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Processo n.º 706/2004
2.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos
do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, em que figura como recorrente o
Ministério Público e como recorrida a Fazenda Pública, o tribunal a quo proferiu
a seguinte decisão:
José da Silva Araújo, com os demais sinais nos autos, pede a declaração de
inexistência de causa legítima de inexecução parcial (por lapso manifesto, diz
integral) do acórdão do Tribunal Central Administrativo (TCA), de 28.05.02.
A Fazenda Pública suscitou a questão da incompetência deste tribunal, opinando
que ela é do TCA, segundo o disposto no art. 41º.1.d) do ETAF, conforme
anotação, ao art. 146° respectivo, do Exmo Conselheiro Lopes de Sousa no seu
CPPT anotado.
O Ministério Público é de parecer que o pedido proceda parcialmente.
Verifica-se que o douto acórdão cuja execução está em questão foi exarado no
TCA, em 28.05.02 - fls. 11 a 17, sendo, de resto, facto não controvertido.
Apreciando e decidindo:
O n° 3 do art. 146° do CPPT é, em nossa opinião, claro no sentido de atribuir a
competência, para conhecimento das execuções de julgado, aos tribunais
tributários de 1ª instância, mesmo quando estejam em causa decisões de tribunais
superiores - o acórdãos do n° 2 parece não permitir outra interpretação.
Todavia, como assinala o douto autor referido, da Lei 87-B/98, de 31.12 (à
sombra da qual foi aprovado o CPPT), não constava autorização para alteração da
competência do TCA, sendo esta matéria da reserva relativa da Assembleia da
República (art. 165°.1.p) da lei fundamental), razão pela qual a norma em causa
será organicamente inconstitucional (artigos 112°.2 e 198°.1.b) da CRP).
Recusa-se, pois, a aplicação da norma contida no n° 3 do dito art. 146°, por a
considerarmos organicamente inconstitucional, e, visto o disposto no citado art.
41°.1.d), declara-se a incompetência, em razão da hierarquia, deste tribunal,
afirmando a do TCA.
O Ministério Público interpôs recurso obrigatório de constitucionalidade, ao
abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional,
para apreciação da conformidade à Constituição da norma desaplicada com
fundamento em inconstitucionalidade.
Junto do Tribunal Constitucional, o recorrente apresentou alegações que concluiu
do seguinte modo:
1 - São organicamente inconstitucionais quaisquer normas, constantes de diploma
não credenciado por precedente autorização legislativa da Assembleia da
República, que inovem em sede de repartição de competências entre os vários
tribunais.
2 - Nos termos do artigo 7°, n° 1, parte final do Decreto-Lei n° 256-A/77, de
17 de Junho, a fixação de indemnização dos prejuízos resultantes do acto
anulado e da inexecução, espontânea e integral, da sentença anulatória compete
ao tribunal que, em primeiro grau de jurisdição, tiver proferido tal sentença -
constituindo tal regime legal excepção ao princípio, afirmado pelo ETAF, de que
o conhecimento das questões de execução de julgados compete sempre ao tribunal
que tiver proferido a sentença ou acórdão exequendo.
3 - A norma constante do artigo 146°, n° 3, do CPPT, interpretada em termos de a
fixação da indemnização pelos danos decorrentes da anulação de certa liquidação
tributária competir ao tribunal que, em 1ª instância, proferiu a sentença
anulatória carece, deste modo, de natureza inovatória, não padecendo de
inconstitucionalidade orgânica.
4 - Termos em que deverá proceder o presente recurso.
A entidade recorrida não contra-alegou.
Cumpre apreciar.
2. A questão de constitucionalidade foi configurada pela decisão recorrida do
seguinte modo: o nº 3 do artigo 146º do Código do Procedimento e Processo
Tributário confere aos tribunais tributários de 1ª instância competência para o
conhecimento das execuções de julgado, mesmo quando estejam em causa decisões de
tribunais superiores. No entanto, da Lei nº 87-B/98, de 31 de Dezembro, que
concedeu a autorização legislativa para a aprovação do Código do Procedimento e
Processo Tributário, não consta autorização para alteração da competência do
Tribunal Central Administrativo, matéria abrangida pela reserva parlamentar, nos
termos do artigo 165º, nº 1, alínea f), da Constituição.
Para responder à questão suscitada, o Tribunal Constitucional deverá averiguar
se a concreta dimensão normativa do artigo 146º, nº 3, do Código do Procedimento
e Processo Tributário, aplicada nos autos tem efectivamente carácter inovatório.
Ora, o tribunal a quo interpretou a norma do nº 3 do artigo 146º do Código de
Procedimento e de Processo Tributário como atribuindo competência ao tribunais
tributários de 1ª instância para conhecer das execuções de julgados, “mesmo
quando estejam em causa decisões de tribunal superior”, sem distinguir os casos
em que estas decisões dos tribunais superiores são proferidas em processos que
esses tribunais julgam em 1ª instância e os casos em que as decisões são
proferidas na sequência da interposição de recursos jurisdicionais.
Acontece que, no caso de que emerge o presente recurso, está em causa uma
sentença do Tribunal Tributário de Viana do Castelo, que julgou procedente o
pedido de declaração de inexistência de causa legítima de inexecução parcial de
um acórdão do Tribunal Central Administrativo. Este foi deduzido pelo ora
recorrente, quanto à liquidação de contribuição industrial e de imposto
extraordinário relativos aos exercícios de 1983 a 1987, tendo a sentença sido
confirmada, em recurso jurisdicional, pelo acórdão do Tribunal Central
Administrativo, de 28 de Maio de 2002.
Neste contexto, independentemente da interpretação que se considere mais
correcta da norma do nº 3 do art. 146º do Código de Procedimento e de Processo
Tributário, o certo é que a dimensão em que os tribunais tributários de 1ª
instância são competentes para conhecer dos pedidos de execução de julgado das
decisões proferidas em processos por eles julgados em 1º grau de jurisdição,
mesmo que a decisão final tenha sido proferida por tribunal superior (no caso,
pelo Tribunal Central Administrativo), no âmbito de recurso jurisdicional para
ele interposto, nada tem de inovador, pois esse era o regime que já resultava do
nº 2 do artigo 166º do Código de Processo Tributário e, anteriormente, do artigo
7º do Decreto-Lei nº 256-A/77, de 17 de Junho, não alterado pelo Estatuto dos
Tribunais Administrativos e Fiscais de 1984.
Assim, o artigo 7º do Decreto-Lei nº 256-A/77, de 17 de Junho, prescrevia que
tal requerimento deve ser endereçado “ao tribunal que em primeiro grau de
jurisdição tiver proferido sentença” (que facultava ao interessado a
possibilidade de deduzir o pedido de fixação da indemnização dos prejuízos
resultantes do acto anulado por uma sentença, bem como da não execução
espontânea e integral desta, constituindo um passo no desígnio constitucional de
garantir a tutela judicial efectiva dos particulares, concebendo a execução de
julgados “como um meio declarativo complementar, para execução de sentenças
anulatórias” – cf. Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, Lições, 4ª ed.,
p. 340 e ss.). Por outro lado, a norma do Código de Processo Tributário
desaplicada por inconstitucionalidade e que foi questionada neste recurso surgiu
no contexto da seguinte evolução legislativa:
a) O artigo 166º do Código de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei nº
154/91, de 23 de Abril, dispunha, na sua redacção originária:
São admitidos no processo judicial tributário os meios processuais de intimação
para consulta de documentos e passagem de certidões, de produção antecipada de
prova e de execução dos julgados, os quais serão regulados pelo disposto nas
normas sobre o processo nos tribunais administrativos e fiscais.
O Decreto-Lei nº 47/95, de 10 de Março, alterou este artigo 166º, transformando
o corpo do artigo, sem qualquer alteração de redacção, em nº 1, e aditando um
novo nº 2, do seguinte teor:
2 – Cabe aos tribunais tributários de lª instância a apreciação das questões
referidas no presente artigo.
b) Este Decreto-Lei nº 47/95 foi editado ao abrigo da autorização legislativa
concedida pelo artigo 47º da Lei nº 75/93, de 20 de Dezembro, que dispunha:
1 – Fica o Governo autorizado a rever o Código de Processo Tributário e o
Decreto-Lei nº 154/91, de 23 de Abril, que o aprovou, no seguinte sentido:
(...)
f) Clarificação do artigo 166º do Código de Processo Tributário no sentido de o
preceito referir expressamente que a competência cabe aos tribunais tributários;
(...)
2 – (...).
c) O Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei
nº 433/99, de 26 de Outubro, editado ao abrigo da autorização legislativa
concedida pelos nºs 1 e 6 do artigo 51º da Lei nº 87-B/98, de 31 de Dezembro
(que autorizou o Governo a alterar o Código de Processo Tributário, aprovado
pelo Decreto-Lei nº 154/91, de 23 de Abril (nº 1) e introduzir alçadas nos
tribunais tributários de 1ª instância (nº 6), veio dispor no seu artigo 146º:
1 – São admitidos no processo judicial tributário os meios processuais
acessórios de intimação para consulta de documentos e passagem de certidões, de
produção antecipada de prova e de execução dos julgados, os quais serão
regulados pelo disposto nas normas sobre o processo nos tribunais
administrativos.
2 – O prazo de execução espontânea das sentenças e acórdãos dos tribunais
tributários conta-se a partir da data em que o processo tiver sido remetido ao
órgão da administração tributária competente para a execução, podendo o
interessado requerer a remessa no prazo de 8 dias após o trânsito em julgado da
decisão,
3 – Cabe aos tribunais tributários de 1ª instância a apreciação das questões
referidas no presente artigo.
Verifica-se, assim, que os nºs 1 e 3 do artigo 146º do Código de Procedimento e
de Processo Tributário correspondem aos nºs 1 e 2 do artigo 166º do Código de
Processo Tributário, na redacção do Decreto-Lei nº 47/95, de 10 de Março.
Não tendo, como se demonstrou, a norma em causa, na dimensão relevante para o
presente caso, natureza inovatória, não padece de inconstitucionalidade
orgânica.
3. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide não julgar
inconstitucional a norma do artigo 146º, nº 3, do Código do Procedimento e
Processo Tributário, interpretada no sentido de atribuir a competência para a
execução do julgado da anulação de certa liquidação tributária ao tribunal
tributário que proferiu a decisão anulatória, revogando consequentemente a
decisão recorrida que deverá ser reformulada de acordo com o presente juízo de
não inconstitucionalidade.
Lisboa, 3 de Maio de 2005
Maria Fernanda Palma
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Rodrigues
Paulo Mota Pinto
Rui Manuel Moura Ramos