Imprimir acórdão
Processo n.º 376/05
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
1. A., pretende recorrer para o Tribunal Constitucional, nos termos da alínea b)
do n.º1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, para que se conheça:
a) Da interpretação que se extraiu nas instâncias do vertido nos art°s. 283° n°
3 al b), 358° n.º1, 359° nº1 e 379° n° 1 al. b) e c) no sentido de que sendo
aditados factos na sentença recorrida correspondentes ao elemento subjectivo do
tipo de crime, o arguido não teria de ser notificado da possível alteração de
factos, por violação do direito ao recurso, das garantias de defesa, do
princípio do acusatório e do contraditório insertos no art. 32 n.º 1 e 5 da
Constituição;
b) Da interpretação conjugada das normas dos art. 116° n.º1, 387° n.º2 e 4 do
Código de Processo Penal e do art. 348° n.º1 al. a) do Código Penal e em
especial das normas do art. 387° supra citadas, no sentido de que ao arguido que
não comparece ao julgamento em processo sumário é imediata e necessariamente
lavrado auto de notícia para responder pelo crime de desobediência, cometendo
tal crime se não justificar a falta, por violação do princípio da igualdade, da
proporcionalidade e da adequação insertos nos art. 13° n° 1 e 18° n° 2 e 3 da
Constituição;
c) Da interpretação feita pelas instâncias do art. 333° nºs 1 e 2 do Código de
Processo Penal no sentido de que o arguido pode ser julgado na sua ausência sem
nunca ter sido ouvido durante o processo ou sequer se saber se foi notificado da
acusação e do despacho que designa dia para a audiência, por violação das
garantias de defesa do arguido, do Princípio do contraditório e do direito de
estar presente em actos processuais que o afectem insertos no art. . 32° n.º1, 5
e 6 da Constituição;
d) Da interpretação feita pelas instâncias do vertido no art. 333 nºs 1 e 2 e
399° do Código de Processo Penal no sentido de que faltando o arguido à
audiência de julgamento, o tribunal não tem de proferir despacho no sentido de
não ser indispensável a presença do arguido desde o início da audiência, tomando
insindicável a decisão de começar a audiência sem a presença do arguido, por
violação do direito ao recurso, do princípio do contraditório e do direito do
arguido estar presente em actos que pessoalmente o afectem insertos no art. 32°
n° 1 e 6 da Constituição;
e) Da interpretação que foi feita pelas instâncias do vertido nos art. 333° n° 2
e 340° n° 1 do Código de Processo Penal no sentido de que o julgamento poderia
prosseguir e ser proferida sentença depois de o Tribunal proferir despacho
julgando as declarações do arguido importantes para a descoberta da verdade
material e posteriormente não ter ouvido o arguido prosseguindo a audiência com
a leitura da sentença, por violação do princípio da segurança jurídica e da
imutabilidade das decisões judiciais insertos que estão no princípio do Estado
de Direito Democrático ( cfr . art. 2º da Constituição );
f) Do entendimento do Tribunal da Relação do vertido nos art. 358° n° 1 e 359°
n° 1 no sentido de que o aditamento de factos na sentença que não constavam na
acusação relativos ao elemento subjectivo do crime não constitui alteração
substancial ou não substancial dos factos, por violação do princípio do
contraditório, das garantias de defesa do arguido e do direito de o mesmo estar
presente em actos processuais que pessoalmente o afectem insertos no artigo 32°
n° 1, 5 e 6 da Constituição;
g) Da interpretação que o Tribunal da Relação extraiu do vertido no art.. 374°
n° 2 e 379° n° 1 al. a) do Código de Processo Penal no sentido de que o elemento
subjectivo do crime se apreende através da prova do elemento objectivo do mesmo,
não sendo, por isso, necessária qualquer outra prova para se ter como assente o
dolo do agente, por violação do direito ao recurso, das garantias de defesa, do
princípio da presunção da inocência e da obrigação de fundamentação das decisões
judiciais insertos no art. 32° n° 1 e 2 e 205° n° 1 da Constituição;
h) Da interpretação que se extraiu nas instâncias do vertido no art.. 333° n° 1
e 2 e 340° n° 1 do Código de Processo Penal no sentido de que o despacho que
considera importante a inquirição do arguido para a descoberta da verdade
material não faz caso julgado impeditivo da reponderação dos seus fundamentos e
impeditivo do prosseguimento do julgamento com a prolação da sentença sem que
tal inquirição seja efectuada, por violação do o princípio da segurança jurídica
e da imutabilidade das decisões judiciais insertos que estão no princípio do
Estado de Direito Democrático vertido no art.. 2° da Constituição, das garantias
do arguido, do contraditório e do direito de estar presente em actos processuais
que directamente o afectem (art. 32° n° 1, 5 e 6 da Constituição );
i) Da interpretação que se retirou nos acórdãos recorridos do disposto nos art.
410° n° 1, 428° nºs 1 e 2, 363°, 364° nºs 1 e 3 do Código de Processo Penal, no
sentido de que o Tribunal da Relação não pode sindicar toda a matéria de facto
ainda que não contida nos vícios enunciados no art. 410° do Código de Processo
Penal, por violação do direito ao recurso (cfr. o art. 32° n° 1 da
Constituição).
2. Pretende, ainda, recorrer, nos termos da alínea i) do n.º1 do art. 70° da
Lei 28/82 de 15 de Novembro 'por se afigurar que a aplicação que as instâncias
fizeram do vertido nos art. 358° n° 1 e 359° n° 1 no sentido de que o aditamento
de factos na sentença que não constavam na acusação relativos ao elemento
subjectivo do crime não constitui alteração substancial ou não substancial dos
factos e que não havia que conceder ao arguido prazo para a defesa, se encontra
em desconformidade com o anteriormente decidido pelo Tribunal Constitucional nos
acórdãos n° 130/98, publicado in BMJ 474/69 e 674/99 publicado in DR II série de
25/02/00.'
3. Já neste Tribunal foi, todavia, proferida decisão sumária nos seguintes
termos:
[...]
2.1. O recurso previsto na alínea b) do n. 1 do artigo 70º da LTC cabe das
decisões que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada
durante o processo, é restrito à questão da inconstitucionalidade suscitada
(artigo 71º n.º 1 da LTC), e só pode ser interposto pela parte que haja
suscitado a questão da inconstitucionalidade de modo processualmente adequado
perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar
obrigado a dela conhecer (artigo 72º n.º 2 da LTC).
Este Tribunal tem ainda mantido o entendimento de que o momento oportuno para a
suscitação de questões de inconstitucionalidade não é a fase de reclamação
contra a decisão recorrida, quer em sede de aclaração, quer por via de invocação
de nulidades, momento em que o Tribunal já não pode conhecer de questões novas,
pois o âmbito do recurso ficou, em fase anterior, limitado pela alegação do
recorrente.
2.2. Apura-se, nesta linha de entendimento, que a única questão normativa
suscitada atempadamente pelo recorrente consistiu na acusação de
inconstitucionalidade da norma contida no artigo 387 n.º 2 e 4 do Código de
Processo Penal, mediante a invocação de 'a lei ordinária conferir um tratamento
desigual a dois casos iguais, violando os artigos 13º n.º 1 e 18º n.º 2 e 3 da
Constituição.'
A esta alegação respondeu a Relação da seguinte forma:
Defende o recorrente a inconstitucionalidade do artigo 387 n.º 2 e 4 do Código
de Processo Penal por violar os artigos 13º n.º 1 e 18º n.º 2 e 3 da
Constituição da República – cfr. conclusão 8ª e 9ª.
A regulamentação do processo sumário está contida nos artigos 381º a 391º do
Código de Processo Penal, tendo os n.º 2 e 4 do artigo 387º e bem assim o n.º 3
sido introduzidos pela Lei 59/98 de 25 de Agosto com vista a aumentar a eficácia
deste processo.
Sendo o processo sumário um processo especial dirigido, a par dos demais
processos especiais, ao tratamento da pequena e da média criminalidade, por
contraposição ao processo comum, vocacionado para a criminalidade grave e em que
a audiência de julgamento tem de ser realizada em acto seguido à detenção
(artigo 387º n.º 1), ou nos 30 dias posteriores (artigo 386º), e em que o
arguido é obrigatoriamente libertado se a audiência não puder ter lugar nas 48
horas posteriores à detenção, a existência da cominação em causa, com vista à
prossecução do aludido objectivo é perfeitamente justificável, não beliscando
minimamente o princípio da igualdade ou qualquer outro com consagração
constitucional.
O arguido retoma, no requerimento de recurso, a acusação de
inconstitucionalidade da norma, dizendo que a interpretação conjugada das normas
dos art. 116° n.º1, 387° n.º2 e 4 do Código de Processo Penal e do art. 348°
n.º1 al. a) do Código Penal e em especial das normas do art. 387° supra citadas,
no sentido de que ao arguido que não comparece ao julgamento em processo sumário
é imediata e necessariamente lavrado auto de notícia para responder pelo crime
de desobediência, cometendo tal crime se não justificar a falta, por violação do
princípio da igualdade, da proporcionalidade e da adequação insertos nos art.
13° n° 1 e 18° n° 2 e 3 da Constituição.
Não tem, manifestamente, razão conforme decidiu o acórdão recorrido. Na verdade,
a situação processual do arguido, face ao processo especial em que decorre (e
que a distingue de outras situações semelhantes que possam ocorrer quanto à
falta do arguido a diligências), é totalmente justificável pela urgência com que
se devem desenrolar os trâmites processuais, sendo certo que em nenhum momento
ocorre compressão intolerável dos direitos fundamentais, designadamente por
inversão do ónus da prova.
2.3. Quanto ao recurso interposto ao abrigo da alínea i) do n.º1 do art. 70° da
LTC – o qual deve respeitar a questão relacionada com a recusa de aplicação de
norma legal com fundamento na sua contrariedade com uma convenção internacional
– apura-se que não tem fundamento. Na verdade, não há o mínimo indício de que
tenha sido desaplicada qualquer norma legal com o referido fundamento.
3. Assim, decide-se, nos termos do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC, não conhecer do
objecto do recurso e, na parte restante, julgá-lo manifestamente improcedente.
4. Contra esta decisão reclama o recorrente, nos termos que constam de fls.
282/302. Sustenta, em suma, que suscitou adequadamente a inconstitucionalidade
das seguintes normas:
– Da interpretação que se extraiu nas instâncias do vertido nos artigos 283° n°
3 alínea b), 358° n.º1, 359° n.º1 e 379° n.° 1 alíneas b) e c) no sentido de que
sendo aditados factos na sentença recorrida correspondentes ao elemento
subjectivo do tipo de crime, o arguido não teria de ser notificado da possível
alteração de factos, por violação do direito ao recurso, das garantias de
defesa, do princípio do acusatório e do contraditório insertos no art. 32 n.º 1
e 5 da Constituição;
– Da interpretação conjugada das normas dos artigos 116° n.º1, 387° n.º2 e 4 do
Código de Processo Penal e do art. 348° n.º1 al. a) do Código Penal e em
especial das normas do artigo 387° supra citadas, no sentido de que ao arguido
que não comparece ao julgamento em processo sumário é imediata e necessariamente
lavrado auto de notícia para responder pelo crime de desobediência, cometendo
tal crime se não justificar a falta, por violação do princípio da igualdade, da
proporcionalidade e da adequação insertos nos artigos 13° n.° 1 e 18° n.° 2 e 3
da Constituição;
– Da interpretação feita pelas instâncias do artigo 333° nºs 1 e 2 do Código de
Processo Penal no sentido de que o arguido pode ser julgado na sua ausência sem
nunca ter sido ouvido durante o processo ou sequer se saber se foi notificado da
acusação e do despacho que designa dia para a audiência, por violação das
garantias de defesa do arguido.
Entende, ainda, que as questões suscitadas nas reclamações decorrem da violação
do princípio do contraditório e do direito de estar presente em actos
processuais que o afectem, insertos no artigo 32° n.º1, 5 e 6 da Constituição.
Invoca, ainda, que as questões suscitadas no pedido de aclaração e nas
reclamação por nulidade devem ser conhecidas por ter sido surpreendido com a
aplicação destas normas no acórdão recorrido.
Solicita, por fim, que se considere como simples lapso de escrita a indicação da
alínea i) do n. 1 do artigo 70º da LTC ao abrigo da qual impugna normas ínsitas
nos artigos 358º n. 1 e 359º n. 1 do Código de Processo Penal, uma vez que
pretendeu referir-se à alínea g) do citado preceito. Requer, por isso, que o
recurso prossiga ao abrigo da alínea g) do citado preceito.
O representante do Ministério Público neste Tribunal emite opinião no seguinte
sentido:
1 – A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2 – Na verdade, o recorrente não suscitou, durante o processo e em termos
processualmente adequados, as questões de inconstitucionalidade normativa que
enuncia no requerimento de interposição, salvo a que foi objecto de apreciação
de mérito na decisão sumária reclamada, já que – no momento processual adequado
(a motivação do recurso para a Relação) – se limitou a questionar a legalidade e
constitucionalidade da decisão condenatória contra si proferida.
3 – No que respeita à questão que foi objecto de apreciação de mérito, a
presente reclamação apenas confirma o bem fundado de tal decisão, uma vez que o
recorrente vem esclarecer que a pretensa inconstitucionalidade se não prende
afinal com o regime normativo estipulado, mas antes com as concretas
vicissitudes do processo (fls. 265).
4 – Finalmente, não é admissível, no âmbito da reclamação para a conferência,
alterar – a pretexto da existência de 'lapso' – o tipo e natureza do recurso
interposto.
5. Importa decidir.
O recorrente concluiu o recurso que interpôs para a Relação de Guimarães da
seguinte forma:
'1ª- Perante os factos descritos na douta acusação pública o arguido não poderia
ter sido condenado pelo crime de condução em estado de embriaguez, porquanto
inexiste claramente o tipo subjectivo do crime no libelo acusatório.
2ª - O tipo legal de crime integra um tipo objectivo e um tipo subjectivo, sendo
que omitindo a acusação pública o tipo subjectivo de crime, não se pode
considerar que o arguido se encontre acusado pelo mesmo.
3ª - A sentença recorrida ao dar como provada a matéria de facto que jaz sob os
n.º s 5 e 6, fê-lo violando o princípio da vinculação temática e do acusatório,
devendo o arguido ser absolvido do crime de condução em estado de embriaguez,
uma vez que a menção tabelar de que o arguido agiu livre e conscientemente bem
sabendo da ilicitude da sua conduta não é bastante para que se considere inserto
o tipo subjectivo do crime, desde logo porque tal frase se encontra no singular
tendo o arguido respondido por dois crimes. Violou a sentença recorrida, neste
passo os art. 283° n.º 3 al. b) e 32° n.º5 da Constituição da República
Portuguesa, sendo por isso nula (cfr. o art. 379° n.º 1 al. b) e c) do Código de
Processo Penal).
4ª- Mesmo que assim não se entendesse, teria o arguido de ser notificado da
alteração substancial dos factos vertidos na acusação, nos termos do art. 359°
do Código de Processo Penal, o que não aconteceu. Pelo que deverá a sentença
recorrida ser declarada nula, nos termos do disposto no art. 379° n.º 2 do mesmo
Código.
5ª- A sentença recorrida não fez qualquer exame crítico da prova recolhida em
audiência de julgamento e é manifestamente omissa em matéria de fundamentação de
facto e de direito. Com efeito, através da sua leitura não se alcança como foi
dada como provada a matéria dos nos 4, 5 e 6, se o arguido foi punido a título
de dolo ou de negligência quanto ao crime de condução em estado de embriaguez,
ou como se terá concluído que agiu dolosamente quanto ao crime de desobediência,
pelo que a sentença recorrida é nula por violação do art. 374° n.º 2 do Código
de Processo Penal e do art. 205° da Constituição da República Portuguesa (cfr. o
art. 379° n.º 1 al. a) do Código de Processo Penal ).
6ª- A sentença recorrida ao dar como provado que o arguido estava embriagado e
ao mesmo tempo que este sabia que não comparecendo em audiência incorria em
responsabilidade criminal por desobedecer a uma ordem da autoridade que sabia
ser legal e legítima e que agiu em ambas ocasiões de modo livre e consciente bem
sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei incorreu em contradição
insanável na fundamentação. De facto, não pode dar-se como provado que o arguido
estava embriagado e, logo no momento a seguir quando foi notificado se
encontrava em plenas condições para perceber o conteúdo do que se achava exarado
na notificação, pelo que a sentença recorrida incorreu no vício previsto no art.
410° n.º 2 al. b) do Código de Processo Penal.
7ª- Por outro lado, a notificação feita ao arguido para comparecer no Tribunal
Judicial de Guimarães é insuficiente uma vez que existem dois Tribunais
Judiciais em Guimarães. Assim, não tendo o arguido sido notificado fazendo-se
menção da exacta localização do tribunal onde teria de comparecer a prova que se
fez é insuficiente para se dar como assente que o arguido não compareceu e, como
tal, deveria o arguido ser absolvido da prática do crime de desobediência (cfr.
o art. 410º n° 2 al. a) do Código de Processo Penal).
8ª - Além disso, a condenação do arguido pelo crime de desobediência é ilegal.
De facto, ao arguido que não comparece a qualquer diligência em qualquer forma
de processo é aplicada uma multa nos termos do disposto no art. 116° n.º1 do
Código de Processo Penal, sendo que ao arguido que não comparece ao julgamento
em processo sumário, é imediata e necessariamente lavrado auto de notícia para
responder pelo crime de desobediência, nos termos do art. 387° n.º 2 e 4 do
Código de Processo Penal.
9ª- Assim, a lei ordinária confere um tratamento desigual a dois casos iguais,
violando os art. 13° n.º1 e 18° n.º 2 e 3 da Constituição da República
Portuguesa, devendo em consequência declarar-se a inconstitucionalidade do art.
387° n.º 2 e 4 do Código de Processo Penal não se aplicando tais normas conforme
o previsto no art. 204° da Constituição.
10ª - O arguido, no caso sub judice, não poderia ser julgado na ausência, uma
vez que o tribunal a quo não cumpriu os requisitos para que tal acontecesse.
11ª- Com efeito o tribunal não tomou quaisquer medidas tendentes à comparência
do mesmo em juízo, nem proferiu despacho fundamentado ou não, considerando que
não era indispensável a presença do arguido desde o início da audiência de
julgamento, sendo que o fundamento para o julgamento na ausência deveria constar
da sentença, pelo que não constando, nem tendo sido cumpridos os requisitos para
o julgamento na ausência, a sentença deve ser considerada nula, nos termos do
art. 379° al. c) do Código de Processo Penal e o julgamento deve ser considerado
nulo por violação do art.119º al. c) do Código de Processo Penal (cfr. o art.
410° n.º3 do Código de Processo Penal).
12ª - Mesmo que assim não se entenda, o prosseguimento do julgamento na segunda
data designada não poderia ter lugar uma vez que o Mmo. Juiz havia proferido
despacho, nos termos do art. 333° n.º 2 do Código de Processo Penal, dizendo que
a presença do arguido era relevante para a boa decisão da causa, pelo que o
julgamento teria de ser adiado.
13ª - Sem prescindir do que antes se disse, sempre seria o julgamento na
ausência do arguido ilegal, porquanto o processo decorreu sem que o arguido
tivesse sido ouvido no Ministério Público aquando do inquérito, sem se ter a
certeza de sido notificado da acusação ou do despacho que designa dia para a
audiência de julgamento (por ter sido notificado por carta simples) e, por fim,
realizou-se a mesma na ausência do arguido, pelo que o tribunal recorrido ao
interpretar as normas do art. 333° n.º1 e 2 do Código de Processo Penal no
sentido de que o arguido pode ser julgado na sua ausência, nunca tendo sido
ouvido no decorrer do processo, violou o art.32º n° 1 e 6 da Constituição.
14ª- Sem prescindir do que se disse, deve considerar-se que quer a pena, quer o
período de inibição de conduzir em que o arguido foi condenado, exagerados. Com
efeito, não determinando o tribunal recorrido a medida da culpa do agente ou
sequer se o arguido foi punido a título de dolo ou de negligência não poderia em
concreto aplicar-lhe uma pena superior a metade da pena abstractamente aplicável
ao tipo de crime e dez meses de inibição de conduzir, violando-se assim o art.
71º n.º1 do Código Penal e o art. 32° n.º 2 da Constituição.
15ª- Funda-se o presente recurso quanto à matéria de facto nos art. 379° n.º1 e
410º n.º 2 e 3 do Código de Processo Penal.
16ª - A sentença recorrida violou ou fez errada aplicação dos art. 71º n.º1,
348° n.º 1 al. a) e 292° n.º 1 do Código Penal, dos art. 119º al. c), 283° n.º 3
al. b), 333° n.º1 e 2, 359°, 374° n.º 2 e 387° n.º 2 e 4 do Código de Processo
Penal e dos art. 13º n.º1, 18º n.º 2 e 3,32° n° 1,2,5 e 6,204° e 205° da
Constituição da República Portuguesa, não podendo pois manter-se.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Ex.as. naquilo em que o patrocínio
se afigure insuficiente, deve ser dado provimento ao recurso e, em consequência,
a sentença recorrida ser revogada e substituída por acórdão em que se absolva o
arguido dos crimes pelos quais foi condenado, nos termos do disposto no art.
431° al. a) do Código de Processo Penal, só assim se fazendo JUSTIÇA.'
Da leitura desta peça, resulta bem seguro que o recorrente suscitou, como
questão de inconstitucionalidade normativa, a da norma contida no artigo 387 n.º
2 e 4 do Código de Processo Penal, em virtude de, alegadamente, 'a lei ordinária
conferir um tratamento desigual a dois casos iguais, violando os artigos 13º n.º
1 e 18º n.º 2 e 3 da Constituição.'
No requerimento de recurso a acusação de inconstitucionalidade alarga-se à
interpretação conjugada das normas dos art. 116° n.º1, 387° n.º2 e 4 do Código
de Processo Penal e do art. 348° n.º1 al. a) do Código Penal e em especial das
normas do art. 387° supra citadas, no sentido de que ao arguido que não
comparece ao julgamento em processo sumário é imediata e necessariamente lavrado
auto de notícia para responder pelo crime de desobediência, cometendo tal crime
se não justificar a falta, por violação do princípio da igualdade, da
proporcionalidade e da adequação insertos nos art. 13° n° 1 e 18° n° 2 e 3 da
Constituição.
Ora bem. Tomando em linha de conta que o Tribunal Criminal da Comarca de
Guimarães dera como provado que o arguido fora pessoalmente notificado para
comparecer nesse Tribunal no dia 3 de Setembro de 2001, pelas 10 horas, a fim de
responder em processo sumário, sob pena de incorrer na prática de um crime de
desobediência, faltando; que o arguido não compareceu na data e local referidos
e não apresentou qualquer justificação para a sua falta; que o arguido sabia que
não comparecendo incorria em responsabilidade criminal por desobedecer a uma
ordem da autoridade, a acusação de inconstitucionalidade, embora alegadamente
reportada a uma norma tem como alvo a decisão jurisdicional, pois o que
verdadeiramente aqui se questiona é a solução da questão de facto, isto é, o
quadro factual sobre o qual se construiu a solução jurídica da causa.
Dizer-se, portanto, que é inconstitucional a aludida norma no sentido de que ao
arguido que não comparece ao julgamento em processo sumário é imediata e
necessariamente lavrado auto de notícia para responder pelo crime de
desobediência, cometendo tal crime se não justificar a falta, ainda que pudesse
considerar-se norma uma tal formulação, sempre envolveria uma outra dimensão
normativa, diversa da que foi suscitada no processo, e de que, consequentemente,
o Tribunal não pode conhecer em sede de recurso.
É certo, passando agora a outra questão, que o recorrente também alegou que
'sempre seria o julgamento na ausência do arguido ilegal, porquanto o processo
decorreu sem que o arguido tivesse sido ouvido no Ministério Público aquando do
inquérito, sem se ter a certeza de sido notificado da acusação ou do despacho
que designa dia para a audiência de julgamento (por ter sido notificado por
carta simples) e, por fim, realizou-se a mesma na ausência do arguido, pelo que
o tribunal recorrido ao interpretar as normas do art. 333° n.º1 e 2 do Código de
Processo Penal no sentido de que o arguido pode ser julgado na sua ausência,
nunca tendo sido ouvido no decorrer do processo, violou o art. 32º n° 1 e 6 da
Constituição'. Mas também é certo que, assim enunciada, a questão se prende com
circunstâncias especiais do caso concreto, e designadamente factos que o
Tribunal deu como provados, cuja ocorrência o recorrente contesta.
A restante matéria que o recorrente agora sustenta constituir a suscitação
atempada de questões de constitucionalidade, constitui, ao invés, uma crítica
directa à decisão enquanto tal, embora com referência à violação de determinados
preceitos constitucionais. Não podem, por isso, haver-se como a suscitação de
questões de inconstitucionalidade normativa.
Sustenta-se, ainda, que as questões levantadas em sede dos pedidos de aclaração
e de reclamação por nulidade devem ser conhecidas em virtude de que 'certos
trechos do acórdão proferido pela Relação de Guimarães são absolutamente
surpreendentes, não sendo exigível ao reclamante antecipar o juízo de
inconstitucionalidade das normas em causa, de modo a impor-se-lhe o ónus de
suscitar a questão'.
No entanto, ao confrontar as 'questões de inconstitucionalidade' suscitadas,
logo se vê que elas se reportam sempre a matérias debatidas no recurso
interposto de sentença da 1ª Instância. O que o recorrente apelida de aplicação
surpreendente de normas constitui, afinal, um conjunto de argumentos de
hermenêutica apurados pela Relação para contrariar a tese defendida pelo
recorrente no seu recurso. Não se trata, efectivamente, de regras gerais e
abstractas aplicadas pelo Tribunal recorrido, mas de autênticos juízos de
aplicação concreta da norma em atenção aos factos apurados. E daí que não seja
lícito suscitar essas questões numa fase em que a Relação já não pode conhecer
de matéria nova. A justificação a que o Tribunal atende para a não suscitação
oportuna de questões de inconstitucionalidade não reside no factor de surpresa
subjectiva do recorrente, mas na circunstância, objectiva, de não lhe haver sido
dada oportunidade para a suscitar anteriormente.
Quanto ao recurso interposto ao abrigo da alínea i) do n. 1 do artigo 70º da
LTC: o reclamante invocou esta alínea no requerimento de interposição de recurso
de fls. 237. Quando notificado para corrigir o seu requerimento, ao abrigo do
artigo 75º-A da LTC, o requerente voltou a invocar a mesma alínea para
fundamentar este seu recurso. Ora, esta repetida invocação do preceito ao abrigo
do qual pretende recorrer indica que se não trata de um lapso; aliás, se de
lapso se tratasse, poderia então tê-lo corrigido, o que não fez.
Não é, assim, admissível, no âmbito da reclamação para a conferência, alterar –
a pretexto da existência de 'lapso' – o tipo e natureza do recurso interposto.
6. Mantém-se, nestes termos, a decisão sumária, indeferindo-se a reclamação.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC, sem prejuízo do
apoio judiciário concedido.
Lisboa, 14 de Julho de 2005
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos