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Processo n.º 508/05
Plenário
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam no plenário do Tribunal Constitucional:
I - Relatório
A – Requerente e objecto do pedido
O Ministro da República para a Região Autónoma da Madeira, invocando
o disposto nos artigos 278º, n.os 2 e 3, da Constituição da República
Portuguesa, 45º, n.º 1, da Lei Constitucional n.º 1/2004, de 24 de Julho, 51º,
n.º 1, e 57º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão
(LTC), requer a apreciação preventiva da constitucionalidade das seguintes
normas constantes do decreto legislativo regional intitulado “Alteração da
Estrutura Orgânica da Assembleia Legislativa”, aprovado em sessão plenária da
Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, no pretérito dia 17 de
Maio, e recebido para promulgação no seu Gabinete no dia 9 de Junho de 2005:
“Artigo 29º
O artigo 46º do Decreto Legislativo Regional nº 24/89/M, de 7 de Setembro,
com as alterações introduzidas pelo Decreto Legislativo Regional nº 2/93/M, de
20 de Fevereiro, pelo Decreto Legislativo Regional nº 11/94/M, de 28 de Abril e
pelo Decreto Legislativo Regional nº 10-A/2000/M, de 27 de Abril, passa a ter a
seguinte redacção:
Artigo 46º
(Gabinetes dos partidos e dos grupos parlamentares)
1. Os partidos com um único deputado e os grupos parlamentares dispõem, para a
utilização de gabinetes constituídos por pessoal da sua livre escolha, nomeação,
exoneração e qualificação, de uma verba anual calculada nos seguintes termos:
a) Deputado único/partido e grupos parlamentares, 15x14 SMNR (salário mínimo
nacional em vigor na Madeira)/mês/número de deputados.
2. …
Artigo 30º
O artigo 47º do Decreto Legislativo Regional nº 24/89/M, de 7 de Setembro,
com as alterações introduzidas pelo Decreto Legislativo Regional nº 2/93/M, de
20 de Fevereiro, pelo Decreto Legislativo Regional nº 11/94/M, de 28 de Abril e
pelo Decreto Legislativo Regional nº 10-A/2000/M, de 27 de Abril, passa a ter a
seguinte redacção:
Artigo 47º
(Subvenção aos partidos)
1. …
a) Representação de um só deputado e grupos parlamentares – 1 SMNR x número de
deputados.
2. …
3. Os partidos mantêm sempre, até final da VIII Legislatura, a subvenção
mensal adquirida, em 31 de Dezembro de 2004, se da aplicação do disposto na
alínea a) do nº 1 resultar a sua diminuição.”
B – Fundamentos do pedido
Na sua exposição, após proceder ao enquadramento histórico das
normas relativas ao financiamento dos partidos políticos e grupos parlamentares,
bem como das leis relativas à orgânica da Assembleia da República e da
Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, dos quadros legais
relativos às subvenções aos partidos políticos e aos grupos parlamentares
representados quer na Assembleia da República quer na Assembleia Legislativa da
Região Autónoma da Madeira, e, após identificar os parâmetros constitucionais
susceptíveis de serem convocados para a apreciação do pedido, o requerente
explicita o essencial da sua fundamentação através do seguinte discurso
argumentativo:
- As verbas em dinheiro atribuídas pelas normas objecto do pedido
correspondem a subvenções atribuídas pela Assembleia Legislativa da Região
Autónoma da Madeira aos partidos nela representados.
- Essas subvenções têm a natureza de financiamentos públicos aos
partidos por terem em vista a realização dos fins próprios destes,
consubstanciados, essencialmente, no concurso, de acordo com a sua filosofia,
programa e orientação políticas, “para a organização e para a expressão da
vontade popular, no respeito pelos princípios da independência nacional e da
unidade do Estado e da democracia política” em que se compreendem, nomeadamente,
entre outros, o direito de concorrer às eleições para a Assembleia da República,
para as Assembleias Legislativas das regiões autónomas da Madeira e dos Açores,
não podendo aqueles objectivos programáticos ser cingidos ao âmbito regional,
pelo que “as suas estruturas regionais (…) hão-de reger-se pelo regime global
que os vincula na sua inteira unidade”, como afloramento do princípio da unidade
do Estado e da natureza e âmbito nacional dos partidos políticos”.
- Do artigo 51º, n.º 6, interpretado em conjugação com o
disposto nos n.os 1 e 4 do mesmo artigo e com o disposto no artigo 10º, n.º 2,
ambos os artigos da Constituição, resulta que as verbas em causa devem
entender-se como integrando o conceito de financiamentos aos partidos políticos,
sendo a definição do respectivo regime remetida para a lei pelo preceito
constitucional.
- Esses financiamentos devem respeitar a regra da proibição de
objectivos programáticos dos partidos de âmbito regional e, consequentemente, o
âmbito nacional dos mesmos partidos, coerentemente com o princípio da unidade do
Estado, em cujos órgãos, baseados no sufrágio universal e directo, participam
(artigo 117º, n.º 1, da CRP), e com as regras estabelecidas para a apresentação
das suas contas, as quais devem abranger todas as estruturas nacionais, com
inclusão, portanto, das “estruturas regionais, distritais ou autónomas, de forma
a permitir o apuramento da totalidade das suas receitas e despesas, podendo, em
alternativa, apresentar contas consolidadas” (de acordo com o disposto no artigo
12º, n.º 4, da Lei n.º 19/2003, de 20 de Junho, que se inspirou no artigo 10º,
n.º 4, da Lei n.º 56/98, de 18 de Agosto, e conforme foi entendido pelo Tribunal
Constitucional, no seu Acórdão n.º 647/2004, embora relativamente ao regime
decorrente, ainda, da Lei n.º 72/93, de 30 de Novembro).
- Como financiamentos aos partidos políticos, e na medida em que
representam matéria que respeita directamente ao seu estatuto
jurídico-constitucional, as verbas, a que aludem as normas em causa, constituem
matéria que cabe na reserva absoluta de competência da Assembleia da República,
apenas podendo ser regulada através de lei orgânica, de acordo com o disposto
nos artigos 164º, alínea h), e 166º, n.º 2, da Constituição da República
Portuguesa.
- As verbas a que aludem os preceitos em causa não correspondem aos
financiamentos previstos nas alíneas a) e b) do artigo 4º da Lei n.º 19/2003
(subvenções para financiamento dos partidos políticos para a realização dos seus
fins próprios e subvenções para as campanhas eleitorais), estando para além
deles.
- “É certo que a Lei nº 19/2003, na esteira aliás da Lei nº 56/98, a
propósito do financiamento público para a realização dos fins próprios dos
partidos políticos, prevê que este pode resultar, para além das subvenções para
financiamento dos partidos e para as campanhas eleitorais, de “outras legalmente
previstas” [artigo 4º, alínea c)]”.
- “Mas, haverá de se concluir que essas outras subvenções
“legalmente previstas” não poderão deixar de constar de lei da Assembleia da
República, como, aliás, bem resulta de toda a economia daquele diploma,
nomeadamente do disposto nos artigos 16º e 17º a propósito das actividades da
campanha eleitoral para a Assembleia da República, Parlamento Europeu,
Assembleia Legislativa das Regiões Autónomas e autarquias locais”.
- Independentemente da acentuação que se dê à
característica de os grupos parlamentares “mediatizarem a participação [dos
partidos] na Assembleia” para os ver mais como órgãos dos respectivos partidos
ou mais como órgãos da Assembleia, “a compreensão do alcance decisivo e
substancial do papel dos partidos políticos no exercício do mandato dos
deputados e no funcionamento dos grupos parlamentares justifica, por certo, que
se recuse a neutralidade da disciplina jurídica destes grupos face aos partidos
políticos que estão na sua génese e dos quais são simples reflexo e emanação, e
muito em especial quando estejam em causa subvenções e suportes financeiros a
cargo dos orçamentos da Assembleia da República” e, “à luz deste entendimento,
talqualmente pertence em exclusivo à reserva absoluta da competência legislativa
da Assembleia da República a matéria do financiamento dos partidos e das
campanhas eleitorais, parece dever, por identidade ou similitude de razões,
pertencer também em exclusivo àquela Assembleia a matéria relativa ao
financiamento das actividades dos grupos parlamentares nela representados”.
- Dado que, de acordo com o artigo 228º, n.º 1, “a autonomia
legislativa das regiões autónomas incide sobre as matérias enunciadas no
respectivo estatuto político-administrativo que não estejam reservadas aos
órgãos de soberania” e que, segundo o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo
227º, ambos os artigos da Constituição, as regiões autónomas têm o poder de
“legislar no âmbito regional em matérias enunciadas no respectivo estatuto
político-administrativo e que não estejam reservadas aos órgãos de soberania”, a
definir nos respectivos estatutos, a Assembleia Legislativa da Madeira não tem
poderes para legislar sobre a matéria das subvenções que as normas em causa
regulam.
- De qualquer modo, “seja qual for a natureza e o destino da
subsidiação a que se reportam as normas impugnadas, mas admitindo-se que com
ela, directa ou indirectamente, se visa tão somente contemplar os grupos
parlamentares, parece duvidoso que se verifique a existência de particularidades
ou especificidades regionais justificativas de tão grande diferenciação de
tratamento entre os grupos parlamentares da Assembleia Legislativa e da
Assembleia da República” que consiga afastar as exigências postuladas pelo
princípio da igualdade, consagrado como critério geral também para o legislador,
no artigo 13º da Constituição – de proibição do arbítrio, de proibição de
discriminação e de obrigação de diferenciação – tendo até em conta que a sua
operacionalidade se justifica pelo facto de “o regime dos partidos políticos (…)
[ser] unitário e uniforme no todo nacional, achando-se constitucionalmente
vedada a existência de partidos com índole ou âmbito regional”.
- Na verdade, é de questionar se “as alterações que, pelas normas
questionadas, se introduzem na subsidiação financeira dos partidos e dos grupos
parlamentares da Assembleia Legislativa, se apresentam com fundamentação
razoável, objectiva e racional e estabelecem em relação ao regime vigente na
Região e na República uma diferenciação justa e equilibrada”.
- É que “no sistema regional em vigor o montante global dos
subsídios atribuídos aos gabinetes dos partidos e dos grupos parlamentares (na
decorrência das eleições para a Assembleia Legislativa em Outubro de 2004, as
representações parlamentares, num universo de 68 deputados, ficaram assim
constituídas: PSD – 44; PS – 19; PCP – 2; CDS/PP – 2; BE – 1) é de cerca de
3.000.000 de Euros, passando tal montante por força da nova redacção dada ao
artigo 46º, em apreço, para cerca de 5.500.000 Euros, sendo que tal acréscimo
será por inteiro atribuído ao PSD (cerca de 1.900.000, cabendo-lhe um total
anual de 3.500.000 Euros) e ao PS (cerca de 600.000, cabendo-lhe um total anual
de 1.500.000 Euros), mantendo os demais partidos políticos (PCP, CDS-PP e BE) os
subsídios previstos na lei em vigor, respectivamente, de cerca de 160.000,
160.000 e 80.000 Euros”.
- “Também, embora em grau menor, a subvenção a que se reporta a
redacção concedida ao artigo 47º, igualmente em apreço, conduz a uma nova
diferenciação retributiva”.
- “E o sistema que agora se pretende instituir no artigo 46º, quando
confrontado com as regras em vigor em matéria de subsidiação dos grupos
parlamentares da Assembleia da República, órgão de soberania (artigo 46º da Lei
n.º 28/2003), revela-se altamente desfavorável para estes, pois que, na
eventualidade de se aplicarem aos partidos representados na Assembleia
Legislativa, órgão constitucional não soberano, os critérios estabelecidos na
República, verificar-se-ia uma diferença para menos, superior a 3.500.000
Euros”.
- “Acrescentando-se a este saldo a subsidiação contemplada no artigo
47º, no seu confronto com o normativo correspondente da Assembleia da República
(artigo 47º, n.º 4, da Lei n.º 28/2003), a diferença global entre os dois
regimes aproxima-se dos 4.000.000 de Euros, com vantagem para os partidos com
assento no parlamento regional”.
- “Ora, o diploma em causa não contempla qualquer justificação
material fundada e explicitada — na exposição preambular não se apresenta uma
única razão justificativa desta tão substancial alteração e beneficiação do
regime de financiamento — para um tratamento legislativo desigualitário com o
que vigora no plano nacional e sem qualquer consideração no âmbito de uma
desejável discriminação positiva para os partidos políticos com escassa
representação parlamentar, como aliás se verifica no quadro normativo em vigor”.
- “Por outro lado, como se extrai das normas em causa quando
observadas no contexto global dos preceitos e do sistema em que se integram, não
foi acrescentado qualquer acréscimo de funções, de competências, de actividades,
susceptíveis de servir de suporte e fundamento ao reforço da subvenção atribuída
aos partidos e aos grupos parlamentares”.
C – Resposta do órgão autor das normas
Notificado, nos termos e para os efeitos dos artigos 54º e 55º da
LTC, o Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira
respondeu dizendo, em síntese, que:
- Não pode ignorar-se, no tratamento da matéria em causa, a
“inescapável autonomia regional no tocante ao modo como se concebe a organização
e o funcionamento da (...) Assembleia Legislativa”.
- É certo que o núcleo central relativo aos aspectos fundamentais do
regime jurídico dos partidos políticos é da reserva absoluta de competência
legislativa da Assembleia da República através de produção de lei orgânica.
Dessa matéria também poderia fazer parte o aspecto fundamental do
financiamento dos partidos, que, nos termos do artigo 38.º da Lei Orgânica n.º
2/2003, é regulado em lei própria.
- O regime de financiamento dos partidos estabelecido na Lei n.º
19/2003 contém dois tipos de matérias que se distinguem: a) o regime geral do
financiamento dos partidos; b) o regime especial do financiamento dos partidos
políticos representados na Assembleia da República.
- Nada se dizendo nesse regime especial quanto aos parlamentos
regionais, não pode concluir-se que os partidos políticos aí representados não
tenham direito a qualquer subvenção, mas sim que tal “omissão foi intencional na
medida em que a definição do financiamento dos partidos políticos representados
nos parlamentos regionais só a estes diz respeito através do seu poder
legislativo”.
- Justifica-se a atribuição de “uma margem de competência
legislativa em matéria de financiamento dos partidos, não na sua essência, mas
na sua concretização para os diversos órgãos em que os partidos políticos são
representados e desde que esses órgãos disponham de poder legislativo, com o
objectivo de efectuarem essa conformação normativa”, havendo que distinguir: a)
a competência legislativa nacional quanto à definição dos aspectos nucleares do
regime dos partidos e, em particular, o regime do seu financiamento público, nas
suas linhas primordiais; b) as competências legislativas nacional e regional ao
nível do “regime especial de financiamento” na “concretização dos quantitativos
a atribuir, não propriamente na sua consagração, que constam da lei nacional ou
da lei regional, em face de cada órgão a que se aplica”.
- Caminho este que vem sendo seguido pela legislação nacional que
separa as duas competências legislativas, ainda que na titularidade do mesmo
órgão: a) “a competência legislativa nacional por lei geral, nos fundamentos do
regime de financiamento”; b) “a competência legislativa nacional por lei da
organização e funcionamento da Assembleia da República no tocante às subvenções
que neste órgão têm lugar para os partidos nela representados”.
- Tais asserções são corroboradas pelo facto de a Lei da
Organização e Funcionamento da Assembleia da República não ser uma lei orgânica,
nunca se tendo questionado “a constitucionalidade da LOFAR que estabelece o
regime das subvenções públicas para o parlamento nacional”.
- É infundada a pretensão de se considerar que o regime da subvenção
pública outorgada pelo parlamento regional deve ser integrado no âmbito de uma
reserva de lei orgânica, tanto mais que a própria Lei n.º 19/2003 não se
encontra revestida dessa categoria, o que só pode compreender-se “numa concepção
equilibradamente moderada de cláusula de competência parlamentar de lei orgânica
sobre associações e partidos políticos”.
- A natureza de garantia institucional do financiamento público
“afasta essa matéria do núcleo atinente aos partidos (…) [e não] lhe faz
estender o regime de reserva relativa de competência legislativa da Assembleia
da República”.
- A Lei n.º 19/2003, ao admitir que existam outras subvenções
legalmente previstas, não pretende ser “o regime exclusivo nessa matéria, sendo
tal entendimento compatível com o reconhecimento de uma competência legislativa
regional”.
- E “são os próprios termos expressos da autonomia regional que
implicam essa competência legislativa regional, na medida em que a organização e
o funcionamento lhe diz respeito, sendo certo que, neste caso, se cruzam ainda
recursos financeiros que só a Assembleia Legislativa Regional pode determinar”.
- O estatuto constitucional dos grupos parlamentares vigora não só
para a Assembleia da República, como, também, para as Assembleias Legislativas
das regiões autónomas.
- Cabendo à lei determinar os termos em que se concretiza o direito
estabelecido no artigo 180.º, n.º 3, da CRP, a exigência das “necessárias
adaptações” constante do artigo 232.º, n.º 4, da CRP implica o reconhecimento da
competência da assembleia legislativa regional para regular tal matéria enquanto
relativa à sua auto-conformação, e até por maioria de razão com o que se passa
relativamente ao Governo Regional, pois não obstante este estar politicamente
dependente daquela, o art.º 231º, n.º 6, da CRP atribui-lhe competência
exclusiva para a sua organização e competência, não sendo, consequentemente,
viável que fosse a Assembleia da República, no seu regimento ou na sua lei de
organização, a concretizar os direitos dos grupos parlamentares das assembleias
legislativas regionais, tanto mais que “os direitos que são atribuídos aos
grupos parlamentares e partidos representados no parlamento regional desempenham
a função de favorecer o bom desempenho da actividade levada a cabo pelos
titulares dos órgãos de governo regional”.
- Improcede também a alegação da violação do princípio da igualdade,
nas suas várias acepções.
- As diferenciações, em face do regime vigente para a Assembleia da
República, são justificadas pela existência de um sistema de governo regional,
de tipo parlamentar, implicando esta circunstância que se possibilite “aos
gabinetes dos partidos e grupos parlamentares uma mais enérgica intervenção
política na fiscalização da actividade do Governo Regional, em face dos mais
amplos poderes que o parlamentarismo regional lhes dá”.
- Por outro lado, “os factores de atribuição das verbas são
objectivos e rigorosamente iguais para todas as formações políticas”, sendo
estabelecidos em função da sua representatividade, “não parece[ndo] que este
critério possa ser questionado, em democracia representativa (…) à luz do
princípio da igualdade”.
- E “é, além do mais, um critério de proporcionalidade, porque
permite diferenciar as verbas atribuídas em razão do número de deputados e de
votos de cada partido político”.
- “Não tem sentido qualquer obrigação de discriminação positiva [dos
partidos com menos representantes] – porque também não se enfrenta uma
desigualdade de facto a superar – quando se tem despesas menores em razão de uma
menor representação parlamentar”, pois “obviamente que os partidos com mais
representantes têm mais despesas de gabinetes” e “uma maior actividade
burocrática e política”.
II – Fundamentação
D - Do pedido: sua compreensão problemática
1 - Afigura-se ser necessário, antes de mais, traçar um esquisso
relativo aos antecedentes normativos da regulamentação em crise, na medida em
que ele se revela útil à sua apreensão. E, porque a regulação da matéria se
mostra associada às estruturas orgânicas que a Assembleia da República e a
Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira tiveram no decurso do
tempo, e, porque a compreensão destas se revela igualmente útil à determinação
da natureza dos grupos parlamentares e das subvenções que lhes são atribuídas,
de uns e de outros desses aspectos se dará conta, na medida do estritamente
necessário.
2 – A primeira estrutura orgânica da Assembleia Legislativa da
Região Autónoma da Madeira (então denominada Assembleia Regional) foi aprovada
pelo Decreto Regional nº 4/77/M, de 19 de Abril. No que tange aos referidos
aspectos, o artigo 6º, dispondo sobre locais de trabalho e pessoal de apoio dos
grupos parlamentares, prescrevia que cada grupo parlamentar, para além de locais
de trabalho, seria dotado com pessoal técnico e administrativo da sua confiança,
pago pelo orçamento da Assembleia (n.º 1). Os grupos parlamentares com mais de
oito deputados tinham direito ao apoio de um secretário e de um escriturário
dactilógrafo e os grupos parlamentares com menos de oito deputados dispunham
apenas de um escriturário dactilógrafo.
Visando, como consignou no seu exórdio, “criar condições para que os
partidos políticos representados na Assembleia Regional (…) [pudessem]
prosseguir com eficácia os seus fins próprios, designadamente de natureza
parlamentar, através de apoios diversos com a nomeação de pessoal auxiliar dos
grupos parlamentares e a concessão de subvenção”, o Decreto Regional nº 19/79/M,
de 15 de Setembro, deu nova redacção ao artigo 6º do Decreto Regional nº 4/77/M,
ao mesmo tempo que lhe aditou um novo preceito instituidor de uma subvenção
anual aos partidos políticos, o artigo 6º-A.
Por força da alteração introduzida no artigo 6º, os grupos
parlamentares com mais de vinte deputados passaram a ter direito a um secretário
e dois escriturários-dactilógrafos; com menos de vinte e mais de oito deputados
a um secretário e um dactilógrafo; e menos de oito deputados a um
escriturário-dactilógrafo, cabendo a nomeação de todo este pessoal à direcção
dos respectivos grupos parlamentares e sendo o mesmo pago pelo orçamento da
Assembleia Regional.
Por seu lado, o referido artigo 6º-A dispunha pelo seguinte modo:
«Artigo 6º-A
(Subvenção)
1 – Será concedida, nos termos dos números seguintes, uma subvenção
anual a cada um dos partidos políticos representados na Assembleia Regional que
a requeiram ao Presidente, até 15 de Janeiro, para a realização dos seus fins
próprios, designadamente de natureza parlamentar.
2 – A subvenção consistirá numa quantia em dinheiro equivalente à
fracção 1/225 do salário mínimo nacional por cada voto obtido na mais recente
eleição de Deputados à Assembleia Regional.
3 – A subvenção será paga em duodécimos, por conta de uma dotação
especial incluída para o efeito no orçamento da Assembleia Regional, à ordem do
órgão competente de cada partido.
4 – Para o ano de 1979 o requerimento referido no n.º 1 será
apresentado até quinze dias após a publicação do presente decreto no Diário da
República, determinando a sua apresentação o pagamento dos duodécimos
vencidos.».
Entretanto, foi publicado o Decreto Regional nº 19/81/M, de 1 de
Outubro, que, revogando os Decretos Regionais nºs 4/77/M e 19/79/M, procedeu à
integral reestruturação da orgânica da Assembleia Regional.
No seu artigo 18º, sob a epígrafe “Pessoal de apoio aos deputados”,
prescreveu que os partidos com um único deputado dispunham de 1 funcionário, os
constituídos em grupos parlamentares tinham direito a 2 e mais 1 por cada grupo
de 5 deputados eleitos e em funções, sendo este pessoal de livre escolha e
nomeação da direcção dos respectivos grupos parlamentares ou dos representantes
dos partidos, ficando os respectivos encargos a pertencer à Assembleia Regional.
E, no artigo 20º, epigrafado “Subvenção” dispunha-se do seguinte
jeito:
«1- Será concedida uma subvenção anual a cada um dos partidos
políticos representados na Assembleia Regional para a realização dos seus fins
próprios, designadamente de natureza parlamentar.
2 – A subvenção consistirá numa quantia em dinheiro equivalente à
fracção 1/225 do salário mínimo nacional por cada voto obtido na mais recente
eleição dos deputados à Assembleia Regional.
3 – A subvenção só é devida a partir do momento em que for requerida
pelo respectivo partido ou grupo parlamentar em cada sessão legislativa.
4 – A subvenção será paga em duodécimos, por conta de uma dotação
especial incluída no orçamento da Assembleia Regional, à ordem do órgão
competente de cada partido.».
O Decreto Regional nº 19/81/M foi revogado pelo Decreto Legislativo
Regional nº 24/89/M, de 7 de Setembro, o qual passou a dispor no artigo 46º
sobre “Gabinetes dos grupos parlamentares” e no artigo 47º sobre “Subvenção aos
partidos”.
No seu artigo 46º, n.º 1, especificava-se qual o número de adjuntos
de sua livre nomeação de que cada grupo parlamentar poderia dispor: até 2
deputados, dois adjuntos; com mais de 2 e até 5 deputados, três adjuntos; com
mais de 5 e até 10 deputados, cinco adjuntos; com mais de 10 e até 20 deputados,
sete adjuntos; com mais de 20 e até 30 deputados, nove adjuntos; com mais de 30
e até 40 deputados, onze adjuntos; com mais de 40 e até 50 deputados, treze
adjuntos; com mais de 50 deputados, quinze adjuntos.
Os grupos parlamentares, no exercício das suas funções, podiam ainda
dispor de secretários auxiliares (n.º 3), elencando os restantes números do
artigo 46º os direitos conferidos a este pessoal.
Por seu lado, o artigo 47º dispunha do seguinte modo:
«1 – É concedida uma subvenção anual a cada um dos partidos
políticos representados na Assembleia para a realização dos seus fins próprios.
2 – A subvenção consiste numa quantia em dinheiro equivalente à
fracção 1/225 do salário mínimo nacional por cada voto obtido na mais recente
eleição dos deputados à Assembleia.
3 – Aos grupos parlamentares é atribuída uma subvenção para encargos
de assessoria aos deputados não inferior a quatro vezes o salário mínimo
nacional por cada grupo parlamentar, mais um terço do mesmo por deputado.
4 – As subvenções referidas no presente artigo são pagas em
duodécimos, por conta de dotações especiais inscritas no orçamento da Assembleia
Legislativa Regional».
O Decreto Legislativo Regional nº 2/93/M, de 20 de Fevereiro,
proclamando pretender “dignificar o órgão máximo da autonomia regional,
criando-se melhores condições de trabalho quer ao próprio Parlamento, quer aos
deputados e funcionários”, deu nova redacção ao n.º 1 do artigo 46º e n.º 3 do
artigo 47º.
O artigo 46º, sob o epíteto de “Gabinetes dos partidos e dos grupos
parlamentares”, passou a ter o seguinte teor:
«1- Os partidos com um único deputado e os grupos parlamentares
dispõem, para a utilização de gabinetes constituídos por pessoal da sua livre
escolha, nomeação, exoneração e qualificação, de uma verba anual, resultante do
quadro seguinte:
“a) Deputado único/partido — 15x14 SMNR (Salário mínimo nacional
aplicável na Madeira)/ano;
b) Grupo parlamentar até 2 deputados — 15x14 SMNR/mês/número de
deputados;
c) Grupo parlamentar de 3 a 10 deputados — 11x14 SMNR/mês/número de
deputados;
d) Grupo parlamentar de 11 a 20 deputados — 9x14 SMNR/mês/número de
deputados;
e) Grupo parlamentar de 21 a 30 deputados — 8x14 SMNR/mês/número de
deputados;
f) Grupo parlamentar superior a 30 deputados — 7x14 SMNR/mês/número de
deputados».
Por outro lado, o n.º 3 do artigo 47º passou a ter a seguinte
redacção:
«Artigo 47º
Subvenção aos partidos
1 - …
2 - …
3 – Aos grupos parlamentares é atribuída uma subvenção mensal para
encargos de assessoria aos deputados não inferior a quatro vezes o salário
mínimo nacional anual por grupo parlamentar, mais dois terços do mesmo por
deputado.
4 - …».
Entretanto, o Decreto Legislativo Regional nº 11/94/M, de 28 de
Abril, veio conceder nova redacção ao artigo 47º do Decreto Legislativo Regional
nº 24/89/M, já alterado pelo Decreto Legislativo Regional nº 2/93/M, passando a
dispor do seguinte jeito:
«Artigo 47º - 1 – Às representações parlamentares é atribuída uma
subvenção mensal para encargos de assessoria, contactos com os eleitores e
outras actividades correspondentes aos respectivos mandatos no valor de dois
terços do salário mínimo nacional aplicável desta Região Autónoma (SMNR) por
deputado, mais a ponderação dos seguintes factores:
“a) Representação de um só deputado; 1 SMNR;
b) Grupo parlamentar até 2 deputados: 7,5 SMNR;
c) Grupo parlamentar de 3 a 10 deputados: 10 SMNR;
d) Grupo parlamentar de 11 a 20 deputados: 15 SMNR;
e) Grupo parlamentar de 21 a 30 deputados: 20 SMNR;
f) Grupo parlamentar com mais de 30 deputados:
30 SMNR».
No tocante ao artigo 46º, cuja última redacção lhe foi dada pelo
referido Decreto Legislativo Regional n.º 2/93/M, este novo diploma nada
alterou.
Posteriormente, foi publicado o Decreto Legislativo Regional n.º
10-A/2000/M, de 27 de Abril. Porém, também ele não alterou este artigo 46º, pelo
que a sua redacção, ao tempo da emissão das normas agora sindicadas, era ainda –
e ao contrário do afirmado pelo próprio legislador no artigo 29º, cuja
constitucionalidade vem impugnada – a conferida pelo Decreto Legislativo n.º
2/93/M, de 20 de Fevereiro.
Mas o mesmo não pode dizer-se relativamente ao artigo 47º, vindo do
Decreto Legislativo Regional n.º 24/89/M e sucessivamente alterado pelos
Decretos Legislativos Regionais n.os 2/94/M e 11/94/M.
Na verdade, o diploma de 2000 alterou o n.º 1, passando o artigo a
ter a seguinte redacção:
«Artigo 47º
Subvenção aos partidos
1 – Às representações parlamentares é atribuída uma subvenção mensal
para encargos de assessoria, contactos com os eleitores e outras actividades
correspondentes aos respectivos mandatos no valor de dois terços do salário
mínimo nacional aplicável nesta Região Autónoma (SMNR) por deputado eleito, mais
a ponderação dos seguintes factores:
a) - ……………………………………………………………………………………
b) - ……………………………………………………………………………………
c) - ……………………………………………………………………………………
d) - ……………………………………………………………………………………
e) - ……………………………………………………………………………………
2 - …………………………………………………………………………………».
Acentue-se que os diversos diplomas legislativos regionais referidos foram
aprovados pela Assembleia Regional ou Assembleia Legislativa Regional com
invocação expressa dos poderes conferidos pelo artigo 229º, n.º 1, alínea a), da
Constituição, à excepção do Decreto Legislativo Regional n.º 11/94/M, que invoca
o disposto na alínea o) do n.º 1 do artigo 229º da Constituição, e do Decreto
Legislativo n.º 10-A/2000/M, que invoca a alínea a) do n.º 1 do art.º 227º da
Constituição.
Invocam também as seguintes normas do seu Estatuto: “artigo 22º, alínea b), do
Estatuto Provisório (Decreto-Lei n.º 318-D/76, de 30 de Abril)” – Decreto
Regional n.º 4/77/M; “artigo 22º, alínea b), do Estatuto Provisório – Decreto
Regional n.º 19/79”; “alínea o) do n.º 1 do artigo 29º da Lei n.º 13/91, de 5 de
Junho” – Decreto Legislativo Regional n.º 11/94/M; “alínea c) do n.º 1 do artigo
37º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, revisto
pela Lei n.º 130/99, de 21 de Agosto” – Decreto Legislativo Regional n.º
10-A/2000/M.
Os Decretos Regionais n.os 19/81 e 24/89/M não se referem a
quaisquer normas do Estatuto ao abrigo das quais editam as suas normas.
Finalmente, os artigos 29º e 30º do Decreto Legislativo, cuja
constitucionalidade o requerente impugna, têm o seguinte teor:
“Artigo 29º
O artigo 46º do Decreto Legislativo Regional nº 24/89/M, de 7 de Setembro,
com as alterações introduzidas pelo Decreto Legislativo Regional nº 2/93/M, de
20 de Fevereiro, pelo Decreto Legislativo Regional nº 11/94/M, de 28 de Abril e
pelo Decreto Legislativo Regional nº 10-A/2000/M, de 27 de Abril, passa a ter a
seguinte redacção:
Artigo 46º
(Gabinetes dos partidos e dos grupos parlamentares)
1- Os partidos com um único deputado e os grupos parlamentares
dispõem, para a utilização de gabinetes constituídos por pessoal da sua livre
escolha, nomeação, exoneração e qualificação, de uma verba anual calculada nos
seguintes termos:
a) Deputado único/partido e grupos parlamentares, 15x14
SMNR (salário mínimo nacional em vigor na Madeira)/mês/número de deputados.
2- …
3- …
4- …
5- …
6- …
7- …
8- …
9- …
10- …”.
“Artigo 30º
O artigo 47º do Decreto Legislativo Regional nº 24/89/M, de 7 de Setembro,
com as alterações introduzidas pelo Decreto Legislativo Regional nº 2/93/M, de
20 de Fevereiro, pelo Decreto Legislativo Regional nº 11/94/M, de 28 de Abril e
pelo Decreto Legislativo Regional nº 10-A/2000/M, de 27 de Abril, passa a ter a
seguinte redacção:
Artigo 47º
(Subvenção aos partidos)
1- …
a) Representação de um só deputado e grupos parlamentares – 1 SMNR x número de
deputados.
2- …
3- Os partidos mantêm sempre, até final da VIII Legislatura, a subvenção
mensal adquirida, em 31 de Dezembro de 2004, se da aplicação do disposto na
alínea a) do nº 1 resultar a sua diminuição.”
Relativamente a estes preceitos, importa ainda notar que o artigo 32º, n.º
1, do Decreto Legislativo agora em causa estabelece que “As alterações à
Estrutura Orgânica da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira
introduzidas pelo presente decreto legislativo regional, [sejam] (…) inscritas
no lugar próprio mediante as substituições e aditamentos necessários”.
3 – Consideradas essas substituições e aditamentos, os referidos
preceitos passariam a ter a seguinte redacção:
“Artigo 46º
Gabinetes dos partidos e dos grupos parlamentares
1 - Os partidos com um único deputado e os grupos parlamentares dispõem, para a
utilização de gabinetes constituídos por pessoal da sua livre escolha, nomeação,
exoneração e qualificação, de uma verba anual calculada nos seguintes termos:
a) Deputado único/partido e grupos parlamentares - 15x14 SMNR (salário mínimo
nacional em vigor na Madeira) /mês/número de deputados;
2 - O Presidente da Assembleia Legislativa fixa, por despacho, o quadro de
pessoal do gabinete de cada grupo parlamentar, por proposta vinculativa do
respectivo grupo, e desde que não ultrapasse o montante referido no número
anterior.
3 - Os grupos parlamentares no exercício das suas funções podem dispor de
secretários auxiliares, com vencimento fixado em 85% do vencimento dos
secretários, sem prejuízo do nº 2 do presente artigo.
4 - É aplicável aos membros do gabinete dos grupos parlamentares o disposto no
artigo 11º do presente diploma.
5 - O pessoal referido neste artigo tem direito a uma indemnização mensal
equivalente a 8% da remuneração actualizável da categoria que teve nos últimos
três anos ou, quando exercendo funções há menos tempo da categoria que durante
mais tempo exerceu, por cada ano completo de desempenho de funções e durante o
mesmo número de meses em que esteve afecto ao grupo parlamentar.
6 - A indemnização referida no número anterior só tem lugar após a cessação de
funções comprovada pela direcção do grupo parlamentar e tem como limite máximo
80% da remuneração referida.
7 - O direito à indemnização referido no nº 5 deste artigo suspende-se quando o
pessoal que a ele tem direito auferir qualquer tipo de remuneração da função
pública.
8 - A aplicação do disposto neste artigo não prejudica a situação existente em
cada gabinete de apoio aos grupos parlamentares, nem a fixação do quadro
previsto no nº 2 prejudica a utilização da totalidade do montante referido no nº
1 do presente artigo.
9 - Os membros dos gabinetes dos grupos parlamentares são portadores de um
cartão de identidade, conforme anexo ao presente diploma.
10 - O processamento dos vencimentos do pessoal dos gabinetes dos partidos e
dos grupos parlamentares, bem como as despesas com os encargos sociais e
respectivo processamento, são da responsabilidade da Assembleia Legislativa”.
“Artigo 47º
Subvenção aos partidos
1 - Às representações parlamentares é atribuída uma subvenção mensal para
encargos de assessoria, contactos com os eleitores e outras actividades
correspondentes aos respectivos mandatos no valor de dois terços do salário
mínimo nacional aplicável nesta Região Autónoma (SMNR) por deputado eleito, mais
a ponderação dos seguintes factores:
a) Representação de um só deputado e grupos parlamentares - 1 SMNR x número de
deputados;
2 - A subvenção referida no presente artigo é paga em duodécimos, por conta de
dotações especiais inscritas no orçamento da Assembleia Legislativa.
3 - Os partidos mantêm sempre, até final da VIII Legislatura, a subvenção
mensal adquirida, em 31 de Dezembro de 2004, se da aplicação do disposto na
alínea a) do nº 1 resultar a sua diminuição”.
Segundo decorre do acima exposto, verifica-se, assim, que o regime, cuja
constitucionalidade se impugna, se caracteriza, no âmbito da legislação regional
da Madeira, que se deixou explicitada, e, no que concerne à atribuição de
subvenções pela Assembleia Legislativa, pela seguinte forma:
- a existência de uma subvenção, atribuída ao partido com um único
deputado e aos grupos parlamentares para a utilização de gabinetes constituídos
por pessoal da sua livre escolha, nomeação, exoneração e qualificação, expressa
em uma verba anual determinada de acordo com os factores constantes da redacção
dada ao artigo 46º pelo Decreto Legislativo Regional n.º 2/93/M, verba essa
independente das despesas atinentes aos encargos sociais relativos ao pessoal
dos gabinetes dos partidos e grupos parlamentares que cabem directamente à
Assembleia Legislativa Regional;
- a existência de uma subvenção mensal atribuída às representações
parlamentares para encargos de assessoria, contactos com os eleitores e outras
actividades correspondentes aos respectivos mandatos, determinada de acordo com
o critério e com os factores estabelecidos no artigo 47º do Decreto Legislativo
Regional n.º 10-A/2000/M.
E – Do regime das subvenções previstas nas leis orgânicas da
Assembleia da República e da estrutura orgânica relativa ao pessoal de apoio aos
deputados
1 – Até à publicação do primeiro diploma que procedeu à definição
geral do regime de financiamento dos partidos políticos e do regime de
apresentação das contas decorrentes do exercício da sua actividade em geral – o
que aconteceu pela mão da Lei n.º 72/93, de 30 de Novembro – a concessão de
subvenções, seja aos partidos políticos, seja aos grupos parlamentares, em
diplomas emitidos da Assembleia da República, aparece feita apenas nas leis que
regulam a orgânica da Assembleia da República.
Assim, o artigo 16º da Lei n.º 32/77, de 25 de Maio, subordinado à
epígrafe “Subvenção”, previa que “será concedida, nos termos dos números
seguintes [onde se enunciava o respectivo critério de determinação e o modo e
tempo de pagamento, mesmo relativamente ao ano de 1977], uma subvenção anual a
cada um dos partidos políticos representados na Assembleia da República que a
requeiram ao Presidente, até 15 de Janeiro, para a realização dos seus fins
próprios, designadamente de natureza parlamentar”.
Por seu lado, no artigo 15º previa-se a existência de pessoal de
apoio aos deputados, resultando do diploma que os encargos com esse pessoal eram
da responsabilidade da Assembleia da República.
2 – Seguiu-se a publicação da Lei n.º 5/83, de 27 de Julho. Mantendo
embora a subvenção regulada nos n.º 1 a 3 do artigo 16º da Lei n.º 32/77, a nova
lei alterou o seu n.º 4 e aditou-lhe o n.º 5, os quais passaram a dispor:
“4 - Será também concedida aos agrupamentos parlamentares
constituídos, nos termos do Regimento, por deputados que se tenham apresentado
ao eleitorado em listas de um determinado partido ou coligação de partidos como
independentes, uma subvenção anual, desde que a requeiram ao Presidente, para
realização dos seus fins parlamentares.
5 – A subvenção referida no número anterior sairá da subvenção
devida ao partido ou coligação de partidos em cujas listas foram eleitos os
deputados que se constituam em agrupamento parlamentar e será igual à parte
desta subvenção que proporcionalmente corresponder a 1 deputado daquele partido
ou coligação de partidos”.
3 – Sucedeu-se a Lei n.º 77/88, de 1 de Julho, que dedicou à
regulação da matéria dos “gabinetes dos grupos parlamentares” o artigo 62º e à
matéria das “subvenções aos partidos e grupos parlamentares” o artigo 63º.
Naquele preceito, o legislador limitou-se a definir os critérios de
determinação do número do pessoal adstrito aos gabinetes dos grupos
parlamentares, a sua categoria e os regimes da sua nomeação, exoneração e
vencimentos.
Neste, o legislador manteve a atribuição “a cada um dos partidos que
hajam concorrido ao acto eleitoral, ainda que em coligação, representados na
Assembleia da República (…), nos termos dos números seguintes, [de] uma
subvenção anual para a realização dos seus fins próprios, desde que a requeiram
ao Presidente da Assembleia da República” (n.º 1) e, ainda, de “uma subvenção”
“aos grupos parlamentares (…) para encargos de assessoria aos deputados não
inferior a quatro vezes o salário mínimo nacional anual por grupo parlamentar,
mais um terço do mesmo por deputado” (n.º 4), prevendo, igualmente, nos n.os 5 e
6, o modo da sua atribuição em caso de grupos parlamentares originários de
partidos que tenham concorrido em coligação ao acto eleitoral, bem como a forma
do seu pagamento (duodécimos).
4 – A Lei nº 59/93, de 17 de Agosto, concedeu nova redacção ao
artigo 62º da Lei n.º 77/88, modificando, nomeadamente, o quadro de pessoal dos
gabinetes dos grupos parlamentares e definindo as regras a que haveria de
obedecer a fixação das verbas relativas às despesas com as respectivas
remunerações. Por outro lado, o diploma alterou, igualmente, o artigo 63º, n.º
4, da referida Lei n.º 77/88, por forma a que cada grupo parlamentar passasse a
dispor, anualmente, de uma subvenção para encargos de assessoria aos Deputados
não inferior a quatro vezes o salário mínimo anual, acrescida de metade do valor
do mesmo por deputado.
5 – Entretanto os n.os 1, 2 e 3 do artigo 63º da Lei n.º 77/88 (não
alterados pela Lei n.º 59/93) foram revogados pelo artigo 28º da referida Lei
n.º 72/93, de 30 de Novembro.
Consequentemente, a Lei Orgânica da Assembleia da República passou a
prever apenas a atribuição da subvenção que estava prevista no n.º 4 do artigo
63º da Lei n.º 77/88, na redacção dada pela Lei n.º 59/93.
6 – Seguiu-se a Lei n.º 28/2003, de 30 de Julho – “Lei de
Organização e Funcionamento dos Serviços da Assembleia da República (LOFAR)” que
procedeu a diversas alterações à Lei n.º 77/88, de 1 de Julho, na redacção dada
pela Lei n.º 59/93, de 17 de Agosto. Todavia, o analisado artigo 63º não foi,
aí, objecto de qualquer alteração. Porém, ao proceder à republicação da Lei de
Organização e Funcionamento dos Serviços da Assembleia da República, de acordo
com o determinado no artigo 5º, o mesmo legislador fez figurar do seu artigo 47º
o teor dos n.os 1, 2 e 3 do artigo 63º da Lei n.º 77/88, na redacção vigente ao
tempo da sua revogação pela referida Lei n.º 72/93 e os n.os 4 a 6, do mesmo
artigo 63º, estes na redacção dada pela Lei n.º 59/93 (n.º 4) e pela Lei n.º
77/88 (n.os 5 e 6).
F – Do regime do financiamento aos partidos
1 – A maior parte das democracias ocidentais conhece a existência do
sistema de financiamento público dos partidos políticos. Trata-se de uma ideia
que se impôs como decorrência das funções que lhes são reconhecidas quer “para a
organização e para a expressão da vontade popular” (na expressão do n.º 2 do
artigo 10º da Constituição Portuguesa) quer na “participação nos órgãos baseados
no sufrágio universal e directo” (artigo 114º, n.º 1 da Constituição
Portuguesa), bem como em considerações como as de que, por esse modo, se
potenciava o princípio da igualdade de oportunidades dos partidos e, de alguma
maneira, se arredavam as críticas da falta de transparência das suas fontes
sociais de financiamento, com o cortejo de males que lhes ia normalmente
associado: a corrupção dos partidos com mais evidente vocação de poder e o
controlo do Estado por parte de grupos económicos (cf. Roberto L. Blanco Valdés,
«Consideraciones sobre la necesaria reforma del sistema español de financiación
de los partidos políticos», in La Financiación de los partidos políticos,
Cuadernos y Debates, núm. 47, Madrid, 1994, pp. 45 e ss.; Enrique Alvarez Conde,
«Algunas propuestas sobre la financiación de los partidos políticos», in ibidem,
pp. 16 e ss.; Jean-Pierre Camby, Le financement de la vie politique en France,
Paris, 1995, pp. 26 e ss.; J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e
Teoria da Constituição, 7ª edição, Coimbra, 2003, pp. 321 e ss.; José Manuel
Meirim, O financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais –
introdução e notas à Lei n.º 72/93, de 30 de Novembro, Lisboa, 1994, pp. 10 e
ss.).
São muito diversos os modos como esse financiamento é levado a cabo
nesses países.
Sem haver de entrar-se em grandes especificações para a economia da
decisão, pode dizer-se que as subvenções públicas atribuídas aos partidos giram,
em tais países, directamente em torno da consideração de dois elementos
essenciais: de um lado, as conexionadas com o seu concurso nos diferentes
processos e actos eleitorais; do outro, as atribuídas em função dos resultados
obtidos nos processos eleitorais. E, relativamente a estas, a maioria dos
sistemas orienta-se no sentido de as mesmas serem atribuídas em função,
essencialmente, do número de votos obtido nas eleições dos diversos órgãos (cf.
Jean-Pierre Camby, Le financement de la vie politique en France, cit., pp. 27 e
ss.).
Tendo por objecto da sua análise a realidade nacional, J. J. Gomes
Canotilho (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit., p. 321)
distingue entre o “financiamento estadual imediato (pagamento dos custos da
campanha eleitoral a quem tiver uma percentagem mínima de votos)”, que considera
“materialmente justo” por o financiamento das campanhas eleitorais dar um
“importante contributo para a formação da vontade política”, e o “financiamento
estadual mediato (atribuição de subsídios aos partidos representados no
parlamento)”, cuja consagração afirma ser “legítima”, embora tenha “merecido
sérias objecções”.
E, precisando o sentido destas objecções, o mesmo Autor escreve (op.
cit., p. 321):
“Se o financiamento dos partidos solidifica a sua posição perante
influências externas (o que é mais duvidoso) nem por isso os subsídios
orçamentais deixam de constituir uma inversão do próprio princípio democrático:
a formação da vontade do povo para os órgãos do Estado e não destes para o povo.
Acrescente-se ainda: o subsídio dos partidos pode ser um «prémio ao poder» e uma
tentativa camuflada da redução partidária externa e do próprio espectro
político”.
E, de seguida, remata o seu raciocínio em termos que podem
assumir-se:
“O art.º 51º, n.º 6 (aditado pela LC 1/97) dá, porém, guarida a uma
concepção estadualista de financiamento público, pois neste financiamento cabem
não só os financiamentos de campanhas eleitorais mas também os chamados
financiamentos estruturais mediatos (cf. Leis 56/98, de 18-8, 97/98, de 17-8, e
23/2000, de 23-8, relativas às contas e financiamentos dos partidos políticos)”.
Dentro da mesma linha de pensamento se expressam Jorge Miranda e Rui
Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra, 2005, p. 492),
quando escrevem sobre o mesmo artigo 51º:
“O n.º 6, a aproximar do artigo 113º, n.º 3, alínea d), é ainda uma
exigência do método democrático.
Ele exige o financiamento público, mas sujeito a requisitos e a
limites a fixar por lei (que não fica impedida de admitir outras fontes de
financiamento dos partidos). É, portanto, uma norma compromissória: garantia
institucional de financiamento público a par de relativa liberdade de
conformação do legislador”.
2 – A primeira vez que o legislador nacional procedeu autonomamente
à definição de um regime geral relativo ao financiamento dos partidos políticos
e das campanhas eleitorais, bem como do dever de prestação das respectivas
contas, aconteceu sob a Lei n.º 72/93, de 30 de Novembro.
E cingindo-nos, por economia da decisão, à matéria da caracterização
das suas fontes de financiamento que aqui relevam, regista-se que o legislador
previu, de par com as modalidades de financiamento privado admitidas, o
“financiamento público [dos partidos] para a realização dos seus fins próprios”
(artigo 6º). No mesmo preceito, estabeleceu-se que esses recursos eram “as
subvenções para financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais previstas
na presente lei” e “a subvenção atribuída pelo Parlamento Europeu, nos termos
das normas comunitárias aplicáveis”.
No artigo 7º, e sob a epígrafe “Subvenção estatal ao financiamento
dos partidos”, o legislador previu, no n.º 1, a concessão a “cada partido que
haja concorrido a acto eleitoral, ainda que em coligação, e que obtenha
representação na Assembleia da República, [de] uma subvenção anual, desde que a
requeira ao Presidente da Assembleia da República”. No n.º 2 do mesmo artigo,
definia-se o critério legal de determinação do montante da subvenção, dizendo-se
que esta “consiste numa quantia em dinheiro equivalente à fracção 1/225 do
salário mínimo nacional mensal por cada voto obtido na mais recente eleição de
deputados à Assembleia da República” e, nos números seguintes (3 e 4), o
critério de distribuição em caso de coligação eleitoral e a forma de pagamento
em duodécimos.
Em rectas contas, e no que ora importa acentuar, a Lei n.º 72/93
limitou-se a assumir por inteiro o critério de financiamento dos partidos que,
ao tempo, estava previsto nos n.os 1, 2 e 3 do art.º 63º da referida Lei n.º
77/88 cujos preceitos revogou (cf. art.º 28º).
A este diploma sucedeu a Lei n.º 56/98, de 18 de Agosto.
Nesta lei, continuou-se a contemplar entre as “fontes de
financiamento da actividade dos partidos” as subvenções públicas (artigo 2º). E
explicitando a sua natureza, o artigo 6º estabelece que estas são “As subvenções
para financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais previstas na presente
lei” [alínea a)] e “Outras legalmente previstas” [alínea b)].
Mantendo nos seus n.os 1 a 4 o regime da subvenção estatal ao
financiamento dos partidos que vinha da anterior Lei, o artigo 7º passou, porém,
a prever, no seu n.º 5, que a “subvenção prevista nos números anteriores é
também concedida aos partidos que, tendo concorrido à eleição para a Assembleia
da República e não tendo conseguido representação parlamentar, obtenham um
número de votos superior a 50 000”.
O preceito veio, novamente, a ser alterado pela Lei n.º
23/2000, de 23 de Agosto, tendo-se, porém, essa alteração, no que concerne à
matéria, consubstanciado apenas no acrescento ao n.º 5 do artigo 7º aditado pela
Lei n.º 59/98 da expressão “desde que a requeiram ao Presidente da Assembleia da
República”.
Por fim, a matéria do “financiamento dos partidos políticos e das
campanhas eleitorais” veio a ser objecto de regulação pela Lei n.º 19/2003, de
20 de Junho.
Este diploma, no que concerne às fontes de financiamento público,
manteve, no essencial, o regime que já vinha das leis anteriores (subvenções
para financiamento dos partidos políticos, subvenções para as campanhas
eleitorais e outras subvenções legalmente previstas), consistindo a sua única
alteração relevante, neste domínio, a que respeita ao critério de determinação
do montante da subvenção que no n.º 2 do seu artigo 5º é feita corresponder,
agora, “à fracção 1/135 do salário mínimo nacional por cada voto obtido na mais
recente eleição de deputados à Assembleia da República”.
De notar, ainda, que não obstante o artigo 4º da nova Lei conter
três alíneas diferentes, estas têm o mesmo conteúdo prescritivo do artigo 6º da
Lei n.º 56/98.
No que a Lei n.º 19/2003 mais pormenorizou foi em uma melhor
caracterização das receitas próprias dos partidos políticos (artigos 3º e 8º);
em uma mais precisa regulação da subvenção pública para as campanhas eleitorais,
nestas se incluindo as eleições para a Assembleia da República, para o
Parlamento Europeu, para as Assembleias Legislativas Regionais e para as
autarquias locais; na fixação de limites de despesas de campanha eleitoral e na
previsão de responsabilidade dos mandatários financeiros pela elaboração e
apresentação das contas de campanha (artigos 15º a 22º), e, finalmente, em uma
maior densificação do regime de prestação e de julgamento das contas dos
partidos e das campanhas eleitorais (artigos 12º a 14º), tendo para este efeito
criado a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos com a função de
coadjuvar o Tribunal Constitucional, a quem essa competência está atribuída
desde a legislação primitiva (Lei n.º 72/93), na sua apreciação e fiscalização
(artigos 23º e seguintes), vindo a organização e funcionamento desta Entidade a
ser desenvolvida na Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de Janeiro.
G – Subvenções públicas, partidos políticos, representações
parlamentares e parâmetros constitucionais
1 – “A Constituição de 1976 é, neste aspecto, explícita: os partidos
são uma realidade constitucional e direito constitucional formal (arts. 10º/2.º,
40º, 51º, 114º, 151º, 180º, 187º, 288/i)” (J. J. Gomes Canotilho, Direito
Constitucional…, cit., p. 315), procedendo a uma “incorporação constitucional
dos partidos em sentido formal” (cf. Marcelo Rebelo de Sousa, Os Partidos
Políticos no Direito Constitucional Português, Braga, 1983, p. 92), enquanto
emanação do Estado de direito democrático baseado no pluralismo de expressão e
organização política democráticas (cf. artigos 2º, 3º, n.º 3, 47º, 117º), tendo
mesmo incluído a matéria relativa ao “pluralismo de expressão e organização
política, incluindo partidos políticos, e o direito de oposição democrática”
entre os limites materiais de revisão constitucional [artigo 290º, alínea i)].
E a importância jurídico-constitucional conferida a essa matéria
foi-se acentuando ao longo da vida da actual Constituição, como é revelado pelo
facto de, tendo sido inicialmente prevista apenas como matéria incluída na
reserva de exclusiva competência da Assembleia da República, mas susceptível de
ser delegada mediante lei de autorização ao Governo [artigos 167º, alínea g) e
168º, n.º 1], ter entretanto passado sucessivamente a ser matéria incluída na
reserva absoluta, mas susceptível de ser regulada através de simples lei da
Assembleia da República [artigos 167º, alínea d), e 169º, n.º 2 – na revisão de
1982; artigos 167º, alínea h), e 169º, n.º 2 – revisão de 1989, 167º, alínea h),
e 169º, n.º 3 – revisão de 1992] e, finalmente, a matéria incluída na reserva
absoluta da Assembleia da República, mas sujeita ao procedimento e regime de
aprovação próprios de lei orgânica [artigos 164º, alínea h), e 166º, n.º 2 –
revisão de 1997; 164º, alínea h), e 166º, n.º 2 – revisão de 2004].
Reflectindo o estado da questão relativamente à posição actual dos
partidos no sistema político constitucional, pode repetir-se o que, em data
recente, este Tribunal Constitucional afirmou (Acórdão n.º 304/2003, publicado
no Diário da República I Série-A, de 19 de Julho de 2003):
“[…] os partidos são associações de natureza privada de interesse
constitucional e uma peça fundamental do sistema político (é o próprio Estado a
estimular a sua actividade, suportando parte do respectivo financiamento), pois
se lhes atribui – por vezes em exclusivo – a tarefa de concorrerem para a
organização e para a expressão da vontade popular”.
A asserção tem o condão de logo evidenciar, de uma forma precisa,
duas das funções essenciais dos partidos cujo reconhecimento merece expressa
consagração constitucional: por um lado, a de “concorre[re]m para a organização
e para a expressão da vontade popular, no respeito pelos princípios da
independência nacional, da unidade do Estado e da democracia política (artigo
10º, n.º 2, da Constituição); por outro – e estando-lhe intrinsecamente ligada –
a de participarem “nos órgãos baseados no sufrágio universal e directo, de
acordo com a sua representatividade” (artigo 114º, n.º 1, da Constituição).
Quanto a esta, é de notar até que a “participação directa e activa
de homens e mulheres na vida política” (cf. artigo 109º da Constituição), em
alguns órgãos baseados na eleição, apenas é possível através de listas
apresentadas por partidos (cf. artigos 21º da Lei n.º 14/79, de 16 de Maio – Lei
Eleitoral para a Assembleia da República; 11º do Decreto-Lei n.º 318-E/76, de 30
de Abril – Lei eleitoral para as primeiras Assembleias Regionais das Regiões
Autónomas dos Açores e da Madeira, mantida com alterações para a Região Autónoma
da Madeira; e 21º do Decreto-Lei n.º 267/80, de 8 de Agosto – regime jurídico da
eleição da Assembleia Regional dos Açores).
À altura em que a Constituição de 1976 atribuiu à
exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre a matéria das
“associações e partidos políticos”, a questão do financiamento dos partidos
políticos não correspondia ainda a problema que o nosso regime jurídico tivesse
equacionado e resolvido em qualquer sentido, muito embora, ao tempo, ela fosse
já um tema que era objecto de largo tratamento no regime de outros Estados
democráticos.
Mas depressa o legislador ordinário se deu conta de uma tal
realidade. Na verdade, tanto o legislador das sucessivas leis reguladoras da
estrutura orgânica da Assembleia da República que acima se deixaram
identificadas, como o legislador das regiões autónomas (e diz-se isto, porque,
limitando-nos ao presente, preceito semelhante existe no regime orgânico da
Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores – Decreto Legislativo
Regional n.º 5/2000/A, de 2 de Março) passaram a prever a atribuição de
subvenções apenas aos partidos que conseguissem representação parlamentar,
consignando-se, todavia, expressamente, quase sempre, que a subvenção era
atribuída “para a realização dos seus fins próprios [dos partidos],
designadamente de natureza parlamentar”.
Nos únicos casos em que este último fim não vem mencionado, resulta,
todavia, do contexto dos diplomas e dos seus antecedentes que essa é a
teleologia que os ilumina: é o que se passa relativamente ao artigo 47º do
Decreto Legislativo n.º 24/89/M e ao artigo 63º, n.º 1, da Lei n.º 77/88, de 1
de Julho, mantido em vigor até à sua revogação pelo artigo 28º da referida Lei
n.º 72/93.
A previsão da atribuição de tal subsídio na lei ou diploma regulador
da estrutura orgânica destes órgãos, e restrita aos partidos que neles tivessem
deputados eleitos pelas suas listas, aponta no sentido de que a subvenção
atribuída aos partidos era vista, então, pelo legislador, essencialmente, como
um instrumento financeiro de potenciação da realização dos fins próprios dos
partidos dentro da sua actividade parlamentar ou, dito de outro jeito, como modo
de potenciar o trabalho parlamentar, decerto influenciado pela realização dos
fins próprios de cada partido.
A completa autonomização da subvenção atribuída aos partidos em
relação à obrigatoriedade de existência de representação parlamentar sua, na
Assembleia da República, apenas vem a acontecer pela mão da Lei n.º 56/98
(artigo 7º, n.º 5), sendo mantida na legislação posterior.
Todavia, no que concerne à Região Autónoma da Madeira, verifica-se –
a partir do Decreto Legislativo Regional n.º 11/94/M, mediante a alteração
introduzida ao artigo 47º do Decreto Legislativo Regional n.º 24/89/M, e cujo
sentido se mantém nas normas posteriores, com inclusão, nestas, do impugnado
artigo 30º – não só uma acentuação dos fins parlamentares da atribuição da
subvenção, como também uma modificação do titular a quem essa subvenção é
atribuída, passando este a ser não os partidos representados na Assembleia
Legislativa mas as representações parlamentares, em termos correspondentes,
aliás, aos que ocorrem relativamente à subvenção prevista no referido do artigo
46º, n.º 1, na redacção vigente na legislação regional que o questionado artigo
29º altera.
Assim, enquanto, neste caso, a subvenção é atribuída aos grupos
parlamentares para ocorrer às despesas com a utilização dos gabinetes
constituídos por pessoal da sua livre escolha, onde será possível descortinar um
variado leque de despesas, como os gastos administrativos; naquele outro caso
estão incluídas as despesas dos deputados com “encargos de assessoria, contactos
com os eleitores e outras actividades correspondentes aos respectivos mandatos”
ou, seja, as despesas que perfunctoriamente se poderão designar como despesas
com a actividade parlamentar de ligação entre o eleito e o eleitor.
A circunstância de a falta de grupo parlamentar conduzir à
atribuição da verba ao partido, como acontece na situação regulada no artigo
46º, em nada altera a natureza das coisas, porquanto o partido surge aqui como
mero centro de imputação da despesa, dado que o deputado único não inserido em
grupo parlamentar acaba por externar os fins parlamentares do partido em cuja
lista foi eleito.
Do que vem dito, pode considerar-se adquirido que apenas a partir da
edição da referida Lei n.º 72/93 é que as subvenções aos partidos, não
respeitantes às campanhas eleitorais, que antes estavam previstas dentro da
estrutura orgânica da Assembleia da República, passaram a ser vistas como um
modo de financiamento mediato aos partidos para a realização dos seus fins
próprios, desligadamente do exercício de actividade parlamentar, mas ainda aí
supondo-a, enquanto a representação parlamentar era ainda elemento constituinte
do critério.
Só a partir da Lei n.º 56/98 é que tais subvenções adquiriram uma
natureza de financiamento aos partidos, qua tale, ou seja, na perspectiva
exclusiva de constituir um modo de financiamento da sua actividade e,
consequentemente, do desempenho de todas as suas funções sócio-políticas.
2 - Recortado o quadro legislativo, ficam desenhados os traços que
permitem, numa primeira consideração, adivinhar já uma destrinça entre as
subvenções em causa no presente pedido de constitucionalidade e as que são
outorgadas aos partidos políticos independentemente do desenvolvimento de uma
concreta actividade de natureza parlamentar.
Importa, agora, para uma mais adequada compreensão do nódulo
problemático sub judicio, atender às especificidades orgânico-materiais e
teleológico-funcionais que relevam no âmbito da densificação normativa da figura
dos grupos ou representações parlamentares, procurando perscrutar, a partir
dessa via, se a realidade normativa das subvenções em apreciação não colherá aí
fundamento relevante.
Na verdade, não só a modelação dogmática da natureza jurídica dos
grupos e representações parlamentares se apresenta como adequada a poder
emprestar ao tratamento da matéria em crise uma perspectiva que, num plano da
extensão das suas funções, pode permitir compreender a sua destrinça – ou, pelo
menos, as nuances distintivas – perante os partidos políticos qua tale, como,
também, ela poderá evidenciar, melhor, o relevo que tais figuras assumem
enquanto dimensões constitutivas da organização parlamentar e da actividade aí
desenvolvida. Este é, aliás, como referem Lenk/Neumann (Teoría y sociología
criticas de los partidos políticos, Barcelona, 1980, p. 38), um dos “problemas
centrais da democracia parlamentar e de partidos”.
Bem se compreende, assim, que uma tal reflexão não possa deixar de
ser considerada para a solução da questão jurídico-constitucional.
2.2 – Apesar de não existir consenso doutrinal em torno de uma noção
definidora dos grupos parlamentares, susceptível de concretizar adequadamente a
sua natureza jurídica, contextualizada pelo centro de imputação funcional que
lhes é reservado pelo ordenamento jurídico, não há dúvida de que não nos
encontramos perante “objectos – recte, sujeitos – jurídicos não identificados”
que prossigam objectivos político-juridicamente assépticos ou amorfos.
Tal constatação foi já operada por este Tribunal que, no Acórdão n.º
63/91 (publicado no Diário da República I Série, de 3 de Julho de 1991),
reflectindo uma posição doutrinal, considerou que:
«(...)
[Os grupos parlamentares] configuram[-se] como um específico sujeito da
actividade, organização e funcionamento do órgão parlamentar.
Tais grupos são, como se sabe, constituídos por deputados eleitos por
cada partido ou coligação de partidos, enquanto tais, a eles se deferindo pela
Constituição uma expressa importância. O que se compreende, já que, assim, se
alcança a conferência de expressão no Parlamento às forças políticas que se
apresentaram, como tal, ao eleitorado, com os respectivos programas e objectivos
políticos.
Perante esta postura da Constituição, J. J. Gomes Canotilho e Vital
Moreira (...) sublinham que os grupos parlamentares não são simples formas de
organização dos deputados, sem poderes parlamentares autónomos, mas antes
“verdadeiras entidades parlamentares, com poderes parlamentares próprios, os
quais mesmo quando paralelos aos dos deputados, são exercidos cumulativa e
independentemente”, funcionando a Assembleia da República, na prática
parlamentar, “muito mais como um conjunto de GPs do que como conjunto de
deputados”, integrando, homogeneizando e unificando “as posições dos deputados
que os integram, substituindo às múltiplas posições individuais uma posição de
grupo unificado”, pelo que os deputados, “ao intervirem na actividade
parlamentar”, funcionam, em geral, “como simples transmissores ou porta-vozes da
posição do grupo”».
É, aliás, comum reconhecer-se hodiernamente a relevância
jurídico-política da figura dos grupos parlamentares que, pelas suas funções, se
converteram, “nas modernas assembleias legislativas, [em] instrumentos
imprescindíveis para o correcto funcionamento das mesmas, [dado que] todo o
trabalho, legislativo ou de outro tipo, que se leva a cabo nos parlamentos está
concebido em função da sua existência” (cf. Alejandro Saiz Arnaiz, Los grupos
parlamentarios, Madrid, 1989, p. 291), sendo, por isso, inteiramente
justificadas as considerações tecidas por J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira
referidas no acórdão acabado de citar e que também encontram reflexo no direito
“comparado” – cf., inter alia, José Luis García Guerrero, Democracia
representativa de partidos y grupos parlamentarios, Madrid, 1996, p. 411.
E essa específica relevância tem sido destacada doutrinariamente em
face do jogo das semelhanças e das diferenças perante a realidade dos partidos
políticos.
De facto, mesmo que se entenda, a propósito da desvelação da
natureza jurídica dos grupos parlamentares, que estes podem ser vistos como
“órgãos dos partidos políticos” (cf. Pietro Rescigno, «L’attività di diritto
privato dei Gruppi parlamentari», in Giurisprudenza Costituzionale, 1961, pp.
295 e ss.), e que se assuma a existência de um “nexo jurídico entre o grupo
parlamentar-órgão do partido e o grupo parlamentar-órgão do Estado” [cf.
Biscaretti di Ruffia, «I partiti politici nell’ordinamento costituzionale», in
Il Politico, 1950, p. 16, referido por José Luis García Guerrero, Democracia
representativa de partidos y grupos parlamentarios, cit, p. 253; e, entre nós,
Jorge Miranda, «Grupo parlamentar», in Aa. Vv., Polis, Lisboa, pp. 136-137, que
depois de afirmar que são órgãos dos partidos “por mediatizarem a participação
destes na Assembleia”, reconhece que eles se assumem como “sujeitos da acção
parlamentar (...) elementos que dinamizam a competência da Assembleia”], sempre
se deverá reconhecer que dessa “visão de Janus”, desse nexo, já decorre uma
diferenciada actuação funcional que implica, no plano do financiamento público,
para além da afectação dos meios indispensáveis à prossecução da generalidade
das actividades partidárias, que, também por essa via, se permita o
desenvolvimento da especifica – formal, material e juridicamente distinta –
actuação parlamentar.
Anote-se, de resto, que a generalidade da doutrina que reconhece aos
grupos parlamentares a natureza de órgãos dos partidos políticos não deixa de
mitigar essa posição, compatibilizando tal natureza com as funções específicas
exercidas pelos grupos, reconhecendo-lhes, de um lado, no seio das assembleias
legislativas, a natureza de órgãos destas que intervém com “uma actividade
própria no procedimento de formação do acto estatal” e que “esgotam a sua
actividade na esfera jurídica do ente” que integram, e, do outro, igualmente, a
natureza de “órgão externo” que, assumindo a sua “plena autonomia”, “tem
competência para formar ou manifestar a vontade de um ente ou, em geral, de
estabelecer relações jurídicas com outros sujeitos”, acabando por concluir que
“não existem problemas dogmáticos para configurar o grupo parlamentar típico
como órgão externo do partido e interno do Parlamento” (cf., neste sentido, cf.
Costantino Mortati, Istituzioni di diritto pubblico, Pádua, 1976, p. 880, onde
escreve: “os grupos parlamentares são parte da organização interna dos partidos
de quem são expressão, ainda que, ao mesmo tempo, sejam considerados órgãos
internos das Assembleias, com uma função que é preparatória das decisões que
correspondem propriamente àquelas; assumindo assim uma duplicidade de
competências e de responsabilidades face às entidades de que são parte
[integrante]”; e José Luis García Guerrero, Democracia representativa de
partidos y grupos parlamentarios, cit., pp. 252 e ss., depois de acolher a
distinção entre “órgão interno” e “órgão externo”).
E tal asserção não deixa de ser potenciada no domínio de uma
concepção que, concretizando a ideia de que “os grupos não são meros elementos
facultativos e acessórios dos parlamentos, mas sim centrais e determinantes de
toda a actividade aí desenvolvida” (cf. Alejandro Saiz Arnaiz, Los grupos
parlamentarios, cit., pp. 293-294), perspective os grupos parlamentares como
órgãos das assembleias legislativas (cf., com mais indicações, Alejandro Saiz
Arnaiz, Los grupos parlamentarios, cit., pp. 293, n. 7, 29 30 e 35; Yves Guchet,
Droit parlementaire, Paris, 1996, p. 37 e Wolfgang Demmler, Der Abgeordnete im
Parlament der Fraktionen, 1994, pp. 197 e sss.).
Entre os autores que matizam esta natureza dos grupos parlamentares,
conjugando-a com outras dimensões constitutivas, cf. Alejandro Saiz Arnaiz, Los
grupos parlamentarios, cit., p. 348 – para quem os grupos são “partes de um
órgão constitucional (o Parlamento) integradas por um número mais ou menos amplo
de membros deste (elemento pessoal), dotadas de uma certa continuidade
(normalmente uma legislatura) e organização (no exercício da sua própria
autonomia e dada a sua estrutura associativa) que expressam o pluralismo
político (emanação dos partidos) e exercem funções de relevância pública no seio
desse órgão”.
Em todo o caso, qualquer reflexão sobre a natureza dos grupos
parlamentares – e, para além das posições já denunciadas, podem referir-se as
concepções que os entendem como “entes públicos independentes” (cf. A. Manzella,
Il Parlamento, Bolonha, 1977, pp. 31 e ss.), como “associações de direito
público” (cf. H. J. Moecke, «Die parlamentarischen Fraktionen als Vereine des
öffentlichen Rechts», in Neue Juristische Wochenschrift, 1965, pp. 565 e ss.) ou
mesmo como “associações de direito privado investidas em funções públicas (cf.
Tesauro, «I gruppi parlamentari», in Rassegna di Diritto pubblico, 1967, p. 201)
– põe em destaque que a actividade dos grupos parlamentares no seio de uma
assembleia legislativa, contribui decisivamente para tornar possível e efectiva
a realização das funções do próprio parlamento (cf. Alejandro Saiz Arnaiz, Los
grupos parlamentarios, cit., p. 306).
Mesmo que se afirme existir algum nexo de dependência política dos
grupos e representações parlamentares em face dos partidos, nexo este que pode
até ser visto na circunstância de alguns dos estatutos dos partidos os poderem
ter como seus órgãos estatutários, é indefectível reconhecer-lhes, sempre, uma
autonomia funcional no seio da instituição parlamentar assente em poderes
parlamentares próprios, funcionalmente preordenados à realização das tarefas de
natureza parlamentar.
2.3 – Ora, esta autonomia funcional – ou, pelo menos, a
particular relevância que os grupos parlamentares assumem enquanto elementos
constitutivos da vida parlamentar – tem manifestos reflexos ao nível da
compreensão das subvenções outorgadas para a prossecução e cumprimento das
tarefas parlamentares, enquanto conditio sine qua non da realização da função
parlamentar – e, bem assim, da efectiva actuação do complexo orgânico de
soberania legislativa do Estado –, havendo que reconhecer as necessárias
diferenciações de qualidade perante o problema do financiamento da actividade
partidária realizada sem aquela conexão orgânica fundamental.
Tal constatação torna-se, de resto, bem patente ao nível da
discussão global sobre o(s) financiamento(s) dos partidos porquanto,
independentemente do modelo que aí seja adoptado – com o “fiel da balança” a
pender para o financiamento público ou para o financiamento privado, com os
fundamentos e as consequências aí inerentes (cf. Hans Peter Schneider,
Democracia y constitución, Madrid, 1991, pp. 273 e ss.) –, as subvenções “de
âmbito parlamentar” são, em todo o caso, reconhecidas como instrumentos de
actuação no seio das assembleias legislativas.
Nesta medida, como condição operacional que caberá aos parlamentos
efectivar no âmbito do seu complexo de autonomia organizacional, essa matéria
presta-se a ser menos sensível às tensões político-jurídicas latentes no debate
comummente traçado em torno do financiamento da actividade partidária tout court
(cf. Martin Morlok, «Finanziamento della politica e corruzione: il caso
Tedesco», in Quaderni costituzionali, 1999, fasc. 2, p. 263).
Anote-se que, na Alemanha, onde a origem do financiamento dos
partidos tem sido deveras debatida – muito em torno do pressuposto, firmado pelo
Tribunal Constitucional alemão, de que o financiamento predominantemente público
não é compatível com o princípio de independência dos partidos relativamente ao
Estado [cf. Acórdão de 14 de Julho de 1986, in Entscheidungen des
Bundesverfassungsgerichts –BVerfGE– volume 20, 56 (97), citado por Christine
Landfried, Parteifinanzen und politische Macht – Eine vergleichende Studie zur
Bundesrepublik Deutschland, zu Italien und den USA, 2.ª ed., Heidelberg, 1994,
p. 79; cf, também, Hans Peter Schneider, Democracia y constitución, cit., p.
274] – se aceita, como linha de princípio, que o financiamento público dos
grupos parlamentares “não deve ser criticado, porquanto tais grupos (…)
constituem sujeitos necessários para a actividade parlamentar”, estando
inseridos na “estrutura orgânica estadual” [cf. BverfGE, volume 20, 56 (104)].
E, mesmo quando se assuma, quanto à natureza dos grupos e representações
parlamentares, que estes, para além da realidade parlamentar, possam também ser
vistos como “órgãos de um partido político”, são, na essência, diferenciáveis os
conceitos – ou pelo menos os fundamentos e as finalidades – subvencionais, pois
o “financiamento” dos grupos parlamentares apenas se compreende quando outorgado
a entidades actuantes no órgão parlamentar, para a realização das funções que
cumprem no seio desse mesmo órgão. Nesta mesma linha se coloca a Sentencia
214/1990, de 20 de Dezembro, do Tribunal Constitucional espanhol, que considerou
ser “evidente que a finalidade das diversas classes de subvenções, estabelecidas
em benefício dos Grupos Parlamentares, não é outra que facilitar a participação
dos seus membros no exercício das funções institucionais da Cámara a que
pertencem, para isso se dotando os grupos em que os deputados (...) se hão-de
integrar, dos recursos económicos necessários”, “de natureza pessoal e material”
- concretizou-se, recentemente, na Decisão de 26 de Maio de 2004 (Auto n.º
200/2004), onde se cita anterior jurisprudência do Tribunal, tratando-se deste
modo de garantir “o funcionamento regular dos grupos parlamentares” (cf. José
Luis García Guerrero, Democracia representativa de partidos y grupos
parlamentarios, cit., p. 490) e, em decorrência, o próprio funcionamento regular
das instituições parlamentares.
Assim sendo, compreender-se-á, pela referência ao fundamento
subvencional, que o financiamento dos grupos parlamentares constitua – ou possa
ser visto como... – um financiamento do próprio parlamento, para a realização
dos objectivos que lhe são constitucionalmente adstritos, sendo certo que se
pode considerar como traduzindo a realidade parlamentar que “em última
instância, qualquer Câmara é inseparável dos grupos nos quais ela se divide, os
grupos são o esqueleto e a alma da Câmara” (cf. Rescigno, «Gruppi parlamentari»,
in Enciclopedia del diritto, vol. XIX, Milão, 1970, p. 795).
2.4 – Daí resulta que as subvenções conexionadas com a vida do
parlamento, contendendo, na sua essência, com “as condições formais e materiais
de exercício” dessa actividade e por respeitarem a um domínio de natureza
orgânico-funcional, têm um diferente fundamento material das que se inserem num
quadro geral de financiamento da vida dos partidos. Se estas podem ser
outorgadas independentemente da representação parlamentar dos partidos, sendo
causadas pelo especial papel político que estes desempenham enquanto elementos
vitais do pluralismo democrático, já aquelas, sendo causadas pelo desempenho da
função parlamentar, «respondem seguramente também a exigências “internas” da
instituição parlamentar, conexionadas com a sua funcionalidade, com particular
referência à tentativa de conciliar, por um lado, a quantidade de produção
normativa com a qualidade da mesma e de, por outro lado, tornar mais eficaz o
processo de decisão política [e com acrescida validade democrática]» (a
expressão é de Giancarlo Rolla, «Riforma dei regolamenti parlamentari ed
evoluzione della forma di governo in Italia», in Rivista trimestrale di diritto
pubblico, 2000, fasc. 3, p. 603; são “fundos que são utilizados pelas Câmaras
para o seu próprio funcionamento” - pode ler-se num texto dos Servicios
Jurídicos de la Secretaría General del Congresso, mencionado por Alejandro Saiz
Arnaiz, Los grupos parlamentarios, cit., pp. 183-184).
Partindo desta dualização e reportando as subvenções a um domínio
orgânico-funcional, a experiência jurídica além fronteiras concretiza e enquadra
o problema das subvenções relativas à actividade parlamentar no seio de uma
autoconformação e autodisposição dos recursos orgânicos afectos ao trabalho de
produção legiferante, sendo que tais subvenções não se reportam apenas a um
“hardware” ou a uma logística física – estática – de apoio à actividade
prosseguida nos parlamentos (as “subvenções indirectas” a que se refere José
Luis García Guerrero, Democracia representativa de partidos y grupos
parlamentarios, cit., p. 489).
Assim, no artigo 16.º do Regolamento del Senato italiano, dispõe-se
que “aos grupos parlamentares, para a realização das suas funções, é assegurada
a disponibilidade de local e equipamento e serão realizados contributos, a cargo
do Senado, diferenciados em razão da consistência numérica dos mesmos grupos”,
assumindo-se aqui que “não é evidentemente aos partidos enquanto membros da
Câmara que os contributos são atribuídos, mas a esses enquanto ‘sujeitos
primários’ do agir político”, [ou seja] “não é o partido mas o grupo parlamentar
que releva como destinatário do contributo” (Luigi Cozzolino, «Sulla
sindacabilità degli atti parlamentari erogativi del contributo statale al
finanziamento dei partiti politici», in Giurisprudenza costituzionale, fasc. 6,
1991, pp. 4176 e ss., esp.te 4182).
Também, em Espanha, se reconhece a especificidade das subvenções preordenadas à
realização das actividades de natureza parlamentar, pelo que os “Grupos
Parlamentares das Câmaras das Cortes Gerais, nos termos previstos nos
Regulamentos do Congresso dos Deputados e do Senado e das subvenções aos Grupos
Parlamentares das Assembleias Autonómicas, segundo se encontra estabelecido na
normas respectivas”, têm direito a tal financiamento público independentemente
do que é atribuído para a realização das demais finalidades partidárias (cf.
artigo 2.º, alínea b) da Ley orgánica 3/1987, de 2 de Julho, sobre financiación
de los partidos políticos). Nesta linha, o Reglamento del Senado, no seu artigo
34.º, prevê que “o Senado atribuirá aos Grupos Parlamentares uma subvenção cuja
quantia se fixará em função do número dos seus componentes e, além disso, um
complemento fixo igual para todos”. Por seu turno, no artigo 28.º do Reglamento
del Congreso de los Diputados afirma-se que “O Congresso porá à disposição dos
Grupos Parlamentares locais e meios materiais suficientes e outorgará, a cargo
do seu orçamento, uma subvenção fixa idêntica para todos e uma outra variável em
função do número de Deputados de cada um dos grupos”.
Na Alemanha, a Gesetz über die Rechtsverhältnisse der Mitglieder des
Deutschen Bundestages (Abgeordnetengesetz), no seu § 50, sob a epígrafe
“prestações financeiras e materiais”, dispõe que aos grupos parlamentares
(Fraktionen) são atribuídos, a cargo do orçamento federal, contributos em
dinheiro e em espécie para o cumprimento das suas funções. Também aqui se
atribui, além de uma quantia fixa, uma outra variável em função do número de
membros que integra o grupo parlamentar. Além disso, no seio de cada Estado, é
possível encontrar análoga regulamentação da posição jurídica e do financiamento
dos grupos parlamentares (“Rechtsstellung und Finanzierung der Fraktionen”),
importando notar que estas contribuições aos [membros dos] grupos parlamentares
(“Beiträge der Fraktionensmitglieder”) não se confundem com as subvenções
públicas aos partidos previstas na Gesetz über die politischen Parteien
(Parteiengesetz), designadamente no § 18, onde se estabelecem os princípios e o
alcance do financiamento público (“Grundsätze und Umfang der staatlichen
Finanzierung”) – cf. Christine Landfried, Parteifinanzen und politische
Macht..., cit., pp. 91 e ss., e Herbert von Arnim, «Die neue
Parteienfinanzierung», in Deutsches Verwaltungsblatt, 16, 2002, pp. 1065 e ss..
2.5 – Pressuposto este “pano de fundo” clarificador dos fundamentos e
finalidades subvencionais que perpassam o thema decidendum, cumpre agora
projectar essa luz distintiva sobre as normas questionadas no presente pedido de
fiscalização preventiva de constitucionalidade.
Ora, para a realização de tal objectivo - e num plano crítico-reflexivo
- não pode deixar, aqui, de confrontar-se as considerações que subjazem à
produção legiferante relativa ao financiamento dos partidos com as que concernem
à disciplina jurídica da orgânica parlamentar, estas enquanto manifestação de um
poder de autoconformação normativa.
Nesta linha de pensamento, não pode desconsiderar-se o facto de o
regime aplicável ao financiamento dos partidos políticos qua tale assumir como
fundamento subvencional do financiamento público a realização dos seus fins
próprios independentemente da afectação de recursos relativos à prossecução de
uma actividade parlamentar.
Na verdade, ainda que a representatividade na Assembleia da República
seja assumida como critério do montante subvencional a atribuir pelo Estado, é
manifesto que a ratio, subjacente a tal financiamento, não tem a natureza
instrumental da subvenção que é concedida para realização de fins estritamente
parlamentares e que a estes está funcionalmente condicionada.
Tal especificidade não deixou de ser assumida pelo legislador ordinário
que, na Lei n.º 19/2003, de 20 de Junho, prevê que a subvenção pública para
financiamento dos partidos políticos seja concedida, também, aos que “tendo
concorrido à eleição para a Assembleia da República e não tendo conseguido
representação parlamentar, obtenham um número de votos superior a 50 000, desde
que a requeiram ao Presidente da Assembleia da República”.
No fundo, trata-se, aqui, de acolher a particular relevância
político-jurídica dos partidos ao nível da “representação política global da
colectividade”, como veículos de “formação e expressão da vontade popular”,
“projectada para o povo como elemento do Estado-colectividade” (cf. Marcelo
Rebelo de Sousa, Os partidos políticos no direito constitucional português, cit.
pp. 444 e ss.).
Contudo, é igualmente inegável que o sistema constitucional reserva aos
partidos políticos um importante papel ao nível da “participação no
funcionamento do sistema de governo constitucionalmente instituído” – aí se
integrando a “que se efectua através dos órgãos de soberania, a que se exerce
noutros órgãos do Estado e ainda a que respeita aos órgãos de governo próprio
das regiões autónomas” (cf. Marcelo Rebelo de Sousa, Os partidos políticos no
direito constitucional português, cit., p. 446). E, nessa participação, vai
assumido um conjunto de “diferenças sensíveis” que demarcam a actuação dos
partidos solus ipse da que é institucionalmente enquadrada como dimensão
componente – e constitutiva – do funcionamento dos próprios órgãos do Estado.
Por outro lado, acentuando agora a especificidade da representação de
cariz parlamentar, não deixa de resultar dos pertinentes dados constitucionais
que a intervenção dos partidos, nesta sede, é, em boa medida, mediatizada pelos
grupos parlamentares que assim se configuram como específicos sujeitos da
actividade, organização e funcionamento do órgão parlamentar – como se entendeu
no já referido Acórdão n.º 63/91. E dessa estruturação da orgânica – e da
dinâmica – parlamentar (por alguns entendida como uma “estruturação
grupocrática” – cf. José Luis García Guerrero, Democracia representativa de
partidos y grupos parlamentarios, cit., p. 411), mesmo reconhecendo-se que os
grupos parlamentares são “uma [ideo]lógica emanação dos partidos” (cf. a
Sentencia n.º 36/90 do Tribunal Constitucional espanhol, onde, apesar disso, se
reconhece ser “indubitável a relativa dissociação conceptual” e a “independência
de vontades presente em ambos”) e um interface na realização do fim supra
referido, decorrerá, também entre nós, uma forçosa ponderação diferenciadora
entre as condições de funcionamento dos partidos – a que concernem as subvenções
outorgadas no seio do artigo 5.º da Lei n.º 19/2003 – e as condições de
funcionamento dos órgãos de natureza parlamentar, norteadas pelo quid specificum
de estarem instrumentalizadas, vinculadas e predispostas ao funcionamento desse
complexo orgânico.
E, assim, enquanto as primeiras são compreendidas no âmbito de uma
escolha-opção legiferante na composição de um modelo de financiamento da
actividade partidária, as segundas não podem deixar de ser reclamadas pela
própria natureza das coisas, não só em função do exercício da função
parlamentar, mas igualmente atendendo às exigências materiais que aí vão
assumidas e que são vistas como condição de dignidade desse exercício e dos seus
resultados.
2.6 – É, neste contexto, que devem ser compreendidas as subvenções
previstas no diploma em crise.
Relembrando os antecedentes históricos, supra referidos, que precederam
a concreta regulamentação que o Ministro da República questiona no seu pedido de
fiscalização preventiva de constitucionalidade – e de onde resulta, ainda que
não uniformemente, um nexo das subvenções previstas na sucessiva regulamentação
regional com a realização de actividades de natureza parlamentar – impõe-se
atender, sobretudo, ao teor normativo dos preceitos que alteram a estrutura
orgânica da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira.
A redacção actual do artigo 46.º, relativo aos Gabinetes dos partidos e
dos grupos parlamentares, resultante do Decreto Legislativo Regional nº 2/93/M,
de 20 de Fevereiro, e que se manteve inalterada, dispõe que “Os partidos com um
único deputado e os grupos parlamentares dispõem, para a utilização de gabinetes
constituídos por pessoal da sua livre escolha, nomeação, exoneração e
qualificação, de uma verba anual, resultante do quadro seguinte (...)”. O
objectivo subjacente a tal norma mostra-se concretizado expressis verbis nesse
diploma, aí se referindo ser necessário “dignificar o órgão máximo da autonomia
regional, criando-se melhores condições de trabalho quer ao próprio Parlamento,
quer aos deputados e funcionários”.
Ora, é indubitável que esta subvenção assume a natureza de um típico
financiamento relativo ao exercício da actividade parlamentar destinando-se a
fazer face aos encargos decorrentes da utilização dos gabinetes das
representações parlamentares.
Na verdade, tal norma não pode deixar de traduzir a imperiosa
necessidade de assegurar, num plano imediato, a actividade dos grupos
parlamentares, dotando-os de uma estrutura humana e material operativa que seja
funcionalmente adequada à participação nos trabalhos da Assembleia Legislativa,
traduzindo-se deste modo, num plano mediato, numa conditio de manutenção dos
trabalhos desse órgão legislativo regional: garantir aos grupos parlamentares
condições de funcionamento interno ao nível do acesso a recursos humanos e
materiais indispensáveis para a actividade dos gabinetes não redunda num
financiamento do partido, mas antes, na sua essência, na concretização de um
instrumentarium finalisticamente ordenado à realização da vida parlamentar e que
assim se haverá de consumir no interior de cada gabinete em prol do
funcionamento do próprio parlamento regional.
E esta natureza das subvenções não muda ainda que se considere o
disposto no n.º 8 deste artigo 46º, nos termos do qual “a aplicação do disposto
neste artigo não prejudica a situação existente em cada gabinete de apoio aos
grupos parlamentares, nem a fixação do quadro previsto no n.º 2 [quadro de
pessoal do gabinete da cada grupo parlamentar, por proposta vinculativa do
respectivo grupo, e desde que não ultrapasse o montante da subvenção referida no
número anterior”] prejudica a utilização da totalidade do montante referido no
n.º 1 do presente artigo”.
Na verdade, o preceito limita-se simplesmente a conferir aos grupos ou
representações parlamentares liberdade na gestão do montante das subvenções que
lhes são atribuídas, liberdade essa a exercer com estrito respeito pela
finalidade a que estão expressamente consignadas na lei – “para utilização de
gabinetes constituídos por pessoal da sua livre escolha, nomeação, exoneração e
qualificação”.
Dito de outro jeito, o que o legislador faz é conceder aos grupos ou
representações parlamentares a possibilidade de elegerem o que consideram ser o
melhor sistema organizativo, tanto do ponto de vista da sua componente e
qualificação humanas como do ponto de vista da eleição dos meios materiais, para
o desempenho das funções administrativas ou técnicas que entendam ser cometidas
aos respectivos gabinetes. Poderão ter, por exemplo menos pessoal, mas pessoas
mais qualificadas do ponto de vista que considerem relevante para esse efeito
(técnico, científico, político, etc.). Poderão ter menos pessoal mas melhor
equipamento de apoio físico ao gabinete. O que, decerto, a norma em causa não
consente é que o saldo do montante da subvenção atribuída, não absorvido pelo
pagamento ao quadro de pessoal dos gabinetes dos grupos ou representações
parlamentares, possa ser legitimamente gasto em despesas estranhas a esses
gabinetes, como sejam, por exemplo, o pagamento de cartazes anunciando comícios
partidários, pagamento a funcionários do partido, ofertas a quem participe ou
compareça a comícios ou festas partidárias, etc.
E de todo o modo a possibilidade de existência de uma tal violação da
lei não afecta a validade da mesma, sendo dela independente.
Por fim, e no que diz respeito ao âmbito da alteração que introduz no
preceito, importa notar que o sindicando artigo 29.º do Decreto Legislativo em
apreço apenas altera o cálculo do montante a forfait estabelecido para o
“deputado único/partido e grupos parlamentares” previsto na alínea a) do artigo
46.º.
E, mutatis mutandis, a mesma conclusão deve impor-se quanto ao disposto
no artigo 47.º, ultrapassadas que sejam a expressão “subvenção aos partidos”,
constante da sua epígrafe, e o termo “partidos”, constante do seu n.º 3.
A redacção em vigor dessa norma, saída do Decreto Legislativo Regional
nº 10-A/2000/M, de 27 de Abril, preceitua que “Às representações parlamentares é
atribuída uma subvenção mensal para encargos de assessoria, contactos com os
eleitores e outras actividades correspondentes aos respectivos mandatos no valor
de dois terços do salário mínimo nacional aplicável nesta Região Autónoma (SMNR)
por deputado eleito, mais a ponderação dos seguintes factores (...)” – e também
aqui o artigo 30.º do diploma sindicando apenas altera a ponderação do montante
a atribuir à “representação de um só deputado e grupos parlamentares”, prevista
na alínea a).
É manifesto estar também aqui em causa um fundamento subvencional
conexionado com o estrito exercício da função parlamentar, numa clara relação de
instrumentalidade para com esta.
O modo como se define normativamente a vinculação-afectação dos valores
aí disponibilizados às representações parlamentares apenas pode conduzir à
conclusão de que se trata aqui, na esteira das considerações supra tecidas, de
um financiamento em prol da actividade da Assembleia Legislativa que ao assumir
os encargos de assessoria, contactos com os eleitores e outras actividades
correspondentes aos respectivos mandatos parlamentares está a disciplinar as
condições materiais do seu funcionamento e não, tout court, a subvencionar os
partidos qua tale.
Na verdade, estas contribuições visam possibilitar uma maior qualidade
técnica da produção legiferante – aspecto particularmente sensível quando estão
em causa matérias cuja complexidade pode não dispensar uma tarefa de assessoria
qualificada (cf. Giancarlo Rolla, «Riforma dei regolamenti parlamentari ed
evoluzione della forma di governo in Italia», cit, p. 603) ou quando importa
conhecer, com profundidade, uma concreta realidade social a regular –,
concorrendo, em geral, para um melhor funcionamento da instituição parlamentar.
São, pois, no fundo, subvenções dirigidas ao financiamento da
actividade parlamentar, porquanto se traduzem na mobilização de recursos que,
por natureza, no seio da organização e funcionamento dos serviços da Assembleia,
devem ser tidos como conditio sine qua non da actuação parlamentar, aqui
encontrando a sua causa e aqui esgotando os seus efeitos.
Para terminar o ponto, importa notar, ainda, que o artigo 47º, n.os 4,
5 e 6, da referida Lei n.º 28/2003, prevê, também, a atribuição a cada grupo
parlamentar da Assembleia da República de uma subvenção, paga em duodécimos,
constatando-se que esta se encontra legalmente consignada ao cumprimento das
mesmas exactas finalidades que justificam a norma regional que está agora sob
exame e que acabam de apontar-se – “subvenção para encargos de assessoria aos
Deputados e outras despesas de funcionamento”.
3 – A validade constitucional das normas impugnadas implica agora o
seu confronto com o quadro constitucional definidor do regime de autonomia
político-administrativa, nomeadamente, ao nível dos poderes legislativos que
foram atribuídos às regiões autónomas pela Constituição da República Portuguesa,
na versão aprovada pela Lei Constitucional n.º 1/2004, de 24 de Julho.
Na verdade, o exercício do poder legislativo a coberto do qual as
normas impugnadas foram decretadas ocorreu já sob a vigência desta Lei
Constitucional.
Quanto a esta matéria, a primeira nota que importa acentuar, e
cingindo-nos ao relevante para a economia da decisão, é a de que os poderes
legislativos das regiões autónomas foram profundamente alterados, entre outros
preceitos, através da nova redacção dada pelo artigo 30º daquela Lei
Constitucional n.º 1/2004 à alínea a) do n.º 1 do artigo 227º da Constituição,
podendo estas, agora, “legislar no âmbito regional em matérias enunciadas no
respectivo estatuto político-administrativo e que não estejam reservadas aos
órgãos de soberania”, em consonância, de resto, com o sentido constitucional
conferido à autonomia legislativa pelo artigo 228º (na redacção dada pela mesma
Lei Constitucional), nos termos do qual a “autonomia legislativa das regiões
autónomas incide sobre as matérias enunciadas no respectivo estatuto
político-administrativo que não estejam reservadas aos órgãos de soberania” (n.º
1).
E, porque, entre os pressupostos assumidos pelo legislador
constitucional para a atribuição às regiões autónomas do referido poder de
legislar figuram as “matérias enunciadas no respectivo estatuto político
administrativo (…) que não estejam reservadas aos órgãos de soberania”, não
deixou o mesmo de resolver as questões de direito transitório que um tal novo
quadro constitucional era susceptível de acarretar.
É este o sentido do artigo 46º da referida Lei Constitucional n.º
1/2004 que assim dispõe:
“Até à eventual alteração das disposições dos estatutos
político-administrativos das regiões autónomas, prevista na alínea f) do artigo
168º, o âmbito material da competência legislativa das respectivas regiões é o
constante do artigo 8º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma
dos Açores e do artigo 40º do Estatuto Político-Administrativo da Região
Autónoma da Madeira”.
Ora, a matéria regulada pelas normas sindicandas não consta do
artigo 40º deste último Estatuto. Todavia, não será por isso que se poderá
concluir, sem mais, pela falta de poderes legislativos da região para a regular.
É que tanto esta norma como a constante da referida alínea a) do n.º
1 do artigo 227º da Constituição não podem ser interpretadas de modo isolado ou
desligado do disposto em outras normas da Constituição, antes se impondo fazer
uma interpretação de acordo com o princípio da unidade da Constituição (cf. J.
J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional…, cit., pp. 1223 e ss.).
Ao definir a competência da Assembleia Legislativa da região
autónoma (epígrafe do próprio artigo), os n.os 3 e 4 do artigo 232º da
Constituição dispõem, respectivamente, que:
«3. Compete à Assembleia Legislativa da região autónoma elaborar e
aprovar o seu regimento, nos termos da Constituição e do respectivo estatuto
político-administrativo.
4. Aplica-se à Assembleia Legislativa da região autónoma e respectivos grupos
parlamentares, com as necessárias adaptações, o disposto na alínea c) do artigo
175º, nos n.os 1 a 6 do artigo 178º e no artigo 179º, com excepção do disposto
nas alíneas e) e f) do n.º 3 e no n.º 4, bem como no artigo 180º».
E, por seu lado, reza assim o artigo 180º da Constituição, convocado
no anterior preceito:
«Artigo 180º
(Grupos parlamentares)
1. Os Deputados eleitos por cada partido ou coligação de partidos podem
constituir-se em grupo parlamentar.
2. Constituem direitos de cada grupo parlamentar:
a) Participar nas comissões da Assembleia em função do número dos seus membros,
indicando os seus representantes nelas;
b) Ser ouvido na fixação da ordem do dia e interpor recurso para o Plenário da
ordem do dia fixado;
c) Provocar, com a presença do Governo, o debate de questões de interesse
público actual e urgente;
d) Provocar, por meio de interpelação ao Governo, a abertura de dois
debates em cada sessão legislativa sobre assunto de política geral ou
sectorial;
e) Solicitar à Comissão Permanente que promova a convocação da
Assembleia;
f) Requerer a constituição de comissões parlamentares de inquérito;
g) Exercer iniciativa legislativa;
h) Apresentar moções de censura ao Governo;
i) Ser informado, regular e directamente, pelo Governo, sobre o andamento dos
principais assuntos de interesse público.
3. Cada grupo parlamentar tem direito a dispor de locais de trabalho, na sede
da Assembleia, bem como de pessoal técnico e administrativo da sua confiança,
nos termos que a lei determinar.
4. Aos Deputados não integrados em grupos parlamentares são assegurados
direitos e garantias mínimos, nos termos do Regimento».
Ao prever, nos transcritos n.os 3 e 4 do artigo 232º, a competência
da Assembleia Legislativa da região autónoma para “elaborar e aprovar o seu
regimento, nos termos da Constituição e do respectivo estatuto
político-administrativo”, e a aplicação à Assembleia Legislativa da região
autónoma deste artigo 180º, a Constituição reconhece, nesses termos, de forma
clara, a competência de autoconformação ou de auto-regulação da Assembleia
Legislativa, maxime, de poderes de modelação da sua estrutura orgânica, nesta se
incluindo os grupos parlamentares, dentro do “quadro da Constituição” em que a
autonomia político-administrativa regional deve ser exercida (cf. artigo 225º,
n.º 3, da Constituição).
E, assim, admitindo a Constituição a possibilidade de os deputados
de cada partido ou coligação de partidos eleitos para a Assembleia Legislativa
se constituírem em grupos parlamentares, tal como acontece relativamente à
Assembleia da República, não poderá deixar de ver-se implicitamente contida em
uma tal norma constitucional a faculdade de a Assembleia Legislativa prover à
existência dos meios humanos e materiais por ela considerados necessários para o
cabal exercício dos mandatos parlamentares, maxime, através da intervenção dos
grupos parlamentares.
Este poder de autoconformação orgânica da Assembleia Legislativa
postula, assim, a faculdade de esta eleger, no plano normativo, quer as
necessidades jurídico-políticas e respectivo grau de intensidade a satisfazer,
no que concerne ao funcionamento da Assembleia e intervenção dos grupos
parlamentares, quer os meios humanos e materiais que a sua satisfação demanda.
Nesta linha, o legislador regional goza de discricionariedade
normativo-constitutiva, “nos termos da Constituição” e “com as necessárias
adaptações” no que respeita à aplicação à Assembleia Legislativa da região
autónoma do regime estabelecido no artigo 180º da Constituição para os Grupos
Parlamentares. Pode, assim, o legislador regional optar pelos critérios
normativos que entenda constituírem as melhores respostas a dar à satisfação das
necessidades consubstanciadas na utilização de gabinetes pelos grupos
parlamentares, ao nível do apoio técnico, científico, logístico e material – e
da respectiva qualidade – tendo em vista o desempenho da função parlamentar que
há-de atender às especificidades em que o regime político administrativo próprio
das regiões se fundamenta – as suas “características geográficas, económicas,
sociais e culturais e históricas aspirações autonomistas das populações
insulares” (artigo 225º, n.º 1, da Constituição).
Ora, como a determinação e satisfação das necessidades humanas e
materiais, no domínio da “utilização dos gabinetes parlamentares”, de
“assessoria, contactos com os eleitores e outras actividades correspondentes aos
mandatos dos Deputados”, demandam, necessariamente, a previsão de verbas para o
seu pagamento há-de ver-se implicada na faculdade de regulação interna a
possibilidade da previsão de tais verbas.
De resto, uma tal solução é ainda reforçada por duas outras
circunstâncias: de um lado, pelo facto de o poder orçamental ser
constitucionalmente reconhecido como constituindo competência exclusiva da
Assembleia Legislativa da região autónoma [art. 227º, n.º 1, alínea p), e 232º,
n.º 1, da Constituição]; do outro, pelo princípio da autonomia
político-administrativa, entendido, aqui, na acepção de reconhecimento às
regiões autónomas de um poder de eleição das despesas a suportar na compreensão
do que elas entendam como corresponder à promoção e defesa dos interesses
regionais, despesas essas que hão-de ser necessariamente expressas em tal
orçamento (cf. artigo 225º, n.º 2, da Constituição).
E, assim sendo, quer se considere que as normas
constantes dos n.os 3 e 4 do artigo 232º da Constituição, enquanto relativas,
segundo o epíteto do artigo, à “competência da Assembleia Legislativa da região
autónoma”, compreendem, de modo indistinto, a atribuição da competência neles
referida e dos poderes (à região autónoma) de legislar sobre esta, quer se
entenda que a alínea a) do n.º 1 do artigo 227º da Constituição não pode deixar
de abarcar o poder de legislar sobre tal matéria na medida em que esta se mostra
constitucionalmente atribuída à região autónoma e não está reservada aos órgãos
de soberania, há que assentar que a Assembleia Legislativa da região autónoma
pode sobre ela legislar.
Por outro lado, não tendo as subvenções, cuja concessão os preceitos
impugnados prevêem, a natureza de financiamentos directos ou mediatos aos
partidos representados na Assembleia Regional, é de concluir, igualmente, que as
normas sindicadas não integram o regime de financiamento dos partidos políticos
para os efeitos dos artigos 164º, alínea h), e 51º, n.º 6, da Constituição,
mesmo que entendidos de forma conjugada.
Dentro da concepção, aqui assumida, da natureza e finalidades das
subvenções em causa e da extensão normativa dos poderes das regiões autónomas,
tal como se deixaram caracterizados, perde sentido a convocação que o requerente
faz quer do princípio da unidade do Estado quer da proibição constitucional da
constituição de partidos que, pela sua designação ou pelos seus objectivos
programáticos tenham índole ou âmbito regional.
4 - Constatado que as normas em causa não violam os artigos 164º,
alínea h), 51º, n.º 6, 227º, n.º 1, alínea a), e 228º, n.º 1, todos da
Constituição, importa agora indagar se as mesmas atentam contra o princípio da
igualdade, como subsidiariamente sustenta o recorrente.
Considera-se no pedido que “seja qual for a natureza e o destino da
subsidiação a que se reportam as normas impugnadas, mas admitindo-se que com
ela, directa ou indirectamente, se visa tão somente contemplar os grupos
parlamentares parece duvidoso que se verifique a existência de particularidades
ou especificidades regionais justificativas de tão grande diferenciação de
tratamento entre os grupos parlamentares da Assembleia Legislativa e da
Assembleia da República” que consiga afastar as exigências postuladas pelo
princípio da igualdade, consagrado como critério geral, também para o
legislador, no artigo 13º da Constituição, tendo até em conta que a sua
operacionalidade se justifica pelo facto de “o regime dos partidos políticos
(...) [ser] unitário e uniforme no todo nacional, achando-se constitucionalmente
vedada a existência de partidos com índole ou âmbito regional”, além de que “não
se apresenta uma única razão justificativa desta tão substancial alteração e
beneficiação do regime de financiamento — para um tratamento legislativo
desigualitário com o que vigora no plano nacional e sem qualquer consideração no
âmbito de uma desejável discriminação positiva para os partidos políticos com
escassa representação parlamentar”.
Apreciemos a questão.
Reflectindo o estado actual da substancialidade do problema
recortado, tanto na jurisprudência nacional e estrangeira como na doutrina,
afirmou-se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 232/2003 (publicado no
Diário da República I Série-A, de 17 de Junho de 2003), assumindo em diversos
dos seus passos abundante argumentação de jurisprudência anterior:
“[...]
Princípio estruturante do Estado de Direito democrático e do sistema
constitucional global (cf., neste sentido Gomes Canotilho e Vital Moreira,
Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, pág. 125),
o princípio da igualdade vincula directamente os poderes públicos, tenham eles
competência legislativa, administrativa ou jurisdicional (cf. ob. cit., pág.
129) o que resulta, por um lado, da sua consagração como direito fundamental dos
cidadãos e, por outro lado, da 'atribuição aos preceitos constitucionais
respeitantes aos direitos, liberdades e garantias de uma força jurídica própria,
traduzida na sua aplicabilidade directa, sem necessidade de qualquer lei
regulamentadora, e da sua vinculatividade imediata para todas as entidades
públicas, tenham elas competência legislativa, administrativa ou jurisdicional
(artigo 18º, nº 1, da Constituição)”(cf. Acórdão do Tribunal Constitucional nº
186/90, publicado no Diário da República II Série, de 12 de Setembro de 1990).
[…]
1.2.- O princípio não impede que, tendo em conta a liberdade de conformação
do legislador, se possam (se devam) estabelecer diferenciações de tratamento,
“razoável, racional e objectivamente fundadas”, sob pena de, assim não
sucedendo, “estar o legislador a incorrer em arbítrio, por preterição do
acatamento de soluções objectivamente justificadas por valores
constitucionalmente relevantes”, no ponderar do citado Acórdão nº 335/94. Ponto
é que haja fundamento material suficiente que neutralize o arbítrio e afaste a
discriminação infundada (o que importa é que não se discrimine para discriminar,
diz-nos J. C. Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição
Portuguesa de 1976, Coimbra, 1987, pág. 299).
Perfila-se, deste modo, o princípio da igualdade como “princípio
negativo de controlo” ao limite externo de conformação da iniciativa do
legislador - cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira , ob. cit., pág. 127 e, por
exemplo, os Acórdãos nºs. 157/88, publicado no Diário da República, I Série, de
26 de Julho de 1988, e os já citados nºs. 330/93 e 335/94 - sem que lhe
retire, no entanto, a plasticidade necessária para, em confronto com dois (ou
mais) grupos de destinatários da norma, avalizar diferenças justificativas de
tratamento jurídico diverso, na comparação das concretas situações fácticas e
jurídicas postadas face a um determinado referencial (“tertium comparationis”).
A diferença pode, na verdade, justificar o tratamento desigual, eliminado o
arbítrio (cf., a este propósito, Gomes Canotilho, in Revista de Legislação e de
Jurisprudência, ano 124, pág. 327; Alves Correia, O Plano Urbanístico e o
Princípio da Igualdade, Coimbra, 1989, pág. 425; Acórdão nº 330/93).
Ora, o princípio da igualdade não funciona apenas na vertente formal
e redutora da igualdade perante a lei; implica, do mesmo passo, a aplicação
igual de direito igual (cf. Gomes Canotilho, Constituição Dirigente e Vinculação
do Legislador, Coimbra, 1982, pág. 381; Alves Correia, op. cit., pág. 402) o
que pressupõe averiguação e valoração casuísticas da 'diferença'” de modo a que
recebam tratamento semelhante os que se encontrem em situações semelhantes e
diferenciado os que se achem em situações legitimadoras da diferenciação.
[…]
“[...] O Tribunal Constitucional tem considerado que o princípio da
igualdade impõe que situações da mesma categoria essencial sejam tratadas da
mesma maneira e que situações pertencentes a categorias essencialmente
diferentes tenham tratamento também diferente. Admitem-se, por conseguinte,
diferenciações de tratamento, desde que fundamentadas à luz dos próprios
critérios axiológicos constitucionais. A igualdade só proíbe discriminações
quando estas se afiguram destituídas de fundamento racional [cf., nomeadamente,
os Acórdãos nºs 39/88, 186/90, 187/90 e 188/90, Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 11º vol. (1988), p. 233 e ss., e 16º vol. (1990), pp. 383 e ss.,
395 e ss. e 411 e ss., respectivamente; cf., igualmente, na doutrina, Jorge
Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo IV, 2ª ed., 1993, p. 213 e ss.,
Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 6ª ed., 1993, pp. 564-5, e Gomes
Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 1993,
p.125 e ss.]”.
[…]
Assente a possibilidade de estabelecimento de diferenciações,
tornar-se-á depois necessário proceder ao controlo das normas sub judicio, feito
a partir do fim que visam alcançar, à luz do princípio da proibição do arbítrio
(Willkürverbot) e, bem assim, de um critério de razoabilidade.
Com efeito, é a partir da descoberta da ratio da disposição, em
causa, que se poderá avaliar se a mesma possui uma “fundamentação razoável”
(vernünftiger Grund), tal como sustentou o “inventor” do princípio da proibição
do arbítrio, Gerhard Leibholz (cf. F. Alves Correia, O plano urbanístico e o
princípio da igualdade, Coimbra, 1989, pp. 419 e ss). Essa ideia é reiterada
entre nós por Maria da Glória Ferreira Pinto: “[E]stando em causa (...) um
determinado tratamento jurídico de situações, o critério que irá presidir à
qualificação de tais situações como iguais ou desiguais é determinado
directamente pela 'ratio' do tratamento jurídico que se lhes pretende dar, isto
é, funcionalizado pelo fim a atingir com o referido tratamento jurídico. A
'ratio' do tratamento jurídico é, pois, o ponto de referência último da
valoração e da escolha do critério” (cf. Princípio da igualdade: fórmula vazia
ou fórmula 'carregada' de sentido?, sep. do Boletim do Ministério da Justiça, nº
358, Lisboa, 1987, p. 27). E, mais adiante, opina a mesma Autora: “[O] critério
valorativo que permite o juízo de qualificação da igualdade está, assim, por
força da estrutura do princípio da igualdade, indissoluvelmente ligado à 'ratio'
do tratamento jurídico que o determinou. Isto não quer, contudo, dizer que a
'ratio' do tratamento jurídico exija que seja este critério, o critério concreto
a adoptar, e não aquele outro, para efeitos de qualificação da igualdade. O que,
no fundo, exige é uma conexão entre o critério adoptado e a 'ratio' do
tratamento jurídico. Assim, se se pretender criar uma isenção ao imposto
profissional, haverá obediência ao princípio da igualdade, se o critério de
determinação das situações que vão ficar isentas consistir na escolha de um
conjunto de profissionais que se encontram menosprezados no contexto social, bem
como haverá obediência ao princípio se o critério consistir na escolha de um
rendimento mínimo, considerado indispensável à subsistência familiar numa
determinada sociedade” (ob. cit., pp. 31-32).
[…]».
A sujeição do legislador regional ao princípio da igualdade, nas
suas diferenciadas dimensões constitutivas, na medida em que corresponde a um
princípio estruturante da Constituição, surge, neste domínio, como um limite ao
exercício da autonomia politico-administrativa regional (n.º 3 do artigo 225º da
Constituição).
Como se diz no referido Acórdão n.º 400/91 o “reconhecimento
constitucional da igualdade [que a] converte em critério geral que modela o
ordenamento jurídico no seu conjunto e releva como elemento de interpretação e
integração desse mesmo ordenamento, logo, por isso, também da própria
Constituição”.
Não é de afastar, liminarmente e em geral, a possibilidade de
comparação entre a disciplina estabelecida por um diploma regional e a
consagrada sobre a mesma matéria pelo legislador da Assembleia da República ou
até pelo Governo da República.
Só que as realidades normativas que se pretendem comparar são
substancialmente diferentes, não podendo convocar-se como tertium comparationis
os critérios adoptados pela Assembleia da República no exercício do seu poder de
auto-conformação normativa dos Gabinetes dos grupos parlamentares, nos artigos
46º e 47º, n.os 4, 5 e 6, da Lei n.º 28/2003 – quer no que tange, inter alia, ao
número e categorias de pessoal que são atribuídos a cada grupo parlamentar em
função do número de Deputados que o constituem (n.º 1); à previsão de um tecto
para as despesas com as remunerações do quadro de pessoal de apoio (fixado
dentro das regras indicadas no número anterior por cada Grupo parlamentar, e com
as horas extraordinárias a processar a esses funcionários - n.os 2 e 3), tecto
este apurado com base na ponderação de diversos factores, entre os quais figura
o valor do salário mínimo nacional, conforme se trate de Deputado único
representante de um partido, deputado independente ou grupo parlamentar de 2
Deputados, de 3 a 5 Deputados ou com mais de 15 Deputados (n.os 4 e 9, todos os
números acabados de referir do artigo 46º); quer no que concerne aos elementos
considerados como factores de determinação da subvenção atribuída anualmente a
cada grupo parlamentar “para encargos de assessoria aos Deputados e outras
despesas de funcionamento (n.os 4, 5 e 6 do artigo 47º).
E trata-se de diferentes realidades, porque a Assembleia da
República e a Assembleia Legislativa da região autónoma têm diferentes
atribuições e poderes legislativos constitucionalmente reconhecidos e
desenvolvem a sua actividade legislativa dentro de um quadro jurídico e de facto
diferentes. Na verdade, enquanto, nas regiões autónomas, o poder legislativo
está atribuído apenas à Assembleia Legislativa, já no que importa ao âmbito
nacional verifica-se, fora do domínio da reserva absoluta ou relativa da
Assembleia da República, uma concorrência de poderes legislativos entre o
Parlamento e o Governo, demonstrando a prática que a maior parte da legislação é
produzida por este.
Fundamentando-se, de acordo com o disposto no artigo 225º, n.os 1 e 2, da
Constituição, o regime político-administrativo próprio das regiões autónomas,
igualmente, “nas suas características (…) económicas, sociais e culturais e nas
históricas aspirações autonomistas das populações insulares” e visando a
autonomia das regiões “a participação democrática dos cidadãos, o
desenvolvimento económico-social e a promoção e defesa dos interesses regionais,
bem como o reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade entre todos
os portugueses”, pode a prossecução da tutela dos interesses regionais por banda
do órgão legislativo regional, e na leitura que destes faça o mesmo legislador,
justificar a presença junto dos grupos parlamentares de pessoas, consultores,
técnicos, e meios materiais que, respectivamente, propiciem o conhecimento
desses interesses regionais e uma adequada informação sobre os mesmos junto dos
deputados, numa expressão diferente daquela que a Assembleia da República
considere como sendo a adequada para os seus grupos parlamentares cumprirem
semelhante tarefa no plano da consideração dos interesses nacionais.
Isto sendo certo que tais tarefas têm de ser exercidas num quadro de
específicas características geográficas de descontinuidade territorial, mais ou
menos acentuada, e de esta poder demandar especiais meios de transporte e de
comunicação entre os eleitos e as comunidades locais
Deste modo, e independentemente de o salário mínimo nacional e o
salário mínimo regional, adoptados como um dos factores de determinação do valor
das subvenções nas normas impugnadas e nos artigos 46º e 47º, n.os 4, 5 e 6, da
referida Lei n.º 28/2003, não serem do mesmo valor, sempre a diferença nos
montantes de verbas, apontada pelo requerente, poderá encontrar justificação nas
necessidades específicas de utilização de diferentes meios humanos e materiais.
Nesta perspectiva, o sistema de organização e de funcionamento dos
grupos parlamentares e a subsidiação que o mesmo implica e o modo como esta é
feita pela Assembleia da República apenas podem ser vistos como um simples
referencial que poderá ser acolhido pela Assembleia Legislativa da região
autónoma, no domínio da matéria correspondente, nos termos precisamente
estabelecidos pelo transcrito n.º 4 do artigo 232º da Constituição, ao prever a
aplicação dos preceitos aí referidos, entre eles se contando o artigo 180º, “com
as necessárias adaptações”.
Pode, assim, concluir-se não se verificar a violação do princípio da
igualdade.
5 – Mas, independentemente do que vai dito, importa afirmar que não
pode dizer-se que não existam quaisquer limites à discricionariedade
normativo-constitutiva do legislador regional no tocante à conformação da
estrutura orgânica da Assembleia Legislativa e dos seus grupos parlamentares e à
previsão dos meios de apoio, humanos e materiais, que essa estrutura demanda e
que subjazem à atribuição das subvenções.
Na verdade, conquanto expressamente afirmado pela Constituição
apenas a propósito do âmbito dos limites aos direitos fundamentais (artigo 18º,
n.º 2) e à utilização das medidas de polícia (artigo 272º, n.º 2), por
constituírem o domínio material em que a sua operacionalidade tende a ser mais
frequente e intensamente convocável, por razões associadas à defesa da dignidade
humana, como a do respeito pela sua liberdade e autonomia, é seguro, hoje, que o
princípio da proibição do excesso, nomeadamente, na sua dimensão de princípio da
proporcionalidade, constitui um princípio geral estruturante do Estado de
direito democrático e social, consagrado no artigo 2º da Constituição.
Nesta medida, o princípio, embora com mais intensiva aplicação na
ponderação constitucional das restrições à liberdade e autonomia individuais,
cumpre uma função de parâmetro de controlo da actuação dos poderes públicos em
Estado de direito democrático e social nos vários domínios em que estes se
desenvolvem (cf. Jorge Reis Novais, Os Princípios Constitucionais Estruturantes
da República Portuguesa, 2004, pp. 161. e ss.).
Todavia, numa situação em que o legislador constitucional entendeu
atribuir à Assembleia Legislativa das regiões autónomas o poder de
autoconformação do órgão legislativo e dos grupos parlamentares que o integram,
previsto constitucionalmente para a Assembleia da República, “com as necessárias
adaptações”, demandadas, naturalmente, pelo estatuto político-administrativo de
autonomia que lhes reconheceu, não poderá deixar de aceitar-se a existência de
uma margem de discricionariedade normativo-constitutiva do legislador das
regiões autónomas.