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Processo n.º 238/05
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que figuram
como recorrente A. e como recorrido o Ministério Público, foi proferido acórdão,
em 9 de Fevereiro de 2005, que negou provimento a dois recursos que haviam sido
interpostos pelo ora recorrente: o primeiro, do despacho proferido a fls. 534,
que ordenara a reabertura da audiência de julgamento; o segundo, do acórdão que
o condenou, como autor de um crime de burla qualificada e de um crime de
falsificação de documentos, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão.
2. Deste acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra foi interposto recurso para o
Tribunal Constitucional. Por decisão sumária, datada de 4 de Abril de 2004, foi
decidido não tomar conhecimento do recurso.
3. Desta decisão foi interposta, ao abrigo do disposto no art. 78º-A, n.º 3 da
LTC, reclamação para a Conferência, a qual, pelo acórdão n.º 216/2005, decidiu
“desatender a [...] reclamação, confirmando-se a decisão reclamada de não
conhecimento do recurso.”
4. Notificado deste acórdão, veio então o recorrente apresentar um requerimento
do seguinte teor:
“[...] notificado do Acórdão n° 216/2005, que desatendeu a apresentada
reclamação, vem requerer a sua aclaração,
nos termos e com os fundamentos seguintes:
1 - Resulta do sobredito Acórdão, ora em aclaração, que o Tribunal entende que o
recurso outrora interposto se limita a suscitar a inconstitucionalidade das
decisões de que então recorreu e não das normas por elas aplicadas.
2 - O que, face ao sistema vigente, o da fiscalização concreta de
inconstitucionalidades, não abre via de recurso para o Tribunal Constitucional.
3 – Sucede, porém, que o recorrente/reclamante não entende o completo sentido e
alcance da decisão sumária ora reiterado no Acórdão em apreço que, pelas mesmas
e repetidas razões, desatende a apresentada reclamação.
4 – Na verdade, entende o reclamante, modestamente, e sem intenção de meras
delongas, que foram invocadas razões bastantes para que o recurso tivesse sido
conhecido.
5 - Razões que, de resto, a decisão sumária acaba por aceitar existirem, embora
entenda, a par, e num segundo momento, que um eventual convite para
aperfeiçoamento seria praticar um acto inútil.
6 – Ora, é precisamente este aspecto, que a decisão ora em análise acolheu, na
sua estrutura decisória, ao menos de forma implícita, que o reclamante pretende
ver clarificado, pois que, e com o maior respeito, não consegue perceber na
íntegra.
7 - Ou seja, na humilde perspectiva do recorrente, ora reclamante, não se
percebe, afinal, a concreta razão da não admissibilidade do recurso e, por
inerência, da subsequente reclamação, que acolheu os mesmos argumentos, nos seus
precisos termos, assim obstaculizando ao seu conhecimento
8 - Isto é, não entende se uma tal não admissibilidade radica numa alegações
pretensamente «canhestras» ou «imperfeitas», sem ofensa para o seu autor, mas,
ainda assim, ao que se percebe, com um mínimo de substracto para que, com a
operada correcção, após convite nesse sentido, pudesse ser o recurso apreciado.
9 - Ou se, em vez disso, é a mesma baseada apenas na suposta ou implícita
improcedência da sua própria argumentação, geradora, lateralmente, ao que se
percepciona, da sua antevista inutilidade.
10 - É que, e salvo melhor opinião, a conseguida e joeirada análise de ambas as
mencionadas decisões não esclareceu, com nitidez, a concreta razão do não
conhecimento do mérito.
11 - Dessa forma ficando arredada a possibilidade do reclamante ver analisadas
questões fulcrais, de mérito, que contendem com o seu real direito de defesa,
plasmado além do mais, no artigo 32° da Constituição da República, quando está
em vista o ataque ao seu mais precioso bem, a liberdade.
12 – Acresce que, também não consegue entender o reclamante se a invocada
omissão de pronúncia, que o Tribunal sempre podia e devia conhecer,
oficiosamente, também esteve subjacente à tal ideia de inutilidade
superveniente, ou nem isso.
13 - Ilação esta que, e com o devido respeito, não consegue o reclamante
entender, mormente quanto ao seu concreto sentido e alcance.
É, pois, este contexto, que tem como dúbio, pois que, ao menos para si,
imperceptível, que o reclamante ousa, com a maior modéstia e respeito, ver
clarificado, com o necessário rigor, crente que permanece a possibilidade da
forma não invalidar, a todo o custo, o conhecimento do mérito, sob pena de
falência dos estruturantes princípios enformadores do direito processual penal,
mormente o da indagação da verdade material.”
5. Notificado para responder, querendo, ao requerimento do
recorrente/reclamante, o Ministério Público recorrido veio dizer o seguinte:
“[...] 1.º O pedido de aclaração deduzido carece manifestamente de fundamento
sério, traduzindo um uso abusivo e ilegítimo da figura de tal incidente
pós-decisório.
2. Na verdade, a decisão da conferência, que dirimiu definitivamente a questão
da admissibilidade do recurso, é perfeitamente clara e insusceptível de dúvida
objectiva sobre o nela decidido, acerca da matéria dos pressupostos do recurso.
3. Só podendo entender-se o presente requerimento como traduzindo inadmissível
manobra dilatória, susceptível de desencadear o mecanismo processual previsto no
artigo 84º, n.º 8, da Lei do Tribunal Constitucional.”
Cumpre apreciar e decidir.
III – Fundamentação
6. Notificado do acórdão n.º 216/2005, que indeferiu a reclamação apresentada e
confirmou a decisão sumária que não tomara conhecimento do recurso, não terá o
ora requerente compreendido a decisão, pelo que, através de novos mandatários,
“vem requerer a sua aclaração.” Não deriva, porém, do referido Acórdão qualquer
motivo para tal incompreensão, já que ele não contém nenhuma obscuridade ou
ambiguidade, sendo perfeitamente claro não só acerca do que nele se decidiu, mas
também em relação aos motivos porque assim se decidiu.
De facto, o pedido de aclaração visa, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo
669º do Código de Processo Civil, “o esclarecimento de alguma obscuridade ou
ambiguidade” que a decisão contenha.
Ora, o acórdão n.º 216/2005 é claríssimo, não só quanto à decisão – “desatender
a presente reclamação, confirmando-se a decisão reclamada de não conhecimento do
recurso”, mas também quanto à sua fundamentação – nunca ter o recorrente
formulado “perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida e antes de ela
ser proferida, como exige o n.º 2 do artigo 72º da Lei do Tribunal
Constitucional, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa susceptível
de integrar o recurso que pretendeu interpor” e ter o ora requerente “quando
muito, nessas peças processuais, [...] suscitado a inconstitucionalidade das
decisões judiciais de que então recorreu e não de normas por estas aplicadas, o
que, no sistema português de recurso de fiscalização concreta de
constitucionalidade, não abre via de recurso para este Tribunal [...]”.
Assim sendo, porque a decisão aclaranda não enferma de qualquer obscuridade ou
ambiguidade que careça de ser esclarecida, há que desatender o pedido formulado,
entendendo-se, todavia, por ora, que o presente requerimento terá resultado mais
de uma incapacidade de compreensão do que de um doloso propósito de obstar ao
prosseguimento dos autos.
III – Decisão
Nestes termos, decide-se desatender o pedido de aclaração do acórdão.
Custas pelo requerente, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 24 de Maio de 2005
Gil Galvão
Bravo Serra
Artur Maurício