Imprimir acórdão
Processo n.º 279/05
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que figuram
como recorrente a Junta de Freguesia de A. e, como recorridos, B. e C., bem como
D. e E., foi proferido acórdão, em 13 de Janeiro de 2005, que negou provimento à
revista que a ora recorrente havia interposto da decisão do Tribunal da Relação
do Porto de 23 de Março de 2004, que, por sua vez, havia negado provimento ao
recurso interposto da decisão proferida em 1ª Instância, a qual havia julgado
improcedente a acção que a ora recorrente havia interposto contra os aqui
recorridos.
Considerou aquele Supremo Tribunal que “não tendo a autora/recorrente logrado
provar, como lhe incumbia nos termos do nº1 do artigo 342 do Código Civil, a
natureza de baldio do terreno identificado nos autos- ou seja, que, na definição
do n.º 1 do artigo 1º da Lei 68/93, de 4 de Setembro, o terreno é possuído e
gerido pela comunidade local, in casu a da população de ---------, freguesia de
---------, concelho de ------------ – a acção tem de improceder.” Considerou,
ainda que, continuando a recorrente “a não indicar as normas aplicadas pelo
acórdão recorrido e que considera inconstitucionais, por suposta violação do
disposto no referido artigo 82, nº4, al. b) da nossa Lei Fundamental, [...] a
questão se mostra de todo inconsistente e, por isso, improcede.”
2. Desta decisão do Supremo Tribunal de Justiça foi interposto recurso para este
Tribunal, através de um requerimento que tem o seguinte teor:
“[...], recorrente nos autos de Revista acima referenciados, não se podendo
conformar com o Douto Acórdão de 13-01-2005, que negou a pretendida Revista, não
reconhecendo a invocada inconstitucionalidade da violação conjunta dos art.ºs
1.º e 4.º, n.º 1 da Lei n.º 68/93, de 4 de Setembro, e do art.º 82.º, n.º 4, al.
b) da C.R.P., vem ao mesmo interpor
RECURSO PARA O VENERANDO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
Nos termos dos art.ºs 69.º, 75.º, 75.º-A e 78.º, da lei do Tribunal
Constitucional (Lei n.º 28/82, de 5 de Novembro, com as alterações introduzidas
pelas Leis n.ºs 143/85, de 26/II; Lei n.º 85/89, de 7/9; Lei n.º 88/95, de 1/9 e
Lei n.º 13-A/98 de 26/2), o que deverá ser processado como Recurso de Apelação.
O presente recurso é interposto ao abrigo do disposto no art.º 70.º, n.º 1, al.
c) e 72.º, n.º 1, al. b ), ambos da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º
28/82, de 15/11).[...]”.
3. Tendo este recurso sido admitido, foi, na sequência, proferida pelo Relator
do processo neste Tribunal, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da
Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º
13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão sumária no sentido do não conhecimento do
objecto do recurso. É o seguinte, na parte agora relevante, o seu teor:
“[...] 3. Cumpre, antes de mais, decidir se pode conhecer-se do objecto do
recurso, uma vez que a decisão que o admitiu não vincula o Tribunal
Constitucional (cfr. artigo 76º, n.º 3, da LTC).
3.1. Ora, como vai ver-se, é por demais evidente que não se encontram reunidos
os pressupostos de que depende, nos termos da lei, a possibilidade de conhecer
do objecto do recurso que foi interposto pela recorrente – recorde-se, o
previsto na alínea c), do n.º 1, do artigo 70º, da Lei do Tribunal
Constitucional
Vejamos, sumariamente, porquê.
Como resulta expressamente daquela alínea c), o recurso aí previsto apenas cabe
de decisões que “recusem a aplicação de norma constante de acto legislativo, com
fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado”. Ora, no
caso dos autos, é manifesto que a decisão recorrida não se recusou a aplicar
qualquer norma, designadamente com fundamento na sua ilegalidade por violação de
lei de valor reforçado.
Dessa forma, e sem necessidade de maiores considerações, torna-se evidente que
não pode conhecer-se do objecto do recurso interposto, por faltar o seu
pressuposto legal de admissibilidade; a saber: ter a decisão recorrida recusado
aplicar norma constante de acto legislativo, com fundamento na sua ilegalidade
por violação de lei de valor reforçado. [...]”
4. É desta decisão que vem interposta a presente reclamação para a Conferência,
que a reclamante fundamenta da seguinte forma:
“1 - A ora suplicante, interpôs oportunamente recurso para o Venerando Tribunal
Constitucional do douto Acórdão do Supremo Tribuna] de Justiça de 13/01/2005,
que lhe negou a pretendida revista, não reconhecendo a invocada
inconstitucionalidade da violação conjunta dos art°s 1 ° e 4°, n° 1 da Lei n°
68/93, de 4/9 e do art.º 82°, n° 4, al. b) da Constituição da República
Portuguesa.
2 - Na sua petição de recurso, a requerente alegou que o recurso era interposto
“ao abrigo do disposto nos art.ºs 70°, n° 1, al. c) e 72°, n° 1, al. b) ambos da
Lei do Tribunal Constitucional ( Lei n° 28/82 de 15/11 )”.
3- Aceite o recurso no Venerando Supremo Tribunal de Justiça e enviado por este
ao Venerando Tribunal Constitucional, o Excelentíssimo Conselheiro-Relator,
chamou a si o processo e proferiu douta decisão sumária, por meio da qual
decidiu “não conhecer do objecto do recurso”.
4 - É desta decisão que a suplicante vem agora reclamar para a conferência, nos
termos das disposições conjugadas dos art.ºs 78°-B, n° 2 e 78°-A, nos 3 e 4 da
Lei 28/82 de 15/11.
5 - A guisa de justificação desta reclamação, a ora suplicante entende por bem
esclarecer o seguinte;
6 - Tanto o Venerando Tribunal da Relação do Porto, como o Venerando Supremo
Tribunal de Justiça, recusaram a aplicação ao caso concreto de norma constante
de acto legislativo.
7 - É certo que não recusaram formal e expressamente a respectiva norma
constante de acto legislativo.
8 - A sua recusa está implícita na omissão da aplicação dessa norma;
9 - E como qualquer omissão não tem expressão formal, os ditos Venerandos
Tribunais não fundamentaram obviamente as razões da sua omissão.
10 - Mas, o que está implícito na referida omissão de aplicação da Lei que vamos
passar a referir, só pode ser o pretexto da sua ilegalidade por violação de
qualquer Lei pré-existente.
11 - No caso concreto, o Venerando Tribunal da Relação do Porto e o Venerando
Supremo Tribunal de Justiça, deixaram de considerar como válido o facto de os
povos de -------------, da Freguesia de -------------, ter actuado nos terrenos
em disputa, no Concelho de --------------, como se lhes pertencessem.
12 - A referência expressa dada na resposta aos quesitos é significativa e
passamos a transcrevê-la:
... “Passaram a actuar como logradouro comum e como se lhes pertencesse “
13 - E isto a partir pelo menos de 1910.
14 - Ora, este factualismo implica o claro reconhecimento de um Baldio.
15 - Ao omitirem esta realidade jurídica, os ditos Venerandos Tribunais violaram
por omissão o art.º1º da Lei 68/93 de 4/9 e o art.º 82°, n° 4, al. b ) da
Constituição da República Portuguesa.
16 - Com esta violação por omissão, os referidos Tribunais violaram também, por
ser imanente ao referido acto de omissão, o disposto no art.º 70°, n° 1, al. c),
última parte, da Lei do Tribunal Constitucional.[...]”
5. Notificados da presente reclamação, quer os primeiros, quer os segundos
recorridos sustentaram a sua improcedência e a manutenção da decisão sumária.
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
II – Fundamentação
6. Na decisão sumária ora reclamada considerou-se que se não podia conhecer do
recurso, interposto ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do
Tribunal Constitucional, por não “ter a decisão recorrida recusado aplicar norma
constante de acto legislativo, com fundamento na sua ilegalidade por violação de
lei de valor reforçado”.
A recorrente vem reclamar desta decisão. Fá-lo, porém, em termos que revelam ou
manifesto lapso ou incompreensão da natureza e função do recurso de
constitucionalidade previsto na citada alínea c). Basta, na verdade, ler a
reclamação, de que acima se deu conta, para verificar que o que a reclamante
considera é que terá havido, em seu entender, no acórdão de que recorreu para
este Tribunal, uma incorrecta subsunção dos factos à norma aplicável, situação
que, como é sabido, não compete a este Tribunal sindicar. De facto, nenhum
argumento é aduzido para infirmar a fundamentada conclusão, a que se chegou na
decisão agora reclamada, de que se não pode conhecer do objecto do recurso, por
não estarem presentes os seus pressupostos de admissibilidade, isto é, por não
“ter a decisão recorrida recusado aplicar norma constante de acto legislativo,
com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei de valor reforçado”, lei
que, aliás, em parte alguma é identificada.
Agora apenas se acrescenta que não só é descabida a alegação de que “a sua
recusa está implícita na omissão da aplicação dessa norma”, como é inteiramente
despropositada a afirmação de que “o que está implícito na referida omissão de
aplicação da Lei que vamos passar a referir, só pode ser o pretexto da sua
ilegalidade por violação de qualquer Lei pré-existente” – violação que, aliás, a
existir, não estando em causa uma lei de valor reforçado, não abriria, por si
só, qualquer via de recurso para este Tribunal, ao abrigo do disposto na alínea
c) do n.º 1 do artigo 70º da LTC -, como é incompreensível a afirmação de que
“com esta violação por omissão, os referidos Tribunais violaram também, por ser
imanente ao referido acto de omissão, o disposto no art.º 70°, n° 1, al. c),
última parte, da Lei do Tribunal Constitucional.”
Assim sendo, pelo exposto e pelas razões já constantes da decisão reclamada, que
mantém inteira validade e em nada é infirmada pela presente reclamação, é
efectivamente de não conhecer do objecto do recurso que a ora reclamante
pretendeu interpor.
III - Decisão
Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do
recurso.
Sem custas, por delas estar isenta a recorrente.
Lisboa, 24 de Maio de 2005
Gil Galvão
Bravo Serra
Artur Maurício