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Proc. nº 1/97
2ª Secção Relator: Cons. Luís Nunes de Almeida
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO
1. A. veio, em incidente de nomeação de curador a sua mãe, requerer pedido de apoio judiciário, nos autos de execução para entrega de coisa certa em que aquela era executada, e que correram termos no Tribunal Cível do Porto.
Deferida a nomeação requerida ao impetrante, e liminarmente admitido o pedido de apoio judiciário, juntou o requerente aos autos certidão comprovativa da sua insuficiência económica.
Expedida carta para citação da executada, na pessoa do seu curador nomeado, o requerente, não foi possível efectuar a citação, apesar de vários mandados de condução sob custódia do mesmo.
O ora reclamante veio então requerer a sustação de quaisquer diligências para as quais fosse necessário comparecer em tribunal, em virtude da sua situação de doença que definiu como de 'tuberculose activa, susceptível de disseminação bacilar', a impor 'rigorosa restrição de contactos pessoais, especialmente até ao resultado dos exames bacteriológicos'.
2. Decorridos mais de cinco anos sobre a nomeação do reclamante como curador de sua mãe, executada naqueles autos, e mais de quatro anos sobre aquele requerimento, sem que se lograsse conseguir a citação da executada, na pessoa do seu filho, ora reclamante, decidiu o Mmo Juiz proceder à substituição do curador, nomeando o B. para essas funções.
Desta decisão veio o ora reclamante interpor recurso, em representação de sua mãe, recurso que foi admitido para subir depois de feita a entrega da casa, objecto da execução para entrega de coisa certa.
3. Já no Tribunal da Relação do Porto, por despacho do relator, foi indeferido o pedido de apoio judiciário, por manifesta falta de legitimidade do ora reclamante.
Como aí se pode ler:
Quando recorreu do despacho que o afastou do processo, fê-lo em representação de sua mãe, em nome e em benefício desta e não em seu próprio nome e interesse.
Por isso, o requerente do apoio judiciário não tem nenhum interesse na causa, embora o tivesse quando pediu esse apoio.
Pediu o requerente a aclaração deste despacho, o que lhe foi indeferido, por despacho de 13 de Maio de 1996.
4. Inconformado, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional daquele despacho que lhe indeferiu o pedido de apoio judiciário, o que fez por meio de dois requerimentos, um dirigido ao Presidente do Tribunal Constitucional e outro ao Desembargador Relator da Relação. Pretendeu interpor o recurso de constitucionalidade ao abrigo da alínea f) do artigo 70º da LTC (Lei nº 28/82,de 15 de Novembro).
Por despacho de 3 de Junho de 1996, o relator na Relação do Porto ordenou que se desentranhasse o requerimento dirigido ao Presidente do Tribunal Constitucional, que o recorrente denominara de 'petição de recurso', e convidou-o a dar cumprimento ao disposto no artigo
75º-A da LTC.
Ao que o recorrente, ora reclamante, veio dizer que as normas cuja inconstitucionalidade pretendia ver apreciadas eram as constantes dos 'artigos 26º a 31º do Dec.-Lei nº 387/B/84, de 29 de Dezembro, que permitem que o Juiz, não obstante reconhecer que, objectivamente, estavam reunidos todos os requisitos para a concessão do apoio judiciário negue a concessão desse apoio'. Indicou como norma violada o artigo 20º, nº 1, da Constituição, e sustentou, uma vez mais, a interposição do recurso ao abrigo da alínea f) do nº 1 do artigo 70º da LTC.
5. Por despacho de 20 de Junho de 1996, o relator indeferiu aquele requerimento de interposição de recurso, porque:
1.- O requerimento de interposição de recurso não contém, mesmo após o convite legal, a indicação da peça processual em que o recorrente haja suscitado a questão da inconstitucionalidade... - 75º, A, nº 2, da Lei do T.C.;
2.- Porque a decisão recorrida não recusou aplicar qualquer norma, nomeadamente das indicadas nas al. c), d) e e) do nº 1 do artº 70º da Lei do T.C. - al. f) do dito nº 1 -, o que torna o recurso manifestamente infundado;
3.- Porque a decisão recorrida admite recurso ordinário - nº 2 do artº 70º da Lei do TC;
4.- Porque o recorrente não tem legitimidade para requerer a fiscalização abstracta daquelas normas que indica - artº 281º da C.R.P. -,
Por Acórdão de 22 de Outubro de 1996, a Relação do Porto confirmou este despacho do relator.
6. É deste Acórdão que vem interposta a presente reclamação para o Tribunal Constitucional.
No seu visto, entendeu o Ministério Público junto deste Tribunal que faltam 'múltiplos pressupostos de admissibilidade do tipo de recurso de constitucionalidade', pelo que 'nenhuma censura poderá merecer o despacho' que rejeitou o mesmo.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II - FUNDAMENTOS
7. Pretende o reclamante ver interposto recurso para este Tribunal ao abrigo do disposto na alínea f) do nº 1 do artigo
70º da Lei 28/82; e que não se trata de um lapso, resulta claro, pois que, mesmo após o convite que lhe foi feito pelo relator na Relação, para dar cumprimento ao disposto no artigo 75º-A da LTC, continuou a sustentar a interposição do recurso ao abrigo dessa alínea.
Mas não há quaisquer elementos no processo - nem no requerimento do recorrente - que permitam indiciar a recusa da aplicação de norma constante de acto legislativo com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado, ou a aplicação de norma cuja ilegalidade haja já sido suscitada durante o processo com esse fundamento.
É, assim, manifesta a inadmissibilidade do recurso pretendido.
8. Mas, ainda que se entendesse o recurso interposto ao abrigo da al. b) do nº 1 do artigo 70º, continuariam a faltar outros pressupostos de admissibilidade do recurso.
Só no requerimento de interposição do recurso suscitou o recorrente, pela primeira vez, a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 26º a 31º do Decreto-Lei nº 387/B/84, de 29 de Dezembro, o que vale por dizer-se que não o fez durante o processo, como lhe era exigido.
É que, suscitar a inconstitucionalidade de uma norma jurídica, durante o processo, significa fazê-lo a tempo de o tribunal recorrido poder conhecer dessa questão e pronunciar-se sobre a mesma, ou seja, antes de esgotado o poder jurisdicional respectivo.
É, pois, manifestamente extemporânea a suscitação da questão da inconstitucionalidade das normas indicadas, feita pela primeira vez no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional. Verifica-se, assim, a falta manifesta de um pressuposto essencial para o conhecimento do presente recurso (artigo 70º, número 1, alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional): o recorrente não suscitou durante o processo a questão de inconstitucionalidade de uma norma efectivamente aplicada pelo tribunal recorrido.
9. Além de que a decisão recorrida sempre admitia ainda recurso de agravo, nos termos do artigo 39º do Decreto-Lei nº
387-B/84, pelo que se não encontravam esgotados os recursos ordinários que ao caso cabiam.
Nem tão-pouco fez a decisão recorrida aplicação das normas indicadas pelo reclamante. Como aí se pode ler, «o requerente não defende nos autos qualquer interesse próprio, como exige o art.
8º acima referido» (do Decreto-Lei nº 387-B/84), assim o considerando parte ilegítima, e indeferindo com tal fundamento o pedido de apoio judiciário. Não havendo aplicação efectiva, ainda que implícita, das normas em questão, manifestamente falta por aqui também outro pressuposto necessário para o pretendido recurso de constitucionalidade.
III - DECISÃO
10. Nestes termos, e pelos fundamento expostos, decide-se indeferir a presente reclamação, fixando-se a taxa de justiça em unidades de conta.
Lisboa, 3 de Maio de 1997