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Processo n.º 398/05
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
A sociedade comercial denominada A., com sede em Gibraltar e domicílio fiscal na
Avenida --------------------, n.º ---- – --º ---, em ---------, apresenta a este
Tribunal a seguinte reclamação:
[A] recorrente nos autos à margem identificados, não se conformando com a
decisão da conferência da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo
Tribunal Administrativo indeferindo o recurso de constitucionalidade para o
Tribunal Constitucional, vem reclamar dessa decisão ao abrigo do n.º 4 do artigo
76º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, Lei sobre a Organização, Funcionamento
e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), sucessivamente alterada pela Lei
n.º 85/89, de 7 de Setembro, pela Lei n.º 88/95, de 1 de Setembro e pela Lei n.º
13-A/98, de 26 de Fevereiro, nos termos seguintes:
1º – Pelo acórdão de fls. 260 e segs., recebido pela recorrente em 17 de
Novembro de 2004, a Secção do Contencioso Administrativo negou provimento ao
recurso de anulação de uma acto administrativo do Secretário de Estado Adjunto e
do Ordenamento do Território.
2º – Em 29 de Novembro de 2004, a recorrente interpôs recurso daquela decisão,
restrito a questões de constitucionalidade, para o Tribunal Constitucional.
3º – Por despacho do Ex.mo Senhor Conselheiro Relator de fls. 303, recebido pela
recorrente em 15 de Dezembro de 2004, não foi admitido o recurso de
constitucionalidade por, no entender do Tribunal, ainda caber recurso ordinário
para o Pleno da Secção.
4º – Não obstante poder entender-se que a recorrente havia renunciado
tacitamente ao recurso para o Pleno da Secção, nos termos da lei processual,
entendeu aquela, por razões de celeridade processual, submeter-se ao despacho do
Ex.mo Senhor Conselheiro Relator, requerendo a convolação do recurso de
constitucionalidade em recurso para o Tribunal Pleno.
5º – Este requerimento deu entrada na secretaria do STA em 16 de Dezembro de
2004, isto é dentro do prazo resultante da conjugação dos artigos 75º, n.º 1 e
80º n.º 4 da LOFPTC.
6º – No entanto veio também o Ex.mo Senhor Conselheiro Relator indeferir o
requerido, por despacho de fls. 311.
7º – Perante isto e parecendo evidente que está ameaçado o princípio da tutela
jurisdicional efectiva que a Constituição consagra no art. 20º, a recorrente
reclamou em 2 de Fevereiro para a conferência da Secção do Contencioso
Administrativo da não admissão do recurso para o pleno e, em simultâneo e em
alternativa, interpôs novo recurso para o Tribunal Constitucional.
8º – Isto é, apesar de por economia processual se utilizar uma única peça
processual – um requerimento dirigido ao relator –, quer no proémio, quer na
conclusão desse requerimento ficava bem claro que a recorrente pretendia o
accionamento de dois mecanismos processuais, um a título principal, outro em
alternativa: por um lado requeria à conferência que revogasse o despacho do
relator de não admissão do recurso para o Pleno; por outro lado formulava-se um
requerimento com novo recurso de constitucionalidade, dirigido ao relator, para
ser por este decidido e não pela conferência, apenas no caso de esta não dar
provimento à pretensão de admissão do recurso para o Pleno.
9º – Isto resulta evidente da seguinte frase conclusiva do referido
requerimento:
'Termos em que se requer o deferimento da presente reclamação, admitindo-se o
recurso do acórdão de fls. 260 e segs. para o Pleno da Secção do Contencioso
Administrativo e seguindo-se os demais trâmites legais ou, em alternativa,
requer-se que, se não for admitido o recurso para o Pleno da Secção do
Contencioso Administrativo, que seja admitido pelo Senhor Juiz Relator recurso
para o Tribunal Constitucional, restrito às questões de constitucionalidade
anteriormente referidas, uma vez que se mostrarão então necessariamente
preenchidos os pressupostos do recurso previsto no art. 70º, n.º 1, alínea b) da
LOOFPTC, designadamente o da exaustão dos recursos ordinários, nos termos do n.º
4 do art. 70º da LOOFPTC.'
10º – Não obstante ser claro o que era requerido e serem claros os destinatários
e as respectivas competências para decidir sobre o requerido, veio a conferência
decidir quer sobre a admissão do recurso para o Pleno, quer sobre o novo recurso
de constitucionalidade formulado de modo alternativo.
11º – Ora, só por não ter dado a devida nota ao distinguo feito no requerimento
da recorrente, pôde a conferência da Secção do Contencioso Administrativo
decidir que a admissão do recurso para o Tribunal Constitucional era alheia ao
meio impugnatório em causa.
12º – Sendo certo que o meio utilizado para a interposição do recurso de
constitucionalidade, isto é requerimento dirigido ao relator da secção do STA, é
o correcto.
13º – Por outro lado, entendeu a conferência que a questão do recurso de
constitucionalidade já havia sido definitivamente decidida pelo despacho de fls.
303.
14º – Trata-se, porém, de uma decisão que, para além de não competir à
conferência, é errónea, uma vez que há um novo recurso de constitucionalidade,
com novos fundamentos.
15º – Estes fundamentos são, designadamente os que decorrem do facto de o
tribunal recorrido ter entendido, através do despacho de fls. 311, que decorreu
o prazo do recurso ordinário, circunstância que, no entender do próprio
tribunal, não se verificava inicialmente, como se comprova pelo despacho que
indeferiu o recurso para o Tribunal Constitucional de fls. 303.
16º – O recurso de constitucionalidade foi interposto ao abrigo da alínea b), do
n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro. Em causa estão o art.
20º, n.º 1, alínea b) do Regulamento do Plano de Ordenamento da Orla Costeira de
Burgau-Vilamoura (Regulamento do POOC), aprovado pela Resolução do Conselho de
Ministros n.º 33/99, de 27 de Abril, em conjugação com os artigos 91º e 9º, n.º
2, desse mesmo Regulamento do POOC e com o art. 105º, n.º 1, alínea b), do
Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro.
17º – A inconstitucionalidade daquelas normas, se o Tribunal recorrido lhes
conferisse a interpretação que efectivamente veio a escolher na sua decisão, foi
oportunamente suscitada pela ora recorrente, em várias ocasiões no decurso do
processo desde o requerimento de recurso para o STA, designadamente no
requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional da decisão que recusou a
suspensão da eficácia do acto administrativo, na posterior reclamação da não
admissão daquele recurso e, por último, nas alegações junto do STA (conclusões 8
e 9).
18º – As normas constitucionais violadas são as dos arts. 2º, 18º, n.º 2 e 3,
61º, n.º 1, 62º, n.º 1 e 165º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República
Portuguesa.
Termos em que se requer o deferimento da presente reclamação após o que se
seguirão os demais trâmites legais.
O Senhor Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal emitiu, sobre a pretensão, o
seguinte parecer:
A única decisão que se pronunciou sobre a não admissão do recurso de
fiscalização concreta interposto é a que consta de fls. 35 e foi proferida pelo
relator do recurso no STA, fundando-se no não esgotamento dos “recursos
ordinários possíveis”.
Confrontado com tal decisão, apenas ocorriam duas alternativas de actuação
processual da entidade recorrente:
- ou reclamava da não admissão do recurso para este Tribunal Constitucional, nos
termos do art. 76º, n.º 4 e 77º da Lei n.º 28/82, sendo evidente que esta
reclamação teria de ser apresentada nos 10 dias subsequentes à notificação do
despacho de não admissão sob pena de ser intempestiva;
- ou renovava a interposição do recurso de constitucionalidade, apresentando o
respectivo requerimento no momento em que já se mostravam (...) precludidos os
“recursos ordinários possíveis”, utilizando o regime consentido pelo art. 70º
n.º4 da Lei do TC – e devendo fazê-lo nos 10 dias subsequentes à ocorrência de
tal preclusão, por razões de ordem processual.
No caso dos autos a reclamação aparece deduzida da “decisão da conferência”,
proferida a fls. 52 e segs.: sucede, porém, que tal decisão não traduz qualquer
juízo sobre a interposição, em alternativa do recurso para este Tribunal
Constitucional, considerando expressamente o STA que a inicial decisão do
relator transitou em julgado pelo facto de não ter havido reclamação para o TC.
Para além de se poder discutir a admissibilidade de interposição de recurso de
constitucionalidade “em alternativa” a um procedimento ou incidente da estrita
competência dos tribunais da ordem jurisdicional em questão, verifica-se que tal
actuação processual foi determinante para que o órgão jurisdicional competente
para apreciar tal interposição – o relator – sobre ela se não pronunciasse,
diluindo-se tal matéria na apreciação das questões que fundamentavam a
reclamação para a conferência, simultaneamente apresentada.
E tal circunstância acaba por comprometer a admissibilidade da presente
reclamação, já que este Tribunal Constitucional nunca poderia ordenar a uma
entidade incompetente – a conferência no STA – que admitisse o recurso de
fiscalização concreta interposto, caso entendesse que os respectivos
pressupostos se verificavam.
Deste modo, sendo a presente reclamação reportada expressamente a uma decisão
que não se pronunciou sobre a admissibilidade do recurso de constitucionalidade,
supervenientemente interposto a fls. 39, carecendo, aliás, de competência para o
apreciar, por esta se situar no relator, somos do parecer que a mesma terá de
ser julgada improcedente.
Visa a reclamante impugnar a 'decisão da conferência da Secção do Contencioso
Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo' que lhe indeferiu 'o recurso
de constitucionalidade para o Tribunal Constitucional'. Porém, nessa decisão
lê-se o seguinte trecho:
[...] Pelo acórdão de fls. 260 e segs. foi negado provimento ao recurso
contencioso interposto pela recorrente do despacho ministerial que determinou a
demolição da sua moradia construída na Praia ----------------, ----------.
Desse acórdão, proferido em primeiro grau de jurisdição, interpôs a recorrente
recurso para o Tribunal Constitucional, recurso esse que não foi admitido
(despacho do relator de fls. 303), por falta do pressuposto de admissibilidade
previsto no n° 2 do art. 70° da Lei n° 28/82, de 15 de Novembro (LTC).
Notificada deste despacho, veio a recorrente requerer “que o recurso interposto
seja convolado em recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo,
nos termos do art. 24°, alínea a), do ETAF”.
Este requerimento foi indeferido pelo despacho de fls. 311, objecto da presente
reclamação para a conferência.
Antes do mais, importa definir, em consonância com a jurisprudência deste STA,
que a reclamação para a conferência do despacho do relator tem tão só por
objectivo a substituição da opinião singular ali expressa pela decisão colectiva
do Tribunal, provocando a emissão de acórdão que revogue ou altere o despacho do
relator, por forma a que esta decisão se conforme com o direito aplicável, daí
resultando, naturalmente, que exorbita do âmbito desse meio impugnatório o
conhecimento de questões que não tenham sido apreciadas nesse despacho (cfr. Ac.
do Pleno de 05.07.2001 - Rec. n° 38.969).
Daí que, como avisadamente sublinha o Ex.mo magistrado do Ministério Público,
seja de afastar o conhecimento da pretensão, formulada pela recorrente em
alternativa, de admissão de recurso para o Tribunal Constitucional, questão
alheia ao presente meio impugnatório, e aliás já definitivamente decidida no
antecedente despacho de fls. 303, uma vez que a decisão aí proferida transitou
em julgado pelo facto de não ter havido reclamação para o Presidente do Tribunal
Constitucional, meio processual próprio para a respectiva impugnação (art.. 69°
e 76°, n° 4 da LTC).
Só está pois em causa neste meio processual incidental a apreciação pela
conferência da questão afrontada e decidida no despacho reclamado: o
indeferimento do pedido de convolação do recurso interposto para o Tribunal
Constitucional em recurso para o Pleno da Secção do Supremo Tribunal
Administrativo. [...]
Resulta do exposto que o órgão jurisdicional reclamado não tomou posição –
aliás, declinou mesmo competência para decidir essa questão – sobre o pedido
formulado pela ora reclamante a interpor um novo recurso para o Tribunal
Constitucional. Isto é: ao contrário do que se afirma na presente reclamação, o
órgão reclamado não indeferiu o pedido formulado quanto à pretendida
interposição de recurso para o Tribunal Constitucional. E, efectivamente, não é
à conferência das Subsecções de Contencioso Administrativo que compete conhecer
dos pedidos de interposição de recurso, mas ao relator do processo – artigo 27º
n. 1 alínea j) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Esta razão é suficiente para julgar improcedente a reclamação, tanto mais que no
presente caso não chegou a ser proferido um despacho a não admitir o recurso de
inconstitucionalidade susceptível de fundamentar a reclamação prevista no artigo
76º n.º 4 da LTC.
Nestes termos, decide-se indeferir a reclamação, com custas pela reclamante.
Taxa de Justiça: 20 UC.
Lisboa, 8 de Junho de 2005
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos