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Processo n.º 1100/04
1.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos de reclamação, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa,
em que figura como reclamante A. e como reclamados o Ministério Público, B. e
outro e C., proferiu aquele Tribunal, a fl. 1513, despacho de não admissão do
recurso para o Tribunal Constitucional.
2. O ora reclamante pretendeu interpor este recurso, ao abrigo do disposto nos
artigos 70º, nº 1, alínea b), 72º, nº 1, alínea b), 75º e 75º-A, da Lei de
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29 de Outubro de 2003, que decidiu
indeferir a arguição das nulidades invocadas no requerimento de fls. 1153 e ss.,
com os fundamentos que se seguem:
'(...) 2. Desde logo, como resulta das conclusões acima transcritas (do
requerimento do assistente), este baseia a arguição de nulidades daquele nosso
acórdão de 31/01/01 - que rejeitou o (seu) recurso, por manifesta improcedência
- em dois vícios: 1) haver contradição entre a fundamentação e a decisão; 2) e
ter conhecido questões de que não podia conhecer, dito excesso de pronúncia –
cfr. citados artº 379°, n° 1, al. c) do CPP e 668° do CPC, este ex vi do artº 4
° do CPP.
3. Porém, é evidente que tal arguição não deve proceder.
Desde logo, como é pacífico na jurisprudência dos nossos tribunais (por todos,
Ac. STJ de 13/03/99, in CPP Anotado, 13ª ed., pág. 820, do juiz conselheiro Maia
Gonçalves), o âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo
recorrente da respectiva motivação, como resulta, aliás, quer do princípio da
cindibilidade, constante do artº 403° do CPP, quer dos requisitos impostos pelo
artº 412° do mesmo diploma legal, que, mormente no seu nº 1, impõe a
«...formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume
as razões do pedido.»
Acresce que, como repetidamente o próprio recorrente fez saber (ver supra, no
requerimento ora em crise), dispõe o artº 420° do CPP:
« I. O recurso é rejeitado sempre que for manifesta a sua improcedência ou que
se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do
artigo 414°, n° 2.
2. A deliberação de rejeição exige a unanimidade de votos.
3. Em caso de rejeição do recurso, o acórdão limita-se a identificar o tribunal
recorrido, o processo e os seus sujeitos e a especificar sumariamente os
fundamentos da decisão.
4. Se o recurso for rejeitado, o tribunal condena o recorrente, se não for o
Ministério Público, ao pagamento de uma importância entre três e dez UCs.»
(nossos sublinhados)
Assim sendo, verificada e demonstrada a manifesta improcedência do recurso do
assistente, não podia este TRL deixar de concluir pela rejeição do mesmo,
condenando-o, como condenou, nas custas e na importância a que acabou de se
referir (ver n° 4).
Com a aludida delimitação do recurso, a resultar, como se viu, das conclusões
que o recorrente deduziu, é coerente - logo, improcede a alegada contradição -
que, para tanto (para se concluir pela manifesta improcedência do recurso), se
tenha, logicamente, de chegar, como chegou, à manifesta improcedência (de todas
e cada uma) das conclusões do recorrente.
Aliás, há numerosos acs. do STJ no sentido de que: «A manifesta improcedência do
recurso tem a ver não só com razões processuais, mas também com razões de
mérito, dado o princípio da economia processual. (Ac. STJ de 09/02/2000 - vide
Maia Gonçalves na obra citada, pág. 839).
Em suma, inexiste a alegada contradição entre a fundamentação e a decisão.
4. Por outro lado, insurge-se o requerente/assistente contra um alegado excesso
de fundamentação naquele aresto, mormente por aí não se ter limitado a
especificar sumariamente os fundamentos da decisão (de rejeição) - denominando
as suas «dezasseis (16) infindáveis páginas...».
Ora, como melhor ali se explicita, rebateram-se todas as conclusões do
recorrente, para fundamentar a sua manifesta improcedência, com o que,
obviamente, não se pode concluir por qualquer excesso de pronúncia.
Em suma, não houve (naquele aresto de 31/01/01) qualquer excesso de pronúncia,
já que não se 'pronunciou' sobre nenhuma questão de que não pudesse ou não
devesse tomar conhecimento. Antes, abordou todas as questões de que podia (e
devia) tomar conhecimento.
Acresce que a extensão da fundamentação não integra qualquer das elencadas
nulidades, mormente da sentença - cfr . artºs 118° e 379°, nos 1 e 2, do CPP.
Assim, o facto de o requerente que a fundamentação excede o carácter sumário, ou
resumido a que se reporta a expressão contida no n° 1 do artº 420° do CPP, isso
não se confunde com o supramencionado excesso de pronúncia; sendo que, como se
sabe, só este último releva para a pretendida nulidade da sentença, atento o
princípio da legalidade (citado artº 118° do CPP).
Em suma (repete-se), no aresto em causa não houve qualquer excesso de pronúncia,
pelo que (também) inexiste esta nulidade'.
3. Do requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional
consta que as inconstitucionalidades foram oportunamente arguidas no
requerimento de 15 de Janeiro de 2004 (fls.1405 e ss., ou 1423 e ss.) e que:
'O presente recurso visa a apreciação, à luz da Lei Fundamental:
a) das normas cuja dimensão interpretativa considere fundamentadas as decisões
judiciais nas quais o julgador não especifique 'factos jurídicos' legalmente
consideráveis e/ou as normas jurídicas aplicadas que sustentem o juízo
decisório;
b) das normas cuja dimensão interpretativa considere fundamentadas as decisões
judiciais nas quais o julgador se limita a fazer afirmações conclusivas para
sustentar aquelas, sem especificar 'factos jurídicos' legalmente consideráveis
e/ou as normas jurídicas aplicadas que sustentem as afirmações conclusivas e o
juízo decisório;
c) das normas cuja dimensão interpretativa considere que, nos termos do n° 1 do
art. 420º do CPP, o recurso é rejeitável 'sempre que for manifestamente a sua
[do recurso] improcedência', e, também, sempre que for manifesta a
'improcedência das conclusões do recurso' ;
d) das normas cuja dimensão interpretativa considere que a manifesta
improcedência das conclusões de um recurso é sinónimo (ou pressuposto) de
manifesta improcedência do recurso;
e) das normas cuja dimensão interpretativa considere válido o acórdão de
rejeição de recurso proferido ao abrigo dos nºs 1 e 3 do art. 420° do CPP, e
que, apreciando o mérito do recurso, rebate todas as 'conclusões' do mesmo,
estendendo-se por dezasseis páginas;
que se reputam inconstitucionais por violação dos princípios do Estado de
direito democrático, da legalidade, do acesso ao direito e da tutela
jurisdicional efectiva, consagrados, designadamente, nos arts. 2º, 20º, 202° e
205° da CRP;
f) das normas cuja dimensão interpretativa considere que os julgadores, quando
decidem, podem fazer interpretação correctiva da lei;
g) das normas cuja dimensão interpretativa considere que os julgadores, quando
decidem, podem fazer interpretação da lei com violação das regras de
interpretação consagradas no art. 9º do CC,
que se reputam inconstitucionais por violação dos princípios do Estado de
direito democrático e da separação de poderes, vertidos, designadamente, no art.
2° da CRP'.
4. Por despacho, de 9 de Novembro de 2004, o Tribunal da Relação de Lisboa
indeferiu o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional, nos termos do disposto nos artigos 70º, nº 1, alínea b), 75º-A,
nºs 1 e 2, e 76º, nºs 1 e 2, da LTC, invocando o seguinte:
'Vem o assistente (recorrente) A. interpor recurso para o Tribunal
Constitucional, do Acórdão desta Relação de Lisboa de 29/10/03 (cfr. fls. 1368 e
segs. destes autos), suscitando, só agora, questões de alegada
inconstitucionalidade da interpretação efectuada por esta Relação dos nºs 1 e 3
do artº 420° do CPP (ou seja, da rejeição do recurso).
Acontece, porém, que, como facilmente se pode constatar dos autos, esta questão
não foi suscitada durante o processo, ao invés do que o recorrente alega, pelo
que este requerimento não é admissível, devendo assim ser indeferido _ cfr. artº
70°, n° 1, al. b) da Lei n° 28/82, de 15/11 (red. das Leis 85/89, de 7/9, e
13-A/98, de 26/2 _ L.T.C.).
Na verdade, como se pode constatar dos autos, aquela disposição legal (artº
420°, nºs 1 e 3 do CPP) foi aplicada por esta Relação no seu Acórdão de 31/1/01
(a fls. 1084 e segs. dos autos), quando decidiu rejeitar o recurso do assistente
(interposto da decisão de não pronúncia dos arguidos).
Já depois disso teve o assistente/recorrente a oportunidade de suscitar a
aludida questão da alegada inconstitucionalidade do artº 420°, nºs 1 e 3 do CPP,
na interpretação ali dada, mas não o fez. E também isto é facilmente constatável
a partir do seu requerimento de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional a fls. 1192 e segs. ou fls. 1196 e segs., cujas pretensões já
foram rejeitadas pelo T.C., nestes autos, com excepção de uma delas - como bem
consta do Acórdão do T.C. n° 56/2003, de 4/2/03 (a fls. 1273 e segs. destes
autos). E essa excepção respeitou à interpretação dada por esta Relação ao artº
686°, n° 1 do CPC, sendo certo que este tribunal cumpriu aquele aresto do T.C.,
no nosso Acórdão de 17/12/03 - o que não é posto em causa pelo requerente'.
5. É deste despacho de não admissão do recurso interposto que A. vem agora
reclamar, ao abrigo do previsto nos artigos 76º, nº 4, e 77º da LTC, invocando
nomeadamente o seguinte:
'1. No despacho objecto da presente Reclamação, o TRL erra na aplicação do
Direito, designadamente da invocada norma do art. 70º, n° 1, al. b), da LTC;
2. Na verdade, atente-se na seguinte evolução processual:
·a 31JAN01 o TRL rejeitou o recurso do despacho de não pronuncia prolatado pelo
TICL (fls.1084);
·a 07MAI01 o Assistente arguiu nulidades do Ac. de fls.1084 (fls.1153);
·a 27JUN01 o Relator rejeitou aquela arguição de nulidades, classificando-a de
extemporânea e anómala (fls. 1164);
·a 27JUL01 o Assistente reclamou para a Conferência (fls.1166);
·a 26SET01 a Conferência confirmou o despacho de 27 JUN01 (fls. 1180);
·a 22NOV01 o Assistente recorreu para o TC da decisão de fls.1180 (fls. 1192);
·a 04FEV03 o TC concedeu provimento ao recurso de fls. 1192 (fls.1273);
·a 290UT03 o TRL admitiu e logo indeferiu a arguição de nulidades de fls.1153
(...).
· A 17NOV03 o Assistente requereu a aclaração do Ac. de 290UT
(fls.1379)
· A 17DEZ01 o TRL indeferiu o requerimento de aclaração (fls. );
· A 15JAN04 o Assistente arguiu nulidades e inconstitucionalidades do
Ac. de 290UT03 alegando, no essencial, o seguinte:
(...) DAS INCONSTITUCIONALIDADES
À cautela desde já se argui a inconstitucionalidade:
a) das normas cuja dimensão interpretativa considere fundamentadas as decisões
judiciais nas quais o julgador não especifique 'factos jurídicos' legalmente
consideráveis e/ou as normas jurídicas aplicadas que sustentem o juízo
decisório;
b) das normas cuja dimensão interpretativa considere fundamentadas as decisões
judiciais nas quais o julgador se limita a fazer afirmações conclusivas para
sustentar aquelas, sem especificar 'factos jurídicos' legalmente consideráveis
e/ou as normas jurídicas aplicadas que sustentem as afirmações conclusivas e o
juízo decisório;
c) das normas cuja dimensão interpretativa considere que os julgadores, quando
decidem, podem fazer interpretação correctiva da lei, por violação dos
princípios do Estado de direito democrático e da separação de poderes;
d) das normas cuja dimensão interpretativa considere que os julgadores, quando
decidem, podem fazer interpretação da lei com violação das regras de
interpretação consagradas no art. 9º do CC, por violação dos princípios do
Estado de direito democrático e da separação de poderes;
e) das normas cuja dimensão interpretativa considere que, nos termos do nº1 do
art. 420º do CPP, o recurso é rejeitável 'sempre que for manifestamente a sua
[do recurso] improcedência', e, também, sempre que for manifesta a
'Improcedência das conclusões' do recurso';
f) das normas cuja dimensão interpretativa considere que a manifesta
improcedência das conclusões de um recurso é sinónimo (ou pressuposto) de
manifesta improcedência do recurso;
g) das normas cuja dimensão interpretativa considere válido o acórdão de
rejeição de recurso proferido ao abrigo dos nº1 e 3 do art. 420º do CPP e que
apreciou o mérito do recurso, rebatendo todas as 'conclusões' do mesmo; e se
estende por dezasseis páginas.
por violação dos princípios do Estado de direito democrático, da legalidade, do
acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva, consagrados designadamente
nos arts. 2º, 20º, 202º e 205° da CRP;» (fls.1405);
· A 25FEV04 o TRL, em conferência, apreciando o requerimento de
fls.1405. designadamente as suscitadas inconstitucionalidades, não só não
considerou ser intempestiva tal arguição, como a apreciou e decidiu,
indeferindo, nos seguintes termos: (...).
· A 15MAR04 o Assistente pediu a aclaração do acórdão de fls.1432
(fls.1443):
· A 20ABR04 o Desembargador-relator (...) indeferiu o pedido de aclaração de
fls.1443; e ordenou o arquivamento dos autos (fIs. );
· A 15JUL04 o Assistente reclamou daquela decisão para a Conferência (...).
· A 29SET04 a Conferência confirmou o despacho do Relator (...).
· A 190UT04 o Assistente, inconformado, interpôs então recurso para o TC,
por só então se deverem considerar esgotados os meios ordinários de impugnação -
art. 70°, n° 2, da LTC (fls.1495);
A 09NOV04 o TRL não admitiu o recurso para o TC (...).
3. Os factos acima articulados evidenciam, pois, não ser verdade:
a) que só agora o Assistente tenha suscitado as diversas inconstitucionalidades
objecto do recurso de fls. 1495;
b) que a inconstitucionalidade da interpretação efectuada pelo TRL dos nºs. 1 e
3 do art. 420º do CPP não tenha sido suscitada durante o processo;
c) que o TC já tenha conhecido e rejeitado as diversas inconstitucionalidades
objecto do recurso de fls.1495; e, consequentemente,
d) que o recurso seja inadmissível'.
6. Neste Tribunal foram os autos com vista ao Ministério Público, que se
manifestou no sentido da reclamação carecer 'manifestamente de fundamento',
invocando os fundamentos que se seguem:
'Assim, em primeiro lugar, é evidente que as múltiplas e 'alternativas'
proposições, constantes das várias alíneas do requerimento de interposição do
recurso de constitucionalidade, não enunciam, em termos procedimentalmente
adequados, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, relativamente às
'normas', aplicadas como 'ratio decidendi', pelo acórdão impugnado: o proferido
a p. 1368 e segs – sendo certo que o recorrente não aproveitou a presente
reclamação para suprir tal deficiência, explicitando, de forma inteligível,
quais as normas que considerava terem sido aplicadas efectivamente por tal
aresto.
Em segundo lugar – e como é evidente – o acórdão recorrido, proferido em
29/10/03 – limitou-se a dirimir a questão da pretensa nulidade de decisão
anteriormente proferida pela Relação, o que naturalmente implica que, como
efectiva 'ratio decidendi', apenas tenha aplicado as normas e preceitos legais
que tipificam as causas de nulidade das decisões judiciais, em relação às quais
nenhuma questão de inconstitucionalidade se mostra delineada pelo recorrente'.
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentação
Vem a presente reclamação interposta do despacho do Tribunal da Relação de
Lisboa, que não admitiu o recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
1. Um dos requisitos específicos do recurso de constitucionalidade previsto no
artigo 70º, nº 1, alínea b), da LTC é o da suscitação da inconstitucionalidade
normativa durante o processo, de modo processualmente adequado perante o
tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a
dela conhecer. Não sendo, pois, suficiente uma qualquer forma de suscitação da
inconstitucionalidade durante o processo, mas sim uma suscitação nos termos
exigidos pelo artigo 72º, nº 2, da LTC.
No caso em apreço, o recorrente não suscitou as questões de
inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o Tribunal da
Relação de Lisboa, em termos de este estar obrigado a delas conhecer, quando, em
15 de Janeiro de 2004, arguiu nulidades e inconstitucionalidades do Acórdão de
29 de Outubro de 2003.
Não o fez, desde logo porque não invocou a inconstitucionalidade ou ilegalidade
de qualquer norma, de um qualquer segmento de uma norma ou de uma qualquer
interpretação de uma norma, identificando uma disposição legal, quando a fls.
1410 e s. e 1419 e s., tal como é relatado na reclamação para este Tribunal,
arguiu a inconstitucionalidade
'a) das normas cuja dimensão interpretativa considere fundamentadas as decisões
judiciais nas quais o julgador não especifique 'factos jurídicos' legalmente
consideráveis e/ou as normas jurídicas aplicadas que sustentem o juízo
decisório;
b) das normas cuja dimensão interpretativa considere fundamentadas as decisões
judiciais nas quais o julgador se limita a fazer afirmações conclusivas para
sustentar aquelas, sem especificar 'factos jurídicos' legalmente consideráveis
e/ou as normas jurídicas aplicadas que sustentem as afirmações conclusivas e o
juízo decisório;
c) das normas cuja dimensão interpretativa considere que os julgadores, quando
decidem, podem fazer interpretação correctiva da lei, por violação dos
princípios do Estado de direito democrático e da separação de poderes;
d) das normas cuja dimensão interpretativa considere que os julgadores, quando
decidem, podem fazer interpretação da lei com violação das regras de
interpretação consagradas no art. 9º do CC, por violação dos princípios do
Estado de direito democrático e da separação de poderes;
e) das normas cuja dimensão interpretativa considere que, nos termos do nº1 do
art. 420º do CPP, o recurso é rejeitável 'sempre que for manifestamente a sua
[do recurso] improcedência', e, também, sempre que for manifesta a
'Improcedência das conclusões' do recurso';
f) das normas cuja dimensão interpretativa considere que a manifesta
improcedência das conclusões de um recurso é sinónimo (ou pressuposto) de
manifesta improcedência do recurso;
g) das normas cuja dimensão interpretativa considere válido o acórdão de
rejeição de recurso proferido ao abrigo dos nº1 e 3 do art. 420º do CPP e que
apreciou o mérito do recurso, rebatendo todas as 'conclusões' do mesmo; e se
estende por dezasseis páginas.
por violação dos princípios do Estado de direito democrático, da legalidade, do
acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva, consagrados designadamente
nos arts. 2º, 20º, 202º e 205° da CRP'.
'É uma exigência formal, sim, mas essencial para que o tribunal recorrido deva
pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade e para que o Tribunal
Constitucional, ao julgá-la em via de recurso, proceda ao reexame (e não a um
primeiro julgamento) de tal questão' (Acórdão do Tribunal Constitucional nº
560/94, Diário da República, II Série, de 10 de Janeiro de 1995 e, no mesmo
sentido, o Acórdão nº 611/04, não publicado). Uma exigência que, uma vez não
respeitada, determina a não admissão do recurso para este Tribunal, nos termos
do disposto no artigo 76º, nº 1, da LTC.
2. Na medida em que o ora reclamante não suscitou as questões de
inconstitucionalidade de modo processualmente adequado, tal como decorre das
peças processuais por si indicadas (as de fls. 1405 e ss. e 1413 e ss., muito
particularmente, fls. 1410 e s. e 1419 e s.), no requerimento de interposição de
recurso para o Tribunal Constitucional também não consta a indicação da
disposição legal cuja inconstitucionalidade pretende que este Tribunal aprecie,
o que também arrasta a consequência do indeferimento do requerimento, segundo o
preceituado expressamente no nº 2 do artigo 76º da LTC.
Com efeito, não preenche a exigência da indicação da norma cuja
inconstitucionalidade pretende ver apreciada, o requerimento no qual se diga que
se
'visa a apreciação, à luz da Lei Fundamental:
a) das normas cuja dimensão interpretativa considere fundamentadas as decisões
judiciais nas quais o julgador não especifique 'factos jurídicos' legalmente
consideráveis e/ou as normas jurídicas aplicadas que sustentem o juízo
decisório;
b) das normas cuja dimensão interpretativa considere fundamentadas as decisões
judiciais nas quais o julgador se limita a fazer afirmações conclusivas para
sustentar aquelas, sem especificar 'factos jurídicos' legalmente consideráveis
e/ou as normas jurídicas aplicadas que sustentem as afirmações conclusivas e o
juízo decisório;
c) das normas cuja dimensão interpretativa considere que, nos termos do n° 1 do
art. 420º do CPP, o recurso é rejeitável 'sempre que for manifestamente a sua
[do recurso] improcedência', e, também, sempre que for manifesta a
'improcedência das conclusões do recurso' ;
d) das normas cuja dimensão interpretativa considere que a manifesta
improcedência das conclusões de um recurso é sinónimo (ou pressuposto) de
manifesta improcedência do recurso;
e) das normas cuja dimensão interpretativa considere válido o acórdão de
rejeição de recurso proferido ao abrigo dos nºs 1 e 3 do art. 420° do CPP, e
que, apreciando o mérito do recurso, rebate todas as 'conclusões' do mesmo,
estendendo-se por dezasseis páginas;
que se reputam inconstitucionais por violação dos princípios do Estado de
direito democrático, da legalidade, do acesso ao direito e da tutela
jurisdicional efectiva, consagrados, designadamente, nos arts. 2º, 20º, 202° e
205° da CRP;
f) das normas cuja dimensão interpretativa considere que os julgadores, quando
decidem, podem fazer interpretação correctiva da lei;
g) das normas cuja dimensão interpretativa considere que os julgadores, quando
decidem, podem fazer interpretação da lei com violação das regras de
interpretação consagradas no art. 9º do CC,
que se reputam inconstitucionais por violação dos princípios do Estado de
direito democrático e da separação de poderes, vertidos, designadamente, no art.
2° da CRP'.
E não se diga que convidar o ora reclamante a prestar essa indicação, ao abrigo
do disposto nos nºs 5 e 6 do artigo 75º-A da LTC, supriria a assinalada
deficiência do requerimento. Pois tal convite 'só é possível quando o vício de
que enferma o requerimento é susceptível de sanação, ou seja, se consistir numa
deficiência do próprio requerimento, e não por falta de um pressuposto de
admissibilidade do recurso' (Guilherme da Fonseca/Inês Domingos, Breviário de
Direito Processual Constitucional, 2ª ed., Coimbra Editora, p. 74). Ora, como
vimos, não se verifica, no caso, o requisito do recurso de constitucionalidade,
previsto no artigo 70º, nº 1, alínea b), da LTC, da suscitação da
inconstitucionalidade normativa durante o processo, de modo processualmente
adequado.
Em suma, o requerimento de interposição do recurso para o Tribunal
Constitucional não satisfaz de forma cabal os requisitos do nº 1 do artigo 75º-A
da LTC, pelo que é de indeferir tal requerimento, de acordo com o previsto no nº
2 do artigo 76º desta Lei. Conforme jurisprudência reiterada e uniforme do
Tribunal Constitucional, 'o cumprimento destes ónus [nomeadamente o de indicar a
norma cuja constitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie] não
representa simples observância do dever de colaboração das partes com o
Tribunal; constitui, antes, o preenchimento de requisitos formais essenciais ao
conhecimento do objecto do recurso' (cf. o Acórdão nº 200/97, não publicado, e,
entre outros, o Acórdão nº 462/94, Diário da República, II Série, de 21 de
Novembro de 1994, o Acórdão nº 243/97, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol.
36º, p. 609, os Acórdãos nºs 137/99, 207/2000 e 382/2000, não publicados).
3. Ainda quanto ao requisito da suscitação da inconstitucionalidade normativa
durante o processo, de modo processualmente adequado perante o tribunal que
proferiu a decisão recorrida, importa destacar que o acórdão do Tribunal da
Relação de Lisboa, de 29 de Outubro de 2003, decidiu indeferir a arguição de
nulidades que o ora reclamante imputava ao acórdão deste Tribunal, de 31 de
Janeiro de 2001. Decorrendo daqui que aquele acórdão – a decisão recorrida –,
terá aplicado necessariamente as normas do Código de Processo Penal que integram
o regime das nulidades das decisões judiciais e que, assim sendo, só estas
poderiam ser objecto do presente recurso de constitucionalidade, uma vez que
aquela decisão as terá aplicado com ratio decidendi.
Com efeito, um outro requisito específico do recurso de constitucionalidade é a
aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja
constitucionalidade é questionada pela recorrente. E bem se compreende que assim
seja: a 'exigência, de que a norma aplicada constitua o fundamento da decisão
recorrida, resulta do facto de só nesse caso a decisão da questão de
constitucionalidade poder reflectir-se utilmente no processo. Sendo a referência
à norma questionada mero obter dictum, ou existindo na decisão recorrida outro
fundamento, por si só, bastante para essa decisão, a intervenção do Tribunal
Constitucional na apreciação da conformidade constitucional da norma impugnada
não se reflectirá utilmente no processo, uma vez que sempre a decisão recorrida
seria a mesma, ainda que a norma questionada seja declarada inconstitucional'
(cf. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 497/99, não publicado, e, no mesmo
sentido, entre outros, os Acórdãos nºs 367/94, Diário da República, II Série, de
7 de Setembro de 1994, 496/99, não publicado, 674/99, Diário da República, II
Série, de 25 de Fevereiro de 2000, 155/2000, Diário da República, II Série, de 9
de Outubro de 2000, e 418/01, não publicado).
Ora, no caso em apreço, independentemente da afirmação já feita no sentido de o
ora reclamante não ter indicado qualquer norma cuja constitucionalidade
pretendia ver apreciada, identificando uma qualquer disposição legal, o que é
facto é que não foi suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade
relativamente às normas, sobre nulidades das decisões judiciais, que foram
aplicadas no Acórdão da Relação de Lisboa, de 29 de Outubro de 2003. Não foi
suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade destas normas, sendo certo
que, como muito bem conclui o Ministério Público junto deste Tribunal, o acórdão
recorrido se limitou 'a dirimir a questão da pretensa nulidade de decisão
anteriormente proferida pela Relação, o que naturalmente implica que, como
efectiva ‘ratio decidendi’, apenas tenha aplicado as normas e preceitos legais
que tipificam as causas de nulidade das decisões judiciais'.
Impõe-se, pois, concluir que, durante o processo e de modo processualmente
adequado, o ora reclamante não suscitou qualquer questão de
inconstitucionalidade relativamente às normas aplicadas como ratio decidendi
pela decisão recorrida – normas que integram o regime das nulidades das decisões
judiciais. Pelo que, o não preenchimento deste requisito do recurso de
constitucionalidade dita o indeferimento do requerimento de interposição do
recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 76º, nº
1, da LTC.
Tal como se decidiu no despacho reclamado, o recurso não pode, pois, ser
admitido.
III. Decisão
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 16 de Fevereiro de 2005
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
Artur Maurício