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Processo n.º 122/07
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. Por decisão sumária de fls. 341 e seguintes, não se tomou
conhecimento do recurso interposto para este Tribunal pela Câmara Municipal de
Marco de Canaveses, pelos seguintes fundamentos:
“[…]
9. Tendo o presente recurso sido interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (supra, 8.), constitui seu
pressuposto processual a aplicação, na decisão recorrida, da norma ou
interpretação normativa cuja conformidade constitucional se pretende que o
Tribunal Constitucional aprecie.
Sucede, porém, que em relação à primeira interpretação normativa identificada
pela recorrente – a do «artº 6º do ETAF, aprovado pelo DL n.º 129/84, de 27 de
Abril, eventualmente em conjugação com os artigos 842º e 843º do Código
Administrativo e com o artigo 24º, alínea a), da LPTA, aprovada pelo DL n.º
267/85, de 16 de Julho, na interpretação […] segundo a qual aquele primeiro
preceito, ao consagrar o princípio de que os recursos contenciosos são de mera
legalidade, impede que o tribunal conheça da eventual aquisição do direito ao
lugar, com base na usucapião, por parte de funcionário nomeado por acto nulo» –,
verifica-se, percorrendo o texto da decisão recorrida (supra, 5.), que o não
conhecimento dessa questão se fundou, diversamente, nos artigos 24º e seguintes
e 69º e seguintes da LPTA e 134º, n.º 3, do CPA, mencionando-se acessoriamente
os artigos 6º do ETAF, 24º, alínea b), da LPTA, 69º da LPTA e 5º e 7º do
Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho (cfr. fls. 272-273).
Impõe-se, assim, concluir que, quanto a essa interpretação normativa –
necessariamente delimitada pelos preceitos legais identificados pela recorrente
–, não é possível conhecer-se do objecto do presente recurso, por não se mostrar
preenchido um dos respectivos pressupostos processuais: a aplicação, na decisão
recorrida, da norma ou interpretação normativa cuja conformidade constitucional
se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie.
10. Quanto à segunda interpretação normativa questionada pela recorrente – a do
«artº 5º, n.º 1, alínea b), do DL n.º 218/2000, de 9 de Setembro, em conjugação
com os artºs 7º, n.º 1, alínea b), e 4º, alínea e), ambos do DL n.º 497/99, de
19 de Novembro, e ainda em conjugação com o artº 51º, n.º 3, do DL n.º 247/87,
de 16 de Junho, no entendimento de que o sistema acolhido pelo primeiro daqueles
diplomas não é aplicável às nomeações ocorridas antes da sua entrada em vigor,
ao abrigo do citado artº 51º, n.º 3» –, verifica-se, desde logo, e
contrariamente ao que a recorrente sustenta (supra, 8.) que a respectiva
inconstitucionalidade não foi suscitada perante o tribunal recorrido, o que é
exigido pelos artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal
Constitucional.
Percorrendo, na verdade, as contra-alegações que a ora recorrente produziu
perante o tribunal recorrido (supra, 3.), há que reconhecer que, não obstante se
ter nelas sustentado a violação do princípio da igualdade por parte do
entendimento segundo o qual «a reclassificação do Recorrido Particular
continuaria ilegal em virtude de não se ter verificado uma organização ou
reestruturação parcial dos serviços» (cfr. conclusão 26ª), nenhuma
inconstitucionalidade foi imputada, em termos minimamente explícitos, aos
preceitos legais agora especificados pela recorrente.
Não tendo a recorrente, quanto à assinalada segunda interpretação normativa,
cumprido o ónus a que se referem os artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2,
da Lei do Tribunal Constitucional, há que concluir que, em relação a essa
interpretação, não se mostra preenchido um dos pressupostos processuais do
presente recurso, não podendo, como tal, conhecer-se do respectivo objecto.
11. No que diz respeito à terceira interpretação normativa identificada pela
recorrente – a do artigo 6º do ETAF, «segundo a qual o mesmo princípio de que o
recurso contencioso é de mera anulação impede que o tribunal conheça da sanação
ou convalidação de actos nulos por mera força de lei, como sucede nos casos
previstos no artigo 4º, n.º 2, alínea a) do DL n.º 420/91, de 29 de Outubro, e
no artigo 1º do DL nº 489/99, de 17 de Novembro, que modificou o sistema de
regularização de situações previsto no DL 413/91, de 19 de Outubro» –,
verifica-se, percorrendo o texto da decisão recorrida (supra, 5.), que nela
nenhuma alusão se faz a essa interpretação normativa, pelo que não se mostra
preenchido um dos pressupostos processuais do presente recurso: o da aplicação,
na decisão recorrida, da norma ou interpretação normativa cuja conformidade
constitucional se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie (cfr. o artigo
70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional).
E, ainda que se aceitasse que esse entendimento foi implicitamente acolhido pelo
tribunal recorrido, a verdade é que outro motivo existiria para que dele se não
conhecesse: se bem se reparar, esse entendimento não traduz qualquer
interpretação normativa, redundando num vício (o da omissão de pronúncia) da
própria decisão recorrida, em si mesma considerada.
Ora, como se sabe, o Tribunal Constitucional não tem competência para sindicar a
conformidade constitucional das decisões recorridas, enquanto tais, mas apenas
de normas ou interpretações normativas (cfr. as várias alíneas do n.º 1 do
artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional).
[…].”.
2. Notificada desta decisão sumária, veio a Câmara Municipal de Marco
de Canaveses apresentar reclamação para a conferência, nos termos do artigo
78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, formulando as seguintes
conclusões (fls. 361 e seguintes):
“1ª- No que toca à 1ª questão de inconstitucionalidade suscitada, a ratio
decidendi do acórdão recorrido reside na interpretação do artº 6º do ETAF de
1984 segundo o qual os recursos contencioso[s] são de mero controlo de
legalidade dos actos impugnados e não de jurisdição plena e por isso neles não é
possível conhecer da produção de efeitos putativos, ao abrigo do artº 134º, nº
3, do Código de Procedimento Administrativo, como a aquisição do direito ao
lugar, por usucapião, por parte de funcionário nomeado por acto nulo;
2ª - Quanto à 2ª questão de inconstitucionalidade suscitada, a Recorrente
invocou, perante o Tribunal Central Administrativo Norte, em termos
suficientemente explícitos ou ao menos em termos implícitos, a
inconstitucionalidade material do artº 4º, alínea e), do DL nº 497/99, de 19 de
Novembro, e do artº 2º, alínea e), do DL 218/2000, de 9 de Setembro, por ofensa
do princípio constitucional da igualdade;
3ª - No que concerne à 3ª questão de inconstitucionalidade suscitada, o tribunal
a quo julgou improcedente a «questão» suscitada pela Recorrente da sanação do
acto de nomeação do funcionário, por força do disposto no artº 4º, nº 2, alínea
a), do DL nº 420/91, de 29 de Outubro, por considerar que tal lhe estava vedado
pelo princípio estabelecido no artº 6º do ETAF de 1984 segundo o qual o recurso
contencioso é de mera legalidade e tem por objecto o controlo da legalidade dos
actos, sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito que entretanto
ocorram, de acordo com o princípio «tempus regit actum».
[…].”.
3. O representante do Ministério Público junto do Tribunal
Constitucional respondeu à reclamação nestes termos (fls. 391 e seguinte):
“1º - A reclamação deduzida é manifestamente improcedente, quanto à segunda
questão de inconstitucionalidade colocada, já que a entidade recorrente não
suscitou, durante o processo e em termos processualmente adequados, a questão de
inconstitucionalidade das normas a que reportou o seu recurso.
2º - Relativamente à questão de constitucionalidade da norma constante do artigo
6º do ETAF, enquanto consagrador do princípio segundo o qual os recursos
contenciosos são de mera legalidade, apenas permitindo valorar da estrita
nulidade do acto administrativo impugnado – mesmo que se admita que esta
interpretação normativa foi realizada e está subjacente ao decidido pelo
Tribunal «a quo» – afigura-se que a questão de constitucionalidade colocada
sempre seria de qualificar como manifestamente infundada.
3º - Não pode, na verdade, olvidar-se que a decisão recorrida expressamente
acentua que tal limitação aos poderes cognitivos, vigente em sede de recurso
contencioso de anulação, não coarcta aos interessados a possibilidade de lançar
mão de outros meios procedimentais, idóneos para o reconhecimento dos interesses
invocados.
4º - O ordenamento jurídico, globalmente considerado, confere tutela efectiva e
adequada aos interesses invocados pela entidade recorrida, embora através de
meio procedimental diverso do utilizado – o que, sem mais, afasta a invocada
violação dos princípios constitucionais de tutela efectiva e do acesso ao
direito.”.
4. Notificada para se pronunciar sobre a resposta do Ministério
Público, a reclamante nada veio dizer (fls. 394 e seguinte).
Cumpre apreciar e decidir.
II
5. No que diz respeito à primeira interpretação normativa que
constitui o objecto do presente recurso de constitucionalidade – a do artigo 6º
do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), “eventualmente em
conjugação com os artigos 842º e 843º do Código Administrativo e com o artigo
24º, alínea a), da LPTA, aprovada pelo DL n.º 267/85, de 16 de Julho, na
interpretação, acolhida pelo tribunal a quo, segundo a qual aquele primeiro
preceito, ao consagrar o princípio de que os recursos contenciosos são de mera
legalidade, impede que o tribunal conheça da eventual aquisição do direito ao
lugar, com base na usucapião, por parte de funcionário nomeado por acto nulo” –,
impõe-se concluir que não pode integrar o objecto do recurso “a conjugação com
os artigos 842º e 843º do Código Administrativo ou com o artigo 24º, alínea a),
da LPTA”, porque não foi nessa dimensão que o acórdão recorrido se fundou no
artigo 6º do ETAF para decidir a questão que lhe foi submetida.
Admite-se no entanto assistir razão à reclamante, quando
sustenta que, para decidir tal questão, o tribunal recorrido se alicerçou no
artigo 6º do ETAF.
Simplesmente, valem a este propósito as considerações
expendidas, quanto à mesma questão, na Decisão Sumária n.º 101/07, de 1 de
Março, proferida no processo n.º 152/07 do Tribunal Constitucional, em que
também era recorrente a ora reclamante.
Disse-se o seguinte na Decisão Sumária n.º 101/07:
“[…]
5. Torna-se necessária, todavia, ainda uma outra advertência. O Tribunal
Constitucional não vai analisar a questão de saber se no âmbito do recurso
contencioso de anulação, nos termos em que é definido pelo artigo 6º do Estatuto
dos Tribunais Administrativos e Fiscais, é ou não permitido ao tribunal que
julgue nulo o acto recorrido conhecer e declarar efeitos que eventualmente
possam resultar do decurso do tempo, não obstante tal nulidade (nomeadamente, a
aquisição de um direito por usucapião); […].
Com efeito, não cabe no âmbito do recurso de constitucionalidade apreciar, do
ponto de vista do direito ordinário, a interpretação que o tribunal recorrido
perfilhou; o Tribunal Constitucional apenas tem competência para tomar como
objecto do recurso as normas tal como foram interpretadas e aplicadas, e avaliar
da sua conformidade ou desconformidade com a Constituição.
O objecto do recurso reduz-se, assim, à norma do artigo 6º do Estatuto dos
Tribunais Administrativos e Fiscais, interpretada no sentido de que o princípio
de que os recursos contenciosos são de mera legalidade impede o tribunal de
conhecer de eventual aquisição de direito ao lugar, com base em usucapião, por
parte de funcionário nomeado por acto nulo, norma que a recorrente acusa de
violar o princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, consagrado
no n.º 4 do artigo 268º da Constituição, bem como o princípio do acesso ao
direito.
6. Como se viu, o acórdão recorrido não negou a possibilidade de virem a ser
judicialmente reconhecidos eventuais efeitos (nomeadamente derivados do decurso
do tempo) a um acto administrativo declarado nulo num recurso contencioso
julgado nos termos delimitados pelo artigo 6º do Estatuto dos Tribunais
Administrativos e Fiscais. Apenas decidiu que a via processual em causa, assim
definida, não comportava tal verificação, mas que o efeito poderia ser alcançado
através da utilização, pelo interessado, do meio processual adequado: «uma acção
para reconhecimento de direito, nos termos do artigo 67º da LPTA… e o processo
de execução de sentenças (artigos 5º e 7º do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17/6».
O Tribunal Constitucional já foi confrontado diversas vezes com a alegação de
violação do direito de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo
20º da Constituição, e concretizado, quanto às garantias dos administrados, no
n.º 4 do artigo 268º da Constituição.
E também já teve a oportunidade de observar que, tratando-se de um «direito
fundamental, o acesso aos tribunais para defesa de direitos e interesses
legítimos há-de imperativamente ser facultado pelo legislador em termos que
permitam uma tutela efectiva desses direitos e interesses.
Mas dispõe o legislador de uma considerável margem de liberdade na regulação
desse acesso. Liberdade que, no entanto, não pode configurar os meios utilizados
para atingir o desiderato constitucional, de modo tal que o acesso se torne
injustificada ou desnecessariamente complexo» (acórdão n.º 415/2003, Diário da
República, II série, de 17 de Novembro de 2003).
A procedência do presente recurso de constitucionalidade exigiria, pois, que da
Constituição resultasse a proibição ao legislador ordinário de delimitar o
âmbito do recurso contencioso de anulação nos termos já descritos, não obstante
prever um outro meio igualmente apto a alcançar os efeitos em jogo.
Ora, não sendo, nem claramente inadequada, nem desproporcionadamente onerosa, a
via da propositura de uma acção de reconhecimento de direito (cuja sentença
comporta a possibilidade de execução forçada, naturalmente), é manifestamente
infundada a inconstitucionalidade suscitada no presente recurso.
7. Estão, pois, reunidas as condições para que se proceda à emissão da decisão
sumária prevista no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82.
Assim, nega-se provimento ao recurso.
[…].”.
É esta a fundamentação para a qual, também agora, se remete: não obstante ter a
reclamante razão quanto à admissibilidade do conhecimento do objecto do presente
recurso de constitucionalidade, no que se refere à primeira interpretação
normativa indicada no respectivo requerimento de interposição, a verdade é que a
questão de constitucionalidade colocada ao Tribunal é manifestamente infundada,
assim improcedendo.
6. Relativamente à segunda interpretação normativa cuja apreciação a
reclamante/recorrente pretende – reportada ao artigo 5º, n.º 1, alínea b), do
Decreto-Lei n.º 218/2000, de 9 de Setembro, em conjugação com outros preceitos
legais –, sustenta a reclamante que, nas conclusões 20ª a 25ª das
contra-alegações produzidas no recurso para o Tribunal Central Administrativo
Norte (transcritas na decisão sumária, a fls. 342-346), efectivamente suscitou a
inconstitucionalidade, “em termos suficientemente explícitos ou ao menos em
termos implícitos”, dos artigos 4º, alínea e), do DL n.º 497/99, de 19 de
Novembro, e da alínea e) do artigo 2º do DL n.º 218/2000, de 17 de Junho.
Significa isto que a reclamante suscitou, durante o processo, a
questão de inconstitucionalidade normativa que pretende ver apreciada pelo
Tribunal Constitucional?
Como é óbvio, não significa. Por um lado, porque nem sequer em
relação aos preceitos legais agora indicados na reclamação foi imputada, nas
contra-alegações, qualquer inconstitucionalidade, não bastando, para o efeito,
que a par de certos preceitos legais, se referenciem, nessas contra-alegações,
certos preceitos ou princípios constitucionais; por outro lado, porque a questão
de inconstitucionalidade que a reclamante/recorrente pretende que o Tribunal
Constitucional aprecie foi, no requerimento de interposição do presente recurso,
primariamente identificada pelo artigo 5º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º
218/2000, de 9 de Setembro, e a este preceito, como a própria reclamante
reconhece, não foi imputada qualquer inconstitucionalidade durante o processo.
Improcede, assim, também o alegado quanto à segunda questão de
inconstitucionalidade normativa.
7. Relativamente ao alegado pela recorrente quanto à terceira questão
de inconstitucionalidade normativa, cumpre esclarecer que, competindo ao
Tribunal Constitucional apreciar os pressupostos processuais de qualquer recurso
de constitucionalidade – nomeadamente, quando esteja em causa o recurso previsto
na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, o
pressuposto da aplicação, na decisão recorrida, da norma ou interpretação
normativa cuja apreciação se requer ao Tribunal Constitucional –, cabe-lhe
adoptar critérios objectivos, por forma a determinar, com segurança, a
verificação desses pressupostos: ora, a adopção de critérios objectivos postula
a consideração do texto das decisões recorridas, a fim de determinar se aquela
aplicação ocorreu. É o que também resulta, aliás, das regras que norteiam a
interpretação da lei.
Assim, não pode o Tribunal Constitucional presumir, ao decidir
a questão de saber se o tribunal recorrido aplicou ou não o artigo 6º do ETAF,
na interpretação segundo a qual o princípio de que o recurso contencioso é de
mera anulação impede o conhecimento da sanação ou convalidação de actos nulos
por mera força de lei, que esta interpretação normativa teria sido aplicada
unicamente com base na circunstância de a reclamante, em sede de arguição de
nulidade de acórdão por omissão de pronúncia, ter alegado que o tribunal
recorrido aplicou essa interpretação normativa, e o tribunal recorrido ter
rejeitado essa arguição de nulidade.
Na verdade, a rejeição dessa arguição de nulidade não envolveu,
por parte do tribunal recorrido, qualquer pronúncia sobre a questão de
constitucionalidade nem qualquer declaração de que, no primeiro acórdão, o
artigo 6º do ETAF, na interpretação censurada pela reclamante, havia sido
aplicado (sendo certo que, também neste primeiro acórdão, nenhuma referência se
fizera a esta interpretação, conforme decorre da transcrição que, a esse
propósito, se fez na decisão sumária: cfr. fls. 347 a 351).
Lê-se o seguinte, para o que agora releva, no acórdão que
decidiu a arguição de nulidade (cfr. fls. 321 a 323):
“[…]
A coberto do pedido formulado, o que se pretendia era uma verdadeira
reapreciação do julgado no acórdão em referência e com o qual não se concorda.
Daí a circunstância de a entidade reclamante tanto falar em excesso como em
omissão de pronúncia.
Naturalmente que a parte está no seu direito de discordar com o ali decidido. A
matéria nele suscitada é controversa como aliás o denota o modo divergente como
este tribunal tem vindo a decidir casos idênticos.
Todavia, para estes casos aí está a possibilidade de recurso.
Finalmente chamamos à colação o princípio da cooperação e boa fé processual
consagrado no artº 8º do CPTA e que reclama, além do mais, que todos os
intervenientes processuais cooperem entre si para que se obtenha, com brevidade
e eficácia, a justa composição do litígio, o que, naturalmente impõe que se
abstenham de sugerir ou realizar diligências inúteis ou de adoptar mecanismos
dilatórios.
Face ao exposto, acorda-se em indeferir a reclamação em causa.
[…].”.
Não procede, assim, a conclusão da reclamante (cfr. fls. 385)
de que o tribunal recorrido, ao desatender a arguição de nulidade,
implicitamente estaria a declarar ter conhecido da questão de saber se o artigo
6º do ETAF, na interpretação segundo a qual o princípio de que o recurso
contencioso é de mera anulação, impede o conhecimento da sanação ou convalidação
de actos nulos por mera força de lei, ou a declarar ter conhecido da
correspondente questão de constitucionalidade.
Ora, não existindo elementos textuais, nem no primeiro acórdão
do tribunal recorrido, nem no acórdão que decidiu a arguição de nulidade, no
sentido da adopção da terceira interpretação censurada pela
reclamante/recorrente, naturalmente que não se pode concluir que tal ocorreu.
III
8. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, indefere-se a
presente reclamação, mantendo-se a decisão sumária de fls. 341 e seguintes, que
não tomou conhecimento do recurso, excepto no que se refere à primeira questão
de inconstitucionalidade colocada pela recorrente, que é agora julgada
manifestamente infundada, como tal improcedendo.
Sem custas, por a reclamante delas estar isenta.
Lisboa, 30 de Março de 2007
Maria Helena Brito
Carlos Pamplona de Oliveira
Rui Manuel Moura Ramos