica e imparcial aplicação da lei fiscal, de que resulta apenas uma
igualdade ante a lei. Em segundo lugar, o princípio da igualdade fiscal tem
também um sentido material ou substancial, cujo significado é o de que a lei
deve garantir que todos os cidadãos com igual nível de rendimentos devem
suportar idêntica carga tributária, contribuindo, assim, em igual medida, para
as despesas ou encargos públicos. Com este sentido, a igualdade é, como
realça A. Castanheira Neves, «uma intenção normativa que a própria lei será
chamada a cumprir, uma igualdade imposta como exigência axiológica à própria
lei, no seu conteúdo e na sua realização jurídico‑normativa, uma igualdade da
lei já em si», isto é, uma «igualdade na lei, ou afinal, [...] uma igualdade
perante o direito» (cf. O Instituto dos «Assentos» e a Função Jurídica dos
Supremos Tribunais, Coimbra, Coimbra Editora, 1983, p. 120). O princípio da
igualdade fiscal em sentido material não apenas veda ao legislador a adopção
de desigualdades de tratamento, no âmbito fiscal, que não sejam autorizadas
pela Constituição ou que sejam materialmente infundadas, desprovidas de
fundamento razoável ou arbitrárias, como impõe que a lei garanta que todos os
cidadãos com igual capacidade contributiva estejam sujeitos à mesma carga
tributária, contribuindo, assim, em igual medida, para as despesas ou encargos
públicos [cf., sobre este ponto, J. Casalta Nabais, Contratos Fiscais (Reflexões
Acerca da sua Admissibilidade), Coimbra, Coimbra Editora, 1994, pp. 265-269].
Para além do princípio da igualdade fiscal, no sentido de igualdade dos
cidadãos perante a lei fiscal e de igualdade da própria lei fiscal, consagra a
Constituição, em terceiro lugar, aquilo que se poderá designar por princípio da
igualdade através do sistema fiscal, determinando que este visa, a par da
satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas,
«uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza» (artigo 106.º, n.º 1), e,
bem assim, que o imposto sobre o rendimento pessoal tem como objectivo «a
diminuição das desigualdades» entre os cidadãos (artigo 107.º, n.º 1).”
2.3.2. – Assim, o conteúdo material do Estado de direito democrático implica a
consagração do princípio tributário da igualdade, desdobrável, no dizer do
último autor citado, no aspecto da generalidade dos impostos e no aspecto da
uniformidade dos impostos, o primeiro significando a adstrição de todos os
cidadãos ao pagamento de impostos – o que caracteriza a sua universalidade –, o
segundo implicando uma identidade de critérios para a sua repartição pelos
cidadãos (cf. Casalta Nabais, ob. cit., págs. 268/269). Critério que, quase
unanimemente, se entende significar «que os contribuintes com a mesma
capacidade contributiva devem pagar o mesmo imposto (igualdade horizontal) e
os contribuintes com diferente capacidade contributiva devem pagar diferentes
(qualitativa e/ou quantitativamente) impostos (igualdade vertical)» (ibidem).
Ora, se é incontroverso existirem, no comum dos casos, dificuldades práticas no
controlo de quem recebe gorjetas e dos respectivos montantes, ao invés do que é
suposto acontecer com os trabalhadores ora em causa, nem por isso se justifica
não tributar uma situação em que é possível, mercê do mecanismo legal
existente, controlar os rendimentos auferidos por esta via, com projecção na
capacidade contributiva dos respectivos destinatários. Dir‑se‑á, nesta
perspectiva, que na medida em que é possível tributar essas fontes de
rendimento, estar‑se‑á a reduzir a margem de desigualdade que a ausência de
tributação implicaria em relação ao universo de todos os contribuintes.
A esta luz, a obrigatoriedade que impende sobre o contribuinte de declarar os
seus rendimentos sujeitos a imposto não tem a virtualidade de impedir, de modo
absoluto, a ocultação, deliberada ou negligente, desses rendimentos (mais
notoriamente ainda ultrapassado que está o sistema das cédulas). Não pode
falar‑se de uma desigualdade constitucionalmente censurável se uns contribuintes
se encontram circunstancialmente mais apertadamente controlados do que outros.
Assim, não se interpreta o princípio da igualdade em termos que se projectam na
não tributação de alguém porque outrem, em situação de igual incidência, não é
tributado por dificuldades técnicas de aplicação da lei.»
A orientação assim traçada pelo Acórdão n.º 497/97, votado em Plenário, foi
posteriormente seguida pelo Acórdão n.º 237/2000, desta 2.ª Secção.
2.2. O Acórdão n.º 481/2004, depois de recordar a fundamentação do Acórdão n.º
497/97, apreciou as críticas dirigidas pelo então recorrente à decisão sumária
(da autoria do ora relator) objecto de reclamação decidida por esse Acórdão,
críticas essas que assentavam em dois argumentos: (i) o de que as anteriores
decisões do Tribunal Constitucional tinham‑se estribado numa interpretação da
lei ordinária que então era consentida, mas que entretanto se tornou
insustentável (concretamente face ao artigo 11.º, n.º 2, da Lei Geral
Tributária, que dispõe: «Sempre que, nas normas fiscais, se empregarem termos
próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo
sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei»); e
(ii) o de que tais decisões não haviam apreciado um argumento agora
inovatoriamente esgrimido: a violação do «princípio da justiça do sistema ou
justiça sistemática da legislação, consagrado no artigo 2.º da Constituição da
República Portuguesa».
A propósito dessas críticas, afirmou-se no Acórdão n.º 481/2004:
«O primeiro argumento é claramente improcedente: a questão da
inconstitucionalidade de norma contida em decreto‑lei autorizado por
extravasamento da extensão definida na correspondente autorização legislativa
há‑de ser apreciada e decidida atendendo às opções e concepções jurídicas,
constitucionais e legais, dominantes à data da emissão do decreto‑lei
autorizado. Se então se entendia – entendimento que o próprio recorrente
reconhece ser “consentido” no contexto jurídico da época – que “o conceito de
rendimentos do trabalho, para efeitos fiscais, é mais amplo que para quaisquer
outros”, nada obstando que “as gorjetas sejam consideradas como rendimentos
desta natureza”, como se explicitou no Acórdão n.º 497/97 – e que, portanto, a
norma do artigo 2.º, n.º 3, alínea h), do CIRS, ao considerar “rendimento do
trabalho dependente”, integrante dos rendimentos da categoria A sujeitos a IRS,
“as gratificações auferidas pela prestação ou em razão da prestação do
trabalho, quando não atribuídas pela respectiva entidade patronal”, não
desbordou a extensão da autorização legislativa, que credenciara o Governo para
o regular o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, incidindo,
designadamente, sobre “rendimentos do trabalho dependente”, como tal se
considerando “todas as remunerações provenientes do trabalho por conta de
outrem, prestado quer por servidores do Estado e das demais pessoas colectivas
de direito público, quer em resultado de contrato de trabalho ou de outro a ele
legalmente equiparado” –, não se pode sustentar a ocorrência de uma
inconstitucionalidade orgânica superveniente com base em ulterior alteração do
direito ordinário (a saber: a publicação da Lei Geral Tributária, aprovada pelo
Decreto‑Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, cujo artigo 11.º, n.º 2, veio dispor
que “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros
ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele
que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei”), de que derivaria,
na tese do recorrente, ter deixado de ser possível atribuir, para efeitos
fiscais, um sentido ao conceito de “rendimentos do trabalho dependente” diverso
do que é adoptado em direito laboral.
Também o segundo argumento invocado pelo recorrente surge como improcedente.
Mesmo que se pudesse extrair do artigo 2.º da CRP o “princípio da justiça do
sistema ou justiça sistemática da legislação” e conferir‑lhe a extensão que o
recorrente lhe assinala, sempre seria discutível saber se o modo de
restabelecer a “justiça do sistema” passa necessariamente pela desconsideração
das gorjetas como rendimento de trabalho para efeitos fiscais, ou antes pela
imposição da relevância desses abonos para os efeitos indemnizatórios e
previdenciais referidos pelo recorrente. De qualquer forma – e decisivamente
–, a noção de remuneração de trabalho é consabidamente de estrutura complexa,
nela se incluindo prestações de variada natureza: pecuniárias e em espécie,
retribuição‑base (ordenado ou salário), diuturnidades, diversas gratificações e
prémios (subsídios de férias e de Natal, prémio ou gratificação de
assiduidade), aditivos (subsídios por trabalho extraordinário, complementar,
nocturno, por turnos, em dias de descanso ou em feriados, por isenção de
horário de trabalho, subsídios de risco e de isolamento), comissões, abonos
para falhas, subsídios de refeição, direitos a uso de cartões de crédito e de
automóveis, créditos de combustíveis, etc.. Ora, nenhuma violação ao invocado
princípio da justiça do sistema resulta de nem todos estes elementos terem a
mesma relevância jurídica para todos os efeitos. Por exemplo, para o cálculo
das indemnizações devidas por despedimento ilícito ou por rescisão com justa
causa pelo trabalhador apenas relevam a retribuição base e diuturnidades
(artigos 439.º, n.º 1, e 443.º, n.º 1, do Código do Trabalho), para a
determinação das indemnizações por acidentes de trabalho só relevam as
prestações recebidas mensalmente que revistam carácter de regularidade e não
se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios (artigo 300.º, n.º
1, do Código do Trabalho), etc.. Assim, nada impede, na perspectiva da
constitucionalidade material, que se considere justificada a opção do
legislador de, ao delimitar os rendimentos das pessoas singulares sujeitos a
imposto, neles inserir as gorjetas – que são obviamente rendimentos – e que as
considere conexionadas com a prestação de trabalho, embora não se trate de
prestações obrigatórias directamente a cargo da entidade empregadora, sem que
daí derive a imposição de o legislador, por força do invocado princípio da
justiça do sistema, ter de tratar sempre, para todos e quaisquer efeitos,
tais prestações como remuneração de trabalho subordinado.
Assim sendo, e não se mostrando abalados os fundamentos da anterior
jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre esta questão, improcede a
pretensão do recorrente.»
2.3. A orientação seguida pelo Tribunal Constitucional sobre esta questão é de
manter, pois em nada é abalada pelos “novos argumentos” aduzidos pelos
recorrentes.
Desde logo, há que recordar que o juízo de (in)constitucionalidade a emitir em
sede de fiscalização concreta, assume como um “dado” a interpretação normativa
acolhida na decisão judicial recorrida, em sede de direito ordinário, pois não
compete ao Tribunal Constitucional substituir‑se aos outros tribunais,
corrigindo as interpretações do direito ordinário por eles feitas, mas tão‑só
apurar se tais interpretações violam, ou não, normas ou princípios
constitucionais. São, assim, irrelevantes eventuais interpretações autênticas
ou administrativas da norma do artigo 2.º, n.º 3, alínea h), do CIRS,
extraíveis do artigo 29.º, n.º 9, da Lei n.º 87‑B/98, de 31 de Dezembro, ou do
Despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, como a eventual
inconstitucionalidade desse artigo 29.º, n.º 9, por discriminação dos
profissionais de banca dos casinos é insusceptível de se repercutir sobre a
norma ora questionada, que foi interpretada como não restringindo a tributação
das gorjetas às percebidas por esses profissionais.
Ainda irrelevante é, em sede de apreciação do acatamento dos princípios e
normas constitucionais portugueses, a interpretação e aplicação que tenha sido
feito pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de disposições de
direito comunitário (anote‑se, aliás, que a decisão citada pelos recorrentes
respeita, não ao imposto sobre o rendimento, mas sobre a questão da sujeição ao
IVA de «taxas de serviço» e da inclusão, ou não, nesta categoria das aí
apelidadas «supergorjetas»).
Por fim, refira‑se que, sendo o presente recurso interposto ao abrigo da alínea
b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, nele não cabe a apreciação de qualquer
questão de ilegalidade, sendo certo, além disso, não terem os recorrentes
suscitado, durante o processo, qualquer questão de «ilegalidade agravada»
(cfr. alíneas c), d), e) e f) do n.º 1 do citado artigo 70.º), cujo conhecimento
compita ao Tribunal Constitucional.”
1.2. A reclamação apresentada pelos recorrentes contra a
decisão sumária do relator desenvolve a seguinte fundamentação:
“A decisão sumária em apreciação assenta nas seguintes considerações essenciais:
a) «A orientação seguida pelo Tribunal Constitucional ... em nada é abalada
pelos novos argumentos aduzidos pelos recorrentes» (cfr. pág. 17 da decisão
sumária, n.° 2.3), na linha, aliás, da sua também recente decisão sobre a
matéria prolatada no Acórdão n.º 481/2004 (cfr. fls. 4 da decisão sumária, 2.°
parágrafo);
b) O juízo de fiscalização concreta a emitir pelo Tribunal Constitucional deve
assentar na «interpretação normativa acolhida na decisão judicial recorrida» e
não noutro tipo de interpretações que, no caso em apreciação, irrelevarão
(ibidem).
Com o devido respeito, discordamos da tese defendida no primeiro tipo de
considerações, pelas razões que seguidamente se aduzirão.
1 – Assim, compulsando o supra citado Acórdão n.° 481/2004 desse Tribunal
Constitucional, constatamos que a essência do problema posto gira essencialmente
em torno de dois grandes princípios constitucionais: o da igualdade (cfr.
artigo 13.º da Constituição), e o da justiça do sistema (cfr. artigo 2.° da
Constituição).
Quanto ao princípio da igualdade, na perspectiva desse Alto Tribunal plasmada no
citado Acórdão n.º 481/2004, «entende‑se não ser de declarar a
inconstitucionalidade da norma» (cfr. n.° 2.3 do acórdão) porque: 1 – «todos os
contribuintes que se encontrem na mesma situação definida pela lei fiscal devem
estar sujeitos a um mesmo regime fiscal» (ibidem – n.° 2.3.1); porque: 2 – «os
cidadãos com igual nível de rendimentos devem suportar idêntica carga
tributária»; e porque: 3 – «uma repartição justa dos rendimentos ... tem como
objectivo a diminuição das desigualdades entre os cidadãos» (ibidem).
Então, a questão que se coloca é a de saber, primeiramente, quem são «.... os
contribuintes que se encontrem na mesma situação definida pela lei fiscal (que)
devem estar sujeitos a um mesmo regime fiscal». Ora, a questão em apreciação é a
das gratificações/gorjetas atribuídas por terceiros a título de liberalidade e,
por isso, a nosso ver, os contribuintes que deverão ser vistos como elemento de
comparação serão aqueles que estiverem na mesma situação dos visados
profissionais de banca dos casinos. Isto é, teremos que buscar outros
profissionais que aufiram gratificações/gorjetas atribuídas por terceiros com a
natureza de donativos conformes com os usos sociais, para os comparar com os
profissionais de banca dos casinos. Assim, encontrar‑se‑ão em tal situação,
designadamente: – empregados da hotelaria em contacto directo com os clientes;
– taxistas; – engraxadores; – prostitutas; – arrumadores de viaturas; –
arrumadores de cinema; – cabeleireiros; – pedintes; – tocadores de rua; –
párocos (a propósito dos donativos atribuídos pelos crentes, ou colocados nas
«caixas das esmolas»); – outros artistas de rua; – pizeiros; – entregadores de
móveis e electrodomésticos ao domicilio, etc..
Pergunta-se: Qual ou quais destes profissionais – que igualmente auferem
donativos conformes com os usos sociais – viram já, ou estão em vias de ver, as
suas gratificações/gorjetas tributadas em sede de IRS?
Porquê os tribunais administrativos e fiscais de 1.ª e 2.ª instância não
solicitaram, como requerido, a prova junto da Administração Tributária acerca de
qual ou quais destes profissionais supra descritos vêem tributadas as suas
gratificações/gorjetas atribuídas por terceiros?
Que outras demonstrações serão necessárias para evidenciar a discriminação dos
profissionais de banca dos casinos, para além da realidade concreta que
demonstra serem os únicos a ser tributados, discriminação agora também
expressamente plasmada na legislação vigente?
O artigo 2.°, n.º 3, alínea h), do Código do IRS é, de facto, uma norma‑medida
destinada exclusivamente aos profissionais de banca dos casinos, e ao
invocarmos o novo argumento inserto no artigo 29.º, n.º 9, da Lei n.º 87‑B/98,
de 31 de Dezembro, agora visando taxativa e exclusivamente estes profissionais,
criado posteriormente à prolação do Acórdão n.º 497/97 desse Alto Tribunal, foi
porque nos pareceu que a aparente generalidade e abstracção do referido artigo
2.°, n.º 3, alínea h), do Código de IRS cessou nesse momento, e esse Alto
Tribunal não tinha ainda apreciado esta nova situação jurídica. A partir desse
momento, afigura‑se‑nos, passou a ficar claro a quem se destinava e destina a
norma em causa, situação que nos parece constitucionalmente inaceitável.
A propósito do carácter discriminatório da norma, salientem‑se as sábias
palavras do Dr. Vítor Faveiro («que foi sem favor o melhor director‑geral de
Impostos do século XX» – cfr. artigo sob o título «Mais seis reformas reais...»
, do Professor Sousa Franco, inserto no jornal Diário de Notícias, de 11 de
Janeiro de 2000, pág. 28), com as quais estamos de acordo, reflectem bem o nosso
entendimento.
Diz aquele autor que «se o legislador fiscal se limitar a criar um tipo de
incidência real, sabendo de antemão, designadamente, que o seu objecto não é
susceptível de conhecimento e valoração em todos os casos e circunstâncias em
que ocorra, obviamente que viola o princípio da igualdade, pré‑constitucional
por natureza e incorporado na Constituição; ... viola a ordem jurídica positiva
constitucional e designadamente os artigos 1.° e 2.° da Constituição, enquanto
não respeita o princípio da igualdade, da justiça e da legalidade substantiva e,
com eles, o da dignidade da pessoa humana e a democracia ...; viola a natureza
formal das leis enquanto estas só aparentemente se apresentam como gerais e
abstractas quando na realidade não abrangem todas as situações que, em termos
concretos, sejam iguais; e viola o direito constitucional positivo expresso no
artigo 13.° da lei fundamental, enquanto permite que, na sua aplicação, as
pessoas a quem respeita o objecto do tipo de incidência, sendo iguais perante a
realidade, sejam desiguais perante a lei» (cfr. Vítor Faveiro, O Estatuto do
Contribuinte, Coimbra Editora, 2002, pág. 265).
E remata ainda o mesmo autor: «criando impostos ... o Estado tem de se assegurar
de meios ou instrumentos que o habilitem a conhecer e valorar todas as
situações a atingir, que ofereçam caracteres de igualdade real e social; e de
assegurar aos cidadãos atingidos ... que (o imposto) ... se aplica a todos os
que estejam em iguais circunstâncias, e não apenas àqueles que ofereçam ou
sofram melhores condições de revelação ou controlo. Não se pode basear a injusta
distribuição da carga tributária no reconhecimento da incapacidade do Estado de
controlar todas as situações da vida económica e pessoal iguais. Se o legislador
reconhecer a impossibilidade de controlar todas ou parte das situações reais
que ofereçam caracteres de revelação de capacidade contributiva em termos de
garantia da igualdade de tributação de todos os titulares da base ou
destinatários de certo imposto ... só pode tomar uma atitude: abster-se de criar
tal imposto» (ibidem, pág. 266; no mesmo sentido, cfr. votos de vencido no já
citado Acórdão n.º 497/97 do Tribunal Constitucional, dos Conselheiros A.
Ribeiro Mendes (n.° 10), e Guilherme da Fonseca (n.° 2)).
Quanto à segunda e terceira razões invocadas nesta parte do acórdão pelo
Tribunal, segundo as quais «os cidadãos com igual nível de rendimentos devem
suportar idêntica carga tributária» e «uma repartição justa dos rendimentos ...
tem como objectivo a diminuição das desigualdades entre os cidadãos», é nossa
convicção que esse Alto Tribunal parte do pressuposto de que, sem mais, tais
gratificações/gorjetas constituem rendimentos de trabalho e, portanto, se um
qualquer trabalhador aufere 100 como contrapartida da relação de trabalho, e um
profissional de banca dos casinos aufere 70 como contrapartida da relação de
trabalho mais 30 de gratificações/gorjetas atribuídas pelos clientes, então
estamos perante dois trabalhadores com o mesmo nível de rendimentos, sendo
justo suportarem ambos idêntica carga tributária.
Mas o pressuposto de que ambos os trabalhadores se encontram com igual
capacidade contributiva é falso e, por isso, a conclusão também não será a
adequada.
E, nesta medida, entendemos que é violado o princípio da justiça do sistema.
De facto, a nosso ver, para se poder equiparar a similar capacidade contributiva
de ambos os trabalhadores no exemplo acima referido é necessário atender a que
aquele princípio tributário tem, igualmente, de ter «em conta as necessidades
... do agregado familiar» do contribuinte (cfr. artigo 107.°, n.º 1 – ora 104.°,
n.º 1 – da CRP –, e artigo 6.°, n.º 1, alínea a), da LGT), o que não sucede no
caso em apreço.
O princípio da capacidade contributiva, na dimensão em apreço, tem de ter em
conta os encargos específicos para a obtenção dos referidos rendimentos,
designadamente com a utilização diária de transporte próprio como condição de
deslocação para quem trabalha essencialmente em horário nocturno – tenha‑se
presente que se exerce funções num casino –, como é o caso, bem como com gastos
significativos em medicamentos, dado o desgaste físico e psíquico provocado pelo
desenvolvimento do trabalho permanentemente durante a noite (cfr. artigo 6.°,
n.º 1, alínea b), da LGT), o que também não sucede.
E ainda, o princípio da capacidade contributiva tem de ter em conta a doença, a
velhice e outros casos de redução da capacidade contributiva do sujeito passivo
(cfr. artigo 6.°, n.º 1, alínea c), da LGT), mas tal também não sucede, visto
que não se prevê legalmente a dedução de contribuições para a Segurança Social
das referidas gratificações. Por isso, quando em situações de doença, os
profissionais visados não recebem qualquer montante de subsídio que inclua
também a parte das gratificações enquanto rendimento de trabalho, recebendo
apenas um subsídio que tem por base a retribuição que auferem da entidade
patronal.
Do mesmo modo, e pelas mesmas razões, quando em situações de desemprego
involuntário, os profissionais visados não recebem qualquer subsídio que inclua
também a parte das referidas gratificações, mas tão‑só um subsídio que tem por
base apenas a retribuição auferida da entidade patronal.
A este propósito deverá ter‑se em conta que os referidos profissionais de banca
dos casinos têm de descontar mensalmente 12% das gratificações/gorjetas sub
judice para um Fundo Especial de Segurança Social (cfr. n.° 17 da parte I das
Regras de distribuição das gratificações, aprovadas pela Portaria n.º 159/90,
de 27 de Novembro), sem que esteja prevista legalmente qualquer dedução
específica em sede de declaração de IRS do montante descontado para esse Fundo
Especial de Segurança Social, e sem que seja feita qualquer contribuição
patronal para a Segurança Social e para o Desemprego sobre estes montantes,
global e parcialmente considerados, discriminando de novo estes
profissionais‑alvo, pois que para estes efeitos as gratificações/gorjetas já
não são considerados como rendimentos de trabalho dependente.
E, assim sendo, ao ignorar‑se ostensivamente «as necessidades ... do agregado
familiar» do contribuinte (cfr. artigo 107.°, n.º 1 – ora 104.°, n.º 1 – da CRP,
e artigo 6.º, n.º 1, alínea a), da LGT), a pretensão de tributação das
gratificações atribuídas pelos clientes dos casinos aos profissionais de banca
em sede de IRS esbarra com regras essenciais da nossa lei fundamental, situação
juridicamente inadmissível e profundamente injusta.
Esse alto Tribunal considera ainda que a «noção de remuneração de trabalho é
consabidamente de estrutura complexa, nela se incluindo prestações de variada
natureza: pecuniárias e em espécie, retribuição‑base ... diuturnidades,
diversas gratificações e prémios (...), aditivos (...), comissões, abonos para
falhas, subsídios de refeição, direitos a uso de cartão de crédito e de
automóveis, créditos de combustíveis, etc.» (cfr. decisão sumária, pág. 16, 2.°
parágrafo), ... nada impedindo o legislador de inserir nesta noção de
remuneração as gratificações/gorjeias «e que as considere conexionadas com a
prestação de trabalho» (ibidem, pág. 17, 1.° parágrafo).
Poderá ser assim? Não haverá então limites para a definição do conceito de
remuneração?
Pensamos que não poderá ser assim, havendo limites que a lei impõe ao conceito
de remuneração.
Quais sejam? Os de que a noção de remuneração está limitada à contrapartida
advinda da entidade patronal por força da relação contratual laboral. Pode, de
facto, variar a respectiva noção, mas sempre com um limite: é o de que todas as
suas prestações provêem da entidade patronal. Isso mesmo, de resto, está
evidenciado no conjunto das «prestações de variada natureza» supra elencadas
pelo Tribunal Constitucional: todas emanam da entidade patronal, ao contrário
das gratificações/gorjetas, cuja natureza é absolutamente diversa (donativos
conformes aos usos sociais – cfr. artigo 940.º, n.º 2, do Código Civil) e,
desse modo, não nos parece deverem considerar‑se estas incluídas na noção de
remuneração de trabalho.
A nosso ver, é também esta a noção que emana da lei de autorização legislativa
concedida ao Governo para criar a norma em causa. Assim, reza o artigo 4.° da
referida Lei de autorização legislativa:
«Artigo 4.º
IRS – Incidência objectiva
1 – O IRS incidirá sobre o valor global anual dos rendimentos das categorias
seguintes, depois de feitas as correspondentes deduções a abatimentos:
Categoria A – rendimentos do trabalho dependente;
2 – Consideram-se:
a) Rendimentos do trabalho dependente: todas as remunerações provenientes do
trabalho por conta de outrem, prestado quer por servidores do Estado e das
demais pessoas colectivas de direito público, quer em resultado de contrato de
trabalho ou de outro a ele legalmente equiparado;»
Face ao texto enunciado, importará então reflectir sobre o que seja o conceito
de «remuneração proveniente do trabalho por conta de outrem ... em resultado de
contrato de trabalho ou de outro a ele legalmente equiparado».
Ora, para nós, tal significa que o legislador, no âmbito desta autorização
legislativa, só poderia tributar as remunerações:
1.° – Que resultassem de contrato de trabalho (cfr. artigo 1.° da LCT, aprovada
pelo Decreto‑Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969, então em vigor);
2.° – Ou que resultassem de outro contrato a ele legalmente equiparado, de que
são exemplo o contrato que tenha por objecto o trabalho prestado no domicílio,
ou o trabalho prestado em estabelecimento do trabalhador (cfr. artigo 2.° da
LCT), sendo comum a ambos a dependência económica do trabalhador relativamente
à pessoa ou entidade que determina a realização do trabalho;
3.° – E que fossem auferidas pelo trabalhador, «como contrapartida do seu
trabalho» (cfr. artigo 82.°, n.º 1, da LCT).
A nosso ver, as gratificações/gorjetas em causa não só não resultam do contrato
de trabalho, nem de outro a ele legalmente equiparado, como não são auferidas a
título de contrapartida do trabalho realizado.
A nosso ver, ainda, – como supra se referiu – a natureza jurídica de tais
gratificações/gorjetas é a de «donativos conformes aos usos sociais», na medida
em que são de uso corrente, atribuídas pelos clientes dos casinos aos
trabalhadores, e não contrapartida remuneratória no âmbito do contrato de
trabalho ou de outro a ele legalmente equiparado.
Tais donativos constituem meras liberalidades do gratificador, que os atribui se
quer, quando quer, quanto quer, e a quem quer, sem que para tal esteja
vinculado a qualquer relação contratual (cfr. artigo 940.°, nota 10, do Código
Civil Anotado, de Pires de Lima e Antunes Varela, vol. II, 3.ª edição revista e
actualizada, Coimbra Editora; Parecer do Dr. Vitor Faveiro, fls. 26, junto aos
autos); e voto de vencido do Senhor Conselheiro A. Ribeiro Mendes, no Acórdão
n.° 497/97 do Tribunal Constitucional), não sendo, deste modo, susceptíveis de
tributação.
2 – Quanto ao segundo tipo de considerações proferidas por esse Alto Tribunal na
decisão sumária de que ora se reclama segundo o qual o juízo de fiscalização
concreta a emitir pelo Tribunal Constitucional deve assentar na «interpretação
normativa acolhida na decisão judicial recorrida», visto que a decisão recorrida
se limita a aderir às decisões jurisprudenciais já prolatadas sobre a matéria,
os argumentos que supra se expõem afiguram‑se‑nos suficientes para tornar clara
a nossa posição de discórdia sobre a essência de tais decisões jurisprudenciais.
Finalmente, quanto às decisões já prolatadas pelo TJCE sobre a matéria em causa
e invocadas pelos reclamantes como argumentos novos a ter em conta por esse Alto
Tribunal, atendendo ao que dispõe o artigo 8.° da Constituição sobre a matéria,
parece‑nos, pois, que a questão deverá – com o devido respeito – suscitar
também uma mais aturada reflexão.
Pelo exposto,
Deverá ser atendida a presente reclamação e, em consequência, ser admitido o
recurso.”
1.3. Notificada da apresentação desta reclamação, a
recorrida não respondeu.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. Apreciando os “novos argumentos” que alegadamente
constariam da reclamação dos recorrentes, constata‑se que ou não são novos ou
são irrelevantes para o caso.
O argumento respeitante à pretensa desigualdade que
resultaria de, em termos práticos, serem os profissionais de banca dos casinos
os únicos beneficiários de gorjetas a verem tributado esse rendimento já foi
ponderado no ponto 2.3.2 do Acórdão n.º 497/97, acima transcrito (cf. fls. 15 a
16 deste acórdão), onde se concluiu que do princípio da igualdade não resulta o
direito à não tributação de um sujeito tributário pela circunstância de outrem,
em situação de igual incidência, não ser tributado por dificuldades técnicas de
aplicação da lei.
Aos argumentos extraídos do “princípio da justiça do
sistema” já foi dada resposta no Acórdão n.º 481/2004. Aí se salientou nada
obstar a que o legislador adopte conceitos de rendimentos de trabalho de
diversa extensão consoante as finalidades tidas em vista e que, por outro lado,
a eventual desconsideração dos abonos ora em causa para certos efeitos, caso
pudesse ser considerada como violadora da “justiça do sistema”, não implicaria
necessariamente a imposição da sua não tributação, podendo antes reclamar a
exigência da sua relevância para efeitos indemnizatórios, previdenciais ou
outros.
De seguida, voltam os recorrentes a sustentar não ser a
melhor interpretação do direito ordinário a que considera as gorjetas
subsumíveis na previsão do artigo 4.º, n.º 2, alínea a), da lei de autorização
legislativa do CIRS. Mas – repete‑se – não cumpre ao Tribunal Constitucional
apreciar a correcção da interpretação e aplicação do direito ordinário feita
pelo tribunal recorrido, mas antes, e apenas, acolhendo essa interpretação como
um dado, aferir da sua conformidade constitucional.
Finalmente, as decisões do Tribunal de Justiça citadas
pelos recorrentes como “argumentos novos”, que mereceriam “uma mais aturada
reflexão”, revelam-se de todo irrelevantes para o caso da tributação, a título
de rendimentos de trabalho, das gorjetas. Na verdade, as duas decisões citadas
referem‑se a questões relativas ao imposto sobre o valor acrescentado (IVA). No
Acórdão de 3 de Março de 1994, proc. C‑16/93 (R. J. Tolsma contra Inspecteur
der Omzetbelasting de Leeuwarden), perante questão prejudicial suscitada pelo
Gerechtshof de Leewarden, perante quem pendia impugnação de liquidação de IVA
tendo por base as contribuições dadas pelos passantes a um tocador de realejo na
via pública, o Tribunal de Justiça decidiu que “O artigo 2.º, ponto 1, da Sexta
Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à
harmonização das legislações dos Estados‑membros respeitantes aos impostos
sobre o volume dos negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor
acrescentado: matéria colectável uniforme, deve ser interpretado no sentido de
que o conceito de prestação de serviços efectuada a título oneroso, utilizada
por esta disposição, não abrange a actividade que consiste em tocar música na
via pública, relativamente à qual não se encontra estipulada qualquer
remuneração, mesmo se o interessado solicita uma contribuição em dinheiro e
recebe certas quantias cujo montante não é, todavia, nem determinado nem
determinável”. E na segunda decisão – Acórdão de 29 de Março de 2001 [a data de
23 de Novembro de 2000, indicada pelos recorrentes, não é a data do acórdão, mas
sim a data da apresentação das conclusões do advogado‑geral], proc. C‑404/99
(Comissão das Comunidades Europeias contra República Francesa), o Tribunal de
Justiça decidiu que “Ao autorizar, sob certas condições, a exclusão da matéria
colectável do imposto sobre o valor acrescentado dos acréscimos obrigatórios de
preço reclamados por determinados sujeitos passivos a título de remuneração do
serviço («taxas de serviço»), a República Francesa não cumpriu as obrigações que
lhe incumbem por força dos artigos 2.º, n.º 1, e 11.º‑A, n.º 1, alínea a), da
Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à
harmonização das legislações dos Estados‑membros respeitantes aos impostos sobre
o volume dos negócios – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado:
matéria colectável uniforme”. Trata‑se, como é patente, de decisões relativas a
matéria estranha à tributação dos rendimentos de trabalho.
Sendo improcedentes os “argumentos novos” invocados
pelos reclamantes, resta confirmar o juízo de não inconstitucionalidade
formulado na decisão sumária reclamada, aliás na esteira dos Acórdãos n.ºs
497/97, 237/2000 e 481/2004.
3. Em face do exposto, acordam em:
a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 2.º,
n.º 3, alínea h), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas
Singulares, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 442‑A/88, de 30 de Novembro; e,
consequentemente,
b) Indeferir a presente reclamação.
Custas pelos recorrentes, fixando‑se a taxa de justiça
em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 4 de Outubro de 2005
Mário José de Araújo Torres
Paulo Mota Pinto
Rui Manuel Moura Ramos