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Processo n.º 118/04
2.ª Secção Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1.Em 24 de Outubro de 2001, A., melhor identificado nos autos, requereu a declaração de inexistência de causa legítima de não execução do acórdão proferido pelo Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo em 24 de Outubro de 2000, que anulou o despacho homologatório da lista do Conselho de Classes de Oficiais da Armada, de ordenação para promoção por escolha, para o ano de 1995, ao posto de Capitão-de-Mar-e-Guerra da classe de Engenheiros Maquinistas Navais, promoção em que fora preterido. Respondeu o Chefe do Estado-Maior da Armada que se reunira, em cumprimento do aí decidido, “a Comissão do Conselho de Classes de Oficiais (CCO), para promoção por escolha ao posto de Capitão-de-Mar-e-Guerra da classe de Engenheiros Maquinistas Navais, a fim de, com base exclusivamente no processo preparado para elaboração da lista de promoção para o ano de 95, reconstituir o parecer então emitido, pela consideração expressa de todos os factores de apreciação do mérito definidos no n.º 2 do art.º 4º da Portaria n.º 21/94, de 8 de Janeiro, em relação aos Oficiais na altura presentes à escolha”, daí resultando de novo a preterição do requerente para os quatro lugares disponíveis. Por acórdão de 14 de Janeiro de 2003, a 2ª Subsecção da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo decidiu julgar finda a execução pretendida por o acórdão do Pleno “já ter sido executado”. Insatisfeito, o recorrente apresentou recurso para o Pleno da Secção, invocando, designadamente, “que a decisão que a ER emitiu para executar os citados acórdãos continua a não considerar o critério da al. d) do n.º 2 do art.º 4º da Port.
21/94, ao considerar 18 avaliações ao recorrente e 20 aos restantes candidatos”, pelo que “[a]o aceitar o entendimento do acórdão recorrido, teremos que considerar a norma contida no n.º 2 do art.º 4º da Portaria 21/94 como inconstitucional e atentatória da igualdade de tratamento dos cidadãos perante a lei – art.º 13º da CRP.” Por acórdão de 27 de Novembro de 2003, o Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo deliberou, em conferência, negar provimento ao recurso, citando, no que ora importa, o decidido pela Subsecção para concluir que ad impossibilia nemo tenetur:
“Das informações de Oficiais a promover (…) resulta que, em igual período de tempo, relativamente ao recorrente apenas constam 18 informações, enquanto relativamente aos outros 4 candidatos seleccionados constam 20, mas também sucede que outros candidatos há dos quais constam apenas 17 e 19 informações. E esta discrepância existe porque ao recorrente não foram dadas informações em Janeiro de 1984 e em Janeiro de 1987, por o mesmo não ter sido observado (…), caso lhe tivessem sido dadas estaria perfeito o número de 20 informações.”
2.Inconformado, interpôs o recorrente o presente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, para apreciação da questão da conformidade constitucional “da norma contida no n.º 2 do art.º 4º da Portaria n.º 21/94, de 8/1, por violação do artigo 13º (princípio da igualdade) da CRP”, concluindo assim as suas alegações:
“I – O recorrente suscitou a inconstitucionalidade da norma contida na alínea d) do n.º 2 do art.º 4º da Portaria 21/94, de 8/1, que se extrai da interpretação que o Supremo Tribunal Administrativo lhe deu no acórdão recorrido em que aplicou a referida norma. II – Entendeu o Acórdão recorrido que foi correctamente aplicado o disposto no n.º 2, alínea d), do art.º 4º da Portaria 21/94 ao valorar 18 avaliações individuais periódicas e extraordinárias na candidatura do recorrente, enquanto que aos oficiais escolhidos, promovidos no concurso, classificados à frente do recorrente foram consideradas 20 avaliações individuais periódicas e extraordinárias. III – Aceitar-se tal interpretação significaria a inconstitucionalidade da norma contida no n.º 2, al. d), do art.º 4º da Port. 21/94, por violação do princípio da igualdade contido no n.º 1 do art.º 13º da Constituição. IV – Perante uma situação concreta em que os candidatos a concurso se apresentam, sem culpa sua, com diferente número de avaliações, não pode o critério definido pela norma sindicada prejudicar os candidatos que se apresentam com menos avaliações do que os outros. V – Deveria a norma sindicada estabelecer uma forma igualitária de apreciação da desigualdade constatada, sem culpa sua, entre os candidatos. VI – Se há candidatos que, sem sua culpa, foram sujeitos a menos avaliações que outros candidatos não podem aqueles verem consideradas valorativamente para o concurso o número de avaliações que excedessem a quantidade apresentada pelos outros. VII – Da aplicação da lei – do critério definido pela norma sindicada – resultou uma desigualdade objectivada no resultado do concurso: a promoção daqueles que possuíam mais avaliações que os restantes. VIII – Se a norma sindicada não contivesse uma inconstitucionalidade material, atentatória do princípio da igualdade de tratamento dos cidadãos pela lei, aplicada pelas instituições em causa (o CEMA e o Tribunal recorrido), na aplicação da mesma não poderiam ser consideradas as 20 avaliações de uns, em confronto com as 18, 17 ou 19 de outros. IX – A norma é materialmente inconstitucional porque indutora da desigualdade de tratamento e de resultados de aplicação da lei. X – Estando em causa situações de facto desiguais – diversidade do número de avaliações individuais existentes e valoradas no concurso para os candidatos – a lei (e as entidades que a aplicaram – o CEMA e o Tribunal recorrido) tratou-as de forma igual, sem realizar uma discriminação positiva: nunca poderiam ser valoradas de forma igual a existência para uns candidatos de 20 avaliações e número inferior para outros. XI- O Tribunal recorrido ao aplicar ao caso do recorrente a norma cuja inconstitucionalidade foi invocada pelo recorrente durante o processo (art.º
280º, 1, a), da CRP) aplicou norma inconstitucional, devendo ser declarada a inconstitucionalidade com força obrigatória geral da sindicada norma.” Por sua vez, a entidade recorrida encerrou assim as suas contra-alegações:
“1. O art.º 70º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, define os pressupostos de admissibilidade dos recursos para esse Venerando Tribunal, das decisões de outros Tribunais;
2. O Recorrente invoca como base do presente recurso o disposto na alínea b) do n.º 1 daquele art.º 70.º que admite recurso das decisões que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo;
3. Alegando a inconstitucionalidade da norma da alínea d) do n.º 2 do art.º 4º da Portaria n.º 21/94, de 8 de Janeiro, na interpretação que lhe é feita pelo douto Acórdão do STA, de 27/11/03, por violação do princípio da igualdade definido no art.º 13º na CRP;
4. Mas não tem qualquer razão;
5. O art.º 13º da Constituição, que impõe à conduta da Administração o princípio da igualdade, não proíbe o tratamento diferente para casos diferentes, o que não admite é o arbítrio ou discriminação infundada;
6. No caso, só foram consideradas 18 avaliações individuais para efeitos de ordenamento do CMG A., na lista de promoção em causa;
7. Pelo que bem decidiu o mui douto Acórdão de 27 de Novembro;
8. Pois nunca poderia ver apreciadas 20 avaliações individuais periódicas, pela simples razão de, naquele período, o militar só dispor de 18;
9. E a diferença daí resultante não ofende o princípio da igualdade, pois não existe qualquer distinção arbitrária, justificada que está a concreta diferença de situações e sendo a lei aplicada, a todos os concorrentes, de forma idêntica.” Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos
3.É a seguinte a redacção da norma impugnada da Portaria n.º 21/94, de 8 de Janeiro:
“4º Critérios
1. A avaliação do mérito é feita com base na avaliação da competência profissional e na avaliação curricular.
2. Para efeitos do disposto no número anterior, são considerados os seguintes factores: a) (…) b) (…) c) (…) d) As avaliações individuais periódicas e extraordinárias;
(…)” Nas instâncias, a questão essencial foi a da disparidade do número de avaliações entre o recorrente (18) e os candidatos seleccionados (20) – ao ponto de, na
última decisão do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo se ter escrito o seguinte: “Aparentemente, teria razão o ora recorrente quando clama pela inexecução ou execução imperfeita do julgado, uma vez que o ora exequente voltou a ser avaliado, tomando-se em conta, novamente e apenas 18 das mencionadas avaliações.”.
É também a essa disparidade de avaliações entre o recorrente e outros candidatos que é imputada, pelo recorrente, a violação do princípio da igualdade, com fundamento em que “não pode o critério definido pela norma sindicada prejudicar os candidatos que se apresentam com menos avaliações do que outros”. Será, porém, que a não consideração da disparidade do número de avaliações – no caso 18 e não 20 – implicou a violação do princípio da igualdade na interpretação da norma em questão?
4.Entende-se que a resposta a esta pergunta é negativa, desde que não haja elementos que permitam considerar que o número de avaliações a que foi submetido o recorrente e os outros candidatos foi relevante para o juízo formulado. É o que se passa no caso concreto: o que se verifica é que, nos termos do artigo 4.º da Portaria n.º 21/94, a “apreciação do mérito é feita com base na avaliação da competência profissional e na avaliação curricular”, e que, para efeitos destas avaliações, são considerados dez factores, dos quais apenas um são as avaliações individuais periódicas e extraordinárias, ora em questão. São esses factores
(n.º 2 do referido artigo 4.º):
“a) A qualidade do desempenho de funções do avaliado no actual e, no mínimo, no anterior posto; b) A natureza, as condições e as exigências peculiares das funções exercidas no actual e, no mínimo, no anterior posto; c) A qualidade do desempenho de funções de posto superior, quando tenha ocorrido; d) As avaliações individuais periódicas e extraordinárias; e) O registo disciplinar; f) A frequência de cursos ou estágios de formação, promoção, qualificação e actualização e respectivas classificações; g) O elenco e conteúdo de funções e cargos desempenhados; h) A participação em actividades operacionais de campanha, em situações de conflito ou de crise e em actividades de treino operacional e técnico; i) Outras qualificações e especializações militares e técnicas adquiridas; j) Os conhecimentos e qualificações obtidos em outros cursos ou acções de formação, por iniciativa do avaliado, desde que adequados e utilizados no desempenho de cargos ou funções em benefício das Forças Armadas; l) A antiguidade no posto, sem prejuízo do disposto no artigo 200.° do EMFAR.” Neste contexto, é claro que a pequena diferença no número de avaliações individuais e periódicas (alínea d)) realizadas apenas poderia influenciar imediatamente, quando muito, um dos factores de avaliação em dez, mas não, só por si, a avaliação global, que é de tipo qualitativo – e não quantitativo, não dependendo da soma das avaliações individuais e periódicas prevista na alínea d)
–, e toma em conta todos os restantes factores. Nada permite concluir, portanto, que a consequência de uma diferença do número de avaliações individuais periódicas seria uma alteração da avaliação qualitativa global. E no presente caso a avaliação do ora recorrente, que levou à conclusão pela progressão retardada, foi claramente de ordem qualitativa, considerando diversos factores, como resulta da respectiva acta. Aliás, mesmo tomando em conta apenas as avaliações individuais periódicas e extraordinárias, importa considerar ainda que elas não eram somáveis – caso em que, se aumentasse o seu número melhoraria sempre a posição dos sujeitos a elas submetidos, e seria, de facto, injusto que razões eventualmente alheias às pessoas sujeitas a avaliação interferissem com a sua posição relativa numa carreira. A ponderação das avaliações efectuadas – sejam elas 20 ou 18 (apenas menos duas, aliás), ou ainda 17 ou 19 (como foram para outros concorrentes) – não se fez pela respectiva soma, sem mais, mas pelo apuramento de uma “média geral individual”, confrontada com uma outra média, construída a partir das informações sobre os restantes candidatos: a “média do universo dos oficiais em apreciação” – e isto, quer no que respeita aos “agrupamentos de aptidões”, quer no que respeita à “opinião dos informadores no seu conjunto”. Ora, é claro que, desta forma, para cada candidato o acréscimo individual de informações tanto pode ser benéfico (se ficar acima da média) como pode revelar-se prejudicial (se ficar abaixo da média). Pelo que nada permite concluir que uma variação, como a do caso, de apenas um décimo no número de informações, e referente a um factor que é apenas um entre dez a considerar, importaria, só por si, consequências sobre o resultado da avaliação, de tal forma que possa dizer-se ter existido, na interpretação das normas em causa relativas aos critérios de avaliação
(interpretação segundo a qual não obsta à avaliação da competência profissional e para avaliação curricular a existência de menos um décimo de avaliações individuais periódicas), violação do princípio da igualdade.
5.Ao que se disse acresce, no caso concreto do presente recorrente, que, segundo a acta da reunião do Conselho de Classes de Oficiais da Armada, realizada na sequência do decidido no Acórdão de 24 de Outubro de 2000, do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, a opinião dos informadores no seu conjunto era “bastante inferior à média do universo dos oficiais em apreciação”. Pelo que poderia mesmo considerar-se, pelo menos, duvidoso que a adição de apenas mais duas avaliações, a somar às 18 contabilizadas, viesse a ser suficiente para alterar a sua posição relativa neste ponto da grelha de aferição, mesmo que se admitisse que ambas seriam superiores à sua média (e não se vê como, nas circunstâncias concretas, podiam sê-lo, considerando que, na realidade, as duas avaliações em falta não foram efectuadas – pelo que, se a igualdade numérica de avaliações de todos os candidatos fosse essencial para os resultados finais, a única forma de os parificar seria convencionar que o número de informações reais em falta para cada candidato seria substituído por igual número de informações construídas a partir, justamente, da média das informações reais por ele obtidas). Não se verifica, portanto, nenhum tratamento diferenciado que não seja resultado da impossibilidade de tomar em conta avaliações que não foram realizadas – nem consequentemente, qualquer discriminação em violação do princípio da igualdade. Não pode, por outro lado, considerar-se, perante os elementos disponíveis, que a alegação do recorrente de uma “desigualdade objectivada no resultado do concurso: a promoção daqueles que possuíam mais avaliações que os restantes” resulte de mais do que de uma coincidência. Assim sendo, conclui-se que a norma do artigo 4º, n.º 2, alínea d), da Portaria n.º 21/94, de 8 de Janeiro, na interpretação segundo a qual não obsta à avaliação da competência profissional e para avaliação curricular a existência de menos um décimo de avaliações individuais periódicas, não padece de inconstitucionalidade material à luz do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição da República. III. Decisão Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide: a) Não julgar inconstitucional a norma da alínea d) do n.º 2 do artigo 4.º da Portaria n.º 21/94, de 8 de Janeiro; b) Consequentemente, negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida no que à questão de constitucionalidade respeita; c) Condenar o recorrente em custas, com 20 (vinte) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 1 de Fevereiro de 2005
Paulo Mota Pinto Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Benjamim Rodrigues Rui Manuel Moura Ramos
[ documento impresso do Tribunal Constitucional no endereço URL: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20050055.html ]