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Processo n.º 791/05
Plenário
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Francisco Ramalho Batista Claré e Rui Calisto Ramalho, candidatos pelo
Partido Socialista à Assembleia de Freguesia de Montoito, concelho do Redondo,
não se conformando com a decisão tomada, em 11 de Outubro de 2005, pela
Assembleia de Apuramento Geral do Concelho de Redondo, relativamente aos
resultados eleitorais para a referida Freguesia, vieram interpor recurso para o
Tribunal Constitucional, através de um requerimento que tem o seguinte teor:
“[...], candidatos pelo Partido Socialista para a Assembleia de Freguesia de
Montoito, vêm ao abrigo do artigo 153.º da Lei Orgânica n.º 1/2001 de 14 de
Agosto, (Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais), não se conformando com
a decisão tomada por essa Assembleia de Apuramento Geral, a 11 de Outubro de
2005, relativamente aos resultados eleitorais para a Freguesia de Montoito,
ocorridos a 9 de Outubro de 2005, vem dela interpor recurso nos termos e
fundamentos seguintes:
1. A Assembleia de Apuramento Geral, decidiu não proclamar os resultados para a
Freguesia de Montoito, através do Edital afixado ao abrigo do artigo 150° da Lei
Orgânica n.º 1/2001 de 14 de Agosto, (Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias
Locais).
2. Sustentando não ser possível a atribuição do último mandato, uma vez que as
listas ficaram empatadas por aplicação do método hondt, inviabilizando a
aplicação do artigo 13.º d) da Lei Orgânica nº 1/2001 de 14 de Agosto, (Lei
Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais).
3. Nesta eleição para a freguesia de Montoito em que intervieram 892 eleitores,
dos 1254 eleitores da freguesia, foram apurados os seguintes resultados:
Votos brancos: 13 votos
Votos nulos : 13 votos
C.D.U: 192 votos
MICRE: 151 Votos
PSD: 151 Votos
PS: 373 Votos
4. Da aplicação do método Hondt, ficariam distribuídos os seguintes mandatos:
Partido Socialista: 4 Mandatos
C.D.U: 2 mandatos
MICRE: 1 mandato
PSD: 1 Mandato
5. A Assembleia de Apuramento Geral, ao não proclamar os 8 mandatos, influencia
o próprio resultado eleitoral,
6. O Edital emanado da Assembleia de Apuramento Geral, omite a distribuição de
mandatos pelas diversas listas a sufrágio, em violação do artigo 146.º da Lei
Orgânica n.º 1/2001 de 14 de Agosto, (Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias
Locais).
7. A Assembleia de Apuramento geral, deveria ter proclamado a atribuição dos
primeiros 8 mandatos.
8. A falta de tomada de decisão relativamente ao 9 mandato não configura
qualquer ilegalidade nem torna nula a votação para a Assembleia de Freguesia de
Montoito, pelo que não é passível de repetição do acto eleitoral.
9. Igualmente, não estando em causa qualquer empate absoluto na atribuição do
1.º mandato. mas sim no 9.º mandato, tal não é passível de repetição do acto
eleitoral.
10.º Salvo melhor opinião, a hipotética repetição do acto eleitoral só poderá
incidir sobre aquilo que é objecto de empate, nomeadamente para apuramento do
9.º mandato, sob pena de se introduzir uma condicionante deslegitimadora dos
resultados eleitorais já apurados.
Nestes termos deverão ser proclamados os resultados, distribuindo-se através do
método Hondt os primeiros 8 mandatos.[...]”
2. Notificados os Mandatários da CDU – Coligação Democrática Unitária, do MICRE
e do Partido Social Democrata – PPD/PSD para responder, querendo, ao recurso
apresentado, apenas este último veio apresentar resposta. No essencial, veio
sustentar que, não tendo sido cometida “nenhuma ilegalidade” e existindo apenas
um empate no número de votos de duas listas concorrentes, não se justifica a
repetição de eleições; assim, para que se respeite “o espírito do legislador”
“de, em caso de empate, beneficiar a lista menos votada”, defende que o mandato
deve ser, sem mais, atribuído à lista do PSD, uma vez que, embora tendo tido o
mesmo número de votos que o MICRE obteve para a Assembleia de Freguesia de
Montoito, aquele partido tem menor número de votos do que o referido MICRE para
os restantes órgãos autárquicos do concelho.
3. Face aos elementos constantes dos autos, nomeadamente da Acta da Assembleia
de Apuramento Geral do Concelho de Redondo e do edital publicado, resulta que:
a) a reunião daquela Assembleia se iniciou às nove horas e vinte minutos do dia
11 de Outubro, no Edifício dos Paços do Município de Redondo;
b) o único mandatário que compareceu à reunião foi o mandatário do MICRE;
c) na eleição para a Assembleia de Freguesia de Montoito, em que intervieram 892
dos 1254 eleitores inscritos, foram apurados os seguintes resultados: Votos
Brancos -13; Votos Nulos – 13; Votos CDU-PCP/PEV – 192; Votos MICRE – 151; Votos
PPD/PSD – 151; Votos PS -373;
d) em função destes resultados, a Assembleia de Apuramento Geral do Concelho do
Redondo deliberou não atribuir quaisquer mandatos na eleição para a referida
Assembleia de Freguesia, decisão que fundamentou nos seguintes termos: “Dando
cumprimento ao critério de eleição previsto no art. 13º da Lei 1/2001 de 14 de
Agosto, verificou-se não ser possível a atribuição do último mandato, uma vez
que as listas empatadas por aplicação por aplicação do referido método têm o
mesmo número total de votos, inviabilizando a aplicação da regra constante da
alínea d) do citado art. 13º. Assim, não foi possível efectivar o aludido
critério legal, tornando impossível a conversão dos votos em mandatos, pelo que,
os mesmos não serão proclamados”;
e) não houve quaisquer reclamações ou protestos;
f) a reunião da Assembleia foi encerrada às dezasseis horas e quinze minutos do
dia 11 de Outubro;
g) foi ordenada a imediata afixação do edital contendo os resultados do
apuramento, o qual foi afixado nesse mesmo dia 11 de Outubro.
II – Fundamentação
4. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 156º da “Lei que regula a eleição
dos titulares dos órgãos das autarquias locais” (LEOAL), aprovada pela Lei
Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto, “as irregularidades ocorridas no decurso
da votação e no apuramento local ou geral podem ser apreciadas em recurso
contencioso, desde que hajam sido objecto de reclamação ou protesto apresentado
no acto em que se verificaram”. E o artigo 158º da mesma lei acrescenta que “o
recurso contencioso é interposto perante o Tribunal Constitucional no dia
seguinte ao da afixação do edital contendo os resultados do apuramento”.
Finalmente, o n.º 2 do artigo 229º da LEOAL estatui que, “quando qualquer acto
processual previsto na presente lei envolva a intervenção de entidades ou
serviços públicos, o termo dos prazos respectivos considera-se referido ao termo
do horário normal dos competentes serviços ou repartições.”
No caso dos autos, tendo o citado edital sido afixado no dia 11 de Outubro, o
recurso deu entrada neste Tribunal, via telecópia, entre as 18H24 e as 18H28 do
dia 12 de Outubro, sendo registado no livro de entradas apenas no dia 13 do
corrente.
Ora, entendendo-se que, neste tipo de recursos, ainda que os mesmos possam ser
interpostos via telecópia, a mesma não pode deixar de dar entrada até ao “termo
do horário normal” da secretaria judicial (no caso 16H00, cfr. n.ºs 1 e 3 do
artigo 122º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro) do dia seguinte à afixação do
edital (cfr., para o caso de apresentação de candidaturas, o que se escreveu no
acórdão n.º 41/2005, deste Tribunal), há que concluir que o recurso é
extemporâneo, pelo que dele se não pode conhecer.
5. Mas, ainda que assim não tivesse acontecido, a verdade, porém, é que também
se não poderia tomar conhecimento deste recurso, por falta de um pressuposto
essencial – existência de reclamação ou protesto apresentado no acto em que se
verificaram as invocadas irregularidades.
Na verdade, no caso dos autos, vêm os recorrentes questionar a decisão, tomada
pela Assembleia de Apuramento Geral, de não proclamação dos mandatos referentes
à Assembleia de Freguesia de Montoito, do concelho de Redondo. Acontece, porém,
que, como resulta da Acta supra referida, não houve quaisquer reclamações ou
protestos. Ora, prevendo o n.º 1 do artigo 156º da LEOAL que “as irregularidades
ocorridas [...] no apuramento [...] geral podem ser apreciadas em recurso
contencioso, desde que hajam sido objecto de reclamação ou protesto apresentado
no acto em que se verificaram” e o artigo 157º da mesma lei que os candidatos
podem recorrer “da decisão sobre a reclamação, protesto ou contraprotesto”, a
inexistência destes impossibilita o conhecimento do recurso.
Assim se decidiu, aliás, em anteriores acórdãos deste Tribunal (cfr., por
exemplo, os Acórdãos n.ºs 733/97 e 4/2002, disponíveis na página Internet do
Tribunal Constitucional, em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/),
jurisprudência que agora se reitera.
III - Decisão
Nestes termos, decide-se não tomar conhecimento do recurso.
Lisboa, 18 de Outubro de 2005
Gil Galvão
Bravo Serra
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Maria Helena Brito
Paulo Mota Pinto
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Vítor Gomes
Benjamim Rodrigues
Maria Fernanda Palma (acompanho a decisão apenas com o fundamento constante do
ponto 5).
Mário José de Araújo Torres (com a declaração de voto junta)
Artur Maurício
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei o não conhecimento do recurso apenas com
fundamento na inexistência de reclamação ou protesto apresentados perante a
assembleia de apuramento geral, pois entendo que, diversamente do decidido no
precedente acórdão, o recurso foi tempestivamente apresentado, por razões
similares às expostas no voto de vencido que apus ao Acórdão n.º 414/2004.
Na verdade, nos termos do artigo 158.º da Lei que regula
a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais, aprovada pela Lei
Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto (doravante designada por LEOAL), o recurso
contencioso tendo por objecto as irregularidades ocorridas no decurso da votação
e no apuramento local ou geral ou as decisões sobre as reclamações, protestos
ou contraprotestos apresentados contra essas irregularidades “é interposto
perante o Tribunal Constitucional no dia seguinte ao da afixação do edital
contendo os resultados do apuramento”. Trata‑se, assim, do prazo de um dia (e
não de 24 horas), a contar da data da afixação do edital contendo os resultados
do apuramento geral. No cômputo dos prazos são aplicáveis, salvo disposição
especial, as regras do artigo 279.º do Código Civil, das quais deriva que nessa
contagem não se inclui o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo
começa a correr e que o prazo termina às 24 horas do último dia do prazo
(alíneas b) e c) desse preceito, sendo entendimento corrente o de que a regra
desta última alínea também se aplica aos prazos fixados em dias). Isto é: o
prazo de um dia para a interposição do recurso para o Tribunal Constitucional
começa a correr no início do dia seguinte ao do da afixação do edital e termina
às 24 horas desse dia.
Entendeu‑se, porém, no precedente acórdão que ao caso
era aplicável a regra do n.º 2 do artigo 229.º da LEOAL, nos termos do qual:
“Quando qualquer acto processual previsto na presente lei envolva a intervenção
de entidades ou serviços públicos, o termo dos prazos respectivos considera‑se
referido ao termo do horário normal dos competentes serviços ou repartições”.
A formulação literal do preceito – que não utiliza as
fórmulas habituais de o acto ter de ser praticado em juízo (alínea e) do artigo
279.º do Código Civil) ou perante o serviço público (alínea c) do n.º 1 do
artigo 72.º do Código do Procedimento Administrativo – CPA) –, ao aludir
explicitamente à circunstância de o acto em causa implicar o envolvimento de
entidades ou serviços públicos através de uma intervenção dessas entidades ou
serviços, logo inculca que se pretendeu contemplar as situações em que a prática
do acto determina o desenvolvimento de uma actividade desses entes públicos, e
não já os casos em que os serviços funcionam como mera instância de recepção
de documentos. Daqui deriva, pois, a não aplicabilidade da regra do citado
artigo 229.º, n.º 2, ao presente caso.
Sendo “aplicável ao contencioso da votação e do
apuramento o disposto no Código de Processo Civil”, como expressamente dispõe o
n.º 5 do artigo 159.º da LEOAL, é, hoje em dia, inequívoco não só que “as partes
podem praticar os actos processuais através de telecópia ou por correio
electrónico, em qualquer dia e independentemente da hora da abertura e do
encerramento dos tribunais” (artigo 143.º, n.º 4, do Código de Processo Civil
(CPC), aditado pelo Decreto‑Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto), como também que
quando o acto é praticado por “envio através de telecópia, [vale] como data da
prática do acto processual a da expedição” (artigo 150.º, n.º 1, alínea c), do
CPC, na redacção do Decreto‑Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro).
Em face do exposto, terminando às 24 horas do dia 12 de
Outubro de 2004 o prazo de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional e sendo incontroversa a admissibilidade do envio por telecópia
da respectiva petição, independentemente do “horário de funcionamento” do
serviço destinatário, o envio efectuado entre as 18h24 e as 18h28 desse dia 12
de Outubro não pode deixar de ser considerado como tempestivo, sendo inaplicável
a regra do artigo 229.º, n.º 2, da LEOAL, por o acto praticado não “envolver a
intervenção” (na acepção atrás assinalada) de entidades ou serviços públicos,
mas a mera recepção, por qualquer meio, de um documento transmissível por
telecópia, recepção essa que não exige a presença física de qualquer
funcionário.
O prazo de um dia é, por definição, sempre superior ao
prazo de 24 horas, pois despreza o tempo decorrido no dia em que ocorreu o
evento que desencadeia o início do prazo e termina às 24 horas do dia seguinte.
A tese que fez vencimento – considerando que o prazo termina às 16 horas desse
dia – tem o efeito (a meu ver inadmissível) de poder transformar um prazo de um
dia em prazo inferior a 24 horas, o que ocorrerá sempre que o edital contendo os
resultados do apuramento geral seja afixado depois das 16 horas, como, aliás,
aconteceu no presente caso.
Mário José de Araújo Torres